• Nenhum resultado encontrado

PARTE I. MARCO TEÓRICO

CAPÍTULO 3. VALORES HUMANOS

3.2. Perspectiva Sociológica

Na perspectiva sociológica, os grandes representantes encontrados na literatura da área são Geert Hofstede (1984) e Ronald Inglehart (1977). De forma geral, esses autores defendem que os valores humanos resultam da influência de variáveis sociais, políticas ou econômicas (Ros, 2006). Em razão disto, a seguir será abordado de forma mais detalhada as contribuições que estes autores trouxeram para os estudos dos valores culturais.

3.2.1. Valores individualistas e coletivistas de Hofstede

A cultura para Geert Hofstede era como um tipo de programação coletiva da mente humana em um determinado contexto e que por meio dela os membros de uma comunidade ou grupo se diferenciavam dos demais (Hofstede, 1984). Para Hofstede, Hofstede e Minkov (2010), os valores são implícitos e estão relacionados com a motivação e emoção.

Com base nisso, esse autor realizou um dos maiores estudos no âmbito organizacional no final dos anos 1960 entre os executivos da International Business

Machines (IBM), o qual contou com 72 países e reuniu 116.000 questionários. A partir

desse estudo, Hofstede buscou compreender os fatores que facilitavam ou prejudicavam a adaptação de funcionários em novos contextos culturais (Cavalcanti, 2016). Os resultados foram registrados em seu livro Culture’s Consequences, o qual tinha por objetivo central compreender as atitudes e valores dos funcionários (Athayde, 2016). Assim, a partir do procedimento das análises (fatorial ecológica), Hofstede identificou quatro dimensões culturais básicas (Hofstede, 1984), apresentadas a seguir:

Distância de poder corresponde em que medida a desigualdade (econômica, social

ou poder) entre os membros de uma sociedade é considerada aceitável, isto é, um indivíduo ser mais possuidor do poder em detrimento dos demais; evitação à incerteza diz respeito ao grau em que uma sociedade busca se prevenir de acontecimentos indesejáveis e incertezas normativas; individualismo/coletivismo refere-se em que medida os membros de determinada sociedade estão mais preocupados com sua própria sobrevivência e da sua família em detrimento dos demais do grupo social ao qual pertencem; e masculinidade/feminilidade, que diz respeito à diferença entre as culturas com maior grau de assertividade, dominação e materialismo daquelas que estão mais interessadas com os indivíduos e aspectos como sentimentos e emoções (Estramiana, Pereira, Monter, & Zlobina, 2013; Hofstede, 1980).

Para tanto, o modelo de Hofstede sofreu alterações, conduzindo assim a uma quinta dimensão denominada orientação de longo e curto prazo, a qual se foca nos indivíduos, direcionados para o futuro ou o presente e passado (Minkov & Hofstede, 2010). Em seguida, Hofstede e Minkov (2012) também sugeriram uma sexta dimensão, denominada de Indulgência/restrição, na qual indulgência se refere a sociedades que favorecem de forma irrestrita gratificações dos desejos humanos básicos (e.g., como aproveitar a vida e buscar diversão) e a restrição corresponde a sociedades controladoras da satisfação das necessidades, regulada por meio das normas.

Todavia, destas dimensões, a individualismo/coletivismo foi a que teve maior repercussão, fazendo-se presente em quase uma década de pesquisa (Medeiros, 2011). A partir do exposto, evidencia-se que Hofstede trouxe contribuições indispensáveis para a área de estudo dos valores humanos a nível cultural, uma vez que desenvolveu um questionário objetivo para mensuração e, a partir desse construto, formulou as dimensões culturais. Indo além, distinguiu um dos principais paradigmas das ciências sociais:

individualismo e coletivismo (Cavalcanti, 2016). Contudo, o Modelo de Hofstede recebeu algumas críticas, uma delas em razão da dificuldade das teorias psicológicas em aplicar o paradigma individualismo/coletivismo (Triandis, 1995).

3.2.2. Valores Materialistas e Pós-materialistas de Inglehart

A teoria proposta por Ronald Inglehart também contribuiu para a perspectiva cultural dos valores humanos (Inglehart, 1977). A obra The silent revolution tornou Inglehart uma importante figura tanto nas Ciências Sociais quanto Política (Gouveia, 1998).

Inglehart iniciou suas investigações na década de 1970 e seu interesse era compreender as mudanças sociais observadas ao longo do tempo em sociedades ocidentais industrializadas, enfatizando a natureza das mudanças culturais, suas causas e consequências. Logo, sua intenção era analisar a mudança do sistema de crenças e seu impacto na mudança social e política (Inglehart & Welzel, 2010).

Esse autor propôs uma taxonomia dos valores sociais e políticos que distingue dois grupos de valores. O primeiro, os materialistas, está relacionado à satisfação das necessidades básicas, à coesão social e ao crescimento econômico; e, o segundo, os pós-

materialistas, está associado a preocupações sociais e individuais como a qualidade de

vida, a realização no trabalho, a vida comunitária e a justiça política (Inglehart, 1990). A partir da teoria de Maslow (1954) sobre a hierarquia das necessidades humanas, Inglehart (1990) desenvolveu doze indicadores. Destes, seis foram baseadas nas

necessidades fisiológicas, as quais descreveriam os valores de orientação materialistas,

isto é, estavam relacionadas à sobrevivência dos indivíduos e são representadas por indicadores que: (1) apreendiam a importância da segurança econômica (luta contra a

alta nos preços, crescimento econômico e economia estável) e; (2) enfatizavam a

segurança física (manutenção da ordem, luta contra o crime e forças armadas fortes). Os outros seis indicadores foram derivados das necessidades sociais e de

atualização e representavam os valores de orientação pós-materialista, uma vez que

correspondem a preocupações sociais e individuais como qualidade de vida, realização no trabalho, vida comunitária e justiça política, sendo então, divididos em: (1) necessidades estética e intelectual (cidades e natureza mais belas, importância das ideias e liberdade de expressão) e; (2) necessidades de pertença e de autoestima positiva (sociedade menos impessoal, importância das opiniões pessoais no trabalho e na

comunidade, e maior influência no governo; Inglehart, 1990).

Assim, a partir de uma análise dos componentes principais, Inglehart (1991) verificou que dos seis indicadores que representam os valores materialistas, cinco se agrupavam no polo positivo, enquanto que todos os seis valores pós-materialistas se agrupavam ao redor do polo negativo, comprovando assim, uma dimensão bipolar na qual as prioridades valorativas são organizadas hierarquicamente em um continuum unidimensional, alternando de valores materialistas e pós-materialistas.

Com base na perspectiva cultural, Inglehart defendia que as sociedades dariam mais prioridade aos valores pós-materialistas somente após terem alcançado a satisfação das necessidades fisiológicas e de segurança, isto é, os valores materialistas (Held, Muller, Deutsch, Grzechnik, & Welzel, 2009).

Sua teoria está ancorada em dois pressupostos principais: (1) hipótese de escassez, a qual tem em conta que as prioridades refletem seu meio ambiente socioeconômico, logo as pessoas dão maior importância às necessidades emergenciais e; (2) hipótese de

prioridades valorativas não se ajustam imediatamente, uma vez que depende do contexto que foram socializadas no início de suas vidas (Gouveia, 1998; Inglehart, 1977).

Desse modo, a teoria proposta por Inglehart continua a exercer um forte impacto no cenário atual dos valores humanos, em virtude de sua consistência teórica e empírica (Athayde, 2016). Logo, é inegável o reconhecimento das suas inúmeras contribuições, sobretudo a ideia de que apesar dos valores estarem sujeitos a mudanças, eles continuarão refletindo o patrimônio cultural de uma sociedade, dado que o progresso da sociedade resultará das alterações previsíveis nos valores (Inglehart & Welzel, 2010). Como exemplo dessa mudança de valores pode-se encontrar estudos no contexto político (Inglehart & Welzel, 2010), econômico (Arikan, 2011) e religioso (Reher, 2011).

Não obstante, os estudos de Inglehart não se isentaram de receber críticas, dado que Kid e Lee (1997) asseguram que não necessariamente as sociedades seguem em direção ao pós-materialismo somente quando se tornam mais ricas e desenvolvidas, e por isso faz-se necessário compreender se a riqueza realmente é um fator determinando no processo de mudança. Já Gouveia (1998) e Gouveia et al. (2010) questionam acerca do modelo dos valores se apresentarem em um eixo bipolar, tendo os valores materialistas em um polo e os pós-materialistas em outro, considerando que em diversos países estas dimensões se confundem ou se coadunam, sendo assim, não deveriam ser tratadas como polos opostos. Além disso, a medida World Values Survey, proposta pelo autor, apresenta dependência de todos os itens.

Desse modo, após a exposição dos autores e suas contribuições para a temática dos valores humanos em uma perspectiva sociológica, a seguir dar-se-á início a perspectiva psicológica, a partir da exposição de alguns autores e suas relevantes contribuições.