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Violência psicológica em âmbito doméstico e familiar contra a mulher: o dano psíquico como crime de lesão corporal

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA BRUNO DE FIGUEREDO PRIETTO

VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA EM ÂMBITO DOMÉSTICO E FAMILIAR CONTRA A MULHER: O DANO PSÍQUICO COMO CRIME DE LESÃO CORPORAL

Araranguá 2020

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BRUNO DE FIGUEREDO PRIETTO

VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA EM ÂMBITO DOMÉSTICO E FAMILIAR CONTRA A MULHER: O DANO PSÍQUICO COMO CRIME DE LESÃO CORPORAL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Renan Cioff de Sant’Ana

Araranguá 2020

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BRUNO DE FIGUEREDO PRIETTO

VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA EM ÂMBITO DOMÉSTICO E FAMILIAR CONTRA A MULHER: O DANO PSÍQUICO COMO CRIME DE LESÃO CORPORAL

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado à obtenção do título de Bacharel em Direito e aprovado em sua forma final pelo Curso de Graduação em Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Araranguá, 15 de dezembro de 2020.

______________________________________________________ Professor e orientador Renan Cioff de Sant’Ana, Esp.

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Prof. Chesman P. Emerim Jr., Esp.

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Prof. Laércio Machado Jr., Esp.

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Este trabalho de pesquisa é dedicado a todas as mulheres que se viram injustiçadas ao longo da história, bem como aquelas que ainda lutam contra a violência doméstica e familiar. Dedico às feministas.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus pelo dom da vida e por me ajudar a ultrapassar todos os obstáculos encontrados ao longo de todo o estudo.

Aos meus amigos e familiares pela paciência, pelo apoio e por compreenderem a necessidade da minha ausência durante o percurso da conclusão do presente trabalho. Mas principalmente à minha mãe, fonte de minha inspiração e o maior exemplo feminino em minha vida.

A todos os professores que dedicaram suas vidas a ensinar e que, de alguma forma, fizeram parte do meu aprendizado. Em especial aos professores envolvidos com este projeto, por suas correções e ensinamentos que muito somaram para a minha formação acadêmica.

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“O mundo é um lugar perigoso de se viver, não por causa daqueles que fazem o mal, mas sim por causa daqueles que observam e deixam o mal acontecer”. (Albert Einstein).

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RESUMO

O presente trabalho tem seu enfoque voltado à violência psicológica perpetrada em âmbito doméstico e familiar contra a mulher e o dano psíquico causado como um crime de lesão corporal. O artigo 129 do Código Penal Brasileiro define o crime de lesão corporal como “ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem”. Sendo assim, observa-se que o crime pode ser configurado não apenas na violação da integridade física, mas também na saúde, compreendendo aspectos funcionais e mentais. Dessa forma, demonstra-se por meio da pesquisa, a correlação entre o crime de lesão corporal e a violência psicológica contra a mulher, explorando o posicionamento feminino histórico, os meios institucionais de combate à violência doméstica contra a mulher, a diferenciação das formas de violência previstas na Lei Maria da Penha, bem como a relação de causalidade entre a conduta do agente e o dano psíquico causado à vítima de violência psicológica, com o fim de provar que a violência psíquica é caracterizadora do crime de lesão corporal. Para tanto, foram utilizados no presente Trabalho de Conclusão de Curso o método hipotético-dedutivo e o procedimento bibliográfico e documental.

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ABSTRACT

The present work focuses on psychological violence perpetrated in a domestic and family environment against a woman and the psychological damage generated as a crime of bodily injury. Article 129 of the Brazilian Penal Code defines the crime of bodily injury as "offending the bodily integrity or the health of others". Thus, it is observed that the crime can be configured not only in the violation of physical integrity, but also in health, which includes relative and mental aspects. Thus, the author through the present work the correlation between the crime of bodily injury and psychological violence against women exploring the historical positioning of women, the institutional means of combating domestic violence against women, the differentiation of forms of domestic violence Law Maria da Penha, as well as the causal relationship between the conduct of the agent and the psychological damage spread to the victim of psychological violence in order to prove that it is a characteristic of the crime of bodily injury. For this purpose, the hypothetical-deductive method and the bibliographic and documentary procedure were used in this Course Conclusion Paper.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO... 10

2 A LUTA PELA IGUALDADE DE DIREITOS ... 12

2.1 O PROTAGONISMO DO HOMEM PATRIARCAL ... 12

2.2 SURGIMENTO DO FEMINISMO ... 14

2.2.1 A primeira onda ... 14

2.2.2 A segunda onda ... 16

2.2.3 A terceira onda ... 18

2.3 A CONQUISTA DO DIREITO AO VOTO E O FEMINISMO NO BRASIL ... 20

2.4 PROTEÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS DA MULHER NO BRASIL ... 23

2.5 INTITUCIONALIZAÇÃO DAS DEMANDAS FEMINISTAS ... 26

2.5.1 Do Surgimento das delegacias de defesa da mulher... 26

2.5.2 Dos Juizados Especiais Criminais e a violência contra a mulher ... 27

2.5.3 Lei Maria da Penha ... 28

3 DAS FORMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER ... 30

3.1 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR SEGUNDO A LEI 11.340/2006. ... 31

3.2 VIOLÊNCIA FÍSICA ... 33

3.3 VIOLÊNCIA SEXUAL ... 33

3.4 VIOLÊNCIA MORAL ... 34

3.5 VIOLÊNCIA PATRIMONIAL ... 35

3.6 VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA ... 35

3.6.1 INTENÇÕES E ESTRATÉGIAS DO AGRESSOR ... 36

3.6.2 SINTOMAS DO TRANSTORNO DE ESTRESSE PÓS TRAUMÁTICO COMO CARACTERIZADORES DO DANO PSÍQUICO ... 38

4 A CARACTERIZAÇÃO DO CRIME DE LESÃO CORPORAL COMO CONSEQUÊNCIA DA VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA. ... 41

4.1 ANÁLISE DO CRIME DE LESÃO CORPORAL ... 41

4.1.1 Análise do núcleo do tipo ... 42

4.1.2 Sujeito ativo e passivo ... 43

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4.1.4 Objetos material e jurídico ... 43

4.1.5 Classificação ... 43

4.1.6 Lesão corporal de natureza leve (caput) ... 44

4.1.7 Aplicação do princípio da insignificância ... 44

4.1.8 Lesão corporal grave (§ 1º) ... 45

4.1.8.1 Incapacidade para ocupações habituais por mais de trinta dias (inciso I) ... 45

4.1.8.2 Perigo de vida (inciso II) ... 45

4.1.8.3 Debilidade permanente de membro, sentido ou função (inciso III) ... 45

4.1.8.4 Aceleração do parto (inciso IV) ... 46

4.1.9 Lesão corporal gravíssima (§ 2º) ... 46

4.1.9.1 Incapacidade permanente para o trabalho (inciso I) ... 46

4.1.9.2 Enfermidade incurável (inciso II) ... 46

4.1.9.3 Perda ou inutilização do membro, sentido ou função (inciso III) ... 47

4.1.9.4 Deformidade permanente (inciso IV) ... 47

4.1.9.5 Aborto (V) ... 47

4.1.10 Lesão corporal seguida de morte (§ 3º) ... 48

4.1.11 Diminuição da pena (§ 4º) ... 48

4.1.12 Substituição da pena (§ 5º) ... 48

4.1.13 Lesão corporal culposa (§ 6º) ... 48

4.1.14 Aumento da pena (§§ 7º e 8º)... 49

4.1.15 Violência doméstica (§§ 9º, 10, 11 e 12) ... 49

4.2 O DANO PSÍQUICO COMO CRIME DE LESÃO CORPORAL ... 50

4.2.1 Relação de causalidade entre o dano psíquico e a conduta do agente ... 51

4.2.2 Da gravidade do dano psíquico ... 51

4.3 DA PERÍCIA NECESSÁRIA ... 53

5 CONCLUSÃO ... 55

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1 INTRODUÇÃO

De acordo com o Mapa da Violência, elaborado pela Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais (2015, p. 1), no Brasil foram realizados pelo SUS, só o ano de 2014, 45.485 atendimentos às mulheres vítimas de violência psicológica. A pesquisa também indagou qual o tipo de violência que os entrevistados entendiam ser a mais grave e frequentes e os números foram alarmantes, entre os tipos de violência 13.050 relatos afirmavam ser a sexual, 1.048.400 a física e 1.164.159 a psicológica, outros 208.257 afirmaram serem vítimas de outro tipo de violência.

Soma-se a isso, Ramos (2019, p. 17) em uma pesquisa realizada nos endereços eletrônicos dos 27 órgãos de Justiça Estadual do Brasil e usando as palavras chaves como “lesão corporal”, “dano”, “psíquico”, “violência” e “doméstica”, não encontrou nenhum resultado. Além disso, a autora ainda relata que entre os anos de 2011 e 2015, na comarca da Capital de Santa Catarina, onde atuou como magistrada do Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, não presenciou nenhuma ação penal sobre o crime de lesão corporal em decorrência da violência psicológica.

Dessa forma, indaga-se: diante da brusca diferença entre os números de casos noticiados e decisões jurisprudenciais relativas ao tema, será que a violência psicológica e, consequentemente, o dano psíquico, podem ser compreendidas como um crime de lesão corporal?

Portanto, esta pesquisa tem como seu objetivo geral analisar o entendimento do dano psíquico como crime de lesão corporal, bem como a fático-probatória do crime de violência psicológica contra a mulher, observados o princípio da legalidade e o devido processo legal.

Para tanto, serão apresentados os seguintes objetivos específicos: Identificar, em um contexto histórico, quais os motivos levam a mulher a ser a maior vítima da violência doméstica e familiar; apresentar as conquistas feministas e os meios institucionais de combate a violência doméstica e familiar vigentes no Brasil; diferenciar a violência psicológica das outras formas de violência; identificar o dano psíquico e suas consequências derivadas da violência psicológica; relacionar o dano psíquico como crime de lesão corporal.

Sendo assim, parte-se da hipótese de que o crime de lesão corporal não abrange apenas lesões físicas, mas também pode incluir danos psicológicos caracterizadores do tipo.

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Dessa forma, descobrir se a violência psicológica configura crime de lesão corporal é fundamental não apenas para a vítima, mas para todo operador de direito. Na mesma esteira, nos casos em que as autoridades são procuradas, a reunião de provas para com o inquérito policial e com a ação penal é dificultosa, uma vez que o dano psicológico não deixa marcas visíveis e fáceis de apuração.

Assim, cabe uma melhor explanação sobre o tema, bem como a valorização do trabalho pericial nestes casos, uma vez que estes profissionais serão responsáveis pela identificação da violência psicológica como causa do dano psíquico.

Dessa forma, para uma melhor viabilização do teste da hipótese, realizaremos uma pesquisa de finalidade básica estratégica, objetivo descritivo, sob o método hipotético-dedutivo, com abordagem qualitativa e realizada com procedimentos bibliográficos e documentais.

No primeiro capítulo, é retratado de maneira histórica o desenvolvimento das lutas feministas até o momento da institucionalização do combate à violência de gênero.

Já no segundo capítulo, é observado as diferenças entre as formas de violência doméstica previstas na lei 11.340/2006, bem como as consequências do dano psíquico causadas pelo agressor.

Quanto ao terceiro capítulo, é apresentado como a violência psicológica, sendo causa do dano psíquico, pode ser caracterizadora do crime de lesão corporal previsto no art. 129 do Código Penal brasileiro.

Ao final, concluiremos que os objetivos apresentados são atendidos, bem como a pergunta elaborada respondida, dada a confirmação da hipótese. Indicando que a violência psicológica como precursora do dano psíquico, pode ser considerada um crime de lesão corporal de acordo com a norma vigente.

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2 A LUTA PELA IGUALDADE DE DIREITOS

2.1 O PROTAGONISMO DO HOMEM PATRIARCAL

Temos como origem da palavra patriarcado a combinação grega das palavras

pater (pai) e archie (comando) que pode ser definida como o comando do pai.

Assim, podemos entender a família patriarcal como aquela em que a figura paterna se encontra na figura do “chefe” da família ou melhor dizendo, aquele que tem poder sobre os demais familiares. Contudo, a definição de patriarca não se limita apenas na dimensão da relação de um pai com seu filho, mas também com outros entes familiares. Segundo Pateman (1993, p. 17-18): “O direito paterno é somente uma dimensão do poder patriarcal e não a fundamental. O poder de um homem enquanto pai é posterior ao exercício do direito patriarcal de um homem (marido) sobre uma mulher (esposa)”.

Não se pode definir uma data exata para o surgimento do patriarcalismo, esse sistema é muito antigo e vem desde a noção de monogamia e herança. Gomes (2019, p. 5) afirma que

O avanço do patriarcado dependeu fundamentalmente da descoberta da paternidade pelos homens, fato que não ocorreu de maneira homogênea e cronologicamente igual em todas os grupamentos humanos. Assim o patriarcado não se estabelece de forma rápida e universal, sendo uma luta travada durante milênios. Houve resistência e as mulheres demoraram muito a perder os seus poderes e importância dentro do círculo social. Segundo D’Eaubonne (1977), com o aparecimento das primeiras grandes civilizações, o patriarcado se estabelece apoiando-se na instituição da célula familiar e na noção de herança. O jovem patriarcado procura estabelecer e garantir o poder absoluto ao homem, que passa a ser o grande responsável por tudo, já que tem a posse de técnicas agrícolas, da terra e é o responsável por fecundar a mulher (D’Eaubonne, apud GOMES, 2019, p. 5).

Portanto, trata-se de uma construção ideológica onde começa a criar forças com a percepção do homem de que ele também era parte responsável da reprodução humana. Assim o homem começa a se ver como núcleo de sua família e o responsável por esta, a fim de perpetuar sua linhagem e constituir seus herdeiros.

O autor ainda nos mostra que, com o objetivo de garantir a certeza da paternidade, bem como para deixar herdeiros, a figura do homem começa a tomar um posto mais autoritário dentro do núcleo familiar. Assim, apresenta Engels (2012, apud GOMES, 2019, p. 6) que

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O poder patriarcal consolida-se pela queda do direito materno que, na visão de Engels (2012), representa a grande derrota histórica do sexo feminino em todo o mundo. Agora com a descendência e a herança sendo estabelecidos pelo homem, a incerteza da legitimidade da paternidade torna-se um grande problema, induzindo o homem a tomar a liberdade de sua mulher, para que pudesse ter alguma segurança quanto aos seus descendentes. Com o patriarcado, as mulheres são destituídas das suas atividades e de todo o status e poder, passando a função de simples reprodutora, geradora de filhos legítimos para o homem perpetuar sua linhagem.

Dessa forma, podemos notar que, tirado a mulher de foco, surge um maior protagonismo do homem dentro do núcleo familiar e social, tendo por consequência a super valorização dele em relação ao sexo feminino. Assim, a construção desse paradigma acaba afastando a mulher da vida pública e tornando o homem o protagonista da história humana.

Durante muito tempo a história da humanidade foi protagonizada por homens, sendo as mulheres deixadas à sombra da história, situações em que estiveram conformadas em ocuparem os bastidores da vida social, proibidas de integrar-se aos assuntos masculinos, condenadas a clausura do espaço privado, envolvida com a vida da casa, de esposa e na educação dos filhos, longe de serem percebidas pela história, que se restringia em versar da vida pública, esfera quase que exclusiva dos homens (SCHMIDT, 2012, p. 2)

Em verdade, a supervalorização do sexo masculino se apresenta como padrão social em diversos grupos. O homem, por diversas vezes, é visto como o provedor e chefe da família, já a mulher é vista na história como do lar, limitada aos afazeres domésticos e a criação dos filhos. Entende Silva (2010, p. 1) que

A discussão acerca das desigualdades entre homens e mulheres, como sabemos, não é recente, muito pelo contrário: dos gregos antigos até bem pouco tempo atrás, acreditávamos que a mulher era um ser inferior na escala metafísica que dividia os seres humanos, e, por isso, os homens detinham o direito de exercer uma vida pública. Às mulheres, sempre foi reservado um lugar de menor destaque, seus direitos e seus deveres estavam sempre voltados para a criação dos filhos e os cuidados do lar, portanto, para a vida privada, e, durante o século das luzes, quem julgasse se apossar da igualdade estabelecida pela Revolução Francesa para galgar espaços na vida pública teria como destino a morte certa na guilhotina. Muitas mulheres que tentaram reivindicar seus direitos de cidadania tiveram esse destino.

Além disso, essa visão de inferioridade da mulher também foi bastante presente na arte e cultura antiga, como exemplo, Cartledge (2002, p. 290) cita esse costume na arte e na filosofia grega, na qual as mulheres eram retratadas como aquelas que passavam o tempo dentro de casa fiando lã e ocupadas com tarefas domésticas.

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2.2 SURGIMENTO DO FEMINISMO

Varela (2014 apud RAMOS, 2019, p. 34) afirma que não há um consenso sobre a época em que os movimentos feministas iniciaram, ficando marcado o período mais próximo a partir Revolução Francesa no século XVIII. Contudo, a autora ressalta que, antes disso as mulheres já denunciavam as situações em que viviam, muito embora estas queixas ainda não eram consideradas demandas feministas, seja por não questionarem a origem da subordinação feminina e/ou nem articularem um pensamento que recuperasse os direitos negados às mulheres.

É importante dizer que a luta das mulheres contra a opressão esteve presente em diversos momentos da história humana. Apesar de registros de pequenas reivindicações ao redor do mundo, o movimento feminista começa a surgir com uma presença mais impactante a partir do século XVIII na Europa e nos Estados Unidos. Contudo, segundo Larrerre (2010,

apud RAMOS, 2019, p. 36) o terreno para que o movimento ganhasse força, já vinha sendo

preparado desde as ideias renascentistas, que vieram a se desenvolver no século XVII com o cartesianismo. Ainda, no século XVIII, os enciclopedistas defendiam o direito do homem, a crítica e a razão contra o preconceito, a responsabilidade individual e a consciência como motor da ação política e o domínio do mundo exterior pela ciência e pela técnica. Porém, essa ideia de homem não incluía as mulheres.

Para uma melhor elucidação do presente capítulo, não podemos chegar à conquista do direito ao voto e a institucionalização do combate a violência doméstica e familiar como conquistas das lutas feministas sem antes entendermos o que foi o feminismo. Para isso, iremos explicar as teorias feministas utilizando do que ficou conhecido como o estágio das ondas.

2.2.1 A primeira onda

Como já mencionado, o feminismo começa a se destacar a partir da Revolução Francesa, desta forma vale desenvolver brevemente o que foi esta revolução, que, segundo Cotrim (2016, p. 134 - 139), se deu como um movimento na França nos anos de 1789 – 1799 provocando grandes transformações políticas e sociais. Contou com o apoio de diferentes grupos sociais, como a burguesia, as populações mais pobres das cidades e os camponeses

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explorados pela servidão. Com isso, conseguiram destruir as estruturas de um antigo regime e a extinção dos privilégios da nobreza que já tinham resultado em uma crise econômica gravíssima para o país. Dessa forma os revolucionários valorizavam os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, tendo como essencial o mérito da conquista da riqueza e não mais o status conferido pelo nascimento.

Com o decorrer da revolução, em 26 de agosto de 1789, a assembleia proclamou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, tendo como principais pontos o respeito pela dignidade das pessoas; a liberdade de pensamento e opinião; a igualdade dos cidadãos perante a Lei; o direito à propriedade individual; e o direito de resistência a opressão política. Dessa forma, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão influenciaram as demais Leis da França e de diversos outros países, incluindo a proclamação da república francesa em 1792. Todo esse movimento teve forte apoio das mulheres que desempenharam um papel importante na revolução, assim descreve Braick e Mota (2016, p. 114):

As mulheres tiveram um papel destacado durante a revolução francesa: participaram ativamente das ações revolucionárias, fundaram clubes políticos, apoiaram a difusão das ideias revolucionárias, agitaram as sessões da Assembleia, lutaram pelo direito de formar uma guarda feminina e alistaram-se no Exército. [...] As francesas continuaram atuando nas jornadas revolucionárias, muitas vezes de maneira autônoma, por meio de clubes femininos. Além de defenderem que ainda não eram consideradas cidadãs e sofriam preconceito. Olympe de Gouges, por exemplo, chegou a publicar a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, em 1791.

Segundo Varela (2014, apud RAMOS, 2019, p. 38) a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã (uma réplica feminista da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão) constituiu uma das formulações políticas mais claras em defesa do direito à cidadania feminina. Assim, com a declaração, nas palavras da autora, “Gouges denunciava que a revolução negara os direitos políticos às mulheres e que, portanto, os revolucionários mentiam quando falavam em princípios universais como a liberdade e a igualdade, sem considerar as mulheres iguais e livres”. Olympe de Gouges foi guilhotinada em novembro de 1793.

Michel (1982, apud RAMOS, 2019 p. 37) nos explica:

Foi nesse contexto que as mulheres da Revolução Francesa perceberam que a recusa, até mesmo – e principalmente – por seus companheiros de luta, em considerá-las cidadãs, dissociava-se da linguagem revolucionária que demandava igualdade. Elas puderam perceber que os grandes princípios inscritos nas declarações de direitos – e que foram, posteriormente, inseridos nas constituições de vários países – não as incluíam e a partir de então, passaram a questionar os próprios revolucionários.

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Segundo explica Varela (2014, apud RAMOS, 2019, p. 39), a emancipação das mulheres ainda tardaria, uma vez que com a queda da bastilha durante a Revolução Francesa de 1789, as mulheres foram excluídas dos direitos políticos recém conquistados. Como se não bastasse, quinze anos mais tarde o código civil de napoleão – imitado em toda Europa – declara a menoridade perpétua de todas as mulheres. Assim, elas não teriam direito, nas palavras da autora, “de administrar suas propriedades, fixar ou abandonar domicílio, exercer o poder familiar, manter uma profissão ou reagir às violências perpetradas por pais e maridos”. Além disso, deviam respeito e obediência. A autora ainda menciona que nem seus corpos lhes pertenciam, uma vez que era criminalizado o adultério e o aborto.

Assim, surge a necessidade por parte das mulheres de toda Europa, de reivindicar o direito ao voto e o acesso às instituições educacionais do país. Nasce então o movimento que ficou conhecido como as “sufragistas” que, apesar do nome, não tinham o direito ao voto como única reinvindicação, mas escolheram-no como bandeira por ser uma causa comum, não importando sua situação econômica, social ou política.

2.2.2 A segunda onda

Aqui os direitos já haviam sido conquistados na maioria dos países perante as Leis, contudo, eles não eram observados na prática. A segunda onda feminista surge entre os anos de 1960 e 1980 com a preocupação com o entendimento das diferenças entre os sexos, a submissão das mulheres em relação aos homens e o significado de ser mulher. Segundo Hirata, Françoise, Doaré e Senotier (2009, p. 63)

Para a posição diferencialista “há dois sexos” (Fouque, 1995) na mesma humanidade, o acesso à igualdade não é o acesso à identidade. O desaparecimento da dominação deve abrir espaço para um mundo comum plural, enriquecido pelas contribuições das duas formas sexuadas da humanidade. Com efeito, a dominação masculina se apropriou do universal, truncando-o. A libertação das mulheres não é somente a superação de uma injustiça, mas também a manifestação de uma dimensão de relação com o mundo, omitida até hoje.

Neste período, Michel (1982, apud RAMOS, 2019 p. 40) destaca que em países ocidentais como Estados Unidos, Inglaterra e França surgiu uma nova restruturação do feminismo, mulheres que não sofreram o desgaste das lutas antifascistas ou anticolonialistas. Essas mulheres também já eram mais instruídas, algumas com frequência a universidades.

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Nesse contexto nascem os novos Movimentos de Mulheres (Women’s Moviments), tanto nos Estados Unidos quanto na Europa.

Em decorrência, houve alguns marcos da ação e teoria dos movimentos das mulheres. Como a fundação da National Organization of Women, mais conhecido como NOW. Segundo a autora “NOW se consagra à ideia de que as mulheres são, antes de tudo, seres humanos que, como as outras pessoas de nossa sociedade, devem ter a oportunidade de desenvolver profundamente seu potencial humano”. No campo ideológico e científico o movimento critica postulados da antropologia, história, psicanálise e da psicologia, que veiculavam sob um jargão pseudocientífico os preconceitos mais tradicionais contra as mulheres; no domínio da vida privada, as feministas defendem a família monoparental, o amor livre e o distanciamento da heterossexualidade como alternativa ao casamento tradicional; já o campo da cultura é marcado pelo combate ao sexismo nos meios de comunicação, na literatura e na publicidade. Surge aqui algumas editoras criadas por mulheres, responsáveis por difundir questões sobre os papéis femininos e masculinos; no acesso ao emprego, lutam pela igualdade de salário, agem como grupos de pressão contra os sindicatos, a fim de manter os empregos ocupados por mulheres em épocas de crises, para fazer respeitar as Leis de forma igualitária; na luta contra a repressão sexual e contra a violência de gênero, é exigido a separação da sexualidade e da procriação, a proibição da violência contra a mulher e o direito ao prazer feminino, além de surgir, neste período, as casas de abrigo às mulheres.

No período da segunda onda, surge também o feminismo radical, este muito influenciado pelas ideias de Karl Marx. Mackinnon (2016, p. 6) afirma que

Marxismo e feminismo são teorias sobre o poder e sua distribuição: desigualdade. Oferecem explicações acerca de como arranjos sociais de disparidade organizada pode ser internamente racional ainda que injustos. Mas sua especificidade não é incidental. No marxismo, ser despojado de seu próprio trabalho, no feminismo, da própria sexualidade, define a concepção individual de falta de poder per se. Isso não significa que coexistam lado a lado para assegurar que as duas esferas separadas da vida social não passem desapercebidas, que os interesses dos dois grupos não sejam obscurecidos ou que as contribuições dos dois blocos de variáveis não sejam ignoradas. Existem para sustentar, respectivamente, que as relações em que muitos trabalham e poucos ganham, em que alguns fodem e outros são fodidos configuram o momento primordial da política.

Assim, Mackinnon (2016, p. 5-6) compreende que, “assim como a expropriação organizada do trabalho de uns para o benefício de outros define uma classe – os trabalhadores

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– a expropriação organizada da sexualidade de uns para o benefício de outros define o sexo, mulher.”

Além disso, Santana (2008, p. 185-208) nos traz que, para as feministas radicais, o pessoal era político, uma vez que a vida privada das mulheres estava condicionada à política e sujeitas às relações de poder que estruturavam a família. Foram temas explorados nessa fase: a violência patriarcal, o aborto e o domínio sobre o próprio corpo.

O movimento feminista radical se apresenta como uma forma muito mais “agressiva” contra a diferenciação dos sexos e aponta o patriarcalismo como principal causa da desigualdade de gênero e consequentemente da opressão feminina. Busca-se aqui algo além da compreensão sobre a diferença de gênero e a subordinação da mulher no sistema patriarcal como uma solução do problema, mas a união do sexo feminino contra o masculino. Entende Silva (2018, p. 4) que

O Feminismo Radical é uma corrente feminista que se assenta sobre a afirmação de que a raiz da desigualdade social em todas as sociedades até agora existentes tem sido o patriarcado, a dominação do homem sobre a mulher. A Teoria do Patriarcado considera que os homens são os primeiros responsáveis pela opressão feminina e que o patriarcado necessita da diferenciação sexual para se manter como um sistema de poder, fundamentado pela explicação de que homens e mulheres seriam em essência diferentes. Para vencer a opressão feminina, as feministas desta corrente defendem que é fundamental, e que não basta apenas, concentrar os esforços na busca das explicações sobre as diferenças entre os sexos e a subordinação da mulher no sistema patriarcal, mas que as mulheres devem unir-se na luta contra os homens (argumento criticado e considerado por outras feministas como “guerra dos sexos”), assim como, devem rejeitar o Estado e todas as instituições formais por ser produto do homem e, portanto, de caráter patriarcal.

Foi neste contexto que o feminismo radical, segundo Varela (2014, p. 115, apud RAMOS, p. 46), trouxe uma importante multiplicidade de movimentos feministas pelo mundo ocidental. Passando os diferentes feminismos a trabalharem sobre sua própria realidade. Surge então o feminismo lésbico; feminismo das mulheres negras; o feminismo institucional – a partir das conferências da mulher promovidas pela Organização das Nações Unidas (ONU) –; o feminismo acadêmico, nascido nas universidades; e o ciberfeminismo, advindo das novas tecnologias.

2.2.3 A terceira onda

Surgiu no século XX, aproximadamente no ano de 1990 e é marcado pelo desenvolvimento de outros movimentos como o movimento negro e trans (neste último caso

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de homens e mulheres). Segundo Ramos (2019, p. 46) criou-se neste período o coletivo “mulheres”, ou seja, abre-se a questão de quem seriam os sujeitos femininos. Reconhecem aqui, que antes de um conjunto homogêneo, o feminino é atravessado por questões de classe, raça, região entre outras que as diferenciam e que por vezes as impedem de se identificar com a categoria “mulheres”. Assim, esta fase pode ser considerada uma fase de maior diversidade feminina. Hirata, Françoise, Doaré e Senotier (2009, p. 93) nos explicam:

A partir dos anos 80, feministas negras e dos países colonizados tacham de essencialismo o feminismo dominante, praticado por mulheres brancas. Este postularia uma feminilidade partilhada por todas as mulheres, mascarando assim as diferenças de estatuto econômico e político, e até os antagonismos que as separam.

Até então, é identificado um feminismo dominante praticado por mulheres brancas, o qual ignora as diferenças existentes entre membros do movimento e destituindo seu caráter heterogêneo.

Neste sentido, Touraine (2006 apud, RAMOS, 2019, p. 46) pontua a complexidade das operárias negras desta época, que sofrem três tipos de discriminação e exclusão – de gênero, de classe e de raça – que segundo a autora, podem ser bastante diferentes uns dos outros.

Dessa forma, na terceira onda se destacam os diferentes tipos de lutas femininas com suas respectivas barreiras, não apenas o “feminismo branco” até então mais perceptível. Connel (2015 apud, RAMOS, 2019, p. 47) nos ensina:

Isso sugeria a possibilidade de múltiplas perspectivas representando diversos grupos de mulheres, especialmente aquelas marginalizadas: o feminismo negro, o feminismo latino, o feminismo lésbico, por exemplo. Feministas brancas haviam exagerado a família como principal campo de opressão das mulheres, mas no contesto de racismo, para mulheres negras ou em comunidades de imigrantes, por exemplo, a família poderia ser um bem crucial.

Grandes autoras se destacam nesse período, contudo, uma em especial torna-se um ícone de um novo movimento cultural, denominado a teoria “queer”. De acordo com Figueiredo (2018, p. 2) Judith Butler em seu livro “Problemas de gênero” publicado em 1990, causa uma grande reação dentro do grupo feminista ao visar uma construção variável de identidade, que incluiria lésbicas, transexuais e os intersexuais, sinalizando um caráter construído de todas as identidades. Segundo a autora, Butler também provocou uma “revolução nas hostes feministas” ao contrariar alguns dogmas, questionar a distinção de sexo

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e gênero e ao problematizar a razão do sujeito do feminismo ser “as mulheres” além de apontar que discursos hegemônicos impuseram uma “heterossexualidade compulsória”.

Neste tema, Hirata, Françoise, Doaré e Senotier (2009, p. 228-230) nos traz três debates que ajudam a evidenciar na atualidade as categorias de sexo e gênero, o primeiro deles é a feminização da linguagem, criticando o gênero gramatical hierárquico, como nos países em que o masculino representa o geral e englobando o feminino no plural. Propõe-se assim, que as palavras femininas passem a representar um conjunto misto, ou ainda, que se evite ao máximo termos que identifiquem o sexo, encontrando-se palavras neutras como “on” em francês (que significa “nós” na língua portuguesa) ou “pessoas” em português; o segundo debate é a paridade entre homens e mulheres na representação política; já o terceiro seria uma contestação da preeminência da diferença dos sexos na família, especialmente na questão da filiação e parentesco. Aqui entende-se que a família deve ser entendida além da tríade mãe-pai-filho, mas também as mães que recorrem aos métodos artificias de procriação e as lésbicas e os homens gays sendo pais biológicos ou adotivos.

2.3 A CONQUISTA DO DIREITO AO VOTO E O FEMINISMO NO BRASIL

As primeiras organizações de mulheres no Brasil, segundo D’Alkmin (2006, p. 1), surgiram após o ano de 1850, tendo como principal bandeira o direito à educação e, principalmente, ao voto feminino. Contudo, a verdadeira discussão sobre os direitos políticos da mulher, chega ao Congresso Nacional apenas em 1891, tendo alguns deputados a pretensão de estender o direito de voto às mulheres que possuíssem diploma de curso superior e não estivessem sob custódia do pai. Porém, a discussão tem um resultado desastroso, uma vez que boa parte dos congressistas consideraram a emenda “anárquica”. Entre os argumentos dos parlamentares, a inferioridade da mulher e o perigo de dissolução da família predominavam. Segundo Karawejczyk (2011, p. 9) os principais argumentos levantados pelos congressistas que eram contrários ao sufrágio feminino desenvolveram-se entre três eixos temáticos diversos, são eles:

O perigo da desagregação da família e da degradação da figura da mulher se fosse concedido o direito de voto para o gênero feminino. Este tipo de argumento exalta a figura feminina na sua missão doméstica e promotora da educação dos filhos e é claramente baseada nos postulados positivistas, tão em voga na época em questão [...] Outro argumento levantado pelos congressistas era de que em nenhum lugar do mundo civilizado se concedia este privilégio para as mulheres, motivo considerado

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mais do que satisfatório para se negar este direito no Brasil. O último grupo temático dos argumentos apresentados girava em torno da questão de que o direito de voto para as mulheres já estava implícito na legislação eleitoral em vigor no país e, se elas não o aproveitavam, era porque não o queriam. Assim, segundo estes congressistas, esse fato deixava claro que as mulheres não tinham capacidade para atuar na vida pública e política.

Dessa forma, todas as tentativas de se estender o voto às mulheres foram frustradas, porém, os esforços estavam longe de acabar e, de acordo com D’Alkmin (2006, p. 1), o movimento decisivo para a conquista do voto feminino chega com a ativista e bióloga Bertha Lutz, que após retornar de seus estudos em Paris, traz consigo os ideais sufragistas da Europa em 1919, e junto com a militante Maria Lacerda de Moura, funda a Liga pela Emancipação Intelectual da Mulher, que posteriormente veio a se chamar Federação pelo Progresso Feminino.

A autora ainda relata, que a década de 1920 foi uma época conturbada no país, uma vez que a classe operária se organizava, os intelectuais rompiam com o pensamento tradicional, as classes médias pediam mais representação política e as mulheres queriam votar e serem votadas. Contudo, em 1927, o Deputado Federal Lamartine de Faria, um defensor da causa feminista, prometeu amplos direitos políticos às mulheres, declarando que a constituição não as vedava de seus direitos políticos, além de declarar que a privação de seu exercício era inconstitucional. Segundo D’Alkmin (2006, p. 2) “estava aí a semente do sufrágio feminino”. Assim em 1931, o governo de Getúlio Vargas concedeu votos limitados às mulheres, causando novos protestos. É somente em 24 de fevereiro de 1932, e através do novo Código Eleitoral, que o direito do voto feminino é conquistado.

Outro momento destaca o feminismo no Brasil, desta vez, durante a ditadura militar de 1964 – 1985, nascendo na década de sessenta, as ideias do que hoje chamamos de feminismo contemporâneo. Além disso, o movimento feminista no Brasil foi influenciado pelos movimentos já existentes na Europa e Estados Unidos, tendo a participação da mulher nas causas feministas, colocado elas no espaço público como um sujeito político. Assim dispõe Scavone (2010, p. 737, apud, RAMOS, 2019, p. 49):

[...] o Brasil viveu, entre os anos de 1964 e 1985, um período de ditadura militar e que foi nessa época, notadamente no final dos anos sessenta e início dos anos setenta – os chamados anos de chumbo – que surgiram as ideias do feminismo brasileiro contemporâneo. As mulheres se uniram ao movimento estudantil, aos partidos e sindicatos clandestinos, influenciadas pelas ideias de países da Europa e Estados Unidos – que circulavam entre a vanguarda política e cultural brasileira – quanto às questões relacionadas à família e à sexualidade que as reduziam ao espaço

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doméstico. A participação nesses movimentos, inclusive na luta armada, significou a essas mulheres o ingresso no espaço público como sujeitos políticos.

E mais, de acordo com Pedro (2006, p.1) o decreto pela ONU em 1975, considerando esse o Ano Internacional da Mulher, foi o marco inicial da mobilização das mulheres no Brasil, fazendo ressurgir um movimento feminista organizado. Sarti (1988, p. 41) complementa que “as comemorações do ano abriram caminho para os primeiros agrupamentos coletivos femininos, vinculados em sua grande parte aos partidos e organizações de esquerda (clandestinos nessa época)”. Nessa esteira, segundo a autora, define-se um sujeito para o feminismo: a mulher trabalhadora. O movimento começa a discutir a desigualdade salarial, a dupla jornada de trabalho e a discriminação no mercado de trabalho. Ainda acrescenta Sarti (1988, p. 42):

[...] a ênfase na mulher trabalhadora vinda de uma tendência predominante nos movimentos feministas que acreditava ser essa mulher a agente principal da transformação feminista, aquela sobre quem recai uma dupla opressão, de classe e de gênero: isso se explica pelo fato de o movimento feminista brasileiro ter se pautado pela ideologia marxista da esquerda brasileira e pela concepção, presente também no feminismo liberal, do trabalho remunerado como instrumento fundamental de libertação da dona-de-casa.

Dessa forma, entende-se que o espaço da mulher em um mercado de trabalho justo e igualitário torna-se uma das reinvindicações mais fortes dessa época, de forma a ceifar a concepção de que a mulher deva se limitar apenas aos afazeres domésticos.

Além disso, em 1980, os movimentos das mulheres foram diminuindo, isso se deu, por conta de uma especialização das atuações do movimento, subdividindo-se. De acordo com Scavone (2010, apud, RAMOS, 2019, p. 51), “essas subdivisões se multiplicaram surgindo, dentro outros, o movimento lésbico e gay, o movimento das mulheres lésbicas negras e o movimento das feministas católicas”. Nesse momento também começa uma institucionalização do combate à violência de gênero que, de acordo com a autora, reconhece-se a falta de estrutura das delegacias comuns para o acolhimento de mulheres vítimas da violência, sendo criadas, então, as Delegacias da Mulher na década de 1980, com o objetivo de oferecer um espaço mais institucionalizado onde mulheres vítimas da violência física, psicológica e/ou sexual pudessem se expressar com mais naturalidade e livres de uma carga policial machista.

Madalena (2016, apud, RAMOS, 2019 p. 53) relata que, atualmente aponta-se uma crise dos movimentos feministas e que, embora se reconheça lutas passadas, parte da

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população não se identifica com os feminismos e com a ideia de que não há mais o que pleitear. Dessa forma, a autora aponta como causas: “i) a ausência de conexão e dissociação, diante da multiplicidade de feminismos; o fenômeno do pós-feminismo: a crença de que os feminismos perderam o objeto e que não há mais o que reivindicar”.

Nesse sentido, Costa (2005, p. 1) nos traz uma reflexão:

É comum ouvir entre amigos (geralmente em uma mesa de bar), ou nos meios de comunicação brasileiros, que o movimento feminista acabou. Acredito que essa é também uma afirmação comum em muitos outros países, em especial da América Latina. Eu sempre respondo: o feminismo enquanto movimento social nunca esteve tão vivo, tão mobilizado, tão atuante como nesse início de século, de milênio. Talvez tenha mudado de cara, já não “queima sutiã”, raramente faz passeata e panfletagem, o que não significa dizer que tenha perdido sua radicalidade, abandonado suas lutas, se acomodado com as conquistas obtidas ou mesmo se institucionalizado.

Por sua vez, Dias (2014 apud, RAMOS, 2019 p. 54) nos diz que: “hoje, embora tenham garantido o direito ao voto, as mulheres continuam a receber salários menores para o exercício das mesmas funções que os homens, continuam a ser discriminadas no acesso a altos cargos e ao preenchimento de uma série de funções na sociedade”, a autora complementa apontando os desafios atuais que estas mulheres enfrentam, como: a equidade de condições para a educação feminina, e remuneração equânime e a liberdade reprodutiva.

2.4 PROTEÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS DA MULHER NO BRASIL

A priori, é importante mencionar a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) de 1948 como um dos primeiros meios internacionais de enfrentamento a violência contra a mulher que, apesar de não ter como objetivo central este enfrentamento, a declaração traz em seus textos ideias de igualdade entre homens e mulheres.

Em 24 de outubro de 1945 nasce a Organização das Nações Unidas, após a segunda guerra mundial (que resultou em um dos maiores desastres da humanidade), com o objetivo de buscar a paz e a cooperação mundial entre diversos países. Três anos mais tarde, a Declaração Universal dos Direitos Humanos é proclamada com o objetivo de promover direitos e liberdades e adotar medidas progressivas em benefício aos Estados-Membros e os povos dos territórios sob sua jurisdição.

Dessa forma, a declaração traz em seu texto ideais de liberdade, igualdade, dignidade e direitos que devem ser priorizados por todas as nações. Em seu art. 1º podemos extrair que “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São

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dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade” (ASSEMBLEIA GERAL DA ONU, 1948). Assim a DUDH já trazia em seu texto direitos básicos, sem distinção de raça, cor ou sexo. Preconiza seu artigo segundo que:

1 - Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. 2 - Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania (ASSEMBLEIA GERAL DA ONU, 1948).

Soma-se a isso, de acordo com Teles (2012, p. 63), a primeira vez que ficou reconhecido o direito das mulheres como parte dos direitos humanos, foi na Segunda Conferência Mundial de Direitos Humanos em Viena, na Áustria de 1993. Na Declaração de Viena e Programa de Ação, a Organização Das Nações Unidas (1993, p.1) dispõe em seu artigo dezoito que, “os direitos humanos das mulheres e das meninas são parte inalienável, integrante e indivisível dos direitos humanos universais”. Para Teles (2012, p. 63) essa Declaração serviu de base para a Convenção do Belém do Pará, bem como foi precursora ao definir a violência de gênero englobando as três formas, física, sexual e psicológica, de ocorrência em âmbito público ou privado.

Quanto a proteção internacional dos direitos da mulher no Brasil, pode-se citar duas convenções, são elas a Convenção Interamericana Para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará) e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres. A primeira foi ratificada em 1995 e promulgada através do decreto nº 1.973 de 1996, já a segunda foi ratificada em 1984 e promulgada pelo Decreto nº 4.377 de 2002.

A Convenção de Belém do Pará de 9 de junho de 1994 traz a definição de violência contra a mulher além de medidas a serem tomadas pelos Estados membros. No artigo primeiro ela entende a violência contra a mulher como “qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada” (Comissão Interamericana de Direitos Humanos, 1994, p. 1), já no artigo segundo, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (1994, p. 1) destaca a abrangência da violência contra a mulher em suas formas físicas, sexuais e psicológicas ocorridas no âmbito da família, unidade doméstica, relações

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interpessoais, na comunidade e cometida por qualquer pessoa, incluindo, entre outras formas, as condutas do estupro, abuso sexual, tráfico de mulheres, prostituição forçada, sequestro e assédio sexual no local de trabalho ou instituições educacionais, serviços de saúde e qualquer outro local, bem como a perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra.

Dessa forma, segundo Almeida e Pandjarjian (2002, p. 3), a ratificação da Convenção de Belém do Pará, compromete o Brasil a:

a) Incluir em sua legislação interna normas penais, civis e administrativas, assim como as de outra natureza que sejam necessárias para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher e adotar as medidas administrativas apropriadas que venham ao caso;

b) Tomar todas as medidas apropriadas, incluindo medidas do tipo legislativo, para modificar ou abolir leis e regulamentos vigentes, ou para modificar práticas jurídicas ou consuetudinárias que respaldem a persistência ou a tolerância da violência contra a mulher;

c) Estabelecer procedimentos jurídicos justos e eficazes para a mulher que tenha sido submetida a violência, que incluam, entre outros, medidas de proteção, um julgamento oportuno e o acesso efetivo a tais procedimentos;

d) estabelecer os mecanismos judiciais e administrativos necessários para assegurar que a mulher objeto de violência tenha acesso efetivo ao ressarcimento, reparação do dano ou de outros meios de compensação justos e eficazes.

Assim, a convenção é identificada como um importante instrumento de combate e erradicação da violência contra a mulher por dispor em seu texto, não apenas os direitos das mulheres, mas também, uma série de deveres do Estado frente a elas.

Outro importante mecanismo que contribuiu contra a violência sofrida pelas mulheres foi a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres, adotada em 1979 pela Assembleia Geral da ONU. De acordo com a Organização das Nações Unidas (1979, p. 1), ela fornece base para uma realização da igualdade entre homens e mulheres, garantindo a elas igualdade de acesso e oportunidade na vida política e pública, como o direito de votar, de ser votada, de educação, saúde e emprego. Em seu artigo primeiro define a discriminação contra a mulher, assim dispõe:

Para os fins da presente Convenção, a expressão "discriminação contra a mulher" significará toda a distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo. (ASSEMBLEIA GERAL DA ONU, 1979, p.1)

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Sendo assim, ao aceitar a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres, o Estado deverá cumprir uma série de medidas contra esta discriminação. Inclui-se neste caso, de acordo com a Assembleia Geral da ONU (1979, p. 1):

a) Incorporar o princípio da igualdade entre homens e mulheres em seu sistema jurídico, abolir todas as leis discriminatórias e adotar as adequadas que proíbam a discriminação contra as mulheres;

b) Estabelecer tribunais e outras instituições públicas para assegurar a proteção efetiva das mulheres contra a discriminação; e

c) Assegurar a eliminação de todos os atos de discriminação contra as mulheres cometidos por pessoas, organizações ou empresas.

Nesse sentido, os países membros dessas duas convenções, se comprometeram a colocar suas disposições em prática, bem como se obrigaram a cumprir todas as medidas de combate a violência contra a mulher presente em seus dispositivos, assim, sendo o Brasil membro de ambas, deverá seguir seus ditames de acordo.

Portanto, torna-se evidente o fortalecimento dos direitos da mulher no percurso da história e como de pouco em pouco elas foram ganhando um reconhecimento mais igualitário. Contudo, vale dizer que a institucionalização do combate a violência de gênero no Brasil, ainda não está completa, conforme poderemos observar no próximo tópico.

2.5 INTITUCIONALIZAÇÃO DAS DEMANDAS FEMINISTAS

Segundo Santos (2008, p. 5) três momentos se destacam quanto a institucionalização das demandas feministas: o primeiro deles é a criação da Delegacia da Mulher, em meados dos anos 80; o segunda se dá com o nascimento dos juizados especiais nos anos 90; o terceiro, o surgimento da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, que ficou conhecida como a Lei Maria da Penha.

2.5.1 Do Surgimento das delegacias de defesa da mulher

De acordo com Santos (2008, p. 6 e 11), desde os anos 80, a luta das feministas vinha se concentrando por serviços integrados de atenção às mulheres vítimas de violência, tais como, de assistência social, de saúde e de orientação jurídica; serviços policiais capacitados para esta questão; casas abrigo; e medidas preventivas, sobretudo no campo da educação. Contudo, de acordo com a autora (SANTOS, 2008, p. 6, 11), o Estado vinha

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tratando dessas temáticas como uma questão de polícia. Assim, surge em 06 de agosto de 1985, a partir do decreto estadual nº 23.769, de 6 de agosto de 1985, a primeira delegacia de defesa da mulher, instituída no Estado de São Paulo.

Santos (2008, p. 12-13) nos revela ainda que a ideia da primeira delegacia da mulher partiu do ex-presidente da República Michel Temer, na época Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, e surgiu em resposta a denúncias recebidas dos grupos de mulheres a respeito do presente machismo existente nas delegacias de polícia.

Apesar de não ter partido de demandas feministas, Pasinato e Santos (2008, p.8) nos contam que posteriormente, grupos de mulheres de diferentes estados passaram a reivindicar a criação de delegacias da mulher. Infelizmente, nem todas as demandas feministas quanto à alocação de recursos materiais e a capacitação de policiais, foram atendidas. Ainda assim, o Estado fez deste serviço policial sua principal campanha de política pública no quesito defesa das mulheres em situação de violência. Nesse contexto, os problemas da violência de gênero bem como os trabalhos desenvolvidos por ONGS feministas, ganharam mais destaque na mídia da época.

Santos (2008, p. 19) diz que, apesar do atendimento precário nas Delegacias de Defesa da Mulher, desde o ano de 1985 estas delegacias se multiplicaram por todo Estado de São Paulo e em todo o país, de forma a constituir a principal política pública de enfrentamento à violência contra mulheres. Apesar disso, de acordo com pesquisa realizada pelo IBGE (2018, p. 1), até o ano de 2018, apenas 8,3% dos municípios brasileiros possuíam delegacias especializadas de atendimento à mulher.

2.5.2 Dos Juizados Especiais Criminais e a violência contra a mulher

Até o ano de 2006, os crimes de violência familiar e doméstica contra a mulher eram entendidos como crimes de menor potencial ofensivo, acolhidos pela Lei nº 9.099/95 que trata dos Juizados Especiais, tendo como propósito a celeridade processual e o desafogamento do Poder Judiciário. Dessa forma, os crimes de menor potencial ofensivo são entendidos como aqueles cujas penas no Código Penal não sejam superiores a dois anos. Se enquadram neste tipo os crimes de lesão corporal leve (art. 129, caput, do CP) e o crime de ameaça (art. 147 do CP), uma vez que ambos possuem penas inferiores a dois anos. Segundo Barsted (2014, p. 27), de acordo com a Lei, o crime de lesão corporal leve é transformado em

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crime de ação pública condicionada à representação da vítima. A autora (BARSTED, 2014, p. 27) ainda afirma que as delegacias de polícia, ao tratarem dos crimes abrangidos pela Lei 9.099/95, se limitavam ao preenchimento do Termo Circunstanciado de ocorrência (TCO), mas não realizavam, necessariamente, a abertura de um inquérito policial. Ainda era possível uma conciliação entre a vítima e o agressor, além deste não poder ser preso, não perder sua condição de réu primário, nem mesmo ter proibida sua identificação criminal.

Sendo assim, o legislador ao escrever a Lei nº 9.099/95, se preocupou com a celeridade e a economia processual, contudo, ao abranger a violência doméstica contra a mulher, o Estado acabou possibilitando a conciliação entre as partes e penas alternativas da prisão ao agressor. Dessa forma, a impunidade dava um ar de injustiça e descriminalização da conduta, o que ia na contramão das demandas feministas e a Convenção de Belém do Pará ratificada pelo Estado brasileiro em 1995. Nesse sentido, Barsted (2014, 27-28) afirma:

[...] levando-se em consideração a natureza do conflito e a relação de poder presente nos casos de violência doméstica contra as mulheres, explicitada no texto da Convenção de Belém do Pará, a Lei 9.099/95 acabava por estimular a desistência das mulheres em processar seus maridos ou companheiros agressores e, com isso, estimulava, também, a ideia de impunidade presente nos costumes e na prática que leva os homens a agredirem as mulheres. Cerca de 70% dos casos que chegavam aos Juizados Especiais Criminais envolviam situações de violência doméstica contra as mulheres. Do conjunto desses casos, a grande maioria terminava em “conciliação”, sem que o Ministério Público ou o Juiz deles tomassem conhecimento e sem que as mulheres encontrassem uma resposta qualificada do poder público à violência sofrida.

Porém, com o advindo da Lei nº 11.340 de 2006, ficou previsto em seu texto legal que os crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher não seriam mais sujeitos a aplicação da Lei nº 9.099/95, ou seja, deixariam de ser considerados crimes de menor potencial ofensivo passando a serem processados como crimes incondicionados à representação e pelo rito ordinário do Código de Processo Penal.

2.5.3 Lei Maria da Penha

Tendo como base constitucional o artigo 226, §8, da Magna Carta, que diz que “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações” (BRASIL, CF, 2020), a Lei nº 11.340 passou a vigorar em todo o território nacional a partir de 22 de setembro de 2006, e ficou conhecida como a Lei Maria da Penha. O nome dado a essa Lei não foi em vão, trata-se

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de uma homenagem a Maria da Penha Maia Fernandes e sua trágica história de violência doméstica por parte de seu marido, Marco Antonio Heredia Viveros. Segundo o Instituto que leva seu nome IMP (2009, p. 1), Maria da Penha foi vítima de dupla tentativa de homicídio. A primeira ocorreu em 1983, quando seu marido deu um tiro de espingarda em suas costas enquanto Maria dormia, resultando em lesões irreversíveis na terceira e quartas vértebras torácicas, laceração da dura-máter e destruição de um terço da medula à esquerda, deixando-a paraplégica. Maria precisou de duas cirurgias, internação e tratamentos médicos por conta da lesão. Foi após o seu retorno para casa que seu marido, pela segunda vez, tenta matá-la, mantendo-a por quinze dias em cárcere privado, ele tentou eletrocutá-la durante o banho. Maria sobreviveu, e com a ajuda de amigos e familiares, conseguiu apoio jurídico para poder sair de casa sem que configurasse abandono de lar (o que facilmente poderia ser usado na época para que ela perdesse a guarda de seus filhos). Mesmo tendo o Estado brasileiro sido condenado, pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, por negligência e omissão à violência sofrida por Maria da Penha, após 18 anos da prática do crime, Marco Antonio Heredia Viveros teve duas condenações, mas nunca pagou por nenhuma delas.

Barsted (2014, p. 28) afirma que a demanda de elaboração de uma lei que abordasse diretamente a violência doméstica e familiar contra as mulheres vinha sendo promovida anos antes da promulgação da Lei nº 11.340 (Lei Maria da Penha). Já em 2002 o movimento feminista, junto com algumas ONGs e Instituições elaboraram uma proposta de Lei de enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher com base na Convenção de Belém do Pará. Ainda, segundo Barsted (2014, p. 28), entre os anos de 2003 a 2006, esses grupos envolvendo diversas ONGs foram responsáveis, não apenas por redigir um anteprojeto de Lei para o enfrentamento da violência contra a mulher, mas também por atuar de forma decisiva no processo legislativo que culminou com a sanção presidencial da Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). Com isso, ensina Barsted (2014, p. 29) que

A Lei 11.340/06, além de definir as linhas de uma política de prevenção e atenção no enfrentamento dessa violência, afastou em definitivo a aplicação da Lei 9.099/95, criou um mecanismo judicial específico – os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra as Mulheres, com competência cível e criminal; inovou com uma série de medidas protetivas de urgência para as vítimas de violência doméstica; reforçou a atuação das Delegacias de Atendimento à Mulher e da Defensoria Pública.

Por esse viés e tendo em vista as demandas feministas, a Lei Maria da Penha demonstrou ser um grande avanço legislativo no combate à violência de gênero, trazendo

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consideráveis mudanças na legislação penal. Quanto à essas mudanças, Machado e Grossi (2012) afirmam que a Lei Maria da Penha trouxe em seu texto três dimensões fundamentais a serem seguidas. A primeira delas é a dimensão normativa, que se deu a partir de algumas mudanças como o aumento de pena nos casos de lesão corporal do art. 129, §9º (que trata da violência doméstica), a retirada da competência dos Juizados Especiais, proposta de criação facultativa dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar e o aumento das hipóteses de prisão preventiva pelo Código de Processo Penal. A segunda dimensão como um plano protetivo, a Lei disponibilizou alguns mecanismos de prevenção, intervenção e tratamento dos casos de violência doméstica, como as já conhecidas medidas protetivas, a possibilidade de criação de centros de educação e de reabilitação para os agressores, bem como uma rede de atendimento devidamente articulada, como as casas de abrigo e centros de atendimento integral e multidisciplinar para mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. Por último, a dimensão pedagógica, que se destaca nos artigos 5º e 7º da referida Lei, possibilitando uma compreensão de violência doméstica e familiares contra mulheres, definindo a concepção de violência adotada em Lei.

Sendo assim, podemos dizer que a Lei 11.340/06 não trouxe ao ordenamento jurídico novos tipos penais, ocorre que os crimes cuja Lei Maria da Penha se refere, já existem e encontram-se tipificados no Código Penal. Assim, na leitura do art. 7, inciso II, por exemplo, o qual trata das condutas que tipificam a violência psicológica, podemos identificar que a Lei Maria da Penha traz parâmetros de interpretação de quando a legislação penal poderá ser aplicada.

3 DAS FORMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A

MULHER

A violência doméstica e familiar contra a mulher deriva das relações desiguais existente entre a vítima e o agressor, neste sentido, Carvalho, Ferreira e Santos (2010, p. 50), afirmam que “a violência cometida contra a mulher é dada pelas relações de poder e dominação e nas relações de gênero que evidenciam a hierarquia e as desigualdades sexuais”.

Com o fim de assistir às mulheres vítimas da violência doméstica, a Lei nº 11.340/06 criou mecanismos para coibir tal violência, trazendo algumas inovações em seu dispositivo. Dentre estas inovações jurídicas, define as diferentes formas de violência

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doméstica e familiar contra a mulher, são elas identificadas como violência física, sexual, moral, patrimonial e psicológica.

3.1 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR SEGUNDO A LEI 11.340/2006.

A violência doméstica e familiar contra a mulher vem crescendo nos últimos anos, de acordo com a 8ª edição da Pesquisa Nacional sobre Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, realizado pelo instituto Data Senado (2019, p. 1), as agressões cometidas por ex-companheiros tiveram um aumento de quase três vezes nos últimos oito anos. O percentual que era de 13% passou para 37% entre os anos de 2011 e 2019. A pesquisa também apontou que pelo menos 36% das brasileiras já sofreram alguma das formas de violência doméstica e familiar, e que, algumas condutas como humilhação em público ou tomar o salário da mulher, bem como outras situações, nem sempre são reconhecidas como violência pelas mulheres. Além disso, foram feitas algumas perguntas em relação a Lei Maria da Penha, cujo resultado escancara ainda mais a necessidade de divulgação desta norma uma vez que. De acordo com a pesquisa, apenas 19% das brasileiras conhecem a Lei de proteção à mulher, enquanto 68% sabem pouco sobre a norma e 11% afirmam não a conhecer.

Dessa forma, para melhor compreendermos sobre a violência doméstica, recorremos a Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto (2007, p. 29-30) que definem a violência doméstica como sendo “a agressão contra mulher, num determinado ambiente (doméstico, familiar ou de intimidade), com a finalidade específica de objetá-las, isto é, dela retirar direitos, aproveitando da sua hipossuficiência”. Dessa forma, podemos observar que, de acordo com o autor, não basta apenas impetrar a violência contra o sexo feminino, mas também que esta seja praticada no âmbito doméstico, familiar ou de intimidade entre a vítima e o agressor. Nesse sentido, o legislador conceituou a violência doméstica no art. 5 da Lei Maria da Penha, o qual dispõe:

Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

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III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual. (BRASIL, LMP, 2020).

Podemos notar que o legislador se preocupou também em explicar nos incisos seguintes ao caput, as definições de unidade doméstica, âmbito familiar e relação íntima, bem como estender a proteção da Lei às relações homoafetivas.

Dessa forma, com violência em “âmbito da unidade doméstica”, previsto no inciso I do artigo supracitado, segundo Cunha e Pinto (2007, p. 30), podemos entender como aquela violência praticada em espaço caseiro, envolvendo pessoas com ou sem vínculo familiar, podendo incluir aqui agregadas e a empregada doméstica. Quanto a violência no “âmbito da família”, disposto no inciso II, Cunha e Pinto (2007, p. 30) afirmam que se trata daquela violência praticada por pessoas unidas por vínculo jurídico de natureza familiar, podendo essa ser conjugal, parentesco ou por vontade expressa (adoção). Já quanto à violência “em qualquer relação íntima de afeto”, destaca-se que o inciso III “etiquetou como violência ‘doméstica’ qualquer agressão inserida em um relacionamento estreito entre duas pessoas, fundado em camaradagem, confiança, amor etc” (CUNHA; PINTO, 2007, p. 30-31).

Já no parágrafo único do referido artigo, podemos entender que tal inovação incluiu não apenas a mulher hétero, mas também lésbicas, travestis, transexuais e transgêneros vítimas de violência doméstica e familiar. Seguindo esse entendimento, Maria Berenice Dias (2006, p.1) afirma:

No momento em que é afirmado que está sob o abrigo da lei a mulher, sem se distinguir sua orientação sexual, alcançam-se tanto lésbicas como travestis, transexuais e transgêneros que mantêm relação íntima de afeto em ambiente familiar ou de convívio. Em todos esses relacionamentos, as situações de violência contra o gênero feminino justificam especial proteção.

Além disso, em seu artigo sétimo, a Lei Maria da Penha dispõe de um rol exemplificativo das formas de violência doméstica e familiar contra a mulher. Elas são identificadas como a violência física, sexual, moral, patrimonial e psicológica (BRASIL, LMP, 2020).

Referências

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