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Psicopatologia: da teoria à prática clínica

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Academic year: 2021

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Relatório de Estágio

Mestrado Integrado em Medicina

PSICOPATOLOGIA: DA TEORIA À PRÁTICA CLÍNICA

Isabel Teixeira

Orientador

Dr. António Leuschner

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1. Resumo

Dado o meu crescente interesse pela especialidade de Psiquiatria ao longo do Mestrado Integrado em Medicina, propus basear o meu trabalho num relatório de estágio, de carácter extra-curricular, desenvolvido sob a orientação do Dr. António Leuschner. Dada a ampla variedade de subespecialidades dentro da referida, neste estágio propus-me a acompanhar um médico psiquiatra e sua respectiva equipa, nas actividades clínicas diárias, tendo seguido a Dra.Cristina Paz e o Dr.João Freitas em Psicogeriatria (especializada no atendimento de problemas da terceira idade, como Doença de Alzheimer ou manifestações psíquicas da Síndrome de Parkinson), no período de 24/11/2008 a 05/12/2008, e a Dra. Ana Maria Soares na área de Psiquiatria Geral (estudo e atendimento de casos psiquiátricos em adultos), de 16/02/2009 a 27/02/2009.

Desenvolvi este trabalho tanto em regime de ambulatório e internamento, nas instalações do Hospital Magalhães Lemos, como na área da Emergência Psiquiátrica, no Serviço de Urgência do Hospital de S. João. Com a duração de aproximadamente cem horas, a realização deste estágio teve como principais objectivos a aquisição de conhecimentos teóricos e práticos na área da Saúde mental, desde o reconhecimento e consequente diagnóstico de psicopatologias, ao seu tratamento e posterior acompanhamento. Procedi, de igual modo, à elaboração de um trabalho, em formato “poster”, baseado num caso clínico por mim observado, tendo em vista a sua descrição e discussão clínicas. Para além disso, a nível pessoal, penso que foi fundamental ter um contacto próximo com a prática clínica diária na Psiquiatria, de modo a melhor poder reflectir acerca da escolha da minha especialidade, como futura médica.

O presente relatório de estágio apresenta uma descrição das actividades desenvolvidas, nomeadamente do tipo de patologias observadas, bem como uma fundamentação teórica para as opções terapêuticas tomadas, não negligenciando as vivências e emoções experimentadas durante o referido período.

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2. Agradecimentos

Gostaria de agradecer a tutela do Dr. António Leuschner, por toda a disponibilidade e o apoio prestado no Hospital Magalhães Lemos, bem como agradecer aos médicos psiquiatras que acompanhei durante o estágio, Dra. Cristina Paz, Dr. João Freitas e Dra. Ana Maria Soares, por toda a aprendizagem que me proporcionaram, quer a nível clínico quer a nível pessoal.

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Índice Geral 1. Resumo ………..………..………… I 2. Agradecimentos ………..…….….. II 3. Introdução ………...……….…….…. 1 4. Discussão ……….……….……….… 4 4.1 Perturbações da Personalidade ……….……….….... 4 4.2 Distúrbio de Ansiedade ... 6 4.3 Síndrome Depressivo ………....…... 8

4.4 Perturbação Afectiva Bipolar ….………..…..….... 12

4.5 Psicose ……….………..…... 14 4.6 Demências …………...………...………..…..…. 18 4.6.1 Doença de Alzheimer ………..….….. 19 4.6.2 Demência Vascular ………...….. 20 4.6.3 Demência Fronto-Temporal ………...… 21 4.7 Debilidade Intelectual ………...… 22 4.8 Disfunção Eréctil ……….…... 24 5. Conclusão ………..………...…… 26 6. Bibliografia ……….…...…… 27 7. Anexos ………..…….…... 28 A. Farmacologia

B. Classificação das Perturbações da Personalidade C. Classificação e Distribuição por tipos de Demência

D. Critérios Diagnósticos do DSM.IV para Demência do Tipo Alzheimer E. Critérios Diagnósticos do DSM.IV para Demência Vascular

F. Caracterização da Demência Fronto-Temporal

G. Efeitos de alguns antidepressivos sobre a sexualidade

H. Classificação do QI segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) I. Síndrome de Ekbom em idosa: do problema ao diagnóstico – Caso Clínico

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3. Introdução

A palavra “psiquiatria” deriva do grego e significa “arte de curar a alma”. Especialidade da medicina que lida com a prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação das doenças mentais, de foro orgânico ou funcional, tem como meta o alívio do sofrimento e o bem-estar psíquicos. Para tal, requer uma avaliação global do paciente, sob as perspectivas biológica, psicológica e social, envolvendo a história clínica e o exame do estado mental, bem como a complementação deste com testes psicológicos, neurológicos e exames de imagem. A terapêutica psiquiátrica distingue-se como outra característica única desta especialidade, uma vez que assenta na administração de fármacos bem como em várias formas de psicoterapia e a electroconvulsivoterapia. Tanto a clínica quanto a pesquisa em psiquiatria são realizadas de forma interdisciplinar. Em anexo (A) encontra-se uma caracterização de todos os fármacos mencionados na terapia dos casos clínicos apresentados.

Aparentemente, a Psiquiatria teve origem no século V a.C., tendo sido criados os primeiros hospitais para doentes mentais na Idade Média. Durante o século XVIII a psiquiatria evoluiu como área médica e as instituições para este tipo de pacientes passaram a utilizar tratamentos mais elaborados e eticamente mais aceitáveis. No século XIX houve um aumento importante no número de pacientes, e no século seguinte assistiu-se ao renascimento da compreensão biológica das doenças mentais, introdução de novas classificações e fármacos para os transtornos psiquiátricos. A antipsiquiatria ou movimento anti-psiquiátrico surgiu na década de 1960 e conduziu à desinstitucionalização e estabelecimento do conceito de inserção na comunidade e tratamento em simultâneo do paciente psiquiátrico.

A Psicopatologia, ciência que estuda os comportamentos considerados anormais, é um ramo descritivo da Psiquiatria. As doenças psiquiátricas são descritas pelas suas características patológicas, sendo importante realçar que muitas ainda não têm cura. Enquanto algumas apresentam um curso breve e pouco sintomático, outras são condições crónicas que têm um importante impacto na qualidade de vida do paciente, requerendo tratamento a longo prazo ou mesmo por toda a vida.

A Psiquiatria engloba várias subespecialidades: Pedopsiquiatria (psiquiatria da infância e adolescência), Psiquiatria Forense (psiquiatria criminal ou em pacientes que possam revelar-se perigosos para a sociedade), Psicogeriatria (psiquiatria especializada nos problemas da terceira idade), Psiquiatria de Ligação (tratamento de sintomas psíquicos em doentes internados em hospitais gerais), Psiquiatria Geral (psiquiatria de adultos), Toxicodependência, Epidemiologia Psiquiátrica (estuda o risco e prevalência de doenças psiquiátricas), Psiquiatria Transcultural (estudo das diversas manifestações da doença psíquica nas diferentes culturas), Emergência Psiquiátrica (atendimento de casos críticos, como doentes em crise) e Psicoterapia. Além destas, na formação do psiquiatra são igualmente fundamentais

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conhecimentos de medicina interna, neurologia, radiologia, psicologia, sociologia, farmacologia e psicofarmacologia.

A terapêutica psiquiátrica apresentou uma evolução enorme nas últimas décadas; se, no passado, os pacientes psiquiátricos eram hospitalizados em hospitais psiquiátricos por muitos meses ou mesmo por toda a vida, nos dias de hoje a maioria é atendida em ambulatório (consultas externas) e se a hospitalização se torna necessária, em geral é por um curto período de tempo. Mais comumente os pacientes são encaminhados a cuidados psiquiátricos por vontade do próprio; ocasionalmente, podem ser encaminhados por solicitação de uma equipa médica, internamento psiquiátrico involuntário ou solicitação judicial.

Qualquer que seja o motivo da consulta, o psiquiatra avalia a condição física e mental do paciente. Para tal, é realizada uma entrevista clínica para obter informação e, se necessário, outras fontes são consultadas, como familiares, profissionais de saúde, assistentes sociais e relatórios judiciais. O exame físico exclui ou confirma a existência de doenças orgânicas, como tumores cerebrais, patologia tiroideia, ou identifica sinais de auto-agressividade. O exame do estado mental é parte fundamental da consulta e é através dele que se define o quadro e a capacidade auto-crítica. A terapia psiquiátrica, como as demais terapias, apresenta efeitos colaterais e requer monitorização frequente de substâncias, como por exemplo, hemograma e litemia. Electroconvulsoterapia por vezes pode ser utilizada, restrita a condições graves que não respondem à farmacoterapia.

Os Serviços Psiquiátricos fornecem atendimento sob a forma de ambulatório ou internamento. No primeiro, os pacientes são seguidos em consultas externas, geralmente marcadas antecipadamente, com duração variável, geralmente de trinta a sessenta minutos. Nestas o psiquiatra entrevista o doente para actualizar a avaliação do seu estado mental, revê a terapêutica e pode realizar psicoterapia. A frequência das consultas varia de acordo com a gravidade e o tipo de doença. Os pacientes podem ser internados voluntariamente (quando procuram ajuda no hospital por um quadro grave psiquiátrico e aceitam o internamento) ou involuntariamente (os critérios para o internamento compulsivo são a presença de perturbação mental e risco imediato de perigo para si próprio ou para os outros). Uma vez hospitalizados, os pacientes são avaliados, monitorizados e medicados por uma equipa multidisciplinar, que inclui psiquiatras, enfermeiros, psicólogos, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais e outros profissionais de saúde. A Emergência Psiquiátrica ocupa-se do atendimento de casos críticos, como doentes em crise, estando integrada nos Serviços de Urgência dos Hospitais Centrais.

Os procedimentos diagnósticos podem variar, mas os critérios oficiais encontram-se descritos em manuais. A CID-10 (Classificação Internacional de Doenças, 10.ª Revisão) é publicada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e utilizada a nível mundial; porém, nos Estados Unidos o sistema diagnóstico padrão é o DSM-IV (Diagnostic and Statistical Manual of

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Mental Disorders, 4.ª revisão), publicado pela American Psychiatric Association. São sistemas igualmente eficazes no estabelecimento dos diagnósticos e em parte sobreponíveis, com excepção de certas categorias, devido a diferenças culturais nos diversos países. A intenção tem sido criar critérios diagnósticos que sejam replicáveis e objectivos, embora muitas categorias sejam amplas e muitos sintomas apareçam em diversas patologias.

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4. Discussão

4.1 Perturbações da Personalidade P.V.J., sexo feminino, 25 anos

16/02/2009, consulta externa Hospital Magalhães Lemos (HML)

Internada na Unidade de Cuidados Especiais do HML de 14/01/09 a 10/02/09. História pregressa de síndrome depressivo (2005). Recidiva em 2006, tendo sido tratada com Fluoxetina, que mantém até hoje. Sem antecedentes de crises hipomaníacas. Nesta altura fez psicodrama, tendo abandonado quando casou, em 2007, segundo tradição indiana (que, segundo a própria, “foi um erro”). O namorado que tinha antes do casamento suicidou-se quando soube do casamento “por arranjo”, tendo este evento tido um grande impacto na vida psíquica da paciente.

Em 25/10/08 recorre ao SU do HSJ por manutenção dos sintomas depressivos, com ideias de morte muito frequentes e sintomas de ansiedade.

A 03/11/08 é internada no HML, com um quadro de depressão major e ideação suicida marcada. Fez perfusão com Clomipramina, com evolução favorável do humor no internamento, já sem ideação suicida. Teve e mantém anemia e trombocitose por alimentação vegetariana, devido à religião hindu.

História familiar: pai com quadro compatível com delírio paranóide e de ciúme, acompanhado em psiquiatra particular.

Hábitos: tabágicos 10 cigarros/dia; consumos ocasionais de bebidas alcoólicas e substâncias canabinóides.

Vive com os pais (moçambicanos, de origem indiana) e irmão, de 29 anos, de naturalidade portuguesa. Divorciada em Maio de 2008, frequenta o 3º ano de Ciências da Educação.

Terapia actual: Topiramato 25 mg, Fluoxetina 20 mg, trazodona 150 mg. Inicia Psicoterapia a 26/02/09. Próxima consulta a 23/03/09.

Diagnóstico: Perturbação da Personalidade NCOP (perturbação não especificada da personalidade).

As Perturbações da Personalidade caracterizam indivíduos que não têm uma forma absolutamente normal de viver (do ponto de vista estatístico e comparando com a média das outras pessoas) mas que não preenchem os critérios para uma perturbação mental grave, apesar das alterações patológicas serem permanentes.

Em psicopatologia, as anormalidades da personalidade referem-se, principalmente, à possibilidade que se tem de classificar determinada personalidade como sendo desta ou

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daquela maneira de existir, enquanto o normal seria a pessoa ser "um pouco de tudo", ou seja, ter um pouco de cada característica humana sem prevalecer patologicamente nenhuma delas. Desta forma, diante da possibilidade de se destacar um traço marcante, específico e característico numa determinada pessoa, ou seja, diante do facto desta personalidade ser caracterizada por um determinado traço, torna-se possível a sua classificação.

Segundo Karl Jaspers, consideram-se anormais as personalidades que fazem sofrer tanto o indivíduo quanto aqueles que o rodeiam. Para este autor, as personalidades anormais representam variações não-normais da natureza humana e que, na eventualidade de sobrepor-se a elas algum processo, tornar-sobrepor-se-iam personalidades gravemente patológicas. Jaspers aborda o tema sob a óptica das variações do existir humano de origem constitucional (que fazem parte da pessoa). Assim sendo, pode-se considerar a maneira própria das Personalidades Anormais de ser no mundo como uma apresentação do indivíduo diante da vida situada nas extremidades da faixa de tolerância de sanidade pelo sistema cultural. Estas personalidades anormais seriam alterações permanentes do carácter, caracterizando não apenas a maneira de estar no mundo mas, sobretudo, a maneira do indivíduo ser no mundo.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) trata o assunto sob o título de Perturbações da Personalidade e de Comportamentos, descrevendo-os da seguinte forma: “Estes tipos de

condição abrangem padrões de comportamento profundamente enraizados e permanentes, manifestando-se como respostas inflexíveis a uma ampla série de situações pessoais e sociais. Eles representam desvios extremos ou significativos do modo como o indivíduo médio, em uma dada cultura, percebe, pensa, sente e, particularmente, se relaciona com os outros. Tais padrões de comportamento tendem a ser estáveis e a abranger múltiplos domínios de comportamento e funcionamento psicológico. Eles estão frequentemente, mas não sempre, associados a graus variados de angústia subjectiva e a problemas no funcionamento e desempenho sociais”.

Segundo a CID-10, as Perturbações da Personalidade são condições do desenvolvimento desta que aparecem na infância ou adolescência e continuam na vida adulta. Esta situação é, portanto, distinta da Perturbação da Alteração da Personalidade, que sucede durante a vida como consequência de algum outro transtorno emocional. As Perturbações da Personalidade constituem, assim, modalidades incomuns do indivíduo interagir com a sua vida, de se manifestar socialmente, de experimentar (ou não) sentimentos. A OMS apresenta, entre os títulos F60 e F69 da CID-10, vários subtipos de Perturbações da Personalidade. Procurarei aqui compatibilizá-los com outras classificações, de forma a abordar as patologias com a mesma descrição. Deste modo, o DSM-IV refere-se às Perturbações da Personalidade da seguinte forma: "Um Transtorno da Personalidade é um padrão persistente de vivência íntima

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invasivo e inflexível, tem início na adolescência ou começo da idade adulta, é estável ao longo do tempo e provoca sofrimento ou prejuízo".

Em anexo é mostrada a classificação das Perturbações da Personalidade (B), bem como as principais características de cada uma, e uma referência à farmacoterapia mencionada nos casos clínicos (A).

A Perturbação da Personalidade NCOP (F60.8 do CID-10) é considerada um distúrbio não especificado da personalidade. Também conhecido como Personalidade Patológica SOE, constitui um dos principais desvios dos padrões normais de comportamento. É um distúrbio de personalidade cuja característica essencial é um padrão de desrespeito ou violação dos direitos dos outros indivíduos, que começa na infância ou adolescência e permanece na vida adulta. Para se estabelecer este diagnóstico, o indivíduo deve ter, pelo menos, dezoito anos e antecedentes de sintomas de desordem da conduta antes dos quinze anos de idade.

4.2 Distúrbio de Ansiedade

A.J.P.P., sexo masculino, 68 anos

04/12/08, consulta externa de psicogeriatria, HML

Diagnóstico: distúrbio de ansiedade.

Paciente seguido em psicogeriatria, mantém as queixas de humor deprimido, ansiedade marcada e queixas gastrointestinais. Mantém-se a terapêutica já instituída e marca-se consulta para reavaliação em breve.

Terapia: Lexotan®, Cymbalta®, Topiramato.

M.G.P., sexo feminino, 68 anos

02/12/08, consulta externa de psicogeriatria, HML

Diagnóstico: distúrbio de ansiedade.

Paciente seguida no HML por distúrbio de ansiedade, associada a história de distúrbios gastrointestinais, que poderiam contribuir para o estado de apreensão da doente. Foi prescrita, no passado, terapia antidepressiva; neste momento, mantém apenas a medicação GI e Lorazepam. Encontra-se assintomática, pelo que se mantém a medicação referida e marca-se consulta de reavaliação para breve.

A ansiedade é um sentimento de apreensão desagradável, vago, acompanhado de sensações físicas como vazio no estômago, pressão no tórax, palpitações, sudorese, cefaleia e dispneia. É um sinal de alerta, que adverte sobre perigos iminentes e capacita o indivíduo a tomar medidas para enfrentar ameaças. O medo é a resposta a uma ameaça definida;

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Até um ponto a ansiedade melhora a adaptação. A da pt aç ão Depois de um determinado ponto, quanto mais ansioso menos adaptada está a pessoa.

Ansiedade

ansiedade é uma resposta a uma ameaça desconhecida, vaga. Desta forma, a ansiedade prepara o organismo a tomar as medidas necessárias para impedir a concretização de possíveis danos, ou para diminuir as suas consequências, constituindo uma reacção natural e necessária para a auto-preservação. As reacções de ansiedade normais não requerem tratamento, pois são auto-limitadas. Os estados de ansiedade anormais, que constituem síndromes de ansiedade, são patológicos e requerem tratamento específico. A ansiedade é um acompanhamento normal do crescimento, da experiência de algo novo para o indivíduo. A ansiedade patológica, por outro lado, caracteriza-se pela excessiva intensidade e prolongada duração proporcionalmente à situação precipitante, dificultando ou impossibilitando a adaptação (gráfico 4).

Gráfico 4. Embora a Ansiedade favoreça a performance e a adaptação, só o faz até que o organismo atinja um máximo de eficiência. A partir de um ponto excedente, a ansiedade concorrerá para a falência da capacidade

adaptativa.

A característica essencial do Transtorno de Ansiedade Generalizada, segundo o DSM.IV, é uma expectativa apreensiva ou preocupação excessiva, ocorrendo na maioria dos dias e com duração de, pelo menos, 6 meses. O paciente considera difícil controlar essa preocupação excessiva, a qual é acompanhada de pelo menos três dos seguintes sintomas: inquietação, fadiga, dificuldade de concentração, irritabilidade, tensão muscular e perturbação do sono. Embora não sejam capazes de identificar as suas preocupações como "excessivas", os pacientes referem um sofrimento subjectivo por causa destas ou experimentam comprometimento social ou ocupacional. A intensidade, duração ou frequência da ansiedade ou preocupação excessivas são claramente desproporcionais ao evento stressante e a pessoa considera difícil evitar que essas preocupações interfiram na atenção e nas tarefas que necessitam ser realizadas.

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4.3 Síndrome Depressivo G.S.C, sexo feminino, 34 anos

16/02/09, consulta externa psiquiatria geral, HML

Síndrome depressivo, tendo sido internada anteriormente no HML com este diagnóstico. Interrompeu farmacoterapia em Agosto 2008, tem-se sentido bem. Neste momento encontra-se grávida, com humor lábil e dificuldades em dormir. Inicia Alprazolam (meio a um comprimido, à noite) e avalia-se a necessidade de reiniciar antidepressivo em breve. Caso se torne necessário, recomenda-se o uso de Fluoxetina, terapêutica mais indicada para a gravidez. Contacta-se o ginecologista/obstetra, a fim de pedir opinião acerca do estado físico da paciente e troca de informações clínicas.

M.J.S.M, sexo feminino, 55 anos

16/02/09, consulta externa psiquiatria geral, HML

Vive com o marido e filho de 21 anos. Reformada desde Fevereiro 2008 por doença psiquiátrica, trabalhava como empregada de limpeza. História de múltiplos internamentos por descompensação depressiva e seguimento em consulta externa no HML. Última descompensação no dia 15/09, internada por curto período de tempo, para intervenção terapêutica. Apresenta-se desanimada, com humor depressivo, adinamia, dificuldades em adormecer.

Antecedentes familiares: mãe falecida em Fevereiro de 2008, com história de síndrome depressivo, assim como três tias maternas.

Diagnóstico: Depressão major em doente com personalidade distímica.

Terapia: Tercian®, Lorazepam 2,5 mg, Topiramato 25 mg, Clonazepam 2 mg e Fluoxetina.

I.F.R.F., sexo feminino, 36 anos

17/02/09, Unidade de Cuidados Especiais, HML

Diagnóstico: Depressão major com sintomas psicóticos.

Casada, com três filhos, residente no Porto. Não trabalha desde 27 Dezembro, por incapacidade. Sem antecedentes revelantes. Desde o início de Dezembro de 2008, apresenta humor depressivo, irritabilidade, choro fácil. Recorreu ao médico de família, que prescreveu Trazodona, Victan® e Forticol®. Observada por psiquiatria a 19/01/09, com agravamento da sintomatologia depressiva, tendo referido alucinações nocturnas auditivas (vozes do pai, dizendo que está gente em casa e que deve matar-se) e visuais (sombras). Conflitos com o marido, ex-toxicodependente.

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História familiar: irmão com esquizofrenia, seguido no HSJ. O avô paterno sofria de doença psiquiátrica que não sabe especificar.

Neste momento, encontra-se nos Cuidados Especiais, referindo melhoria da sintomatologia depressiva, ausência de alucinações de qualquer tipo e início de tonturas.

Terapia actual: Clomipramina, Trazodona, Venlafaxina, Quetiapina em SOS.

P.B., sexo masculino, 30 anos 01/12/08, SU do Hospital de S.João

Diagnóstico: depressão.

Solteiro, natural e residente no Porto, com os pais. Engenheiro informático a trabalhar na área de telecomunicações, com antecedentes de depressão (diagnosticada aos 24 anos), para a qual fez tratamento com Fluoxetina, Alprazolam e Trazodona. Apresentou melhoria sintomática, tendo completado a terapia prescrita. Desde há dois meses quem vem a apresentar sintomatologia gastrointestinal, com náuseas e diarreia, ansiedade e azia. Alimenta-se pior, apreAlimenta-senta perda de peso (5kgs). Distúrbios do sono (acorda várias vezes), humor deprimido e choro fácil. Tem tido pensamentos de morte, os quais abandona (sem planos suicidas). A sintomatologia de ansiedade/pânico torna-se mais evidente e difícil de controlar em locais fechados e no trânsito, com tremores e nervosismo.

Terapia: Alprazolam, Trazodona, Paroxetina. É marcada consulta externa de psiquiatria.

Segundo o último relatório da OMS, a Depressão é mais comum no sexo feminino, estimando-se uma prevalência de 1,9% no sexo masculino e 3,2% no feminino.

A Depressão, genericamente considerada, está classificada dentro dos Transtornos Afectivos. Segundo a CID-10, Transtornos Afectivos são aqueles nos quais a perturbação fundamental é uma alteração do humor ou afecto, como uma Depressão (com ou sem ansiedade associada) ou uma Euforia. Esta alteração do humor em geral é acompanhada de uma modificação do nível global de actividade, e a maioria dos episódios destes transtornos tendem a ser recorrentes e desencadeados por determinados factores. Assim, segundo a CID-10, os Transtornos Depressivos são classificados em Transtorno Afectivo Bipolar, Episódios Depressivos, Transtorno Depressivo Recorrente, Distimia e Ciclotimia.

O DSM.IV classifica a Depressão dentro dos Transtornos do Humor e também baseia a classificação nos episódios depressivos. Na prática clínica sugere-se, didacticamente, que a Depressão seja considerada de duas maneiras: Típica e Atípica. As primeiras seriam aquelas que se apresentam através dos Episódios Depressivos, consoante as classificações internacionais (DSM.IV e CID-10) e Depressões Atípicas aquelas que se manifestam predominantemente através de sintomas ansiosos (Pânico, Fobia...) e somáticos.

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Episódio Depressivo

Transt. Depressivo Recorrente

Transt. Bipolar do Humor-Tipo I

Transt. Bipolar do Humor-Tipo II

Gráfico 1. Tipos de transtornos Afectivos – DSM.IV

Define-se Depressão Endógena quando é devida a factores constitucionais, de origem biológica e/ou predisposição hereditária. Tem uma causa fundamentalmente biológica e não existe relação entre o momento depressivo e as eventuais vivências causadoras. Por outro lado, a Depressão Exógena ou Reactiva é devida a factores ambientais externos, como o stress, circunstâncias adversas, problemas profissionais ou familiares, momentos de perda ou de ruptura.

Nos episódios depressivos típicos o paciente apresenta um abaixamento do humor, redução da energia e da actividade. Existe alteração da capacidade de experimentar prazer, perda de interesse, diminuição da capacidade de concentração, associadas a fadiga. Observam-se, igualmente, perturbações do sono e diminuição do apetite. Existe uma diminuição da auto-estima e da autoconfiança e frequentemente ideias de culpa. O humor depressivo é relativamente constante e pode-se acompanhar de sintomas somáticos, como perda de prazer, despertar matinal precoce, agravamento matinal da depressão, lentidão psicomotora, agitação, anorexia, perda de peso e da libido. O número e a gravidade dos sintomas permitem determinar três graus de um episódio depressivo: leve, moderado e grave, que podem manifestar-se como uma ocorrência única ou repetir-se com determinada frequência. Deste modo, o que define o tipo de depressão são as características dos Episódios Depressivos.

A duração de um Episódio Depressivo Major é variável. Aproximadamente 50% dos pacientes têm o seu primeiro Episódio Depressivo antes dos 40 anos e a maioria destes surtos, quando não tratados duram de 6 a 13 meses e cerca de 3 meses, se tratados.

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70 60 50 40 30 20 10 0 35% 60% 2 anos 12 anos 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0

hipótese do 2.º hipótese do 3.º hipótese do 4.º Possibilidade de Recaídas de Episódios Depressivos

Gráfico 2. Taxa de recaída do 1.º Episódio Depressivo

Gráfico 3. Possibilidade de Recaídas de Episódios Depressivos

A taxa de recorrência para aqueles que recuperam do primeiro episódio é cerca de 35%, dentro de 2 anos, e cerca de 60% dentro de 12 anos, sendo mais elevada nos indivíduos com mais de 45 anos de idade (gráficos 2 e 3). Cerca de 15 a 20% dos pacientes com Depressão Major cometem suicídio. A pessoa pode, com 50% de hipótese, apresentar apenas um Episódio Depressivo durante a vida. Trata-se de uma ocorrência geralmente relacionada com alguma vivência traumática ou com alguma condição médica geral. No entanto, o Episódio Depressivo pode-se repetir periodicamente, caracterizando assim o Transtorno Depressivo Recorrente, que pode comportar breves episódios caracterizados por um ligeiro aumento de humor e da actividade (hipomania), sucedendo imediatamente a um Episódio Depressivo, podendo igualmente ser precipitado por um tratamento com terapia antidepressiva. O primeiro Episódio Depressivo do Transtorno Depressivo Recorrente pode ocorrer em qualquer idade, podendo ter um início agudo ou insidioso, durando de algumas semanas a alguns meses. Depois da manifestação de um segundo episódio, a hipótese de um terceiro é cerca de 90%.

A Distimia define-se como uma depressão crónica, com sintomatologia não suficientemente grave para ser classificada como Episódio Depressivo ou Transtorno Depressivo Recorrente. A característica essencial é um humor cronicamente deprimido que ocorre na maior parte do dia, na maioria dos dias e, pelo menos, por 2 anos. O Transtorno

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Distímico é mais comum entre os parentes biológicos em primeiro grau de pessoas com Transtorno Depressivo Major do que na população geral. Apresenta um curso crónico, insidioso e precoce, iniciando-se na infância, adolescência ou início da idade adulta.

O tratamento da depressão baseia-se em fármacos antidepressivos de várias classes, referidos no anexo A. De modo geral, parecem ser igualmente eficazes, mas os inibidores selectivos da recaptação da serotonina (ISRS) são os mais utilizados, devido à sua segurança e aos efeitos colaterais menos incómodos (Majeroni, 1998). As precauções em relação à framacoterapia em grávidas devem-se ao facto destas substâncias cruzarem a barreira placentária, podendo causar eventuais implicações para o feto. Porém, tendo em consideração os efeitos dos transtornos da ansiedade e da depressão não tratadas à mãe e ao feto, a decisão para este tipo de tratamento deve ser muito bem ponderada pelos médicos que assistem à gravidez.

4.4 Perturbação Afectiva Bipolar A.S.O.B., sexo feminino, 53 anos

18/02/09, Unidade de Internamento Porto, HML

Diagnóstico: Perturbação Afectiva Bipolar

Casada, vive com marido reformado e 4 filhas estudantes (de 20, 19, 17 e 16 anos) em Foz do Douro. 9º ano de escolaridade, reformada. Natural de Marco de Canavezes, começou a trabalhar aos 14 anos como empregada doméstica. Emigrada na Suíça durante dois anos, antes de casar, aos 28 anos; foi também operária fabril. Reformada há 12 anos por invalidez (doença psiquiátrica). Mais recentemente, trabalhava como cuidadora de duas idosas. Antecedentes Médicos: insuficiência venosa crónica e alergia a produtos de limpeza (lixívia). Nega hábitos tabágicos, alcoólicos e toxicofílicos. Sem antecedentes familiares psiquiátricos. É a oitava filha de uma fratria de nove.

Antecedentes psiquiátricos: o marido refere ter notado alterações na doente após o parto da última filha, sugerindo irritabilidade fácil. Terá estado internada, por curto período de tempo, no Hospital psiquiátrico Conde Ferreira. Seguimento em consulta de Psiquiatria desde 1990, no HSJ, com vários internamentos por sintomatologia compatível com episódio maníaco. Fez várias terapêuticas, inclusivamente Haldol® decanoato, mas sempre com cumprimento irregular. O marido conta que a paciente se incompatibilizou com a psiquiatra assistente, por recusar fazer o injectável prescrito, tendo abandonado a consulta há dois anos. O marido refere que teria sido feito o diagnóstico de Perturbação Esquizoafectiva.

Último internamento no HML em Julho 2008, em contexto de período de agitação, insónia e comportamento desinibido. Teve alta com diagnóstico de Perturbação Bipolar, fase

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maníaca, orientada para consulta externa e medicada com Lamictal® 25, Diplexil R® 500mg, Lorenin 2,5 mg e Risperidona. O marido refere que a doente tomou a medicação oral nos dez dias após a alta, após o qual abandonou a medicação e não compareceu mais à consulta. Foi conduzida ao SU do HSJ no dia 07/02/09 pela PSP, por alterações do comportamento num hipermercado. “Apresentava-se com marcada agitação psicomotora, humor irritável, eufórica. Verborreica, com discurso ilógico e hostilidade marcada. Sem juízo crítico.” O marido refere que nos últimos seis meses a doente apresentava instabilidade do humor, impaciência e provável delírio de ciúme. Desde a semana anterior à ida ao SU iniciou quadro de: insónia, verborreia, discurso ilógico, junção de palavras em francês e português, ideias megalómanas (“lê os lábios das pessoas”) e prováveis alucinações auditivas (“assobios”). No SU fez análises gerais, em que é de salientar litémia 0,81 mmol/L. Depois de alguma negociação, aceitou o internamento no HML, para compensação clínica.

Terapia actual: Lítio 200mg, Olanzapina 5mg em SOS, Lorazepam 2,5mg, Ácido valpróico, Quetiapina 100mg, Lamotrigina 25mg, Risperidona 25mg

A Perturbação Afectiva Bipolar era anteriormente denominada psicose maníaco-depressiva; no entanto, essa designação foi modificada, uma vez que esta não apresenta necessariamente sintomas psicóticos. Assim, deixou de ser considerada uma perturbação psicótica para ser considerada afectiva. A alternância de estados depressivos com maníacos é característica desta patologia e razão porque, por vezes, o diagnóstico correcto só é feito depois de muitos anos de patologia.

O início geralmente ocorre por volta dos 20 a 30 anos de idade, mas pode começar mesmo após os 70 anos. O início pode ser tanto pela fase depressiva como pela fase maníaca, iniciando-se gradualmente ao longo de semanas ou meses, ou abruptamente em poucos dias, já com sintomas psicóticos, o que muitas vezes torna díficil a distinção com síndromes psicóticas. Além dos quadros depressivos e maníacos, existem igualmente os quadros mistos (sintomas depressivos simultâneos aos maníacos), o que frequentemente retarda o diagnóstico da fase em atividade.

O transtorno afectivo bipolar divide-se em tipo I e II. O primeiro é a forma clássica, em que o paciente apresenta episódios de mania alternados com depressivos. Porém, as fases maníacas não precisam necessariamente ser seguidas por fases depressivas, nem as depressivas por maníacas. Na prática, observa-se frequentemente uma tendência dos pacientes a apresentar várias crises de um tipo e poucas do outro. O tipo II caracteriza-se por não apresentar episódios de mania, mas de hipomania com depressão.

A fase maníaca tipicamente leva uma a duas semanas para começar e, quando não tratada, pode durar meses. O estado de humor está elevado, podendo manifestar-se como uma alegria contagiante ou uma irritação agressiva. Para além disso, encontram-se outros

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sintomas, como elevação da auto-estima e sentimentos de grandiosidade, podendo manifestar-se como delírio de grandeza, em que o paciente manifestar-se considera uma pessoa especial, dotada de poderes e capacidades únicas. Verifica-se um aumento da actividade motora, apresentando grande vigor físico e, apesar disso, uma diminuição da necessidade de sono. O paciente apresenta uma forte pressão para falar ininterruptamente e os pensamentos correm rapidamente, a ponto de não concluir o que começou (fuga de pensamento). O paciente apresenta uma elevação da percepção de estímulos externos, levando-o a distrair-se constantemente com insignificantes acontecimentos alheios à conversa em curso. Verifica-se ainda um aumento do interesse e da actividade sexual, bem como perda da consciência a respeito da sua própria condição patológica, tornando-se socialmente inconveniente. Para além disso, há um envolvimento em actividades potencialmente perigosas, sem manifestar qualquer tipo de receio. Podem ainda surgir sintomas psicóticos típicos da esquizofrenia, o que não significa uma mudança de diagnóstico, mas um quadro de maior gravidade.

A fase depressiva é, de certa forma, o oposto da fase maníaca e, quando não tratada, pode durar meses. O humor está deprimido e a auto-estima em baixo, com sentimentos de inferioridade; a capacidade física mostra-se comprometida, pois a sensação de cansaço é constante. As ideias fluem com lentidão e dificuldade, a atenção é difícil de ser mantida e o interesse em geral é perdido, bem como o prazer na realização daquilo que antes era agradável. Nesta fase o sono também está diminuído e não é considerado como repousante.

A causa propriamente dita é desconhecida, mas existem factores que influenciam ou que precipitam o seu aparecimento, como parentes com esta patologia (80 a 90% dos casos), traumas, incidentes ou acontecimentos significativos, profissionais ou familiares.

4.5 Psicose

J.F., sexo masculino, 21 anos 01/12/08, SU do Hospital de S.João

Solteiro, natural de Felgueiras, estudante universitário do 3º ano de Engenharia Informática. É o irmão mais novo de uma fratria de três. Na última semana teve 3 dias sem dormir, com pensamento muito acelerado, querendo que todos o acompanhem. Discurso de teor delirante, “messiânico”, de grandeza, provável actividade alucinatória na forma de vozes que comentam. Foi transferido de Felgueiras e tinha sido injectado com Haloperidol; à entrada apresentava-se com contractura e tensão musculares, ansiedade marcada e receio de não ser compreendido. Segundo o cunhado, nunca teve problemas psiquiátricos e não haverá

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antecedentes psiquiátricos na família. No SU, tomou Diazepam (2 comprimidos), ficando mais calmo. Colheu sangue e urina para análises gerais e despiste de drogas de abuso e fez TC.

Quadro de psicose aguda, com as seguintes hipóteses de diagnóstico: Psicose maníaca, Distúrbio Bipolar, Esquizofrenia.

Terapia: Olanzapina 10mg. Optou-se por não internar; paciente a ser seguido em consulta externa de Psiquiatria.

C.J.C.S., sexo masculino, 28 anos

19/02/09, unidade de internamento Porto, HML

Diagnóstico: quadro psicótico orgânico

Vive com os pais em Gondomar, tem o 9º ano de escolaridade, reformado (o pai é o seu tutor legal).

Antecedentes pessoais: tumor cerebral congénito com epilepsia associada, seguido no HGSA; aos 16 anos foi necessária lobotomia, com posterior alta. Seguido em consulta externa no HML desde 2003, por alterações do comportamento, com heteroagressividade e dificuldades no controlo de impulsos. Relação conflituosa com os pais, com possibilidade de passagem ao acto agressivo quando sujeito a frustrações. Tem tido necessidade de vários internamentos (o último em Abril de 2008), numa tentativa de diluir esses conflitos.

Nega alergias, hábitos tabágicos, alcoólicos ou toxicofílicos, com consumo esporádico de cafeína. Medicação habitual: Lorazepam 2,5mg, Topiramato 100mg, Carbamazepina 400mg, Risperidona 3mg, Haldol® decanoato 100mg quinzenal.

No contexto de conflitualidade e tensão familiar crescente, com agressividade verbal para com a irmã, reuniu-se a equipa multidisciplinar, em que se considerou como melhor medida um internamento curto, para intervenção de crise e estabilização psicopatológica.

Paciente consciente, colaborante, orientado no espaço e tempo, sem, no entanto, compreender o motivo do internamento. Procedeu-se a reunião com a presença do paciente, pais e irmã.

Terapia actual: Lorazepam 2,5mg, Topiramato 100mg, Carbamazepina 400mg, Risperidona 3mg, Paracetamol 1000mg em SOS, Haloperidol decanoato 100mg/ml IM quinzenal. Frequentava a Terapia Ocupacional no HML, que abandonou; irá ser reintegrado..

A Psicose Esquizofrénica é uma doença da Personalidade total que afecta a zona central do eu e altera toda a estrutura vivencial. Culturalmente, o esquizofrénico representa o estereótipo do "louco", um indivíduo que produz grande estranheza social devido ao seu desprezo para com a realidade reconhecida.

Segundo Kaplan, aproximadamente 1% da população é atingida pela doença, geralmente iniciada antes dos 25 anos e sem predilecção por qualquer estrato sócio-cultural. O

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diagnóstico baseia-se exclusivamente na história psiquiátrica e no exame do estado mental. É extremamente raro o aparecimento de esquizofrenia antes dos 10 ou depois dos 50 anos de idade e parece não haver nenhuma diferença na prevalência entre homens e mulheres.

O principal modelo para a integração dos factores etiológicos da esquizofrenia é o modelo stress-diátese, o qual supõe o indivíduo portador de uma vulnerabilidade específica colocada sob a influência de factores ambientais stressantes. Considera-se que, em determinadas circunstâncias, o binómio diátese-stress proporciona condições para o desenvolvimento da esquizofrenia. Através da CID-10 foi incluída na classificação das esquizofrenias o Transtorno Esquizotípico. Na realidade, não é considerado mais um tipo de doença, mas um estágio da mesma. Conhecendo-se os sintomas gerais, básicos e de primeira ordem das esquizofrenias, pode-se entender o Transtorno Esquizotípico como sendo uma fase pré-mórbida da psicose: mais grave do que o Transtorno Esquizóide de Personalidade e menos do que a Esquizofrenia franca.

Os sintomas característicos da esquizofrenia podem ser agrupados, genericamente, em 2 tipos: positivos e negativos. Os sintomas positivos são os mais floridos e exuberantes, tais como as alucinações (mais frequentemente, as auditivas e visuais e, com menor frequência, as tácteis e olfativas), os delírios (persecutórios, de grandeza, de ciúme, somáticos, místicos, fantásticos), perturbações da forma e do curso do pensamento (como incoerência e desagregação), comportamento desorganizado, bizarro, agitação psicomotora e negligência dos cuidados pessoais.

Os sintomas negativos correspondem, geralmente, a défices, ou seja, a pobreza do conteúdo do pensamento e da fala, rigidez afectiva, prejuízo do pragmatismo, incapacidade de sentir emoções e prazer, isolamento social, diminuição da iniciativa e da vontade. Para além disso, alguns sintomas, embora não sejam específicos da Esquizofrenia, são de grande valor para o diagnóstico, tais como a audição dos próprios pensamentos (sob a forma de vozes), alucinações auditivas que comentam o comportamento do paciente, alucinações somáticas, sensação de ter os próprios pensamentos controlados e irradiação destes pensamentos, e sensação de ter as acções controladas e influenciadas por alguma coisa do exterior.

Tentando agrupar a sintomatologia da esquizofrenia, destacam-se três atributos da actividade psíquica: comportamento, afectividade e pensamento. Os delírios surgem como alterações do conteúdo do pensamento esquizofrénico e as alucinações como pertencentes à percepção sensorial, sendo ambos causa e/ou consequência das alterações nas três áreas atingidas pela doença.

Os delírios são crenças erradas, habitualmente envolvendo a interpretação falsa de percepções ou experiências. O seu conteúdo pode incluir uma variedade de temas, como a perseguição (persecutórios, sendo os mais comuns), referenciais, somáticos, religiosos, ou grandiosos. Os delírios podem sugerir ainda uma interpretação falsa da realidade percebida. É

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o caso, por exemplo, do paciente que sente algo sendo planeado contra ele pelo facto de ver duas pessoas simplesmente em diálogo. Trata-se, neste caso, de uma Percepção Delirante. Outras vezes não há necessidade de nenhum estímulo para ser interpretado, como por exemplo, julgar-se Deus. Neste caso trata-se de uma Ocorrência Delirante. O tipo de Delírio mais frequentemente encontrado na Esquizofrenia é do tipo Paranóide ou de Referência, ou seja, com temática de perseguição ou prejuízo no primeiro caso e de que todos se referem ao paciente (rádios, vizinhos, televisão) no segundo caso. Os delírios que expressam uma perda de controlo sobre a mente ou o corpo geralmente são considerados bizarros; incluem a crença da pessoa de que os seus pensamentos foram retirados por alguma força externa (extração de pensamento), que pensamentos estranhos foram colocados em sua mente (inserção de pensamento) ou que o seu corpo ou acções estão a ser manipulados por alguma força externa (delírios de controle).

As alucinações, outro sintoma típico (mas não exclusivo) da Esquizofrenia, podem ocorrer em qualquer modalidade sensorial, classificando-se em auditivas, visuais, olfativas, gustativas e tácteis. As alucinações auditivas são as mais comuns e características da Esquizofrenia, sendo geralmente experimentadas como vozes conhecidas ou estranhas, que são percebidas como distintas dos pensamentos da própria pessoa. O conteúdo pode ser bastante variável, embora as vozes perjurativas ou ameaçadoras sejam especialmente comuns.

A desorganização do pensamento é defendida por alguns autores como o aspecto mais importante da Esquizofrenia. Pela dificuldade inerente ao exame do pensamento, este é feito pela qualidade do discurso do paciente.

Habitualmente, a irrupção da esquizofrenia é relatada quando a família e os amigos detectam alterações de comportamento em determinado indivíduo. A pessoa passa a funcionar mal em áreas significativas da vida quotidiana, como na escola ou trabalho, nas relações sociais e familiares. Frequentemente, há uma notável falta de interesse por cuidados consigo próprio. Os pacientes experimentam perplexidade (sentimento de estranheza sobre a experiência, alguma confusão sobre de onde vêem os sintomas), isolamento social e ansiedade. Todas as restantes alucinações, visuais, tácteis, olfatórias, gustativas e cinestésicas, embora sejam consideradas sintomas acessórios, aparecem na esquizofrenia com frequência significativa; normalmente as auditivas são as primeiras a aparecer e as últimas a desaparecer.

O Transtorno Psicótico Breve pode ter um quadro clínico semelhante à Esquizofrenia, apresentando delírios, alucinações, linguagem ou comportamento desorganizado ou com transtorno delirante. No entanto, estes sintomas deverão estar presentes por um curto espaço de tempo, persistindo no mínimo por um dia e no máximo por 1 mês, melhorando completamente após este período. Geralmente encontram-se factores desencadeantes que

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precipitam o quadro e o tratamento deve basear-se em terapia antipsicótica, eventualmente necessitando de internamento. A evolução costuma ser benigna,com total remissão dos sintomas.

4.6 Demências

A Demência, para além de um tipo de doença, é também considerada um síndrome, ou seja, constitui um grupo de sinais físicos e sintomas, presente em várias doenças distintas. Deste modo, a demência apresenta três características principais: prejuízo da memória, problemas de comportamento (agitação, insónia, choro fácil, comportamentos inadequados, perda da inibição social normal, alterações de personalidade) e perda de habilidades (perda da autonomia nos cuidados pessoais e na organização da vida social). Assim, os sintomas mais comuns que aparecem são défice de memória de curto prazo, dificuldades em executar tarefas domésticas, problemas com o vocabulário, desorientação no tempo e espaço, incapacidade de julgar situações, problemas com o raciocínio abstracto, alterações de humor, comportamento e personalidade, bem como perda da iniciativa.

Existem várias alterações orgânicas capazes de conduzir a um quadro demencial. Muitas dessas causas são reversíveis, principalmente o uso prolongado de fármacos, como antihipertensores, diuréticos e hipnóticos. A depressão também pode estar associada à demência, pelo que a distinção entre estas duas patologias é importante, apesar de difícil. Outras doenças relacionadas são doenças vasculares do sistema nervoso central, doenças infecciosas, hipotireoidismo, deficiência de vitamina B12, sífilis e HIV.

Actualmente cerca de 18 milhões, o número de indivíduos afectados tem vindo a crescer significativamente com o envelhecimento da população mundial e estima-se que em 2025 o número de pessoas demenciadas no mundo seja de 34 milhões.

Para além do comprometimento da memória, para o diagnóstico de Demência deve-se verificar um comprometimento de pelo menos mais uma função cognitiva, como por exemplo, a afasia, apraxia, agnosia e perturbação do funcionamento executivo. Esse prejuízo das funções mentais deve levar a um comprometimento social e/ou ocupacional, sendo portanto, a demência um síndrome de declínio cognitivo, geralmente progressiva, que apresenta uma variedade de causas.

Assim, uma das formas de se classificar as Demências é quanto à sua causa. De acordo com Galton, as frequências relativas das causas de demência diferem dependendo da idade mas a Doença de Alzheimer é a causa mais comum, tanto no grupo com idade menor que 65 anos, quanto no grupo etário mais velho (Galton 1999). A causa genética das demências, como por exemplo, a doença de Alzheimer, juntamente com outras causas mais

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raras, é mais frequente no grupo etário mais jovem. Em anexos (C) são mostradas a classificação e a distribuição relativa das demências.

Tabela 1. Frequência dos tipos de demência

Frequência dos tipos de demência

- de 65 anos + de 65 anos

Doença de Alzheimer 34% 55%

Demência Vascular 18% 20%

Demência Fronto-Temporal 12% --

Demência corpos de Lewy 7% 20%

Outros 29% 5%

Henry Brodaty (2004)

4.6.1 Doença de Alzheimer M.L.T.J., sexo feminino, 80 anos

28/11/08, unidade de internamento de psicogeriatria, HML

Viúva, residente no Porto, reformada. Seguida em Psiquiatria há vários anos, com diagnóstico, desde Setembro de 2007, de Doença de Alzheimer. Teste do “Mini-Mental State” (MMSE -Mini-Mental State Examination) de 19 pontos em 2008. Relatado comportamento de arrecadação (“leva para casa tudo o que encontra na rua”), a paciente revela falhas de memória para acontecimentos recentes. Confabula frequentemente, possivelmente quando se apercebe da incapacidade de se recordar de certos aspectos passados. No entanto, apresenta humor eutímico e é uma paciente muito relacionável com os restantes.

Terapia: Indapamida e Losartan (antihipertensores), rivastigmina.

M.A.C.C., sexo feminino, 78 anos

03/12/08, visita domiciliária de psicogeriatria, Póvoa de Varzim

Paciente com diagnóstico de doença de Alzheimer desde 2005, apresentando sintomatologia característica desde alguns anos antes. Neste momento, apresenta um grande défice de memória, não reconhecendo a equipa médica nem a filha. Dorme bem, mas revela-se bastante inquieta durante a maior parte do dia. Mantém-se a terapêutica com Axura® e prescreve-se Lexotan® (ao almoço e final da tarde).

P.O.F., sexo feminino, 79 anos

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A paciente foi inicialmente avaliada em 26/04/2005, por deterioração cognitiva. Desde então, tem história, quadro clínico, evolução, exame neuropsicológico e exames complementares (TC cerebral) compatíveis com o diagnóstico de Doença de Alzheimer.

Neste momento, apresenta-se com humor deprimido e anorexia. Doente dependente na toma da medicação e na lida com dinheiro, mas autónoma nas restantes actividades. MMSE de 16 pontos.

Terapia: Axura®, Remeron® 15mg, Risperdal® 2mg.

Os indivíduos com algum tipo de prejuízo cognitivo representam 5-10% da população com 65 anos ou mais, e entre estes, mais de 50% dos casos são devidos à Doença de Alzheimer, o tipo mais comum de demência (Jellinger 1990). Trata-se de uma patologia progressiva que conduz ao desenvolvimento de múltiplos défices cognitivos, manifestados por um comprometimento da memória, afasia, apraxia, agnosia ou perturbação do funcionamento executivo (planeamento, organização, abstracção). Em anexo (D) são referidos os critérios de diagnóstico desta patologia.

4.6.2 Demência Vascular A.A., sexo masculino, 75 anos

03/12/08, visita domiciliária de psicogeriatria, Matosinhos

Diagnóstico: perdas cognitivas pós-AVC.

Vive com a filha. Síndrome confusional devido a descompensação orgânica, no contexto de um quadro infeccioso, um mês antes. Actualmente, apresenta humor deprimido e mantém perdas cognitivas na sequência de AVC. MMSE 22 pontos.

Sem antecedentes psiquiátricos. Desde Maio 2000, após AVC confirmado por TC cerebral, começou a apresentar alterações de comportamento, agitação, confusão e delírios frequentes, tendo sido acompanhado em consulta externa no HML entre 2000 e 2001. O primeiro contacto com o serviço de Psicogeriatria deu-se a 30/05/07; apresentava, desde Janeiro do mesmo ano, irritabilidade fácil, agressividade verbal e dificuldade em aceitar medicação e alguns cuidados. Iniciou terapia com sertralina 25mg e lorazepam 1mg. Neste momento encontra-se colaborante, tranquilo, desorientado no tempo e espaço, com discurso aparentemente sem actividade delirante ou alucinatória. Humor ligeiramente deprimido. Optou-se por manter a terapêutica.

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A Demência Vascular é a segunda causa mais comum de demência. Tende a apresentar um início mais precoce do que a Doença de Alzheimer e, ao contrário desta, os homens são mais frequentemente afectados que as mulheres.

O início da Demência Vascular é tipicamente súbito, seguido por um curso flutuante e gradual, caracterizado por rápidas alterações no funcionamento. O curso, no entanto, pode ser altamente variável, e um início insidioso com declínio gradual também pode ser encontrado. Os critérios Diagnósticos do DSM.IV para Demência Vascular são referidos em anexo (E).

4.6.3 Demência Fronto-Temporal F.J.S.P., sexo masculino, 66 anos

02/12/08, consulta externa de psicogeriatria, HML

Diagnóstico: demência fronto-temporal.

Paciente que há mais de dez anos apresenta alterações psico-comportamentais, de início precoce e evolução progressiva, com défices cognitivos associados. Sem sinais neurológicos focais. A 10/10/2007, a TC cerebral revelou atrofia e alterações vasculares e o SPECT cerebral com 99m revelou um hipodébito temporal esquerdo. Neste momento, o quadro mantém-se, pelo que se mantém a terapia prescrita anteriormente.

Terapia: Depakine®, Ebix®, Sertralina, Alzen®, Lorazepam.

A Demência Fronto-Temporal (DFT), ou Complexo de Pick, apresenta um quadro clínico de deterioração mental progressiva com afasia grave e distúrbios comportamentais associados a atrofia temporal esquerda ou fronto-temporal. A sua evolução é rápida, em geral deteriora num ano mas, por vezes, chega a 5-10 anos.

No quadro clínico da DFT podem prevalecer distúrbios de personalidade e comportamento, caso as lesões sejam frontais ou, se forem temporais, afasia progressiva com demência semântica (Hodges, 1992, Neary, 1998). Se inicialmente surgem alterações de comportamento, da personalidade ou da fala, os problemas de memória aparecem mais tarde, tornando difícil o diagnóstico de demência. Da mesma forma, está prejudicado o diagnóstico precoce quando se utiliza o MMSE, que pode não detectar anormalidades em pacientesncom DFT quando as alterações são predominantemente frontais.

O diagnóstico por imagem pode exibir uma atrofia focal das áreas frontais e/ou temporais, que é frequentemente assimétrica. Embora possam ser necessários testes neuropsicológicos mais complexos para o diagnóstico da DFT, privilegia-se uma boa entrevista com familiares sobre alterações de personalidade. Em anexo (F) mostram-se as características principais desta patologia.

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4.7 Debilidade Intelectual

A.G.G.P., sexo masculino, 53 anos

25/02/09, Unidade de internamento Porto, HML

Solteiro, vive sózinho em Matosinhos, recebe pensão de invalidez. Atraso intelectual, terá ido à escola mas sem aproveitamento, é analfabeto. Já terá frequentado consulta de Psicologia.

Levado ao SU do HSJ dia 19/02/09 com mandado de condução da Delegada de saúde, para efeitos de avaliação clínico-psiquiátrica, “com base na informação chegada pelo centro social, bem como da equipa de saúde comunitária, encontrando-se em descompensação”. Referem alterações comportamentais, como “deambular nú pela rua, tornando-se agressivo com facas, quando contrariado”. Não faz qualquer medicação.

Paciente vigil, orientado no tempo e espaço, colaborante, com acentuada inquietação. Discurso pobre e repetitivo, por vezes imperceptível, gagueja e apresenta sialorreia. Humor eutímico, sem ideação suicida. Verbaliza ideias auto-referenciais de teor persecutório, relacionado com uma alegada denúncia na televisão de um crime de que foi testemunha, e portanto estariam a tentar castigá-lo. Não se descarta actividade alucinatória auditiva. Relato de síndrome de armazenamento (“leva coisas da rua para casa, inclusivé lixo”). Sem crítica para o sucedido; não consegue explicar a razão das suas alterações comportamentais, referindo “é a minha cabeça”.

Nega hábitos tabágicos ou toxicofílicos; confirma hábitos alcoólicos, não os quantificando.

Antecedentes psiquiátricos: debilidade intelectual. Sem seguimento psiquiátrico prévio. Internado para melhor avaliação e orientação. Aceita o internamento voluntário.

Terapia: Risperidona 2mg, Lorazepam 2,5mg em SOS, Biperideno IM 5mg/mL em SOS, Diazepam 5mg. Programa-se uma reunião com a assistente social, para orientação para um centro de dia após alta hospitalar. Inicia amanhã (26/02/09) injecção IM quinzenal de Haldol® decanoato, marcando-se uma consulta de acompanhamento dentro de três semanas.

Segundo a OMS, 10% da população dos países em desenvolvimento são portadores de algum tipo de deficiência, sendo que metade destes são portadores de Deficiência Mental propriamente dita. Calcula-se que o número de pessoas com atraso mental tem relação com o grau de desenvolvimento do país em questão e, segundo estimativas, a percentagem de jovens de 18 anos que apresentam atraso mental grave situa-se à volta de 4,6%, nos países em desenvolvimento, e entre 0,5 e 2,5% nos países desenvolvidos.

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Inúmeras causas e factores de risco pré e pós-natais podem levar à Deficiência Mental, mas é importante salientar que muitas vezes não é possível estabelecer com clareza a causa da Deficiência Mental.

Segundo a descrição do DSM.IV, a característica essencial do Atraso Mental traduz-se por um “funcionamento intelectual significativamente inferior à média, acompanhado de limitações significativas no funcionamento adaptativo em pelo menos duas das seguintes áreas: comunicação, auto-cuidados, vida doméstica, habilidades sociais, relacionamento interpessoal, uso de recursos comunitários, auto-suficiência, habilidades académicas, trabalho, lazer, saúde e segurança”. Segundo critérios internacionais, o início da Deficiência Mental deve ocorrer antes dos 18 anos, caracterizando assim um transtorno do desenvolvimento e não uma alteração cognitiva, como é a Demência. O funcionamento intelectual geral é definido pelo Quociente de Inteligência (QI ou equivalente). Em anexo (H) mostra-se a classificação do QI segundo a OMS. Academicamente, é possível diagnosticar o Atraso Mental em indivíduos com QI entre 70 e 75, porém que exibam défices significativos no comportamento adaptativo. Cautelosamente o DSM.IV recomenda que esta patologia não deve ser diagnosticada em um indivíduo com um QI inferior a 70, se não existirem défices significativos no funcionamento adaptativo. Teoricamente, deveriam ficar em segundo plano as questões mensuráveis de QI, já que a unidade de observação é a capacidade de adaptação. Por funcionamento adaptativo entende-se o modo como a pessoa enfrenta efectivamente as exigências comuns da vida e o grau em que experimenta uma certa independência pessoal compatível com a sua faixa etária, bem como o nível sócio-cultural do contexto comunitário no qual se insere. O funcionamento adaptativo da pessoa pode ser influenciado por vários factores, incluindo educação, motivação, características de personalidade, oportunidades sociais e vocacionais, necessidades práticas e condições médicas gerais.

Baseado nos critérios adaptativos, mais do que nos índices numéricos de QI, a classificação actual da Deficiência Mental não aconselha que se considere o atraso leve, moderado, severo ou profundo, mas que seja especificado o grau de comprometimento funcional adaptativo.

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4.8 Disfunção Eréctil

J.C.M.C., sexo masculino, 39 anos

20/02/09, Consulta externa de Andrologia, HGSA

Diagnóstico: Disfunção eréctil.

Divorciado, residente no Porto, empregado de armazém. Recorre à consulta externa por ansiedade marcada com dificuldade de resolver situações de tensão. Tremores e hipersudorese, que se manifestam predominantemente na relação sexual (“não consegue ter erecção nos primeiros contactos”). Ansiedade de execução, com desejo e líbido normais.

Terapia: Buspanil®, Cipralex® 10, Alprazolam 0,5mg em SOS.

C.F.N., sexo masculino, 48 anos

20/02/09, Consulta externa de Andrologia, HGSA

Diagnóstico: Disfunção eréctil.

Casado, com dois filhos menores, marmorista. Recorreu à consulta externa há três semanas por apresentar sintomas depressivos e, durante a relação sexual, ejaculação precoce e fraca erecção, com desejo sexual mantido. Foi medicado com Cipralex® 20 e Olcadil®.

Hoje, acompanhado pela esposa, apresenta uma melhoria franca do humor, apesar de manter os problemas de erecção. Considerando o curto tempo de medicação efectuada até ao momento e a influência de vários factores psicológicos neste quadro, manteve-se a terapêutica e marcou-se consulta de reavaliação para breve.

Disfunção Sexual é a incapacidade de participar no acto sexual com satisfação, devido a dor ou ao impedimento em uma ou mais fases do ciclo da resposta sexual (desejo-excitação-orgasmo-resolução). Pode-se manifestar como uma diminuição da libido ou como uma alteração da excitação, retardo ou ausência do orgasmo ou dor durante, antes ou depois do acto sexual. A causa é variada, multifactorial, onde se incluem patologias psiquiátricas, principalmente a depressão, e outras doenças orgânicas, como diabetes, hipertensão, abuso de drogas e álcool, problemas hormonais, alterações nutricionais e efeitos colaterais de medicamentos. A obesidade, o colesterol alto e o tabagismo são factores de risco.

Tendo em vista a complexidade da fisiologia sexual, pode-se afirmar que a função sexual recebe influências do Sistema Nervoso Central (SNC) e Periférico. No SNC existem neurotransmissores relacionados com a função sexual, como a Dopamina, relacionada com o desejo e a excitação. Também participam a Serotonina e a Noradrenalina. Em termos hormonais a prolactina está relacionada com a excitação subjectiva e a ocitocina directamente relacionada ao orgasmo. Com influência na sexualidade destacam-se ainda outras hormonas, principalmente a progesterona, o estrogénio e a testosterona, todas envolvidas no despertar do

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desejo sexual. Portanto, inúmeros factores estão directa ou indirectamente envolvidos na função sexual, desempenho e satisfação do ser humano.

A Depressão influencia negativamente o desempenho sexual, causando desinteresse pela actividade sexual e consequentemente comprometendo o desejo, além da incapacidade de sentir prazer, próprio do estado depressivo. No homem deprimido, a falta de excitação traduz-se na Disfunção Eréctil. Trata-se da incapacidade de manter a erecção para se completar o acto sexual, facto que também gera frustração e, como um ciclo vicioso, resulta no agravamento do estado depressivo. No sexo feminino, a excitação sexual alterada é conhecida como frigidez, e atinge um grande número de mulheres deprimidas, tendo como consequência a ausência de prazer e dor durante a relação sexual. A Disfunção Sexual na Depressão pode ainda agravar-se devido ao tratamento antidepressivo; as alterações sexuais por estes induzidas têm uma alta incidência, motivo frequente de abandono precoce do tratamento. Geralmente o tratamento antidepressivo deve-se manter por seis a nove meses em pacientes de baixo risco de recaída, devendo ir até um ano naqueles que têm antecedentes pessoais ou familiares de depressão e definitivo (ou por anos) para pacientes crónicos ou que tiveram mais de três recaídas (10% a 15% dos casos). Em anexo (H) mostra-se um quadro sobre os antidepressivos e os efeitos destes no tratamento desta patologia.

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5. Conclusão

O conhecimento dos mecanismos da doença, ou seja, a possibilidade de melhor a prevenir e de melhor a tratar, depende da investigação clínica – várias são as patologias de foro psiquiátrico que, actualmente, são objecto de uma convergência de trabalhos psicológicos e biológicos, implicando a psicopatologia, a psicanálise e as neurociências. No entanto, a prática clínica constitui o essencial do trabalho quotidiano dos psiquiatras, psicólogos e enfermeiros, em contacto com os doentes e as suas famílias, sendo a reintegração social dos pacientes psiquiátricos objecto de um esforço considerável.

A dimensão psicossomática das afecções psiquiátricas e somáticas do idoso começa a merecer atenção no campo da medicina geriátrica. O envelhecimento é muitas vezes bem conseguido, mas este êxito nunca é simplesmente adquirido, sendo o resultado das experiências precedentes da vida, inscritas no corpo e na mente. Os tratamentos psicofarmacológicos revelam-se importantes e eficazes, quando visam a ansiedade ou a depressão subjacentes, e a psicoterapia é muitas vezes útil, particularmente as técnicas com mediação corporal. A atitude preventiva durante a terceira idade refere-se essencialmente a medidas de carácter médico-social que se oponham a todas as formas de isolamento e marginalização, visando a criação de condições favoráveis ao processo normal da involução, educando para a saúde e possibilitando uma inserção activa na comunidade. Em conclusão, a atitude preventiva e interventiva em Saúde Mental é possível e indispensável em todas as fases do desenvolvimento, incluindo o envelhecimento.

Considerei o referido estágio bastante proveitoso, importante para a aquisição de conhecimentos teóricos e práticos na área da Saúde Mental, e fundamental para o reconhecimento e consequente diagnóstico de psicopatologias, o seu tratamento e posterior acompanhamento. Deste modo, penso que foi de extrema importância ter um contacto próximo com a prática clínica diária na Psiquiatria, de modo a melhor poder reflectir acerca da escolha da minha especialidade, como futura médica.

Referências

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