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TRANSPARÊNCIA 3: COMER COM OS OLHOS, PARA APRECIAR COM A BOCA

3.1. Educação Alimentar: da prescrição à estética

Estudos sobre educação alimentar são algo praticamente recente. Até a década de 1930, a educação alimentar não era vista como um campo de saber a ser estudado e, por isso, havia somente medidas isoladas, voltadas para o controle e a fiscalização da alimentação, em decorrência das crises de abastecimentos do Brasil colonial (BEZERRA, 2001).

Somente em 1940 se iniciaram as primeiras práticas educativas voltadas para a alimentação e nutrição, em razão do ao aumento de campanhas de introdução de novos alimentos junto aos meios de comunicação de massa (VALENTE, 1986). Lima (2000) assinala que a educação alimentar e nutricional, nesse período, se fundamentava na suposta ideia da ignorância, atribuindo à população, principalmente de baixa renda, o problema da fome e desnutrição. Sobre esse assunto, Bezerra (2003, p. 137 e 138) explica que

O discurso sobre alimentação da criança e educação alimentar emerge no interior dos movimentos de puericultura e de higiene escolar. Na puericultura, procurando desenvolver junto às mães formas adequadas e racionais de alimentar o lactente para combater a mortalidade infantil; ou seja, para o controle da população. É marcante, nesse discurso, a culpabilização individual das mães pelos problemas de mortalidade infantil e a ideia de maus hábitos físicos e alimentares.

E, ainda:

É oportuno relembrar a difusão e propagação das ideias higienistas, eugênicas e nacionalistas no interior das escolas (...). (...) por duas razões básicas. Uma dessas razões está vinculada à crescente preocupação com a educação, acima referida. O outro motivo é o fato de que nessa escola estava bem presente o discurso higienista, eugênico e sanitarista vinculados ao ideal de constituição de um brasileiro forte, robusto, necessário à formação da nação brasileira. Ou seja, um espaço aberto e receptivo às propostas de “educação alimentar” de caráter prescritivo, baseadas no princípio de que o brasileiro era mal educado com relação a alimentação. (BEZERRA, 2003, p. 141 e 142).

Em meio ao discurso da ignorância alimentar, destaca-se a obra do médico Josué de Castro. Inserido em um contexto de guerras e crises econômicas e sociais, Josué de Castro trabalhou com o conceito de racionalidade alimentar, tendo como princípios para a sua

aplicação a quantidade, qualidade, harmonia e adequação. A quantidade garantiria a suficiência calórica a fim de repor as perdas energéticas do organismo; a qualidade proporcionaria a variedade de alimentos e o maior aproveitamento do seu teor nutricional; a harmonia asseveraria a proporcionalidade entre esses nutrientes e o total calórico adquirido; e, por fim, a adequação respeitaria as necessidades individuais do ser humano.

Josué de Castro intentava com essa racionalidade alimentar ir muito além do que simplesmente comer bem, mas também, desenvolver uma economia cooperativa, segundo a qual as sociedades distribuíssem de forma igualitária seus alimentos, garantindo comida aos povos famintos e poder aquisitivo às populações marginais, libertando-os da opressão, da fome e da miséria. Essa visão mais econômica-social, contudo, e menos biológica da alimentação, demoraria mais algumas décadas para ganhar maior destaque.

Apenas em meados de 1970 foi que a ideia da ignorância começou a ser questionada, embora ainda hoje se faça muito uso dele, dando lugar a uma análise mais crítica a respeito da alimentação. Nota-se que o problema da população está muito mais ligado ao acesso aos alimentos, do que à falta de conhecimentos, proporcionando novas políticas de alimentação e nutrição no País, que reconhecia a renda como principal obstáculo para uma boa alimentação.

Em 1980, percebeu-se a incapacidade de a educação alimentar e nutricional, isoladamente, modificar as práticas alimentares, pois essa vinha carregada da ideologia das classes dominantes. Fazia-se necessária uma educação nutricional crítica, que se comprometesse politicamente com o fortalecimento das classes populares e a sua luta contra a exploração que enseja a fome e a desnutrição. Essa educação nutricional crítica

[...] baseava-se nos princípios da pedagogia crítica dos conteúdos, de orientação marxista, considerando que a educação nutricional não é neutra, como também não pode seguir uma metodologia prefixada. Nessa perspectiva, essa vertente da educação nutricional pressupunha assumir o compromisso político de colocar nossa produção técnica e científica a serviço do fortalecimento das classes populares em sua luta contra a exploração que gera a fome e a desnutrição. Vale ressaltar que a educação nutricional crítica influenciou os conteúdos da disciplina educação nutricional, integrante dos currículos para formação de nutricionistas, fortalecendo a discussão sobre a determinação social da fome e da desnutrição e a relação desses fenômenos com o modelo de organização capitalista, em detrimento do enfoque biológico e técnico, como também dos métodos e técnicas educativas. Como consequência, passa-se a discutir a fome e não apenas a desnutrição, e a educação alimentar passa a contemplar não somente as práticas alimentares, pressupondo, também, a tarefa de esclarecer a população sobre os direitos de cidadania. (...) Essa perspectiva resultou em parte das discussões sobre segurança alimentar que

integraram o cenário internacional e nacional nos anos 1990, concebendo a alimentação como um direito humano. (SANTOS, 2005, p. 682 e 683).

No final dos anos 1990, surge a expressão “promoção de práticas alimentares saudáveis” nos documentos oficiais do Brasil. A dicção vinha combinada com a promoção de estilos de vida e de práticas alimentares saudáveis, como estratégia para encarar os problemas alimentares e nutricionais no contexto brasileiro. O tema da educação nutricional nessa década passou a ser discutido, enfatizando a questão do sujeito, a democratização do saber, a cultura, a ética e a cidadania, reconhecendo a alimentação como um direito humano.

Ainda no final da década, a Política Nacional de Alimentação e Nutrição – PNAN, a primeira iniciativa pública formal nessa área, foi uma das expressões que, oficialmente, tentou procurar uma nova direção para as políticas de alimentação e nutrição no Brasil.

Com o propósito da “garantia da qualidade dos alimentos colocados para consumo no País, a promoção das práticas alimentares saudáveis e a prevenção dos distúrbios nutricionais, bem como o estímulo às ações intersetoriais que propiciem o acesso universal aos alimentos” (BRASIL, 2000, p.17), tinha como prioridade a disseminação de informações, valorizando os meios de comunicação, a fim de incentivar a criação de campanhas educativas relacionadas à alimentação e aos alimentos.

No início do século XXI, especificamente em 2001, outra proposta aparece, com o objetivo de garantir o Direito Humano à Alimentação Adequada para todos os habitantes do Território nacional. Esta recebeu o nome final de Projeto Fome Zero: uma proposta de

política de Segurança Alimentar para o Brasil, apresentado por Lula, em nome da Organização não Governamental – ONG Instituto Cidadania, sob a coordenação de José Graziano da Silva.

Implantado em 2003, o Programa Fome Zero tinha como um dos seus objetivos a ampliação da alimentação escolar e educação para o consumo alimentar, por intermédio de campanhas publicitárias e palestras para educar a população sobre as necessidades de uma dieta balanceada, na prevenção de desnutrição e de obesidade (ALCÂNTARA, 2008).

Seria essa uma nova roupagem para o discurso da ignorância alimentar? Será que essa proposta de educação alimentar e nutricional ao disponibilizar “novas” informações para “orientar as tomadas de decisões dos cidadãos” (que, outrora, foram inculpados pela sua

ignorância), não estariam novamente vendo a população como incapaz de tomar decisões quanto a sua alimentação?

Isto porque dar poder de decisão e oferecer informações, apesar de ser uma condição necessária, não é suficiente, se levarmos em consideração as dimensões não racionais e inconscientes que habitam a volição humana (CASTIEL; VASCONCELLOS- SILVA, 2002). Ao responsabilizar os indivíduos pelo seu estado de bem-estar e saúde, levando tudo para uma questão de decisão individual e de escolhas, corremos o risco de reconstituir a ideia da ignorância alimentar.

Difundir informações e divulgar fatos; também não significa educar. Educar exige mais do que simples informações para orientar os cidadãos em suas escolhas e decisões. Pressupõem perceber aquilo que é mais significativo para as suas vidas, o que dá sentido ao seu cotidiano.

Além disso, qual é o real impacto que essas “novas” propostas de educação alimentar e nutricional nos indivíduos, e em especial, nas crianças da atualidade? Não seriam elas uma gota d’água em meio de um oceano de campanhas publicitárias, de apelo consumista, onde as grandes franquias de fast-foods e empresas de alimentos ditam as regras do jogo? Que frente essas propostas fazem ao processo de “McDonaltização” da sociedade (KINCHLOE, 2004)?

Essa “McDonaltização” enfatiza a padronização, por intermédio do seu cardápio supostamente “universal”, que promove a mercantilização da vida familiar, vendo-a apenas como instrumentos para o consumo e, por conseguinte, o lucro, e que desvaloriza o ritual do comer junto, uma vez que a própria logística desses ambientes – as mesas e cadeiras, por exemplo – é desenvolvida para que seus consumidores não permaneçam por muito tempo no local.

Nesse âmbito, faz-se necessária a ideia de incluir uma nova proposta de educação alimentar, a fim de contribuir para que as pessoas possam tornar essas informações em conteúdos carregados de sentidos para o seu dia a dia, fazendo-se urgentes e necessárias pesquisas que tentem propor meios para que esta inclusão se concretize, a fim de essa educação alimentar não ficar reduzida, mais uma vez, a simples listagem de conteúdos.

Essa nova proposta deve ir além da prescrição, compreendendo que o modo de se alimentar está ligado ao habitus do grupo social em que ele está inserido. O habitus é um

“sistema de disposições duráveis e transferíveis, sob a forma de preferências sistemáticas, as necessidades objetivas das quais ele é o produto” (BτURDIEU, 19κ3, p. κ2 e κ3), ou seja, o

habitus é o mediador entre a estrutura social e as práticas de um indivíduo.

Nesse sentido, quando falamos em hábitos alimentares, estamos nos referindo à prática decorrente desse habitus, e esse está estritamente vinculado com o grupo social e ao estilo de vida dos sujeitos. O estilo de vida, por sua vez, depende do capital cultural herdado ou adquirido durante a vida. Ainda sobre o habitus, Reinhardt (2007, p. 195 e 196) esclarece:

Como o habitus se define pela internalização de princípios, através de um sistema de expressão que se integra a um sistema de interpretação concretizado através de uma prática específica, entendemos os hábitos alimentares como sendo estas práticas, pois têm referencial em esquemas interpretativos e de significação mais gerais. “Eles se constituem num sistema de expressão, integrado a um sistema de interpretação”. Para BτURDIEU, “As diferentes posições no espaço social correspondem estilos de vida, sistemas de desvios diferenciais que são a retradução simbólica de diferenças objetivamente inscritas nas condições de existência”. Ele acrescenta que o gosto e o estilo de vida dos indivíduos estão vinculados também ao capital cultural herdado ou adquirido escolarmente. [grifo do autor]

E ainda:

Neste debate de ideias, especificamente no que diz respeito às práticas alimentares, entendemos estas, bem como os hábitos alimentares, como prática deste habitus os quais realmente têm uma certa fixidez notável, reflexo da cultura, mas que não é estanque, está sempre em movimento, como a própria cultura. Apesar de afirmarmos a dificuldade de modificar hábitos e práticas alimentares, sabemos de sua maleabilidade e as observamos neste trabalho. Porém, para ocorrer estas mudanças e adaptações, elas primeiramente precisam ser interiorizadas, digeridas, e incorporadas pelos sujeitos. Um processo interno, não externo. (REINHARDT, 2007, p. 196).

Assim, se o habitus está relacionado com a cultura e o estilo de vida, e, por isso, de certa forma, maleável e adquirido escolarmente (capital cultural adquirido), a educação alimentar deve proporcionar saberes significativos, com base nas experiências concretas, fugindo dos conceitos e preceitos abstratos presentes nos manuais de Nutrição. Boog (2013, p. 27) elucida que

[...] como não comemos nutrientes e sim alimentos, o significado deles na esfera afetiva, na esfera das relações sociais e na cultura está presente e intimamente integrado às ações de educação alimentar e nutricional. Os alimentos atuam como mediadores dos vínculos sociais, possuem funções simbólicas, emocionais e morais importantes, e alimentação constitui ainda uma forma de expressão artística e de expressão de desejos. Por tudo isso, educar outros ou educar-se no campo da

alimentação e nutrição implica em criar novos significados e novos sentidos para o ato de comer.

Nesse contexto, nasce a proposta de uma educação alimentar estética, em que a pessoa ao mesmo tempo que faz uma preparação culinária – envolvendo todos os sentidos (visual, olfativo, gustativo e tátil) – compreende os conceitos e regras que a envolvem, sendo assim conduzida para a soberania alimentar6. “Quando é ensinado ao indivíduo como preparar alimentos saudáveis, esse se torna sujeito participativo. O aprendizado deve envolver assuntos que façam parte do cotidiano e se desenvolver em grupo. Assim, haverá estímulo à assimilação do conhecimento, que possibilitará a sensibilização para escolhas saudáveis” (SILVA et al, 2010, p. 2).

Essa educação alimentar estética, no âmbito da escola, se propõe convidar o sujeito a discutir ações de segurança alimentar, debater os conceitos de alimentação saudável, por intermédio do desenvolvimento de receitas, da manipulação do alimento, transformando a sala de aula em um laboratório culinário, ou, ainda, em uma extensão da cozinha da escola, tornando o ensino prazeroso e significativo, em uma unidade onde não pode ser percebida a separação entre esses. Castro (et al., 2007, p. 575) acrescenta, dizendo que

[...] por meio da culinária, seria possível proporcionar uma experiência de vivência e reflexão sobre as relações entre alimentação, cultura e saúde. Isso porque esse tema permitiria superar o caráter estritamente biológico que marca o discurso sobre alimentação saudável seja no âmbito técnico-científico, seja nos meios de comunicação, isto é, colocaria o foco na comida e em tudo o que ela significa, em vez de valorizar as características nutricionais de cada alimento. Além disso, contribuiria para o resgate da prática de cozinhar como atividade a ser valorizada, no cotidiano, na perspectiva do cuidado consigo e com o outro.

Corroborando essa proposta, Boog (2008, p. 27) nos ajuda a entender o valor multidisciplinar da educação alimentar, quando ressalta que “a culinária é riquíssima de possibilidades de aprendizagem, que podem ser exploradas e... consumidas! Aquilo que se consome, que concretamente ‘se põe para dentro’, nunca mais se esquece”. E ainda:

6 O conceito de soberania alimentar foi inicialmente postulado pela Via Campesina e pode ser enunciado

como ‘o direito dos povos a alimentos nutritivos e culturalmente adequados, acessíveis, produzidos de forma sustentável e ecológica, e o direito de decidir seu próprio sistema alimentar e produtivo’. Apesar desse direito ser incontestável e exigível, o modelo de desenvolvimento adotado de maneira hegemônica pouco tem colaborado para seu alcance. (Meirelles, 2008, p.1)

[...] o ensino da nutrição não pode ficar restrito à área de ciências, porque a alimentação representa muito mais do que um conjunto de nutrientes. A alimentação constitui uma prática social do cotidiano, e as crianças aprenderão muito mais pelo o que elas praticam do que pelo que elas ouvem sobre alimentação. A ideia de que educação alimentar e nutricional é um tópico de ciências e vai ser ensinada em um determinado momento e série é comumente encontrada entre professores. Enfatizamos que ela é um tema transversal que perpassa o cotidiano. (...) A alimentação é parte do cotidiano da vida escolar, por isso o ensino da nutrição não é uma tarefa só da área de ciências e nem se restringe à sala de aula (Boog, 2008, p. 20 e 21).

Assim, a educação alimentar deixa de ser encarada como uma política compensatória (BOOG, 2008), para ser percebida como tema gerador de grande importância, tanto para os alunos quanto para a escola, considerando que “comer bem” não pode ficar restrito a informações e conteúdos transmitidos, na maioria das vezes, de forma fragmentada, conforme vimos na crítica que Schiller faz à Modernidade, mas que deve levar em consideração a cultura, o prazer e a estética, colaborando com a mais nova lei para o Programa Nacional de Alimentação Escolar, a Lei nº 11.947, de 16 de junho de 2009, que, dentre as muitas inovações que propõe, destaca no o Artigo 2º:

Art. 2º São diretrizes da alimentação escolar:

I - o emprego da alimentação saudável e adequada, compreendendo o uso de alimentos variados, seguros, que respeitem a cultura, as tradições e os hábitos alimentares saudáveis, contribuindo para o crescimento e o desenvolvimento dos alunos e para a melhoria do rendimento escolar, em conformidade com a sua faixa etária e seu estado de saúde, inclusive dos que necessitam de atenção específica;

II - a inclusão da educação alimentar e nutricional no processo de ensino e aprendizagem, que perpassa pelo currículo escolar, abordando o tema alimentação e nutrição e o desenvolvimento de práticas saudáveis de vida, na perspectiva da segurança alimentar e nutricional;

III - a universalidade do atendimento aos alunos matriculados na rede pública de educação básica;

IV - a participação da comunidade no controle social, no acompanhamento das ações realizadas pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios para garantir a oferta da alimentação escolar saudável e adequada;

V - o apoio ao desenvolvimento sustentável, com incentivos para a aquisição de gêneros alimentícios diversificados, produzidos em âmbito local e preferencialmente pela agricultura familiar e pelos empreendedores familiares rurais, priorizando as comunidades tradicionais indígenas e de remanescentes de quilombos;

VI - o direito à alimentação escolar, visando a garantir segurança alimentar e nutricional dos alunos, com acesso de forma igualitária, respeitando as diferenças biológicas entre idades e condições de saúde dos alunos que necessitem de atenção específica e aqueles que se encontram em vulnerabilidade social. (BRASIL, 2009, p. 1)

Tenta-se com essa proposta a valorização da escola como espaço concreto por excelência, de orientação para o aprendizado, adequação e incorporação de hábitos

nutricionais adequados por crianças e adolescentes, oferecendo uma aprendizagem formal a respeito do conhecimento da alimentação saudável e adequada (DOMENE, 2008).

Para compreender melhor o que é a proposta de educação alimentar estética, desejamos ir além do conceito de estética, desenvolvido por This e Gagnaire (2010), e realizar transposição dos principais conceitos de Friedrich Schiller para esse campo. É evidente que a Educação que procuramos propor quer mostrar às crianças o que é belo de se ver e, principalmente, o que é “belo de comer”, aguçando todos os sentidos, a fim de proporcionar o prazer pelo ato de comer, mas, além disso, esperamos que as crianças, ao serem estimuladas sensorialmente, se tornem receptivas a incorporar as diretrizes de uma alimentação mais saudável. Não por imposição, ou porque um livro ou cartilha diz que deve ser assim, mas pela interiorização natural e prazerosa dessas diretrizes, como bem esclarece Boog (2013, p. 33 e 34)

A alimentação de boa qualidade não pode ser uma obrigação atrelada à disciplina rígida, proibições ou imposições. Alimentação é um dos grandes prazeres da vida e a tão falada alimentação “balanceada” sempre coexiste com a transgressão da norma. A arte da educação alimentar e nutricional reside justamente em dar condições às pessoas para cuidarem bem da própria alimentação, com responsabilidade sobre a própria saúde física e mental, bem como das pessoas dependentes, sejam elas crianças ou idosos. Implica também saber como transgredir a norma, quando assim desejar, com responsabilidade e temperança, sabendo usufruir dos prazeres sem deixar-se arrastar por eles, com moderação, colocando o impulso sob limites, sem abdicar dos prazeres.

Como vimos, para Schiller, a Estética possui um poder político pedagógico que contribui na formação do ser humano, não a formação para algum fim específico, ou ainda instrumental, mas a possibilidade de cada sujeito formar a si mesmo, por intermédio da síntese entre conhecimento e sensibilidade. A Estética em Schiller vai muito além da decoração ou, ainda, da contemplação. Em contato com o sensível, o indivíduo é convidado a sair da passividade e ir em direção à autoatividade, fazendo da Estética o meio e o caminho da sua realização. Embora a educação estética “schillerana” surja como resposta a um contexto político e histórico em que a Europa vivia no final do século XVIII, ela é um projeto de crítica à cultura moderna tão atual que ainda pode ser percebida no contexto em que vivemos.

A educação nesse âmbito se configura uma “maioridade”, na qual, o sujeito sai da tutela e da reprodução descritiva dos fenômenos que acontecem a sua volta, para falar pela

própria boca, fazendo uso de sua razão nas questões que lhe são expressas pelos sentidos. É mais do que simplesmente falar, pois a Estética possibilita “educar e ser educado pela e para a soberania da imaginação”. (BARBτSA, 2011, p. 3ι).

Desta forma, a Estética rompe com seu significado simplista de Ciência do belo, para se tornar uma ferramenta pedagógica que promove a liberdade. Nas palavras de Schiller (2002, p.2θ): “Resisto a essa amável tentação deixando que a beleza preceda a liberdade, e penso poder não apenas desculpá-lo mediante minha inclinação, mas justificá-lo mediante