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RAWLS E SEN: LIMITES, APROXIMAÇÕES E APLICABILIDADE

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Academic year: 2021

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RAWLS E SEN: LIMITES, APROXIMAÇÕES E APLICABILIDADE

Agemir Bavaresco1 e Jozivan Guedes2

O artigo do professor Gustavo Pereira tem como objetivo principal o estabelecimento do alcance de uma teoria da justiça rawlsiana. Sua proposta é ampliar a ideia de justiça pensada por John Rawls a partir de três facetas: (a) diferentemente de Amartya Sen, defenderá a imbricação entre o ideal de justiça e sua aplicabilidade; (b) introduzirá o que ele denomina princípio de informação das capacidades; (c) irá propor que a expansão da ideia de justiça rawlsiana permite a proposta da justiça distributiva sob dupla base de informação: sob o véu de ignorância, quando as partes são sabedoras de suas capacidades, e fora do véu de ignorância, quando as pessoas estão informadas acerca dos bens primários.

Ele inicia suas argumentações afirmando que atualmente há um “amplo consenso” no que se refere à ideia de que as sociedades democráticas têm como característica distintiva um conjunto de instituições, que se encarregam na distribuição de cargos e benefícios da cooperação social. Esse traço distintivo, na sua concepção, deve-se muito a John Rawls, desde Uma teoria da justiça (1971), com sua proposta de uma sociedade cooperativa que preza pelas vantagens mútuas de seus membros.

Além disso, essa sociedade é marcada pela pluralidade, no sentido que nela convivem a unidade de interesses e o conflito. De um lado, a unidade de interesses está pautada na ideia que sem a cooperação social as pessoas não teriam uma vida melhor; de outro, o conflito de interesses advém do fato que uns indivíduos, ao perseguirem seus fins, querem obter a máxima vantagem dos bens produzidos do que outros. Nesse sentido, a justiça social é necessária para distribuir de modo equitativo os benefícios resultantes da cooperação social.

A questão da justiça distributiva dentro das sociedades democráticas é um problema delicado que, segundo Gustavo Pereira, dilui o “amplo consenso” referido anteriormente. Pereira cita o economista indiano Amartya Sen como um dos críticos dos princípios distributivos. Para Sen,

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Doutor em Filosofia pela Universidade de Paris 1, Professor do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da PUCRS. Site: www.abavaresco.com.br - E-mail: abavaresco@pucrs.br

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uma teoria que propõe princípios, que permitam construir instituições que forneçam arranjos sociais justos, prejudica a identificação de estágios intermediários que busquem se aproximar do ideal de justiça invocado. Isso aponta para uma possível discrepância entre os princípios da justiça e sua concretização.

Metodologicamente, o artigo aqui estudado está disposto em quatro tópicos: (a) o ideal de justiça e sua aplicabilidade; (b) a crítica de Sen à justiça rawlsiana; (c) a ampliação da justiça rawlsiana; findando com uma (d) relação entre capacidades e meios.

I – Ideal de justiça e aplicabilidade

Aqui se trata da posição crítica de Sen perante as teorias da justiça, posição esta presente na obra A ideia de justiça. Ele explica e confronta os problemas referentes à justiça social a partir do enfoque transcendental e do enfoque comparativo. O primeiro enfoque consiste na identificação dos arranjos sociais, no estabelecimento dos princípios que constituem uma sociedade justa. O segundo enfoque busca ordenar alternativas de arranjos sociais.

Para Sen, os dois enfoques se excluem mutuamente porque o enfoque transcendental requer que se assegurem todos os critérios de uma sociedade completamente justa e, tal ideal, acaba por excluir as etapas intermediárias que resultam da comparação das possíveis alternativas concernentes ao ideal da justiça. Trata-se, assim, de um problema de aplicabilidade. Nesse sentido, os critérios distributivos estabelecidos no enfoque transcendental não são suficientes nem necessários para orientar a construção de uma sociedade justa.

A questão é: como estabelecer, no enfoque transcendental, um modelo idealizado de justiça que seja capaz de satisfazer de modo equitativo as etapas intermediárias durante sua aplicabilidade? A identificação de “sociedade justa” a um modelo ideal de justiça é insignificante no que diz respeito à orientação dos melhores arranjos sociais, já que tal identificação não especifica um único ordenamento que seja o melhor meio de efetivar a justiça. Pode-se, assim, chegar a esse objetivo por diferentes caminhos que escapam ao modelo ideal.

Sen está convicto que as teorias da justiça, em suas pretensões de apresentar um modelo ideal, não oferecem um critério suficiente que resolva os problemas que surgem das diversas demandas de sua aplicabilidade porque não produzem meios apropriados para isso. Oferecem princípios, mas não os meios.

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Diferentemente de Sen, para Gustavo Pereira, em Rawls é possível a convivência entre o enfoque transcendental e o enfoque comparativo, isto é, a unidade entre o modelo ideal de justiça e sua aplicabilidade, no sentido que a teoria rawlsiana defende que os bens primários não precisam ser estabelecidos na posição original de uma vez por todas.

Essa ordenação inacabada da aplicação dos elementos da justiça distributiva também é frisada por Dworkin quando, ao tratar da igualdade de recursos e das situações igualitárias defensáveis, defende que a justa distribuição de recursos é definível de acordo com a factibilidade da comunidade. A distribuição não é pré-dada, mas depende do contexto requerendo, então, um viés interpretativo que busque a mediação entre o modelo idealizado de justiça e sua aplicação.

O autor fecha o tópico afirmando que, semelhante à teoria de Rawls e de Dworkin, uma teoria da justiça se constitui de dois momentos: do ideal, que estabelece os critérios de uma sociedade justa, e da aplicabilidade desse ideal ajustado às condições locais. Pressupor essa interconexão é a primeira faceta de uma teoria da justiça.

I – A crítica de Sen à justiça rawlsiana

Na visão de Sen, tanto Rawls quanto Dworkin, ao evitar uma concepção subjetivista de bem-estar, acabam acentuando a regidez dos meios como parâmetros de justiça. Não perceberam a relevância da variabilidade interpessoal para as questões de justiça e, assim, pensaram que duas pessoas são tratadas de modo igual se têm um conjunto equitativo de bens primários (Rawls) e recursos (Dworkin). Contudo, esqueceram que ambas as pessoas podem diferir consideravelmente em suas capacidades de transformar esses meios de bem-estar.

Ao tecer essa crítica, Sen desloca a questão em torno das políticas distributivas dos meios para o aspecto das capacidades. Que adianta distribuir os meios sem trabalhar as capacidades daqueles que os recebem? Não interessa apenas distribuir de modo equitativo os recursos, mas deve-se também olhar para o desenvolvimento das capacidades utilizadas para trabalhar os meios. Isso faz com que a vida seja concebida como um conjunto de funcionamentos (trabalho das capacidades), que envolvem condições essenciais como estar bem alimentado, ter uma boa moradia, participar de uma comunidade, etc.

Segundo Gustavo Pereira, a crítica de Sen à rigidez dos meios não é impactante, porque a teoria rawlsiana de justiça já prevê uma relação entre meios e capacidades, no sentido que os bens

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primários são tidos como condições fundamentais para que os cidadãos exerçam suas capacidades, sejam livres e iguais. Seguros dos meios, cada pessoa trabalha de modo livre suas capacidades, na medida em que promovem sua ideia de bem e desenvolvem seu senso de justiça.

Outra crítica de Sen refere-se ao pressuposto rawlsiano de que para a realização de uma teoria da justiça é necessário supormos uma sociedade cooperativa, onde seus membros sejam razoáveis e prezem pela equidade. É possível que isso funcione apenas no nível ideal porque na prática a existência da pobreza e da miséria impossibilita a ideia de uma sociedade equitativa. Atento à crítica de Sen, Gustavo Pereira irá propor a ampliação da teoria da justiça de Rawls, proposta esta que constitui a segunda faceta de uma teoria da justiça.

III – A ampliação de uma teoria da justiça rawlsiana

A proposta basilar do autor é juntar a ideia de personalidade moral de Rawls, que implica no senso de justiça e na adesão a um bem, com a ideia de capacidades elementares de Sen, isto é, com o estar bem alimentado, o ter uma vida digna, o estar livre de enfermidades, etc., complementaridade esta que já tinha sido admissível pelo próprio Rawls. Com esse entrelaçamento entre capacidades morais e capacidades elementares, Gustavo Pereira tenta articular um projeto de justiça distributiva que responda, sobretudo, aos anseios das sociedades mais pobres, em que as capacidades morais são frequentemente impossibilitadas pela ausência dos meios. A questão em voga é: como tornar minimamente possível o desenvolvimento das capacidades vinculadas à personalidade moral?

Vinculado aos bens primários, o autor cita o papel da educação e das ciências humanas no desenvolvimento das capacidades dos cidadãos e na sua formação crítica. Entretanto, chama-se atenção que essa educação não deve ser a tradicionalmente veiculada, a racionalista, mas a que integre as emoções e a racionalidade e, ipso facto, trabalhe o ser de modo integral.

Outra forma de ampliar a teoria da justiça rawlsiana é pensar na sociedade cooperativa que não usufrui somente dos benefícios, mas também das dificuldades e fardos, tais como a exclusão, a desigualdade social, o preconceito, a pobreza, a violência, a discriminação racial ou sexual, etc. Trata-se de pensar numa sociedade de necessitados e vulneráveis. A isso Gustavo Pereira chama de empatia e reconhecimento das vulnerabilidades.

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A expansão da justiça rawlsiana levou o autor a formular um princípio de justiça em dois aspectos: o de ser sensível às circunstâncias que impossibilitam a consolidação de uma sociedade cooperativa; e o referente à expansão da informação das capacidades, algo que aponta para uma realidade empírica que está para além do simples véu de ignorância. De modo mais elaborado, o princípio é exposto da seguinte forma: “Todas as pessoas ao longo de suas vidas devem ter assegurado pelo menos um desenvolvimento mínimo de suas capacidades elementares que lhes permita ser membros plenamente cooperativos da sociedade”.

Tal princípio que busca unir as capacidades e os meios é direcionado às sociedades democráticas que padecem com a exclusão, as desigualdades sociais, a pobreza e outros problemas citados anteriormente. Em considerando o tema da aplicabilidade da teoria da justiça distributiva, conforme exposta por Gustavo Pereira, seria possível ampliá-la em dois níveis das relações internacionais:

(i) Como aplicar a ideia de justiça distributiva para além dos limites das sociedades democráticas, já que outras sociedades não democráticas também padecem dos mesmos problemas e mazelas supracitados (fome, desigualdade social etc.)?

(ii) Constata-se que Charles R. Pogge e Thomas W. Beitz desenvolveram argumentos tais como a relativização do princípio da soberania absoluta dos Estados e a transferência internacional de recursos naturais com a preocupação de aplicar o “princípio da diferença” no cenário internacional e, assim, ampliar a proposta rawlsiana do “dever de assistência”, tematizada em O Direito dos Povos. Levando em conta estes argumentos, a sua proposta da aplicabilidade possibilita a ampliação de mecanismos de justiça distributiva internacional mais condizente com o cosmopolitismo do “princípio da diferença”?

IV – Capacidades e meios

No último tópico de seu artigo, Gustavo Pereira busca consolidar seu objetivo (ampliar a ideia de justiça pensada por John Rawls) a partir da terceira faceta de uma teoria da justiça, que consiste na articulação de duas bases de informação: uma de capacidades e outras de meios. Em certo sentido, trata-se de confrontar a dicotomia apontada por Sen na crítica a Rawls entre enfoque transcendental e o enfoque comparativo, entre capacidades morais e capacidades elementares.

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Na visão do autor, essa dupla base de informação tem a virtude de fortalecer a justiça rawlsiana na dimensão de sua aplicabilidade, sobretudo perante as sociedades democráticas marginalizadas. Contudo, colocamos aqui uma questão de ordem metodológica: o compartilhamento dessa dupla base de informações (das capacidades e dos meios/bens primários) se dá entre as partes sob o véu de ignorância, onde ainda estão sendo formulados os princípios da justiça? Se assim o for, a teoria da justiça, como pensa Rawls, perde sua imparcialidade, pois na posição original são oferecidos apenas um menu de princípios razoáveis que serão eleitos pelas partes como princípios de justiça, tais como liberdade, igualdade, dignidade humana, etc.

Gustavo Pereira conclui seu artigo argumentando que tanto a posição de Sen quanto a de Rawls são insuficientes, no sentido de que a primeira dicotomiza o ideal de justiça da sua aplicabilidade, e a segunda não manifesta uma grande preocupação com a realização dos princípios de justiça (aplicabilidade). Em cima dessas vulnerabilidades, ele elaborou sua proposta que foi demonstrar a compatibilidade entre o ideal de justiça e sua aplicabilidade e, para isso, ampliou os horizontes da justiça distributiva a partir do alargamento das informações das capacidades e dos meios.

Referências

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