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TRANSPARÊNCIA 4: ZIRALDO E OS QUADRINHOS QUE DÃO ÁGUA NA BOCA

4.1 Ler é mais importante do que estudar: a contribuição de Ziraldo para a

Nascido em Caratinga, Minas Gerais, em 24 de outubro de 1932, Ziraldo Alves Pinto é um dos maiores quadrinistas do cenário brasileiro. Formado em Direito pela Faculdade de Direito de Minas Gerais, trocou as leis pelo desenho. Seu primeiro “trabalho” foi publicado pelo jornal A Folha de Minas (local, onde mais tarde, em 1954, estreou sua coluna de humor) quando tinha apenas seis anos de idade.

Deixou a pequena cidade de Caratinga no início de 1950, partindo para Belo Horizonte, mais tarde, Rio de Janeiro, onde ganhou projeção internacional. Trabalhou para agências de publicidade – Standard e

McCann Erickson – onde iniciou seu

característico traço cartum. Trabalhou para as revistas O Cruzeiro e A Cigarra que tinham grande circulação e aceitação no Brasil, conquistando aos poucos seu espaço como cartunista. Com o passar dos anos e uma larga produção de cartazes, charges, caricaturas, quadrinhos e livros

infantis, Ziraldo tornou-se um ícone para a sociedade brasileira.

O grande impulso na sua carreira ocorreu nos anos de 1960, quando ele conseguiu romper com os modelos estrangeiros e criam histórias e desenhos que retratavam a cultura nacional. A obra de mais destaque deste período é A Turma do Pererê – publicada na revista

O Cruzeiro – cuja composição dos personagens é fruto da pesquisa e sensibilidade com relação à cultura brasileira. Sobre o Pererê, Ziraldo explica:

Quando comecei a fazer as aventuras do Pererê e de sua turma, numa revista mensal editada pelo de O Cruzeiro, em 1960, ainda não haviam inventado a palavra “curtição”. Mas eu sabia, desde o dia em que a revista parou ser publicada – em 1964 – que aquela tinha sido a maior curtição da minha vida. Faltava apenas dar este nome tão precioso ao que eu sentia. Sem ter feito trinta anos ainda, eu estava vivendo, dentro da redação de uma grande revista nacional, no meio do Brasil, no centro dos acontecimentos, os anos mais fascinantes da cultura brasileira, onde tudo era novo, o cinema, a bossa da música, o teatro nas praças, o pensamento, as esperanças, as palavras. O Pererê nasceu no meio dessa euforia. A gente fazia a revista assim: eu bolava os desenhos e as histórias. Paulo Abreu fazia as artes finais, Heucy Miranda cuidava da cor, João Barbosa das letras e dos balões e Renato de Biasi era o editor. Durante 43 meses a revista circulou, em cores, por todo o Brasil, através dos cinco anos que marcaram o final dos anos 50 e inauguravam a decisiva década de 60 na história do país. Fazer uma revista de aventuras brasileiras já era uma aventura brasileira e a simples formulação desta frase reflete todo o clima daqueles dias. (CAMPEDELLI, ABDALA, 1983 in SANTOS, 1997, p. 100).

E ainda:

Os bichinhos heróis dessas aventuras são figuras clássicas da lenda brasileira. Toda história que a mãe preta, o avô contador de caso ou as tias mais amorosas contaram para seus meninos, seus netos ou seus sobrinhos foram povoadas pelo coelho ou pelo macaco, pelo tatu e o jabuti, pela onça e pela coruja, com sua sabedoria. Aí, inventei de juntá-los todos em volta do Saci-Pererê e arrumar mais gente para contracenar com eles: um indiozinho, duas meninas lindas, dois caçadores, e alguma maluquice. (ZIRALDO, 2008, p. 3).

Em 1969 publicou seu primeiro livro infantil Flicts, elogiado por personalidades como Carlos Drummond de Andrade, Fernando Sabino, Rachel de Queiroz, Millôr Fernandes, entre outros. Nessa obra, Ziraldo trabalha com a união entre imagem e texto, tornando o livro conhecido como o “poema da cor”. Depois de Flicts, existe um hiato de dez anos sem publicar livros, dedicando-se na edição do jornal O Pasquim, cuja primeira edição é de 26 de junho de 1969. Por meio desse jornal, lutou contra a repressão do regime militar, resistindo até 1980, quando começou a ser recusado pelos jornaleiros, que tinham suas bancas incendiadas, chegando ao fim em 1991.

Com a abertura política brasileira, Ziraldo dedicou-se novamente aos livros infantis, publicando O planeta Lilás e o livro O

Menino Maluquinho em 1980. Esse último foi ganhador do Prêmio Jabuti, o mais importante galardão literário do Brasil, tornando-se seu personagem mais conhecido, um ícone brasileiro, como Carmem Miranda e Pelé.

O Menino Maluquinho, que “tinha o olho maior que a barriga”, é uma criança de dez a doze anos, membro de uma família de classe média, que não se deixa prender pelas regras coercitivas do “bem viver”, rompendo definitivamente com o modelo de criança que não questiona, não discute, aceita tudo que vem dos adultos. Maluquinho é crítico, quer saber o

porquê das coisas, quer expressar o que pensa. Sobre o personagem, Ziraldo ainda explica:

Uma vez eu estava falando sobre como educar filhos, num encontro com pais. Uma professora gravou e acabou me sugerindo pra colocar tudo aquilo num livro; mas eu tinha pavor de fazer qualquer coisa com didatismo, não quero ensinar nada a ninguém. Por isso a ideia do livro ficou na minha cabeça uns quatro anos. Eu não queria fazer tratado sobre educação dos filhos, que é coisa que eu não sei inclusive. Eu queria sim, era falar disso numa linguagem de cartunista, numa história inventada. Aí um dia, numa conversa, saiu: Era uma vez um Menino Maluquinho... (NOVA ESCOLA in SANTOS, 1997, p. 110).

Ao contrário da Turma do Pererê, que vive em um ambiente rural, as histórias do

Menino Maluquinho acontecem no meio urbano, levando em consideração os temas, impasses e crises vividos no Brasil na década de 1980. Assim, na primeira edição da revista, o Menino Maluquinho aparece na capa remarcando os preços dos produtos de um supermercado. Tal como Pererê, contudo, as histórias do Menino Maluquinho refletiam os principais problemas sociais e o dia a dia de nossa sociedade contraditória.

Figura 3: Turma do Menino Maluquinho

Em dez anos, foram mais de 200 mil exemplares de revistinhas distribuídas nas bancas do País, um dos maiores fenômenos editoriais que o Brasil já teve. Isso tornou o Menino Maluquinho tão popular que, em 1994, ele se tornou selo comemorativo de Natal dos Correios, em 1995 transformou-se em filme, sendo exibido nas telas de cinema do Território nacional, em seguida, lançado em vídeo e CD-Room e, em 1997, é destaque de uma escola de samba do Rio de Janeiro, voltando a ser novamente homenageado no carnaval de 2003, pela escola de samba paulistana σenê de Vila Matilde, com o enredo “É Melhor ler... O Mundo Colorido de um Maluco Figura 4: Estátua do Menino Maluquinho

Genial”. Passa a aparecer como garoto-propaganda em rótulos de vários produtos, como, por exemplo, perfumes, sabonetes, material escolar, alimentos, cartões, entre outros.

Em 2004, Ziraldo ganhou, com o livro Flicts, o prêmio internacional Hans Christian Andersen, o mais importante troféu da literatura infantojuvenil, considerado o pequeno Nobel de Literatura. Atualmente possui um parque temático em Brasília – Ziramundo – além de uma estátua gigante do Menino Maluquinho em Caratinga, “um dos poucos monumentos mundiais a homenagear um personagem de ficção”. (LEIVAS, 2011, p. 63).

Figura 5: Xampu do Menino Maluquinho

Apresenta ainda na TV Cultura o programa infantil ABC do Ziraldo, onde ele incentiva o hábito da leitura às crianças. É exibido semanalmente, aos domingos, sempre com a participação de um coral infantil e de uma plateia com crianças que estudam em escolas públicas. A cada programa, um escritor é convidado para divulgar sua obra e ser entrevistado por Ziraldo e pelas crianças.

Aos 78 anos, Ziraldo pode

anos de Menino Maluquinho, personagens que até hoje inspiram “crianças” de todas as idades. São cerca de 130 livros publicados, com temáticas das mais variadas possíveis, alguns em parceria com instituições governamentais (Cartilha Olho do consumidor), outras com instituições do Terceiro Setor (Cartilha Brasil eficiente), ou ainda autores conhecidos no cenário nacional, como, Rachel de Queiroz (Cafute e pena de prata), Chico Buarque (Chapeuzinho Amarelo), Darci Ribeiro (Noções de coisas). Teve ainda livros adaptados para o teatro (O último dos nukupyrus) e para o cinema (O Menino Maluquinho).