UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL
ESTRATÉGIAS DE RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS CONJUGAIS: UMA EXPLICAÇÃO A PARTIR DA PERSONALIDADE E DOS VALORES
HUMANOS
NÁJILA BIANCA CAMPOS FREITAS
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL
ESTRATÉGIAS DE RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS CONJUGAIS: UMA EXPLICAÇÃO A PARTIR DA PERSONALIDADE E DOS VALORES
HUMANOS
Nájila Bianca Campos Freitas, Mestranda Profª. Drª. Patrícia Nunes da Fonsêca, Orientadora
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL
ESTRATÉGIAS DE RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS CONJUGAIS: UMA EXPLICAÇÃO A PARTIR DA PERSONALIDADE E DOS VALORES
HUMANOS
Nájila Bianca Campos Freitas
Dissertação submetida ao Programa de Pós- Graduação em Psicologia Social (Mestrado), da Universidade Federal da Paraíba, como requisito final para a obtenção do grau de Mestre em Psicologia Social.
“Quem julga saber, esquece de aprender, coitado de quem se interessa pouco. Pode esperar, o tempo nos dirá que nada como um dia após o outro”
AGRADECIMENTOS
Às vezes nos tornamos muito passivos em nossa busca por mudança. A
impossibilidade de controlarmos o amanhã, por vezes nos conduz ao medo e observamos
os desafios como algo impossível de ser superado. Contudo, isso é possível de ser
vencido quando temos ao nosso lado pessoas que nos ensinaram que o segredo está na
determinação e confiança em acreditarmos em nossos sonhos. Sendo assim, ainda que
palavras sejam insuficientes para expressar a minha gratidão, a seguir descreverei
resumidamente pessoas que foram essenciais durante esse desafio denominado: mestrado.
Agradeço a Deus por ter planejado minha vida de forma tão perfeita. Obrigada por
pacientemente escutar-me. Obrigada por estar comigo e sustentar-me em todos os
momentos. És o bem mais precioso que possuo e nada disso existiria sem a sua
existência.
Agradeço a professora Patrícia Nunes da Fonsêca, por ter sido mais que uma
orientadora, por ter me desafiado a enfrentar os obstáculos com fé, determinação e
humildade. Obrigada professora por ter me proporcionado crescer academicamente e,
sobretudo pessoalmente. Muitas das aprendizagens e maturidade que hoje possuo
advieram dos seus ensinamentos. A senhora será sempre uma das minhas referências,
enquanto pessoa competente e determinada. Serei eternamente grata por todos os
momentos que compartilhei com a senhora.
Agradeço aos avaliadores, a professora Viviany Silva Araújo Pessoa por se dispor
a me ajudar sempre que precisei e por transmitir sua positividade por meio do seu bom
humor e alto-astral. Obrigada pelas sábias palavras de incentivo. Agradeço também ao
professor Valdiney Veloso Gouveia o qual tive o privilégio de conhecer melhor durante o
vida. Agradeço a professora Sandra Elisa de Assis Freire por ter sido solícita ao meu
convite e gentilmente ter aceitado.
Agradeço aos meus pais Maria Claudeci e José Freitas e a minha irmã Jéssica
Katiane. Obrigada por me ensinarem a persistir pelos meus sonhos e a jamais negarem
ajuda nos momentos que precisei. Obrigada por todo esforço que fizeram por minha
causa. Jamais conseguirei compensá-los por tudo que fizeram/fazem por mim. A minha
vida não teria o menor sentido se não fosse o apoio de vocês. Vocês são os meus maiores
exemplos de vida e serei eternamente grata por tê-los.
Agradeço as minhas amigas de infância: Mirian, Talita, Tamires, Heloísa,
Nathalia, Lorenna e Wilma. Obrigada por estarem presentes em todos os momentos da
minha vida e por se disporem a ouvirem minhas preocupações, dúvidas e anseios. Vocês
não fazem apenas parte da minha vida, mas sim estão presentes desde o início dela e
seguirão comigo até quando existir o amanhã.
Agradeço as minhas amigas da graduação: Eugênia, Gabriela, Cristiane,
Mariângela e Eliane. Obrigada por cuidarem de mim, pelos sábios conselhos e pelas
doces e amáveis palavras ditas nos momentos que eu mais precisei. Obrigada por se
disporem a me ajudar em todas as situações. Quero tê-las comigo para sempre.
Agradeço também a Jérssia, amiga e companheira do mestrado e núcleo de
pesquisa. Sem dúvida, sua amizade foi essencial durante esses dois últimos anos.
Obrigada por se dispor a me ajudar todas às vezes que precisei. Obrigada por estar
comigo em momentos desafiadores e suportar meus estresses, mas também de muitas
risadas. Obrigada por pacientemente ouvir-me e ajudar-me a acreditar na minha
capacidade. Agradeço também a Ricardo, companheiro que compartilhou conosco essa
trajetória do mestrado e do grupo de pesquisa. Obrigada por sempre estar disposto a me
Agradeço a Maria Gabriela (minha Gaby) por todos os cuidados comigo. Eu
realmente não poderia encontrar ninguém melhor do que você para morar. Sua
companhia durante esses quase dois últimos anos foi essencial. Obrigada por digitar meus
questionários, mas principalmente por ser cúmplice das minhas tristezas e alegrias.
Obrigada por escutar minhas longas histórias, no geral, acadêmicas. Tenho um carinho
imenso por você e espero que possamos morar por mais alguns anos. Saibas que
guardarei você para sempre comigo.
Agradeço a Flávia, Tátila e Karen, amizades que o mestrado me proporcionou.
Obrigada Flávia não somente por estar comigo durante os momentos de aulas e trabalhos,
mas, sobretudo por sempre se preocupar comigo. Obrigada Tátila, por abdicar de fazer
suas coisas para me socorrer em momentos de desesperos e pelas palavras de ânimo.
Obrigada Karen pelas conversas compartilhadas, pelos questionários coletados, és um
exemplo para mim. Sou muito grata pela amizade de vocês e por todos os momentos
acadêmicos, conversas e risadas que compartilhamos. Enfim, que a nossa amizade dure
para sempre.
Agradeço também a Alessandro, por se dispor a me ajudar apesar de termos nos
conhecido há pouco tempo. Sou muito grata por nossa aproximação nesses últimos meses
e por sua incrível solicitude. Obrigada por, muitas das vezes, insistir em me ajudar e
pelos recadinhos fofos. Contar com sua amizade nesses últimos momentos foi
fundamental. Eu realmente espero que a nossa amizade seja cultivada.
Agradeço a Bruna Lopes (Bruninha) por ter disponibilizado seu tempo e esforço
em me ensinar algumas análises estatísticas, além dos muitos momentos de escuta e
conselhos. Obrigada por suportar meus desesperos e de forma doce tentar me acalmar.
Agradeço ao grupo de pesquisa NEDHES, que faço parte há, aproximadamente
seis anos. Certamente quase tudo que aprendi acerca da pesquisa foi mediante o
compartilhamento de conhecimentos com as pessoas que o compõe. Assim, agradeço aos
integrantes Rosy, Rayssa, Lays, Nicolle, Andrezza, Mayara, Mirela, Karol e Anny,
Nathalia, Jessica e Luana. Para tanto, gostaria de destacar minha eterna gratidão a minha
Maria Izabel, por seu cuidado e paciência comigo. Sou muito grata por todos os dias que
compartilhamos no núcleo, e por prontamente teres me ajudar em diversos momentos,
apesar dos meus estresses.
Agradeço a Camilla Figueiredo por ter sido tão gentil em ajudar a organizar os
questionários (encaderná-los e enumerá-los). És uma pessoa admirável. Agradeço
também a Alex Moura por prontamente ter realizado comigo algumas análises estatísticas
e pacientemente ter esclarecido minhas dúvidas. Sou muito grata pela atitude e
disponibilidade de vocês.
Agradeço a Sara Navarro por sua amizade e disponibilidade em corrigir meus
textos. Obrigada por sua gentileza e companhia em diversos momentos. Sou muito grata
por sua amizade e por tudo que aprendi contigo. Que a nossa amizade dure para sempre.
Agradeço a todos os cônjuges que se disponibilizaram a participar dessa pesquisa,
esta dissertação não seria possível de ser desenvolvida sem a colaboração de vocês.
Por fim, agradeço o apoio financeiro da CAPES durante esses dois anos, o qual
ESTRATÉGIAS DE RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS CONJUGAIS: UMA EXPLICAÇÃO A PARTIR DA PERSONALIDADE E DOS VALORES
HUMANOS
Resumo: A presente dissertação teve por objetivo analisar se os traços de personalidade e os valores humanos predizem as estratégias de resolução dos conflitos conjugais. Especificamente, buscou-se verificar a influência das variáveis sociodemográficas nas estratégias de resolução dos conflitos conjugais; identificar a relação entre os traços de personalidade, as subfunções valorativas e as estratégias de resolução dos conflitos conjugais; além de conhecer em que medida os traços de personalidade e os valores humanos explicariam as estratégias de resolução dos conflitos. Participaram 252 pessoas casadas da cidade de João Pessoa (PB), sendo 57,1% do sexo feminino, com idade média de 38 anos (DP = 10,87), casados oficialmente (68,9%), com tempo de união superior a 10 anos (51,0%). Estes responderam o Conflict Resolution Behavior Questionnaire, o Questionário dos Valores Básicos, o Inventário dos Cinco Grandes Fatores da Personalidade e um questionário sociodemográfico. Utilizou-se o programa SPSS para realizar as análises descritivas, as MANOVA´s, as correlações (r de Pearson) e as Regressões Lineares Múltiplas (método stepwise). Os resultados revelaram que as estratégias de resolução dos conflitos conjugais foram estatisticamente significativas para as variáveis sexo [λ= 0,94, F (3, 245) = 5,60, p < 0,001, η²= 0,06], tendo as mulheres pontuado mais ataque [F (1, 249) = 4,90, p = 0,03] e os homens em evitação [F (1, 249) = 5,13, p = 0,02, η²= 0,06]; jornada de trabalho/diária [λ= 0,94, F (3, 169) = 3,77, p = 0,01], os cônjuges que trabalhavam até 8 horas pontuaram mais em evitação [F (1, 173) = 6,59, p = 0,01]; e, estado civil [λ= 0,96, F (3, 245) = 3,47, p= 0,02, η²= 0,04], as pessoas que moravam juntas (coabitação) pontuaram mais em ataque [F (1, 249) = 9,76, p = < 0,01], além disso, foram observadas correlações negativas e significativas entre o tempo de serviço profissional e ataque (r = -0,17; p < 0,05) e o nível de religiosidade e evitação (r = -0,13; p = 0,03). Quanto às correlações entre os construtos, observou-se que com relação a estratégia acordo se correlacionou de forma positiva e significativa com os traços de personalidade abertura à experiência (r = 0,18; p< 0,01), conscienciosidade (r = 0,20; p < 0,01), extroversão (r = 0,18; p < 0,01) e amabilidade (r = 0,24; p < 0,01) e negativamente com o neuroticismo (r = -0,15; p < 0,05). A estratégia ataque se correlacionou de forma positiva e significativa com o neuroticismo (r = 0,37; p < 0,01) e negativa com amabilidade (r = -0,22; p < 0,01). Já a estratégia evitação se correlacionou de forma negativa e significativa apenas com amabilidade (r = -0,23; p < 0,01). No que concerne as subfunções valorativas, verificou-se correlação positiva e significativa apenas entre a estratégia acordo e as subfunções suprapessoal (r = 0,18; p < 0,01) e interativa (r = 0,13; p < 0,05). Ao realizar as regressões lineares, observou-se que a estratégia ataque foi predita pelos traços de personalidade neuroticismo (β = 0,35, p < 0,001) e amabilidade (β = -0,19, p = 0,001); já a evitação foi predita pelo traço amabilidade (β = -0,23, p < 0,001); e, a estratégia acordo foi predita pelos traços amabilidade (β = 0,19, p < 0,05), abertura à experiência (β = 0,14, p = 0,03) e o neuroticismo (β = -0,15, p = 0,01), além da subfunção suprapessoal (β = 0,18, p = 0,004). Desse modo, conclui-se que os traços de personalidade e os valores humanos, além das variáveis sociodemográficas, influenciam a adoção das estratégias de resolução dos conflitos conjugais. Isto posto, sugere-se a aplicação destes resultados em contextos clínicos que visem minimizar os problemas conjugais e oferecer uma melhor qualidade conjugal.
STRATEGIES FOR THE RESOLUTION OF MARITAL CONFLICTS: AN EXPLANATION FROM PERSONALITY AND HUMAN VALUES
Abstract: The present dissertation aims to analyze if personality traits and human values predict strategies for solving marital conflicts. Specifically, we sought to verify the influence of sociodemographic variables on strategies for resolving marital conflicts; to identify the relation between the personality traits, the value subfunctions and the strategies of resolution of the marital conflicts; In addition to knowing the extent to which personality traits and human values explain conflict resolution strategies. A total of 252 married people from the city of Joao Pessoa (PB), 57.1% female, with an average age of 38 years (SD = 10.87), officially married (68.9%), union time greater than 10 years (51.0%). They answered the Conflict Resolution Behavior Questionnaire, the Basic Values Questionnaire, the Inventory of the Five Great Personality Factors, and a sociodemographic questionnaire. The SPSS program was used to perform the descriptive analyzes, the MANOVA's, the correlations (Pearson r) and the Multiple Linear Regressions (stepwise method). The results showed that the strategies for resolving marital conflicts were statistically significant for the gender variables [λ = .94, F (3. 245) = 5.60, p < .001, η² = .06], with women scoring in attack [F (1. 249) = 4.90, p = .03] and the men in avoidance [F (1.249) = 5.13, p = .02; η² = 0.06] ; day of work / daily [λ = .94, F (3. 169) = 3.77, p = .01], the spouses who worked up to 8 hours scored more on avoidance [F (1.173) = 6.59, p = .01]; and, marital status [λ = .96, F (3. 245) = 3.47, p = .02, η² = .04], people living together (cohabitation) scored more in attack [F (1. 249) = 9.76, p = < .01), besides, negative and significant correlations were observed between professional service time and attack (r = -.17, p < .05) and Level of religiosity and avoidance (r = -.13, p = .03). About the correlations between the constructs, it was observed that in relation to the compromise strategy, it was positively and significantly correlated with personality traits openness to experience (r = .18, p < .01), conscientiousness (r = .20; p < .01), extroversion (r = .18, p < .01), agreeableness (r = .24; p < .01) and negatively with neuroticism (r = -.15; p < .05). The attack strategy correlated positively and significantly with neuroticism (r = .37, p < .01) and negative with agreeableness (r = -.22, p < .01). However, the avoidance strategy correlated negatively and significantly only with agreeableness (r = -.23, p <.01). Regarding the value sub-functions, there was a positive and significant correlation between compromise strategy and supra-personal (r = .18, p < .01) and interactive sub-functions (r = .13, p < .05 ). When performing the linear regressions, it was observed that the attack strategy was predicted by personality traits neuroticism (β = .35, p < .001) and agreeableness (β = -.19, p = .001); Since avoidance was predicted by the agreeableness trait (β = -.23, p < .001); And the compromise strategy was predicted by traits agreeableness (β = .19, p < .05), openness to experience (β = .14, p = .03) and neuroticism (β = -.15 , p = .01), in addition to supra-personal sub-function (β = .18, p = .004). Thus, it is concluded that personality traits and human values, as well as sociodemographic variables, influence the adoption of strategies for resolving marital conflicts. This fact suggests the application of these results in clinical contexts aimed at minimizing marital problems and offering a better marital quality.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ... 17
PARTE I. MARCO TEÓRICO ... 23
CAPÍTULO 1. ESTRATÉGIAS DE RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS CONJUGAIS ... 24
1.1. Definição de conflito ... 25
1.2. Conflitos e a conjugalidade ... 27
1.2.1 Motivos e consequências do conflito conjugal ... 30
1.3. Estratégias de resolução dos conflitos ... 32
1.3.1. Estratégias construtivas e destrutivas ... 33
1.3.2. Correlatos das estratégias de resolução dos conflitos conjugais ... 37
CAPÍTULO 2. PERSONALIDADE ... 41
2.1. Antecedentes históricos dos estudos sobre a personalidade ... 42
2.2. Teoria dos Traços de Personalidade ... 46
2.3. Cinco Grandes Fatores da Personalidade (Big Five) ... 50
2.4. Traços de Personalidade e Estratégias de Resolução de Conflitos ... 54
CAPÍTULO 3. VALORES HUMANOS... 58
3.1. Natureza e origem dos valores humanos ... 59
3.1.1. Thomas e Znaniecki ... 60
3.1.2. Talcott Parsons ... 61
3.1.3. Clyde Kluckhohn ... 62
3.1.4. Abraham Maslow ... 62
3.2. Perspectiva Sociológica ... 64
3.2.1. Valores individualistas e coletivistas de Hofstede ... 64
3.2.2. Valores Materialistas e Pós-materialistas de Inglehart ... 66
3.3. Perspectiva Psicológica ... 69
3.3.1. Valores instrumentais e terminais de Rokeach ... 69
3.3.2. Tipos Motivacionais de Schwartz ... 71
3.3.3. Teoria Funcionalista dos Valores Humanos ... 76
PARTE II. ESTUDOS EMPÍRICOS ... 86
CAPÍTULO 4. PERSONALIDADE, VALORES HUMANOS E ESTRATÉGIAS DE RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS CONJUGAIS ... 87
4.1.1. Delineamento e Hipóteses ... 88
4.1.2. Participantes ... 90
4.1.3. Instrumentos ... 90
4.1.4. Procedimento ... 92
4.1.5. Análise de dados... 93
4.2. Resultados ... 94
4.2.1. Estratégias das resoluções dos conflitos conjugais: relações e influências das variáveis sociodemográficas ... 94
4.2.2. Traços de personalidade e subfunções valorativas: correlatos e preditores das dimensões do CRBQ ... 97
CAPÍTULO 5. DISCUSSÃO ... 102
REFERÊNCIAS ... 118
LISTA DE TABELAS
TABELA 1. Médias e diferenças das estratégias de resolução de conflitos entre homens e mulheres...92
TABELA 2. Análise de variância das estratégias de resolução e variáveis
sociodemograficas...93
TABELA 3. Estatísticas descritivas e correlações entre os traços de personalidade, subfunções valorativas e estratégias de resolução dos conflitos conjugais...96
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1. O círculo motivacional dos valores de acordo com a teoria de valores básicos refinada. ...71
Estar na companhia do outro é uma necessidade inerente do ser humano, que
surge desde o início do ciclo de vida, sendo assim, a vida parece se tornar significativa a
partir das relações interpessoais que são estabelecidas (Machado, 2007). No que se refere
aos relacionamentos conjugais, nota-se que o início da vida a dois é marcado por um
período de adaptação, uma vez que os cônjuges precisam aprender a lidar com as crenças,
os valores e os hábitos pessoais um do outro (Ronchi & Avellar, 2011). Assim, quando
esse processo de adaptação e amadurecimento não acontece de forma harmônica entre o
casal, surge, então, as situações de conflitos.
Os conflitos conjugais ocorrem por diversas razões como, por exemplo,
incompatibilidade de interesses, opiniões, desejos, metas pessoais, educação dos filhos,
tempo de lazer para o casal e finanças (Delatorre, 2015). Dessa forma, dependendo do
desfecho que os casais decidirem dar as situações conflituosas por eles vivenciadas, os
conflitos conjugais podem ser construtivos ou destrutivos. Para Benetti (2006), Bolze,
Schmidt, Crepaldi e Vieira (2013) o conflito é um fenômeno multidimensional, que
envolve (1) a frequência de ocorrência dos episódios; (2) a intensidade das discussões; (3)
o conteúdo que faz vir à tona a situação conflituosa; (4) o reconhecimento da existência
destes; e, (5) as estratégias de resolução adotadas.
Desse modo, o presente estudo delimitar-se-á a estudar as estratégias de resolução,
as quais se referem às atitudes e aos comportamentos que os cônjuges utilizam na
tentativa de solucionar os conflitos presentes no relacionamento. Zordan, Wagner e
Mosmann (2012) verificaram que quando os casais adiavam a resolução dos conflitos, a
relação tendia a apresentar mais impasses negativos. De modo semelhante, Dush e Taylor
(2012) observaram que quando os casais discutem os problemas na tentativa de
Para Sierau e Herzberg (2012), quando os casais utilizam estratégias mais efetivas
(construtivas), tal reação repercute positivamente no relacionamento a longo prazo e
diminui a possibilidade de separações e divórcios. Reforçando, Anderson e Johnson
(2010) apontam que quando os problemas são resolvidos de forma harmônica, o
relacionamento conjugal tende a ser fortalecido.
Isto posto, nota-se a importância de estudar as estratégias de resolução dos
conflitos conjugais para compreensão da dinâmica conjugal, uma vez que possibilitará
discutir estratégias que maximizem a satisfação conjugal. Contudo, Duarte (2005)
adverte que para isso, é necessário considerar as características pessoais e sociais que
porventura influenciam esse processo.
A esse respeito, Bolze et al. (2013) e Hoppmann e Blanchard-Fields (2011)
afirmam que as situações de conflitos podem estar relacionadas com as características de
cada um dos cônjuges, a exemplo da personalidade. Desta forma, Horwitz et al. (2011)
enfatizam a importância de se conhecer a personalidade de cada cônjuge para se
compreender as influências genéticas e ambientais sobre as estratégias de resolução de
conflitos.
Em contrapartida, Milfont, Gouveia e Costa (2005) comentam que, para além das
características individuais, a satisfação do relacionamento conjugal depende também da
influência das variáveis sociais, a exemplo dos valores humanos, considerando que estes
permitem explicar os comportamentos, as atitudes e crenças dos indivíduos.
Os pesquisadores Benetti (2006), Dush e Taylor (2012) e Garcia e Tassara (2001)
também reconhecem a importância de investigar variáveis sociais presentes nas situações
de conflitos, devido as suas influências na maneira de pensar dos cônjuges, nas
íntimo. Segundo Féres-Carneiro (2005), os valores individuais de cada cônjuge estão
relacionados à constituição e à manutenção dos relacionamentos conjugais.
Sendo assim, julga-se importante agregar a esta pesquisa os construtos (1)
personalidade, a qual permite compreender as características individuais dos cônjuges, e
(2) valores humanos, os quais guiam o comportamento humano (Gouveia, 2013; Roccas,
Sagiv, Schwartz, & Knafo, 2002). Tendo em conta que os traços de personalidade, por
serem mais estáveis, de natureza predominantemente biológica, exercem maior influência
sobre os valores humanos, assim, acredita-se que a investigação desses dois construtos
permitirá explicar as estratégias de resolução adotadas pelos casais frente aos conflitos
(Monego & Teodoro, 2011; Parks & Guay, 2009).
Portanto, tendo em conta que os traços de personalidade permitem conhecer as
características pessoais de cada indivíduo (Pervin & Jonh, 2004) e que os valores
humanos guiam as ações humanas e expressam suas necessidades, além de possuírem um
papel importante na explicação das atitudes (Gouveia, 2013), questiona-se: em que
medida os traços de personalidade e os valores humanos explicam as estratégias de
resolução dos conflitos conjugais?
No que concerne ao estudo da personalidade, adotar-se-á o modelo dos Cinco
Grandes Fatores de Personalidade (Big Five), que vem ganhando cada vez mais impacto
na literatura sobre a estrutura dos traços (Hutz, Nunes, Silveira, Serra, Anton, &
Wieczorek, 1998; Noronha, Martins, Campos, & Mansão, 2015; Vasconcelos, Gouveia,
Pimentel, & Pessoa, 2008). Pervin e John (2004) admitem três funções importantes dos
traços: (1) de forma parcimoniosa, resumem, previnem e explicam o comportamento de
uma pessoa; (2) permitem prever o comportamento futuro, e (3) consideram que a
explicação para o comportamento se encontra na própria pessoa. McCrae e Costa (1997)
Quanto ao estudo dos valores humanos, optou-se por fundamentar no presente
estudo a Teoria Funcionalista dos Valores Humanos, a qual corresponde a uma proposta
teórica mais integradora, inovadora e parcimoniosa (Gouveia, 2013; Gouveia, Medeiros,
Mendes, Vione, & Athayde, 2010). De acordo com este modelo teórico, os valores
humanos guiam o comportamento humano, representarem cognitivamente suas
necessidades, e são categorias sobre estados desejáveis de existência, que transcendem
situações específicas, por meio de diferentes graus de importância (Gouveia, 1998, 2003).
Frente a isto, o presente estudo tem por objetivo analisar se os traços de
personalidade e os valores humanos predizem as estratégias de resolução dos conflitos
conjugais. Em específico, buscar-se-á (1) verificar a influência das variáveis
sociodemográficas nas estratégias de resolução dos conflitos conjugais; (2) identificar a
relação entre os traços de personalidade, as subfunções valorativas e as estratégias de
resolução dos conflitos conjugais; e, (3) conhecer em que medida os traços de
personalidade e os valores humanos explicam as estratégias de resolução dos conflitos.
Portando, correspondendo aos objetivos propostos, esta dissertação está
organizada em duas partes principais, Marco Teórico (Parte I) e Estudos Empíricos (Parte
II). A Parte I compreende três capítulos: (1) Estratégias de resolução dos conflitos
conjugais, tem por objetivo realizar uma breve apresentação acerca dos conflitos
conjugais e suas definições, das estratégias de resolução, dos instrumentos utilizados para
medí-los e a descrição de estudos correlatos; (2) Personalidade, será realizado um
levantamento sucinto acerca da personalidade, em seguida dar-se-á ênfase aos traços de
personalidade, correlatos entre os traços de personalidade e as estratégias de resolução
dos conflitos e, por fim, relacionará brevemente os traços de personalidade e os valores
humanos, tendo em vista a junção de ambos para a explicação das estratégias de
descrição sobre a natureza e origem dos valores humanos, seguidamente das perspectivas
sociológica e psicológica, todavia com ênfase para essa última, em especial para a Teoria
Funcionalista dos Valores Humanos, demonstrando evidências aceitáveis em diversos
países e sua relevância para o presente estudo.
A parte II é composta por um estudo: (4) Explicação dos traços de personalidade
e os valores humanos para as estratégias de resolução dos conflitos conjugais, o qual
terá como objetivo verificar a relação e o poder preditivo dos traços de personalidade e os
valores humanos nas estratégias de resolução dos conflitos conjugais. Por fim,
apresentar-se-á a (5) Discussão, em que os achados serão discutidos com base nas teorias adotadas,
destacando em seguida os principais achados, as limitações, sugestões de estudos futuros
Neste capítulo será apresentado um panorama acerca dos conflitos, os critérios
que o caracterizam e de que forma são apresentados nos diversos contextos da vida social
do ser humano. Ademais, serão abordados alguns modelos teóricos relacionados aos
conflitos conjugais. Seguidamente, buscar-se-á descrever as estratégias de resolução dos
conflitos, a influência nos relacionamentos conjugais e a forma como os pesquisadores
vêm estudando.
1.1. Definição de conflito
Os conflitos estiveram presentes durante a história da humanidade e abrangem
todos os domínios da vida humana. A divergência de opiniões e interesses possibilitaram
descobertas, que definiram e marcaram o rumo das sociedades de todo mundo. Todavia,
se por um lado, resultou na expansão da comunicação e no crescimento econômico,
político e social, por outro, estimulou a valorização do individualismo, da
competitividade e do poder individual (Ferreira, Pedro, & Fransisco, 2015; Jablonski,
1994).
Os conflitos são a prova irrefutável de que as pessoas são diferentes e se opõem
entre si acerca das diversas questões da vida relacional (e.g., idade para casar, qual
profissão seguir). Assim, em um curto espaço de tempo estas questões têm se difundido
exigindo cada vez mais dos seres humanos novas habilidades, criatividade e
aperfeiçoamento (Féres-Carneiro & Neto, 2010).
A buscar desenfreada pela realização pessoal é um dos aspectos que tem
contribuído para a formação de conflitos entre as pessoas, independente da cultura ou
momento histórico (Duarte, 2005). Assim, comumente as pessoas se envolvem em
conflitos de natureza diversas: relações familiares (conjugal, parental e fraternal), laborais
Dessa forma, Delatorre (2015), destaca que o conflito resulta da incompatibilidade
de interesses, opiniões, desejos e metas pessoais. Sendo assim, ocupa uma parte
significativa da vida relacional das pessoas (Davis, Capobianco, & Kraus, 2004).
Todavia, o conflito é um acontecimento necessário, uma vez que motiva a mudança e a
inovação de ideias (Quinn, 2003).
Entretanto, dependendo da forma como as pessoas lidam com as situações de
conflito, estas podem apresentar dois tipos de desfechos, a saber: (1) positivos, quando
promovem o crescimento da relação interpessoal, a inovação e satisfação dos envolvidos;
e (2) negativos, quando são intensificadas por tensões, desacordos e intolerâncias (Sales,
Lima, & Farias, 2007).
Vázquez (2014) descreve que, etimologicamente, a palavra conflito, advém do
latim confligere, que significa “lutar”. Linhas teóricas de diversas áreas (e.g. sociologia, antropologia e psicologia) se propõem a estudar o conflito. A literatura apresenta uma
variedade de definições para conflitos como intrapessoais, interpessoais, jurídicos,
sociológicos e internacionais (Bolze, 2011; Bolze, Crepaldi, Schmidt, & Vieira, 2013). A
seguir será apresentado a definição dos conflitos na perspectiva de alguns pesquisadores
e, seguidamente, se voltará para os conflitos conjugais.
Embora existam inúmeras definições de conflito (Holmes & Fletcher-Berglund,
1995), de modo geral, é caracterizado pelo desacordo entre as partes. Acerca disto,
Costantino e Merchant (1996) compreendem o conflito como uma expressão de
insatisfação ou discordância em relação a algo. Geist (1995), por sua vez, o define como
divergência de opiniões e interpretações, marcado pela disputa de autoridade.
Semelhantemente, Ting-Toomey et al. (2000) entendem o conflito como um
processo de intensos desacordos presente em uma relação interdependente de pelo menos
Fisher (1990) o compreende como uma situação social envolvendo incompatibilidades de
metas ou valores entre duas ou mais partes, na qual uma busca controlar os demais,
apresentando sentimentos antagônicos entre si.
Para Mosmann, Wagner e Féres-Carneiro (2006), os conflitos não são
acontecimentos incomuns, que ocorrem apenas com uma das partes, mas estão presentes
em todos os tipos de relacionamento. Todavia, a frequência e a intensidade com que
ocorrem irão favorecer o amadurecimento dos relacionamentos ou reforçar os
sentimentos de insatisfação e rompimentos.
Sendo assim, Carvalhal, André Neto e Andrade (2006) os classificam em
interorganizacional (entre organizações), intergrupais (entre departamentos, setores ou
grupos), interpessoal (entre dois ou mais indivíduos) e intrapessoal (interno ao indivíduo).
Acrescentando, Quinn (2003) afirma que o conflito pode se manifestar de forma explícita
ou latente, ou seja, quando o potencial para o conflito existe, mas não é percebido.
1.2. Conflitos e a conjugalidade
A conjugalidade é compreendida como uma vivência compartilhada pelo casal em
busca da estabilidade e manutenção do vínculo, que ocorre por meio de um processo
contínuo e não apenas de um envolvimento amoroso entre duas pessoas (Féres-Carneiro,
1998). Sendo assim, a qualidade da relação conjugal depende dos padrões de
relacionamento adotados pelos cônjuges ao longo do tempo e de como são fortalecidos
frente às mudanças (im)previsíveis do ciclo de vida (Féres-Carneiro & Diniz-Neto, 2010).
Contudo, no cenário contemporâneo, nota-se que os relacionamentos conjugais
são caracterizados por expectativas contraditórias, a exemplo de: dedicar-se de forma
demasiada a carreira profissional em detrimento da vida conjugal (Fiorin, Patias & Dias,
ao mesmo tempo, duas individualidades, para então dar espaço para a conjugalidade com
projetos e vivências compartilhadas.
A individualidade corresponde aos desejos, percepções de mundo, histórias e
projetos de vida da pessoa, ao passo que a conjugalidade se refere ao desejo, história e
projeto de vida comum aos cônjuges (Féres-Carneiro & Ziviani, 2009). Assim, ao
priorizarem os interesses individuais, tornam-se insensíveis acerca de as principais coisas
da vida como, atividades de lazer para o casal, favorecendo assim o desencadeamento de
conflitos (Zagne, Noemia, & Engelhard, 2011).
Acerca disto, Levandowsk, Piccinini e Lopes (2009) realizaram um estudo com o
objetivo de investigar as dimensões da conjugalidade e da individualidade na relação de
casais adolescentes que coabitavam e que passaram por uma gestação não planejada. Os
resultados indicaram que a relação conjugal dos casais oscilava entre a individualidade e
a conjugalidade e isto se tornava mais evidente principalmente após o nascimento da
criança, mas que após o segundo ano da criança a relação tendia ao equilíbrio.
O conflito pode estar presente em uma determinada situação temporária da vida
do casal ou pode se tornar o protagonista da relação conjugal. A ausência de diálogos, a
supervalorização dos interesses individuais e a inflexibilidade de acordos são alguns dos
motivos que favorecem o surgimento de conflitos na dinâmica conjugal, podendo até
conduzir a violência física (Jablonski, 1994).
A intimidade entre o casal também é outro fator que pode favorecer, ainda que de
forma não sistemática, comportamentos mais negativos e isso ocorre em virtude de
determinadas caraterísticas pessoais de cada cônjuge, que perdurarão para sempre,
cabendo a ambos serem tolerantes um com o outro (Gottman & Silver, 2000; Rusbult,
Desse modo, Gouveia (2013) salienta que o conflito, mediante um processo de
aprendizagem social, desempenha uma influência transversal no processo de
desenvolvimento do indivíduo. Se, outrora, a união entre duas pessoas tinha por tarefa
central a reprodução, atualmente, os parceiros têm se tornado mais exigentes quanto a
questões relacionadas à beleza, papéis sociais, entre outras. Assim, cada pessoa espera
que se torne real todos os seus desejos e expectativas de ser amado e de amar (Duarte,
2005; Jablonski, 1994).
Com relação às principais motivações no casamento, Costa, Penso, Legnani, e
Sudbrack (2009) comentam que os homens estão vinculadas a busca pela manutenção,
estabilidade familiar e criação dos filhos, já as mulheres, à demonstração e manutenção
de sentimentos de paixão e afeto. Nota-se que conciliar os interesses de ambos de forma
harmônica nem sempre é uma tarefa fácil.
Quanto à distribuição de tarefas domiciliares e o cuidado dos filhos já não são as
únicas ocupações das mulheres, pois essas têm se inserido cada vez mais no mercado de
trabalho, ocupando espaços que, anteriormente, eram permitidos somente para os homens
(Fiorin, Patias, & Dias, 2011; Montali, 2004). Embora isso seja algo plausível, que
aparenta caminhar para a igualdade quanto à distribuição das responsabilidades e
cuidado, será que tem tornado a vida conjugal mais harmoniosa e satisfatória? Equilibrar
os interesses pessoais e conjugais exige a construção ou modificação de práticas,
costumes, crenças, sonhos e demais coisas que, anteriormente, eram planejadas sem levar
em consideração a presença do outro (Féres-Carneiro, 1998).
Desse modo, quando os cônjuges têm planos e interesses diferentes e não chegam
a um acordo, a relação amorosa tende a tornar-se um processo cíclico de
desentendimentos intensos, que se revelam por meio de agressões moral, psicológica e/ou
“comum”, afeta o relacionamento conjugal, bem como os demais membros que convivem
com o casal (Féres-Carneiro, Ziviani, & Magalhães, 2011; Mosmann & Falcke, 2011).
Considerando isso, a seguir serão descritos estudos empíricos que relacionam os conflitos
e a conjugalidade.
1.2.1 Motivos e consequências do conflito conjugal
A percepção permite que cada pessoa faça inferências acerca da realidade a sua
volta e com base nessas formulem suas atitudes e comportamentos. Desse modo, as
percepções formadas por cada cônjuge frente às situações conflituosas influenciarão
diretamente na forma como cada um se propõe a lidar com o conflito. Logo, quando os
cônjuges percebem o problema como sendo do casal, e não apenas do parceiro, tendem a
assumir a responsabilidade conjunta na tentativa de resolvê-lo. Entretanto, quando a
situação é inversa isso não acontece (Mosmann & Falcke, 2011).
A temática dos conflitos conjugais tem sido cada vez mais explorada na literatura
científica, nas investigações sobre as relações familiares e interpessoais (cônjuges,
irmãos, pais e filhos), pois refletem não somente no relacionamento entre o casal, mas
também envolve o sistema familiar como um todo, ocasionando situações desagradáveis
e até doenças (Benetti, 2006).
Delatorre (2015) sugere que alguns conteúdos relacionados aos conflitos
conjugais são referentes a aspectos como injustiças, comportamentos de indiferença,
críticas, divisão das tarefas domésticas, funções de parentalidade, horas de trabalho,
comunicação, questões financeiras e objetivos de vida.
Dito isto, é interessante destacar que os conteúdos que originam os conflitos
tendem a mudar no decorrer do relacionamento. Antes do casamento, os conflitos estão
ciúmes. Já durante o casamento, são mais direcionados à atividade sexual, à falta de
diálogo e de atividades que envolvam o casal (Duarte, 2005).
Ademais, os conflitos também estão associados a motivos como, relacionamentos
amorosos passados, traições, individualismo, mentiras, desconfianças, falta de
companheirismo, familiares do cônjuge, afetividade e amizades (Baucom & Epstein,
1991; Epstein, Baucom., & Rankin, 1993; Heavey, Christensen, & Malamuth, 1995).
Ademais, o conflito conjugal apareceu associado a outras variáveis, a exemplo da
ansiedade (Brock & Lawrence, 2011), dos transtornos alimentares (Fincham, 2003;
Whisman, Dementyeva, Baucom, & Bulik, 2012), do alcoolismo (Cranford, Floyd,
Schulenberg, & Zucker, 2011; Fincham, 2003), distúrbios de sono (El-Sheik, Buckhal,
Mize, & Acebo, 2006), depressão e outros problemas de saúde (Nicolotti, El-Sheik, &
Whiston, 2003).
Tendo em conta os conflitos conjugais e as variáveis a ele associadas, a literatura
tem classificado e buscado estudá-los a partir de quatro dimensões: (1) conteúdo,
refere-se aos temas que provocam as divergências e discussões entre o casal (e.g. lazer,
finanças, relações sexuais); (2) frequência, corresponde à quantidade de ocorrência que
esses ou outros conflitos tendem a se repetir; (3) intensidade, diz respeito à hostilidade
que o conflito exerce na vida dos cônjuges, seja esse moral, psicológico e/ou físico; e, (4)
resolução, se refere ao comportamento apresentado pelos cônjuges frente aos
desentendimentos, isto é, as estratégias por eles adotadas (Marchand & Hock, 2000;
Mosmann & Falcke, 2011; Wagner & Grzybowski, 2014).
Gouveia (2013) enfatiza que não basta apenas conhecer os motivos que levam os
casais a situações de conflitos, ademais é importante conhecer as estratégias por eles
utilizada e o quanto essas influenciam no relacionamento. Nota-se, então, que a
relacionados a aspectos como a rotina (e.g. comer, dormir, fazer sexo, levar e buscar os
filhos na escola e ensinar tarefas escolares), utilização do tempo livre, atividades de lazer,
orçamento financeiro, hábitos e tradições familiares, e os ciclos de amizade (Delatorre,
2015).
Em razão disto, a presente dissertação buscará estudar a quarta dimensão
(resolução) supracitada, uma vez que para os cônjuges lidarem com as diferenças do
outro, é necessário que adotem estratégias construtivas de resolução dos conflitos. Nesse
sentido, Rusbult, Yovetich e Verette (1996) complementam que as estratégias que o
cônjuge utiliza frente aos comportamentos do parceiro influenciarão na qualidade
conjugal.
1.3. Estratégias de resolução dos conflitos
Os conflitos conjugais e as estratégias de resolução são pesquisados na literatura
internacional há mais de duas décadas (Costa, Cenci, & Mosmann, 2016). As estratégias
de resolução dos conflitos são conceituadas como atitudes e comportamentos que os
cônjuges utilizam na tentativa de solucionar os desentendimentos presentes no decorrer
do relacionamento. Vázquez (2014) conceitua o termo estratégia como: (1) meio pelo
qual conduz a outra pessoa a avaliar suas ações; (2) posições que são tomadas em relação
a algo ou a alguém; e, (3) ações antecipadas que visam evitar um resultado indesejado por
uma ou várias pessoas. Sendo assim, os cônjuges podem adotar determinadas estratégias
(e.g. conversa harmônica, reflexão, reconhecimentos dos erros, o silêncio, o
distanciamento, agressão verbal e/ou física) em resposta ao conflito.
A satisfação ou insatisfação dos cônjuges é influenciada pelas estratégias de
relacionas ao equilíbrio emocional e o bem-estar do casal, enquanto que outras remetem
ao desequilíbrio e a insatisfação dos parceiros (Dush & Taylor, 2012).
Para Olson (2000), os casais conseguem resolver os conflitos conjugais na medida
em que se adaptam às mudanças do contexto conjugal e familiar. Sobretudo, esse
processo de adaptação se torna dificultoso, especialmente, quando ocorre uma
incompatibilidade entre os recursos (e.g. emocionais, financeiros) e a autopercepção
frente à dificuldade as quais os cônjuges são expostos (Aldwin, 2007).
Na medida em que um dos cônjuges apresenta um comportamento negativo e o
parceiro opta por não revidar de forma hostil e prejudicial, a relação matrimonial tende a
apresentar estabilidade, satisfação e compromisso entre os parceiros (Fletcher, Simpson,
Thomas, & Giles, 1999).
De acordo com Carnavale e Pruitt (1992) os casais apresentam quatro estratégias
básicas frente ao conflito: (1) competir, a qual diz respeito a ser desafiador e agressivo;
(2) resolver problemas, que está relacionado a ser criativo, sincero e colaborador; (3)
condescender, isto é, ser compreensível e pacificador; e por último a (4) passividade, que
se refere a ser apaziguador e evitar confrontos.
Este modelo atribui a escolha das estratégias à associação entre as motivações
altruístas e egoístas dos cônjuges. Sendo assim, os parceiros quando estão diante de um
desacordo não levam em consideração apenas os interesses individuais ou os dos outros,
mas buscam, por meio de estratégias, chegar a resultados que promovam benefícios
mútuos (Carnavale & Pruitt, 1992).
1.3.1 Estratégias construtivas e destrutivas
As estratégias de resolução podem ser classificadas como destrutivas e
caracterizado por desconfiança, ameaças, condutas de hostilidade, competição e
negligência frente ao(s) conflito(s). Já as construtivas se referem a um engajamento de
ambos os cônjuges para solucionar os conflitos, de forma que cheguem a um comum
acordo. Assim os parceiros buscam respeitar a opinião do outro, se dispondo ao diálogo
sobre o(s) motivo(s) geradores dos conflitos (Rubenstein & Feldman, 1993; Sillars,
Canary, & Tafoya, 2004).
Já para Gottman (1991) e Weiss e Heyman (1997), as estratégias construtivas
dizem respeito a comportamentos direcionados a atender as necessidades da relação, em
detrimento dos interesses pessoais de cada cônjuge, assim buscam resolver suas
divergências por meio de acordos, abertura ao diálogo, discussão harmônica, respeito ao
ponto de vista do outro e aos seus sentimentos. Em contraste, as estratégias destrutivas
referem-se a comportamentos a partir da manipulação, ameaça, tensão, retaliação,
egoísmo, rigidez, inflexibilidade, autoritarismo e agressividade; centradas, deste modo,
nas necessidades individuais em detrimento da relação conjugal (Greeff & Bruyne, 2000).
Assim, em função da influência que às estratégias de resolução de conflitos
trazem para o relacionamento conjugal, os pesquisadores têm desenvolvido instrumentos
que buscam avaliar o relacionamento conjugal, a exemplo da Revised Conflict Tactics
Scale (CTS2; Straus, Hamby, Boney-McCoy, & Sugarman, 1996), Conflict Resolution
Behaviors Questionnaire (CRBQ; Rubenstein & Feldman, 1993) e o Marital Conflict
(Buehler & Gerard, 2002).
Todos os instrumentos supracitados foram traduzidos e adaptados para o contexto
brasileiro. Diante disso, julga-se necessário fazer uma breve apresentação acerca desses
instrumentos, considerando as razões pelas quais foram construídos, com destaque para
Com relação a Revised Conflict Tactics Scale (CTS2), é uma escala composta por
39 itens, subdividida em cinco subescalas, utilizada para identificação da violência
presente na relação amorosa, a exemplo de namoro, casamento ou afins. As subescalas
são (1) Negociação, composta por seis itens; (2) Agressão psicológica, comoito itens; (3)
Abuso físico sem sequelas, com doze itens; (4) Coerção sexual, com sete itens; e, (5)
Abusofísico com sequelas, com seis itens. O valor do alpha de Cronbach da escala total
para a perpetração (pratica a ação) foi de 0,79 e para a vitimização (sofre a ação) foi de
0,80 (Alexandra & Figueiredo, 2006).
Apesar de ser um instrumento utilizado em diferentes culturas, o mesmo não foi
adotado, pelos seguintes motivos: (1) desenvolvida com o objetivo de verificar as taxas
de prevalência de abuso físico e psicológico no contexto familiar; (2) sua ênfase principal
diz respeito aos atos de agressão; (3) não compreende os conflitos como construtivos ou
destrutivos, mas sim como estratégias de negociação ou de abuso, agressão psicológica
(físico sem/com sequelas) e coerção sexual (Alexandra & Figueiredo, 2006); (4) em
virtude do instrumento não ir ao encontro da ideia principal da presente dissertação.
Quanto a Marital Conflict é composta por nove itens que são subdivididos em
duas subescalas que são descritas separadamente. A primeira é denominada de
conflito-desentendimentos, composta por seis itens que correspondem à frequência dos
desentendimentos entre os parceiros, durante o último ano. Estes itens são respondidos
em uma escala tipo Likert que varia de 1 (nunca) a 6 (quase todos os dias). A outra
subescala é denominada de conflito-agressão, possui 3 itens que são pontuados em uma
escala Likert variando de 1 (nunca) a 5 (sempre). Nesta subescala um item mede a
frequência em que o indivíduo lida de forma calma com os conflitos (item invertido) e
outros dois itens medem a frequência em que o sujeito corresponde aos conflitos com
0,77 (Buehler & Gerard, 2002) e na versão adaptada para o contexto brasileiro foi de 0,71
(Mosmann, 2007).
Com relação a este instrumento, nota-se que seus itens correspondem a aspectos
relevantes acerca dos conflitos conjugais, contudo optou-se por não utilizá-lo, em
decorrência: (1) não contempla todos os aspectos do conflito apresentados pela literatura;
(3) juga-se que apenas parte dos itens (três) mede as estratégias, mas que se reduzem a
três aspectos (calma, grito ou atirar); e por fim, o fato (3) dos itens possuírem uma
semântica precária (e.g., discute calmamente com seu esposo?) .
Porém, na presente dissertação adotou-se a Conflict Resolution Behaviors
Questionnaire (CRBQ), uma vez que, apresenta os seguintes critérios: (1) avalia a
frequência com que os cônjuges utilizam determinadas estratégias de resolução dos
conflitos; (2) seus itens representam diversos comportamentos adotados pelos cônjuges
frente às resoluções dos conflitos (e.g., raciocinar, escutar, revidar com ataque, guardar
sentimentos, afastar-se do problema), descritos pela literatura especializada; (3) considera
as estratégias a partir de duas dimensões: construtivos (quando promove uma qualidade
conjugal satisfatória) ou destrutivos (quando ameaça ou prejudica a relação); (4) tem sido
bastante aplicada em estudos nacionais e internacionais (Delatorre, 2015; Delatorre &
Wagner, 2015).
Quanto a sua construção, é de autoria de Rubenstein e Feldman (1993) e, à
princípio, teve a finalidade de avaliar as estratégias de resolução de conflitos em uma
amostra de adolescentes. Contudo, parte dos itens foi elaborada com base em um
questionário de Rands, Levinger e Mellinger (1981), o qual avalia estratégias de
resolução e percepção do conflito em uma amostra de casais.
Assim, o CRBQ avalia com que frequência os casais adotam determinadas
composta de 22 itens, medidos por uma escala tipo Likert de cinco pontos, que varia de 1
(nunca) a 5 (sempre). Os itens da escala são divididos em três dimensões: ataque (sete
itens), acordo (seis itens) e evitação (oito itens). No estudo original (Rubenstein &
Feldman, 1993), os valores do alfa de Cronbach foram de 0,78 ataque, 0,77 acordo e 0,73
evitação. Na versão adaptada por Delatorre e Wagner (2015), os valores do alfa Cronbach
apresentados foram de 0,74 ataque, 0,79 acordo e 0,69 evitação.
De acordo com os autores, a dimensão ataque se refere a comportamentos hostis,
autoritários ou agressões psicológicas e físicas. A dimensão evitação diz respeito a
guardar sentimentos para si ou a afastar-se do conflito. Por fim, a dimensão acordo se
caracteriza pela compreensão do ponto de vista do outro ou pela tentativa de resolver o
problema por negociação (Rubenstein & Feldman, 1993).
1.3.2 . Correlatos das estratégias de resolução dos conflitos conjugais
Pesquisadores tem buscado relação das estratégias de resolução de conflito
conjugal com sintomas depressivos (Marchand & Hock, 2000; Marchand & Hock, 2003;
Marchand, 2004; Marchand, Schedler, & Wagstaff, 2004), qualidade conjugal
(Marchand, 2004; Marchand & Hock, 2000), problemas de comportamento nos filhos
(Marchand & Hock, 2003) e estilos de apego (Marchand, 2004).
Acerca de um dos estudos realizado por Marchand & Hock (2003) os resultados
mostraram que as estratégias destrutivas se associavam a sintomas depressivos e a
insatisfação conjugal, enquanto que as estratégias construtivas se associam a maiores
níveis de satisfação conjugal. Ainda buscando relação entre as estratégias de resolução e
os tipos de apego, Marchand (2004) verificou que o tipo de apego ansioso se relacionou
positivamente com estratégias destrutivas, enquanto que o tipo de apego seguro se
Recentemente, as autoras Scheeren, Delatorre, Neumann e Wagner (2015)
também realizaram um estudo com o objetivo de conhecer o poder preditivo dos tipos de
estilos de apego nas estratégias de resolução. Os resultados por elas encontrados
mostraram que o estilo de apego inseguro predisse as estratégias de resolução destrutivas,
enquanto que o estilo de apego seguro predisse as estratégias de resolução construtivas.
Em outro estudo, Marchand (2004), buscando verificar as relações entre as
estratégias de resolução dos conflitos adotados pelos pais e os comportamentos dos
filhos, observou que quando os pais utilizavam estratégias destrutivas, os filhos tendiam a
apresentar comportamentos de ansiedade, depressão, queixas somáticas e agressividade,
já quando as estratégias de resolução adotadas pelos pais eram construtivas, os filhos
apresentavam mais comportamentos assertivos.
Por meio de um estudo exploratório, Bolze, Schmidt, Crepaldi e Vieira (2013)
buscaram caracterizar o relacionamento conjugal e as táticas de resolução de conflito
entre casais através dos instrumentos FLOREAL e CTS2. Em síntese, os resultados
mostraram que todos os homens relataram terem adotado estratégia de negociação,
violência física menor e coerção sexual menor, enquanto as mulheres apresentaram mais
agressão psicológica grave, reciprocidade negativa, evitação e injuria menor.
A partir dos resultados acima, os autores concluíram que tanto os homens quanto
as mulheres relataram se utilizar das três dimensões como táticas de resolução de conflito
conjugal: negociação, agressão psicológica menor e violência física menor,
consecutivamente. Comparando as médias entre os dois grupos, a única diferença
significativa encontrada foi entre o sexo masculino e a dimensão coerção sexual menor,
ou seja, os homens diferem das mulheres quanto às atitudes de insistir ou obrigar a
Outro dado interessante encontrado no estudo supracitado refere-se às questões de
ciúmes, as mulheres se auto definiram pouco ciumentas e que nunca pensam que seus
companheiros estão interessados sexualmente por outras pessoas, mas que se
incomodariam e sentiriam mais ciúmes caso seus companheiros estivessem mais
apegados emocionalmente a outras pessoas. Quanto aos homens, estes afirmaram serem
pouco ciumentos, que nunca pensam que suas companheiras possam estar interessadas
sexualmente por outra pessoa e, ao contrário das mulheres, a maioria dos homens
disseram que se incomodariam mais ao imaginar elas tendo relações sexuais apaixonadas
com outra pessoa e, nesta situação ficariam extremamente enciumados (Bolze, Schmidt,
Crepaldi, & Vieira, 2013).
Delatorre (2015) também realizou um estudo para verificar quais as estratégias de
resolução dos conflitos conjugais utilizadas pelos homens e mulheres, associadas a
variáveis sociodemográficas e de relacionamento. Assim, de acordo com os resultados, os
homens adotam mais estratégias de acordo, se comparado às mulheres. As estratégias de
evitação foram mais utilizadas por homens e mulheres com filhos e, mulheres que
coabitavam com o companheiro utilizavam mais a estratégia de ataque.
Contudo, apesar dos estudos acima citados, as publicações relacionadas ao
conflito ainda se concentram essencialmente na perspectiva dos filhos, em contextos de
separação ou violência, na frequência e motivos associados aos desentendimentos e em
estudos clínicos (Boas, Dessen, & Melchiori, 2010; Costa, Penso, Legnanni, & Sudbrack,
2009; Goulart, 2012; Mosmann & Falcke, 2011; Rosa & Falcke, 2014; Schimidt,
Crepaldi, Vieira, & More, 2011; Silva, 2008; Wagner & Grzybowski, 2014). Todavia, os
autores Delatorre (2015), Garcia e Tassara (2001) e Olson (2000) sugerem que é de
fundamental relevância explorar o papel de outras variáveis individuais (e.g.,
Por assim dizer, estima-se, por exemplo, que os traços de personalidade poderão
contribuir para a explicação das estratégias de resolução adotadas pelos cônjuges frente
aos conflitos. Assim, espera-se que a partir da identificação dos traços de personalidade
dos cônjuges, sejam promovidas intervenções que estimulem ou promovam estratégias
construtivas, facilitando assim bons níveis de interação entre os cônjuges, que resultariam
em níveis elevados de qualidade conjugal (e.g., satisfação, comunicação, interesses
compartilhados, confiança e o respeito entre os cônjuges).
Logo, julga-se relevante o estudo da personalidade, por alguns motivos a destacar.
A personalidade é uma área temática da Psicologia bastante difundida por todo o mundo
e repleta de contribuições para compreensão do ser humano, acerca das suas
características individuais e seu papel nas relações intra/interpessoal, além de intergrupal
(Andrade, 2008; Hall, Lindzey, & Campbell, 2000; Moura-de-Andrade, 2008).
Isto posto, compreende-se que, a partir de uma perspectiva temporal, os traços de
personalidade precedem os valores humanos. Para tanto, isso não significa uma
hierarquia exata, pois tais construtos se influenciam mutuamente (Bilsky & Schwartz,
1994; Roccas et al., 2002). Em razão disto, inserir o estudo dos valores parece ser algo
pertinente, uma vez que, segundo Monteiro (2014), este construto exerce a função de
mediador das relações entre os traços de personalidade e as expressões comportamentais,
Inicialmente buscar-se-á explanar como a personalidade vem sendo definida, bem
como as descobertas e posicionamentos de diferentes pesquisadores e suas importantes
contribuições para a compreensão e estudo da personalidade. Posteriormente,
apresentar-se-á a teoria dos traços de personalidade, com ênfase para os cinco grandes fatores, assim
como, correlatos com as estratégias de resoluções dos conflitos. Por fim, de forma breve,
relacionar-se-ão os traços de personalidade e os valores humanos, tendo em conta a
importância desses construtos para a explicação das estratégias de resolução dos conflitos
conjugais.
2.1. Antecedentes históricos dos estudos sobre a personalidade
Personalidade é uma das palavras que não somente desperta a atratividade das
pessoas em geral, mas também assume vários significados populares que, de certa forma,
correspondem aos conceitos apresentado pelos estudiosos do tema. Por vezes, a
personalidade é associada às habilidades sociais, sendo avaliado o quanto o indivíduo
consegue formar reações positivas ou negativas nas demais pessoas e em diferentes
situações. Em outros momentos, é avaliada por meio de uma impressão que o indivíduo
atribui aos demais (Hall, Lindzey, & Campbell, 2000).
Pode-se, então, dizer que, para o senso comum, a personalidade pode ser avaliada
pela impressão que causa e/ou pela eficiência em produzir reações positivas ou negativas
na sociedade, por exemplo, “personalidade agressiva” ou “personalidade tímida”. Isso
ocorre na medida em que as pessoas, ao observarem, selecionam no outro a qualidade
mais evidente naquela situação e assim, formam uma impressão geral a partir de
características isoladas.
Os estudos primordiais acerca da personalidade tiveram um percurso diferente das
demonstrava o pouco ou inexistente rigor científico. O estudo da personalidade teve
início a partir de observações clínicas, sendo Freud, a partir das contribuições de Charcot,
Janet, Jung e McDougall, o primeiro autor a sistematizar uma teoria da personalidade
(Friedman & Schustack, 2004).
As fortes influências acerca do estudo da personalidade foram marcadas por
importantes contribuições de alguns teóricos. Entre estes, destacam-se os estudos de
Freud, o qual se interessou por investigar a personalidade anormal. Em seus trabalhos
psicoterapêuticos, Freud buscou observar o poder das pulsões sexuais reprimidas, visando
com isso o tratamento das doenças mentais.
Os teóricos da Gestalt também desempenharam um importante papel ao
compreenderem que o comportamento deveria ser analisado em sua totalidade e não de
forma fragmentada. Já a psicologia experimental e a teoria da aprendizagem merecem
destaque por proporcionarem pesquisas com um maior rigor metodológico, dispondo de
maior preocupação sobre os fundamentos de construção de uma teoria e uma análise mais
minuciosa das alterações comportamentais.
A psicometria, por sua vez, também causou importantes mudanças na forma de
analisar o comportamento humano. A partir da técnica da análise fatorial, os estudiosos
buscavam mensurar e investigar as diferenças individuais. Desenvolvida na década de
1930, a técnica da análise fatorial trouxe, não somente avanços para o estudo científico da
personalidade, mas também para a abordagem dos traços, a qual será detalhada a
posteriori, em outra parte da presente dissertação (Pervin, 1978).
Dito isto, nota-se, então, que desde o século passado os pesquisadores têm
dedicado seus estudos em compreender as diferenças individuais. Todavia, somente no
final da década de 1930 nos Estados Unidos, o estudo da personalidade, enquanto
(1937), intitulada Personality: A Psychological interpretation e da obra de Henry Murray
(1938) Explorations in personality (Andrade, 2008; Monteiro, 2014).
Allport (1937), por meio de um estudo exaustivo acerca das definições para
personalidade, reuniu quase cinquenta definições diferentes. Dentre estas, destaca-se a
biossocial, a qual corresponde ao “valor da impressão social” que o indivíduo provoca a
partir das reações observadas nos outros. Assim, pode-se dizer que a personalidade do
indivíduo é definida com base nas percepções formadas pelas demais pessoas.
Contudo, por contestar fortemente essa definição, Allport tomou por base a
definição biofísica, a qual considera a personalidade a partir de características ou
qualidades do sujeito, em que parte é orgânica e a outra é observável. Outra definição por
ele encontrada foi a globalizante ou do tipo coletânea, que faz uso do termo
personalidade para inserir tudo aquilo que diz respeito ao indivíduo, assim, a partir de
enumeração, elenca-se os conceitos mais importantes e que melhores descrevem a pessoa
e, com isso formula-se a personalidade da pessoa (Hall, Lindzey, & Campbell, 2000).
Murray, por sua vez, possuía um grande interesse pelos determinantes dos fatores
biológicos e apreciava a complexidade individual do organismo humano. Seu foco de
estudo ou da sua teoria estava em compreender toda a complexidade do indivíduo
(Epstein, 1979). É interessante destacá-lo, pois ele promoveu uma nova forma de estudar
a personalidade, conceituando-a como uma interação entre determinantes individuais e
ambientais.
Entre as várias definições propostas por Murray sobre a personalidade, os
principais destaques podem ser resumidos da seguinte forma: (1) refere-se a um conjunto
de eventos que compõe toda a vida do indivíduo, sendo então o agente governador de
cada pessoa; (2) as características são duradouras e recorrentes do comportamento; e (3)