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PARTE I. MARCO TEÓRICO

CAPÍTULO 3. VALORES HUMANOS

3.3. Perspectiva Psicológica

3.3.3. Teoria Funcionalista dos Valores Humanos

Ao propor a Teoria Funcionalista dos Valores Humanos, Gouveia (2013) buscou dar ênfase a um questionamento: afinal, para que servem os valores? Assim, em resposta, o autor assegura que os valores são úteis para explicar as atitudes, crenças e os comportamentos das pessoas em contextos reais da vida cotidiana. Nesta direção, o objetivo do autor é compreender os valores adotados pelas pessoas, bem como, a interferência desses para suas vidas.

Sendo assim, Gouveia (2013) admite que os valores possam ser definidos como aspectos psicológicos que guiam os comportamentos e representam cognitivamente as necessidades humanas. Subjacente a isso, considera-se que (1) transcendem a situações específicas; (2) referem-se a estados desejáveis de existência; (3) assumem diferentes graus de importância; e, (4) são relativamente estáveis (Gouveia et al., 2008). Em consonância com os seguimentos para construção de uma teoria, a Teoria Funcionalista assume cinco pressupostos teóricos (Gouveia, 2013):

1) Natureza humana, admite-se a natureza benevolente do ser humano, logo são considerados apenas valores de essência positiva; 2) Princípios-guia individuais, os valores são individuais e servem como padrões gerais de orientação para o comportamento dos seres humanos, independente de situações específicas; 3) Base

motivacional, os valores são representações cognitivas das necessidades humanas

(Kluckhohn, 1951), representando as necessidades individuais, bem como as demandas institucionais e sociais (Rokeach, 1973; Schwartz, 1992); 4) Caráter terminal, considera apenas os valores terminais, uma vez que os instrumentais podem ser reduzidos aqueles.

Além de apresentarem uma definição mais coerente, formado por um número reduzido, preservando assim, o caráter de parcimônia; e, 5) Condição perene, assume que os valores são sempre os mesmos de sempre, não existindo novos valores. Isto posto, os valores não mudam, mas sim as prioridades valorativas apresentadas aos longos dos anos ou em diferentes culturas.

A partir desses pressupostos, a teoria funcionalista dispõe de duas funções consensuais para os valores humanos: (1) guiam às ações (tipo orientação; Rokeach, 1973; Schwartz 1992) e (2) expressam as necessidades cognitivas (tipo motivador; Inglehart, 1977; Maslow, 1954).

Com relação à primeira função, compreendem que as pessoas guiam suas ações a partir de bases de metas: pessoais, sociais e centrais. Sendo assim, indivíduos guiados por valores pessoais possuem um foco mais intrapessoal, tendendo ao egocentrismo e às metas próprias. Já aqueles guiados por valores sociais possuem um foco mais interpessoal, priorizando a vida em sociedade e situações grupais. Por fim, os valores centrais correspondem a valores que não são, exclusivamente, sociais nem pessoais, mas que representam o eixo principal das necessidades humanas, sendo compatíveis com os outros dois tipos de orientação valorativa (Gouveia, Milfont, & Guerra, 2014).

Quanto à segunda função dos valores, os indivíduos expressam suas necessidades a partir de dois tipos motivadores: materialistas (pragmáticos), que dão ênfase a ideias práticas, metas e regras normativas, buscando assim, atender as necessidades básicas de sobrevivência, biológicas e sociais (e.g., alimentação, garantia da sobrevivência do indivíduo); e, humanitários (idealistas), que dão ênfase a ideias mais abstratas, não sendo dirigidos a metas específicas e concretas (e.g., criatividade; Gouveia, 2013). Ainda sobre os tipos de motivadores, o autor ressalta que eles não são, necessariamente, opostos, mas sim complementares, logo uma pessoa madura não deve ser guiada apenas por um dos

tipos, mas sim pela combinação de ambos. Assim, a seguir será apresentado o modelo (ver Figura 2) resultante do cruzamento dos dois eixos tipo de orientação: (social, central e pessoal) e tipo motivador: (materialista e humanitário), que origina seis subfunções organizadas entre os critérios de orientação social (interativa e normativa), central (suprapessoal e existência) e pessoal (experimentação e realização), e os tipos de motivadores: idealista (interativa, suprapessoal e experimentação) e materialista (normativa, existência e realização). Essa estrutura se apresenta em uma forma de biplex 3 X 2, a qual origina os seis quadrantes valorativos: social-materialista, central- materialista, pessoal-materialista, social-humanitário e pessoal-humanitário.

Figura 2. Funções, subfunções e valores específicos.

A partir da Figura 2, serão detalhadas a seguir as subfunções, considerando o tipo de orientação, tipo de motivador e os valores que a compõe, propostos por (Gouveia, 2013).

Valores Pessoais. As pessoas guiadas por estes valores buscam alcançar metas pessoais, por meio de relações contratuais, assim, priorizam aos próprios benefícios. Estes se subdividem em duas subfunções:

Subfunção Realização. Possui motivador materialista. Pessoas orientadas por tais

valores focam em realizações materiais, representada pelos valores:

Êxito. A ênfase é ser eficiente e alcançar as metas. As pessoas que adotam este

valor têm o ideal de sucesso e são orientadas nesta direção, junto ao ideal de sucesso, primando pela competitividade, a fim de obter destaque e benefícios pessoais.

Prestígio. Enfatiza a importância do contexto social. As pessoas dão importância

aos demais, porém com propósitos de interesse pessoal, visando desfrutar de vantagens do reconhecimento social, de modo que sua imagem pessoal deve ser publicamente reconhecida.

Poder. Representa a ênfase dada ao princípio de hierarquia. Este valor é menos

social que os outros dois desta subfunção.

Subfunção Experimentação. Possui motivador humanitário. Representam a

necessidade psicológica de gratificação e a suposição do princípio do prazer. Contribuem para a promoção de mudança e inovação na estrutura das organizações sociais, sendo representada pelos valores:

Emoção. Representa a necessidade fisiológica de excitabilidade e busca de

experiências perigosas e arriscadas, comumente priorizada pelos mais jovens.

Prazer. Corresponde à necessidade orgânica de satisfação em um sentido mais

amplo (e.g., beber ou comer por prazer, divertir-se). A ênfase é aproveitar a vida, desfrutar os prazeres ao máximo. As pessoas que priorizam este valor tendem a apresentar mais comportamentos socialmente desviantes (Pimentel, 2004).

Sexualidade. Representa a necessidade de sexo. Enfatiza a obtenção de prazer e

satisfação nas relações sexuais. Constitui-se como uma escolha, sobretudo no contexto de busca de parceiro (a) e obtenção de prazer, entendido como desfrute da vida.

Valores sociais. Pessoas guiadas por este tipo de orientação têm como preferência o convívio social, assim buscam ser aceitos e integrados ao grupo do qual fazem parte, bem como manter um grau mínimo de harmonia entre as pessoas de seu ciclo social. As subfunções que o compõe são:

Subfunção normativa. Possui tipo motivador materialista. Reflete a importância e

a preservação da cultura e das normas convencionais. Assim, enfatizam a vida social, a estabilidade grupal e o respeito por símbolos e padrões culturais que prevaleceram durante anos. As pessoas que pontuam mais alto nesses valores, tipicamente são mais velhas (Pimentel, 2004). Os valores que compõem essa subfunção são:

Obediência. Evidencia a importância de obedecer e cumprir obrigações diárias,

respeito pelos pais e mais velhos.

Religiosidade. Representa a necessidade de segurança, porém não depende de

qualquer preceito religioso. Existe o reconhecimento de uma entidade superior em que se busca certeza e harmonia social para uma vida social pacífica.

Tradição. Representa a pré-condição de disciplina no grupo ou na sociedade como

um todo para satisfazer as necessidades. Sugere respeito aos padrões morais seculares e a harmonia social.

Subfunção Interativa. Possui motivador humanitário. Correspondem às

necessidades de pertença, amor e afiliação, enfatizando o estabelecimento e a manutenção das relações entre as pessoas. Comumente, as pessoas mais jovens são as que adotam esta função como princípio-guia em suas vidas. Fazem parte desta subfunção os seguintes valores:

Afetividade. Diz respeito a aspectos da vida social, enfatizando relacionamentos

íntimos, relações familiares, cuidados, afetos, prazer e tristeza.

Apoio social. Enfatiza a necessidade de afiliação, destacando-se a segurança no

sentido de não se sentir sozinho no mundo e, quando necessitar, obter ajuda.

Convivência. Corresponde a relação indivíduo-grupo. Requer um sentido de

identidade social, indicando a ideia de pertença a um grupo social e não viver sozinho. Valores centrais. Estes representam a espinha dorsal da hierarquia de valores. Indicam o caráter central ou adjacente destes valores, aqueles que estão acima do indivíduo (pessoais) e da sociedade (sociais), sendo compatíveis com todos os demais valores. Assim, são compostos por:

Subfunção Existência. Possui motivador materialista. Representam a necessidade

mais básica de sobrevivência do homem (biológica e psicológica; Maslow, 1954). Sendo assim, composto pelos seguintes valores:

Estabilidade pessoal. Pessoas que se guiam por este valor procuram garantir sua

própria sobrevivência. A necessidade de segurança e a busca por uma vida organizada e planejada demonstram um foco em aspectos práticos e orientados para o imediato.

Saúde. Pessoas que se guiam por este valor buscam obter um elevado grau de

saúde, evitando coisas que podem ser uma ameaça para sua vida.

Sobrevivência. Representa necessidades mais básicas, como comer e beber. É o mais relevante princípio-guia de pessoas socializadas em contextos de escassez ou que não têm à disposição recursos econômicos básicos.

Subfunção Suprapessoal. Possui motivador humanitário. Os valores que a

compõe representam as necessidades de estética, cognição e autorrealização. É representada pelos valores:

Beleza. Representa necessidades estéticas que evidenciam uma orientação global,

desconectada de objetos ou pessoas específicas. As pessoas guiadas por este valor tendem a apreciar o que é belo.

Conhecimento. Representa as necessidades cognitivas, tendo um caráter extra-

social. As pessoas que o priorizam buscam conhecimentos novos.

Maturidade. Representa a necessidade de autorrealização. Descreve um senso de

autossatisfação ou um sentimento de se perceber útil. Indivíduos que se pautam neste valor tendem a apresentar uma orientação universal que transcende pessoas ou grupos específicos.

Para além das subfunções, a Teoria Funcionalista dos Valores Humanos pauta-se em duas hipóteses: (1) hipótese de congruência, que diz respeito à estrutura interna ou sistema dos valores; e (2) hipótese da compatibilidade, avalia o padrão e associação dos valores com outros construtos (Gouveia et al., 2008, 2011). Isto posto, Gouveia (2013) compreende que essas hipóteses dispõem de diferentes conceitos, visto que a congruência refere-se à consistência interna do sistema funcional dos valores, já a compatibilidade corresponde à correlação dos valores com variáveis externas. Assim, na Figura 3 a seguir verificam-se as funções e subfunções a partir de um hexágono, possibilitando representar três graus de congruência, distribuídos entre as subfunções de valores.

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Figura 3. Padrão de congruência das subfunções dos valores básicos.

Os três níveis de congruência são: baixa, moderada e alta. Uma baixa congruência (lados opostos) corresponde à independência destes grupos de valores, possuindo diferentes tipos de orientação e de motivadores. A congruência moderada, por sua vez, caracteriza-se pelos valores que possuem o mesmo tipo motivador, mas com tipo de orientação diferente. Já a congruência alta agrupa os valores com o mesmo tipo de orientação e com motivadores diferentes.

Tal hipótese de congruência representa mais um ponto de diferença entre esta teoria e a teoria de Schwartz (1992), visto que esta última considera a ideia de “conflito entre valores” (Schwartz & Bilsky, 1987), enquanto que Gouveia (1998) assegura que os valores variam no grau em que são congruentes. De acordo com a teoria funcionalista, as correlações entre as seis subfunções são, predominantemente, positivas e a correlação

média deve ser mais alta e mais consistente entre pessoas mais maduras e autorrealizadas (Gouveia et al., 2008).

A partir do exposto, é inegável a consistência teórica desenvolvida pela teoria funcionalista durante os últimos quinze anos (Gouveia et al., 2011). Não obstante a isso, tal teoria conta com um número elevado de publicações no contexto nacional, bem como internacional (Gouveia, Milfont, & Guerra, 2014). Esta teoria conta com dados advindos de diferentes fontes (locais públicos, salas de aulas, internet, centro religioso, etc.), incluindo amostras com cerca de 50.000 participantes do Brasil e mais de 15.000 pessoas oriundas de 56 países de todos os continentes (e.g., Alemanha, Argentina, Colômbia, Espanha, Filipinas, Grécia, Honduras, Inglaterra, Israel, México, Nova Zelândia, Peru, Turquia; Athayde, 2016).

No que concerne aos estudos relacionados aos relacionamentos amorosos, a personalidade e a Teoria Funcionalista dos Valores Humanos, pode-se citar o estudo de Almeida (2016), o qual teve por objetivo comparar a satisfação conjugal e os valores humanos de casais de famílias intactas e recasadas, e, de acordo com os resultados, a satisfação conjugal se correlacionou positivamente com as subfunções normativa, suprapessoal e interativa, sendo que essa última predisse a satisfação conjugal.

Em outro estudo, Gouveia, Fonseca, Gouveia, Diniz, Cavalcanti e Medeiros, (2010) ao buscarem conhecer em que medida e direção os valores humanos se correlacionariam com os atributos desejáveis de um/a parceiro/a ideal, observaram que a subfunção experimentação e o atributo atlético se relacionaram positivamente, assim como a subfunção normativa e o atributo tradicional. Além disso, pessoas que endossam as subfunções suprapessoal e interacional deram maior importância ao atributo sociável (e.g., tolerante, gentil e livre).

Freire (2013), por sua vez, realizou um estudo que tinha por objetivo conhecer em que medida os valores humanos, os componentes do amor e os fatores do ciúme explicariam as atitudes das pessoas diante do poliamor. E os resultados revelaram que pessoas que endossam valores de experimentação tenderam a ter atitudes favoráveis ao poliamor, já as que priorizam valores normativos expressaram mais atitudes desfavoráveis. Em outro estudo, Lopes (2016) buscou conhecer em que medida os valores humanos explicariam o perdão conjugal, e os resultados apontaram que pessoas guiadas por valores sociais se encontravam mais predispostos a concederem o perdão ao seu cônjuge.

Assim, a partir desses estudos prévios evidencia-se a relevância da Teoria Funcionalista dos Valores Humanos na explicação de variáveis presentes nos relacionamentos amorosos. Desse modo, espera-se inovar e expandir os conhecimentos acerca dos valores humanos, bem como, da personalidade no que concerne a temática das estratégias de resolução dos conflitos conjugais.