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Revogação do art. 125, XIII, do estatuto do estrangeiro: aplicação do princípio da continuidade normativo-típica

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

JOÃO MATEUS FERREIRA TORRES

REVOGAÇÃO DO ART. 125, XIII, DO ESTATUTO DO ESTRANGEIRO: APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE NORMATIVO-TÍPICA

FORTALEZA 2019

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JOÃO MATEUS FERREIRA TORRES

REVOGAÇÃO DO ART. 125, XIII, DO ESTATUTO DO ESTRANGEIRO: APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE NORMATIVO-TÍPICA

Monografia submetida à Coordenação do Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito.

Área de concentração: Direito Penal Orientador: Professor Doutor Samuel Miranda Arruda

FORTALEZA 2019

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JOÃO MATEUS FERREIRA TORRES

REVOGAÇÃO DO ART. 125, XIII, DO ESTATUTO DO ESTRANGEIRO: APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE NORMATIVO-TÍPICA

Monografia submetida à Coordenação do Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direito Penal.

Aprovado em ____/____/_______

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________________ Prof. Dr. Samuel Miranda Arruda (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

________________________________________________________ Prof. Ms. Lino Edmar de Menezes

Universidade Federal do Ceará (UFC)

________________________________________________________ Ms. José Valente Neto

(5)

RESUMO

O presente trabalho busca analisar os efeitos da revogação do art. 125, XIII, do Estatuto do Estrangeiro, notadamente quanto à continuidade da criminalização das condutas previstas no mencionado dispositivo legal. Para tanto, parte-se de um estudo doutrinário e legislativo dos princípios e institutos que se relacionam com o tema em análise. A pesquisa conta também com uma análise dos precedentes disponíveis sobre o assunto, ainda escassos, já que a revogação do Estatuto do Estrangeiro somente foi efetivada em novembro de 2017. A conclusão a que se chega é que todas as condutas previstas no art. 125, XIII, do Estatuto do Estrangeiro continuam criminalizadas no ordenamento jurídico pátrio, mesmo após sua revogação.

Palavras-chave: Revogação. Estatuto do Estrangeiro. Lei de Migração.

(6)

ABSTRACT

The present work seeks to analyze the effects of the revocation of art. 125, XIII, of the Foreigners' Statute, notably as regards the continued criminalization of the conduct provided for in the aforementioned article. To do so, it is based on a doctrinal and legislative study of the principles and institutes that relate to the subject under analysis. The research also has an analysis of the available precedents on the subject, still scarce, since the revocation of the Foreigners' Statute was only effected in November of 2017. The conclusion reached is that all the conduct provided for in art. 125, XIII, of the Foreigners' Statute continue to be criminalized in the country's legal order, even after its repeal.

Key words: Revocation. Foreigners' Statute. Law of Migration.

(7)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 9

2 EFEITOS DA REVOGAÇÃO DO TIPO PENAL ... 11

2.1 Abolitio criminis ... 11

2.2 Continuidade normativo-típica ... 12

2.3 Análise de casos ... 12

2.3.1 Apropriação indébita previdenciária ... 13

2.3.2 Colaboração para o tráfico de entorpecentes ... 14

2.3.3 Adultério ... 15

2.4 Extra-atividade da lei penal ... 16

3 CONCURSO APARENTE DE NORMAS ... 18

3.1 Princípio da especialidade ... 18

3.2 Princípio da subsidiariedade ... 20

3.3 Princípio da consunção ... 22

4 TIPOS PENAIS ... 25

4.1 Art. 299 do Código Penal ... 25

4.2 Arts. 297 e 298 do Código Penal ... 26

4.3 Art. 125, XIII, do Estatuto do Estrangeiro ... 27

4.4 Art. 232-A do Código Penal ... 30

5 ANÁLISE DO PANORAMA JUDICIAL ... 33

5.1 Precedentes judiciais ... 33

5.1.1 Introdução ... 33

5.1.2 Precedentes judiciais que aplicaram a continuidade normativo-típica ... 34

5.1.3 Precedentes judiciais que aplicaram a abolito criminis ... 36

5.2 Votos da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal ... 39

5.2.1 Introdução ... 39

5.2.2 Voto 439/2018 ... 39

5.2.3 Votos 2450/2018, 3758/2018 e 1665/2019 ... 43

6 REVOGAÇÃO DO ART. 125, XIII, DO ESTATUTO DO ESTRANGEIRO: REFUTAÇÃO DE ARGUMENTOS A FAVOR DA ABOLITIO CRIMINIS ... 45

(8)

6.1 A mera revogação do tipo penal implicar na descriminalização das

condutas previstas ... 45

6.2 Art. 123 da Lei de Migração ... 46

6.3 Ausência de fato incriminador semelhante na Lei de Migração ... 48

6.4 Art. 4º, XC e § 1º, da Lei de Migração ... 49

6.5 Art. 3º, III, da Lei de Migração ... 49

7 REVOGAÇÃO DO ART. 125, XIII, DO ESTATUTO DO ESTRANGEIRO: APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE NORMATIVO-TÍPICA ... 51

7.1 Continuidade da criminalização pelo art. 299 do Código Penal ... 51

7.1.1 Especialidade entre o delito do art. 125, XIII, do Estatuto do Estrangeiro e o do art. 299 do Código Penal ... 51

7.1.2 Adequação ao art. 299 do Código Penal ... 54

7.2 Continuidade da criminalização pelo art. 232-A do Código Penal ... 57

7.3 Lei penal mais benéfica ... 59

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 62

(9)

1 INTRODUÇÃO

A vigente política migratória brasileira, instituída pela Lei de Migração (Lei 13.445/2017), é regida por uma série de princípios e diretrizes, inclusive a não criminalização da migração (art. 3º, III). A Lei de Migração revogou inteiramente o Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/1980), que continha, em seu texto, a tipificação de diversas condutas relacionadas à atividade migratória; e criou apenas um novo tipo penal, denominado Promoção de Migração Ilegal, inserido no art. 232-A do Código Penal, que criminaliza tão somente a atividade do terceiro, do intermediário que promove a migração ilegal.

Indaga-se, no presente trabalho, quais seriam os efeitos da revogação de um dos delitos do Estatuto do Estrangeiro, aquele previsto no seu art. 125, XIII, cuja conduta típica era “fazer declaração falsa em processo de transformação de visto, de registro, de alteração de assentamentos, de naturalização, ou para a obtenção de passaporte para estrangeiro, laissez-passer, ou, quando exigido, visto de saída”.

O estudo é necessário porque a revogação do Estatuto do Estrangeiro pela Lei de Migração é muito recente. Além disso, a 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, exercendo o poder de revisão de decisões judiciais de indeferimento de promoções de arquivamento, na forma do art. 28 do Código de Processo Penal, tem posicionamento firmado no sentido de acolher a tese de abolitio

criminis do delito art. 125, XIII, do Estatuto do Estrangeiro após sua revogação,

entendimento que, como demonstraremos no presente trabalho, é equivocado. Como esses precedentes insistem na promoção do arquivamento dos inquéritos, eles tem caráter permanente, não admitindo revisão, o que reforça ainda mais a importância do presente trabalho.

Por outro lado, de todas as cortes brasileiras, apenas o Tribunal Regional Federal da 3ª Região tem precedentes sobre o assunto, com apertada maioria a favor da continuidade da criminalização das condutas previstas no art. 125, XIII, do Estatuto do Estrangeiro.

Trata-se de estudo exploratório, fundamentado em pesquisa bibliográfica e legislativa, além de levantamento jurisprudencial. A metodologia adotada no estudo tem caráter qualitativo e utiliza-se o raciocínio dedutivo.

(10)

Inicialmente, abordamos os efeitos gerais da revogação de um tipo penal. Em seguida, o capítulo 3 trata do concurso aparente de normas, que se mostra relevante para o presente trabalho em razão de a conduta do art. 125, XIII, do Estatuto do Estrangeiro frequentemente possuir atos preparatórios que podem ser classificados como crime. No capítulo 4, abordamos todos os tipos penais discutidos no presente trabalho. No capítulo 5, realizamos uma análise do panorama jurisprudencial, com levantamento de todos os precedentes julgados pelas cortes brasileiras sobre o tema em análise, bem como de votos proferidos pela 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal. No capítulo 6, cuidamos de demonstrar a improcedência de todos os argumentos a favor da abolitio criminis do art. 125, XIII, do Estatuto do Estrangeiro apresentados em precedentes judiciais e manifestações do Ministério Público Federal. Por fim, no capítulo 7, demonstramos que as condutas previstas no art. 125, XIII, do Estatuto do Estrangeiro continuam criminalizadas pelo ordenamento jurídico pátrio.

(11)

2. EFEITOS DA REVOGAÇÃO DO TIPO PENAL 2.1 Abolitio criminis

O instituto da abolitio criminis contém previsão legal expressa no Código Penal:

Lei penal no tempo

Art. 2º - Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.

Nucci1 define a abolitio criminis como o fenômeno que ocorre quando uma lei

posterior deixa de considerar crime determinado fato.

Para Bitencourt2, nestes casos a lei nova retira a característica de ilicitude penal

de uma conduta que outrora era tida como um ilícito penal, situação que ocorre quando o Estado, através do legislador, não tem mais interesse na punição dos autores destas condutas.

Segundo Greco3, ocorre a abolitio criminis quando determinada infração penal

é retirada do ordenamento jurídico-penal. Quando o Estado age dessa forma, ele abre mão do seu jus puniendi, declarando a extinção da punibilidade (art. 107, III, CPB) de todos os fatos ocorridos anteriormente à nova lei.

Para Mirabete4, ocorre a abolitio criminis quando uma nova lei deixa de

incriminar fato que anteriormente era considerado como ilícito penal. Trata-se de aplicação do princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, previsto no art. 5º, XL, da Constituição Federal. A nova lei, que se presume ser mais perfeita que a anterior, demonstrando não haver mais, por parte do Estado, interesse na punição do autor de determinado fato, retroage para alcançá-lo. Entretanto, não ocorrerá abolitio

criminis se a conduta praticada pelo agente e prevista na lei revogada é ainda

subsumível a outra lei penal em vigor.

1 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado, 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 1377.

2 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 209. 3 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral, volume I. 19. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2017. p. 162.

(12)

Para Masson5, dá-se a abolitio criminis quando uma nova lei exclui do âmbito do Direito Penal um fato até então considerado criminoso. Explica o autor que a configuração desse instituto exige a revogação total do preceito penal e não somente de norma singular referente a um fato que, sem ela, se contém numa incriminação penal. Dessa forma, temos dois requisitos para que determinar a ocorrência da abolitio

criminis: (a) a supressão formal do tipo penal; e (b) a supressão material do fato

criminoso.

2.2 Continuidade normativo-típica

Segundo Masson6, quando ocorre a revogação formal do tipo penal e o fato

criminoso passa a ser regulado por dispositivo legal diverso, não há que se falar em

abolitio criminis. Nesses casos, estamos diante da incidência do princípio da

continuidade normativo-típica, quando temos mera alteração topográfica da conduta ilícita.

Para Greco7, quando ocorrer a revogação expressa de determinado tipo penal,

mas seus elementos migrarem para outro tipo penal já existente, ou mesmo para um novo criado pela lei que revogou o antigo, estaremos diante daquilo que se denomina

continuidade normativo-típica. Nesses casos, afasta-se, a abolitio criminis, de modo que

a conduta anterior permanece incriminada pelo ordenamento jurídico, só que agora constando de outro tipo penal.

Constata-se, assim, que a revogação de um tipo penal não tem como consequência necessária a sua descriminalização, cabendo ao operador do Direito verificar, diante de cada caso, a ocorrência da abolitio criminis ou da continuidade normativo-típica.

2.3 Análise de casos concretos

Diante da revogação de um tipo penal, apenas dois resultados são possíveis: ou a conduta será descriminalizada, caso tenha ocorrido além da revogação a supressão material do fato criminoso do ordenamento jurídico - abolito criminis; ou a conduta permanecerá criminalizada, caso o fato criminoso tenha migrado para outro tipo penal,

5 MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado, Parte Geral, Vol. 1. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 134-135.

6 MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado, Parte Geral, Vol. 1. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 135.

7 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral, volume I. 19. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2017. p. 165.

(13)

novo ou já existente - continuidade normativo-típica. Assim, a análise que se faz é uma só, na medida em que ao se concluir pela ocorrência de um dos institutos, o outro fica automaticamente rejeitado.

Pela natureza dos institutos, convém primeiro examinar se as condutas previstas no tipo penal revogado migraram para outro dispositivo legal, novo ou antigo. Caso isso tenha ocorrido, estaremos diante da continuidade normativo-típica. Por outro lado, caso as condutas previstas no tipo penal revogado não se encontrem reguladas por nenhum tipo penal em vigência (ou seja, caso não tenha ocorrido a continuidade normativo-típica), conclui-se pela abolitio criminis.

Em síntese, após a revogação de um tipo penal, convém verificar inicialmente sua migração para um tipo penal vigente, em aplicação do princípio da continuidade normativo-típica e, não sendo esse o caso, conclui-se pela ocorrência da abolitio

criminis.

Para melhor compreensão de cada um dos institutos, convém analisarmos alguns casos concretos.

2.3.1 Apropriação indébita previdenciária

O delito de apropriação indébita previdenciária encontrava-se previsto no art. 95, d, da Lei 8.212/1991, contando com a seguinte redação:

Art. 95. Constitui crime: (...)

d) deixar de recolher, na época própria, contribuição ou outra importância devida à Seguridade Social e arrecadada dos segurados ou do público;

A lei 9.983/2000 revogou esse dispositivo legal e inseriu o art. 168-A no Código Penal, vigente até hoje, que conta com a seguinte redação:

Apropriação indébita previdenciária

Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Como se vê, houve uma migração integral das elementares do tipo penal revogado para o tipo penal novo. Assim, a conduta antes prevista no art. 95, d, da Lei

(14)

9.983/2000 não foi descriminalizada, uma vez que passou a ser tipificada no art. 168-A do Código Penal, de modo que estamos diante do fenômeno da continuidade normativo-típica.

Neste sentido, decidiu o Supremo Tribunal Federal no seguinte precedente8:

Inocorrência de ofensa ao princípio da anterioridade da lei: a jurisprudência desta corte firmou-se no sentido de que "[o] artigo 3º da Lei n. 9.983/2000 apenas transmudou a base legal da imputação do crime da alínea 'd' do artigo 95 da Lei n. 8.212/1991 para o artigo 168-A do Código Penal, sem alterar o elemento subjetivo do tipo, que é o dolo genérico'. É dizer: houve continuidade normativo-típica.

2.3.2 Colaboração para o tráfico de entorpecentes

A lei 6.368/1976 tinha em seu texto diversos tipos penais que diziam respeito ao tráfico de drogas. Em seu art. 12, § 2º, III, constava a figura delitiva conhecida como

colaboração para o tráfico de drogas, que contava com a seguinte redação:

Art. 12. Importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda ou oferecer, fornecer ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a consumo substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar; (Vide Lei nº 7.960, de 1989)

Pena - Reclusão, de 3 (três) a 15 (quinze) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.

(...)

§ 2º Nas mesmas penas incorre, ainda, quem: (...)

III - contribui de qualquer forma para incentivar ou difundir o uso indevido ou o tráfico ilícito de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica.

A lei 11.343/2006 revogou integralmente a lei 6.386/1976, trazendo nova regulação no que diz respeito à criminalização das condutas ligadas ao tráfico de entorpecentes.

(15)

A nova lei não reproduziu integralmente o texto antes contido no art. 12, § 2º, III, da Lei 6.836/1976. A despeito disso, é possível verificar que as condutas previstas no tipo penal revogado permanecem criminalizadas pela lei 11.343/2006.

Isso porque a Lei 11.343/2006 criou diversos tipos penais que configurariam uma espécie de colaboração para o tráfico de drogas, como são exemplos o art. 36, que fala do financiamento do tráfico, e o art. 37, que trata da colaboração na condição de informante. E ainda, a colaboração genérica, por algum meio que não esteja expressamente previsto em algum tipo penal da Lei 11.343/2006, poderá ser punida pelo crime de tráfico de entorpecentes propriamente dito, previsto no art. 33, na forma do art. 29 do Código Penal, que admite a punição do partícipe, figura que não pratica todas as elementares do delito, mas pratica uma conduta que contribui decisivamente para sua consumação, desde que tenha agido com um vínculo psicológico com o autor,

de modo que ambos tenham a intenção de praticar o mesmo crime9.

Esse foi o entendimento do Supremo Tribunal Federal consagrado no seguinte julgado10:

Embora não repetidas literalmente em único dispositivo, as condutas anteriormente tipificadas no art. 12, § 2º, inciso III, da Lei nº 6.368/76, subsistem desdobradas em outros artigos da novel legislação, não estando, portanto, configurada a apontada abolitio criminis.

Assim, admite-se a aplicação do princípio da continuidade normativo-típica inclusive com a migração das elementares do tipo penal revogado para diferentes dispositivos legais.

2.3.3 Adultério

A abolitio criminis é, na realidade, um fenômeno bastante raro no ordenamento jurídico pátrio. Os manuais, ao descrever o instituto, não costumam mencionar exemplos. Em geral, só o fazem quando da análise da abolitio criminis temporária,

citando o caso do art. 12 do Estatuto do Desarmamento11, inclusive sumulado pelo

9 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral, volume I. 19. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2017. p. 532.

10 Supremo Tribunal Federal. Recurso em Habeas Corpus nº 106155. Relator: Eros Grau. DJ: 04/10/2011. 11 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral, volume I. 19. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2017. p. 163-164.

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Superior Tribunal de Justiça12. A abolitio criminis temporária é caso especial de abolitio

criminis, que não se mostra relevante para o presente trabalho.

Um caso clássico da aplicação da abolitio criminis aconteceu com o delito de adultério, antes previsto no art. 240 do Código Penal, revogado pela lei nº 11.106/2005.

A lei que revogou o delito de adultério promoveu uma série de outras alterações no Código Penal, modificando a redação de diversos dispositivos legais. A despeito disso, não é possível enquadrar a conduta antes prevista no art. 240 do Código Penal em nenhum tipo penal vigente, seja ele antigo ou novo.

Trata-se aqui de um caso clássico em que o legislador, em sintonia com as mudanças sociais, entende que aquela conduta não mais deve ser incriminada, porque

aquele bem jurídico não merece mais a proteção do Direito Penal13.

Neste sentido, o seguinte precedente14:

O crime de adultério, previsto no artigo 240 do Código Penal, foi extinto pela Lei n° 11.106/05, aplicável retroativamente ao caso concreto, com a ocorrência da extinção da punibilidade, na forma do inciso III do artigo 107 do Código Penal.

2.4 Extra-atividade da lei penal

A extra-atividade da lei penal encontra-se expressamente prevista no art. 5º, XL da Constituição Federal (a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu).

Segundo Greco15, extra-atividade é o gênero do qual são espécies a

ultra-atividade - quando a lei penal regula fatos ocorridos durante sua vigência, mesmo depois de ter sido revogada; e a retroatividade - quando a lei penal regula fatos anteriores à sua vigência. Em qualquer caso, a extra-atividade da lei penal só se dá em benefício do agente, nunca em seu prejuízo, e pressupõe a sucessão de leis no tempo.

Assim, diante de uma alteração na lei penal, caso tenha havido uma novatio

legis in mellius, a lei nova retroagirá para regular os fatos anteriores à sua vigência. Por

12 Súmula 513 do STJ: A 'abolitio criminis' temporária prevista na Lei n. 10.826/2003 aplica-se ao crime de posse de arma de fogo de uso permitido com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado, praticado somente até 23/10/2005.

13 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral, volume I. 19. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2017. p. 162.

14 Tribunal de Justiça de São Paulo. Recurso em Sentido Estrito nº 9147069-44.2004.8.26.0000. Relator: Willian Campos. DJ: 29/01/2008.

15 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral, volume I. 19. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2017. p. 159-160.

(17)

outro lado, caso estejamos diante de uma novatio legis in pejus, a lei antiga continuará regulando os fatos mesmo após o marco final de sua vigência.

Sendo a revogação de um tipo penal uma das espécies de alteração da lei penal, deve-se investigar, também nesse caso, se o cenário após a revogação é mais favorável ou mais prejudicial para o agente, de modo a determinar que lei será aplicada ao caso.

Caberá sempre ao judiciário determinar qual a lei mais favorável. Além disso,

na busca pela lei mais benéfica ao réu (lex mitior), não se admite a combinação de leis16,

devendo ser identificada uma única lei que, diante do caso concreto, mostre-se mais favorável ao agente, aplicando-a integralmente.

Entretanto, a verificação de qual lei deve ser aplicada ao caso concreto escapa ao objeto do presente trabalho, já que esse cuida tão somente da análise da continuidade ou não da criminalização das condutas previstas no revogado art. 125, XIII, do Estatuto do Estrangeiro.

16 Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 600817. Relator: Ricardo Lewandowski. DJ: 07/11/2013.

(18)

3 CONCURSO APARENTE DE NORMAS

O conflito aparente de normas no âmbito do Direito Penal ocorre quando existe uma pluraridade de normas aparentemente regulando o mesmo fato criminoso, apesar de apenas uma norma efetivamente ser aplicável.

Para Azevedo e Salim17, estaremos diante de um conflito aparente de normas

quando houver dificuldade para determinar a correta adequação típica de um fato em razão de ele aparentemente se subsumir a mais de um tipo penal. Assim, concluem os autores, a unidade de fato e a pluraridade de normas de tipos penais são os pressupostos desse tipo de conflito.

Gonçalves18 acrescenta mais dois pressupostos a essa lista, a saber, a aparente

aplicação de todas as normas ao fato e a efetiva aplicação de apenas uma norma.

Passemos à análise dos princípios utilizados para identificar que norma deve ser aplicada ao caso concreto.

3.1 Princípio da especialidade

O princípio da especialidade, que é um princípio geral do Direito que encontra guarida também no Direito Penal, determina que haverá prevalência da norma especial sobre a norma geral.

Para Masson19, a lei especial ou específica tem sentido particularizado. Trata-se

de lei que reproduz a previsão contida na lei geral, de modo expresso ou não, tornando-a especial pelo acréscimo de outros elementos.

Segundo Bitencourt20, considera-se especial uma norma penal quando reúne

todos os elementos da norma geral, acrescidos de mais alguns, denominados de elementos especializantes. Assim, a norma especial acrescenta elemento próprio à descrição típica prevista na norma geral. Dessa forma, toda a ação que realiza o tipo do delito especial realiza também, necessariamente, o tipo do delito geral, enquanto que o inverso não é verdadeiro.

17 AZEVEDO, Marcelo André de. SALIM, Alexandre. Direito Penal, Parte Geral. 5. ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2015. p. 112-113.

18 GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Penal, Parte Geral, 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 26.

19 MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado, Parte Geral, Vol. 1. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 148.

(19)

No mesmo sentido a lição de Masson21, que afirma que há verdadeira relação lógica de dependência entre as leis especial e geral, uma vez que toda conduta que atende ao tipo especial realiza necessariamente e de forma simultânea o crime previsto no tipo geral, o que não ocorre no sentido inverso. Em outras palavras: um fato que se adequa ao tipo especial sempre se adequará também ao tipo geral; enquanto um fato que se adequa ao tipo geral não necessariamente se adequará também ao tipo especial.

Capez22 faz uma curiosa analogia: é como se tivéssemos duas caixas

praticamente iguais, em que uma se diferenciasse da outra em razão de um laço, uma fita ou qualquer outro detalhe que a tornasse especial. Entre uma e outra, o fato se enquadra naquela que tem algo a mais.

Para Gonçalves23, o princípio da especialidade determina que, se houver duas

normas aparentemente aplicáveis e uma puder ser considerada especial em relação à outra, prevalecerá sempre a norma especial, de acordo com o brocardo lex specialis

derrogat generali.

Segundo Masson24, quando diversas normas tem por objeto o mesmo fato,

aplica-se aquela que é mais específica ao caso, dotada de mais elementos qualitativos e, portanto, mais adequada. A aplicação desta norma, dita especial, ilide a incidência de outra, de natureza residual e genérica.

Greco25 ensina que os crimes especiais são aqueles que possuem alguns

elementos especiais em relação aos outros, de modo que, ao compará-los, percebe-se que a regra especial é mais adequada ao caso, e, por isso, afasta a aplicação da norma geral.

Neste mesmo sentido, Bitencourt26 defende que uma norma penal será dita

especial em relação a uma norma geral quando possuir todos os elementos desta última, com o acréscimo de outros, chamados de especializantes. Esclarece o autor que há

21 MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado, Parte Geral, Vol. 1. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 148.

22 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, Parte Geral, Vol. 1 (arts. 1º a 120). 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 67.

23 GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Penal, Parte Geral, 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 26.

24 MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado, Parte Geral, Vol. 1. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 148-149.

25 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral, volume I. 19. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2017. p. 76.

(20)

relação de especialidade entre o tipo básico e seus tipos derivados, sejam privilegiados ou qualificados. Assim, os homicídios qualificados e privilegiados constituem preceitos especiais em relação ao homicídio simples.

Segundo Gonçalves27, para avaliar a especialidade de uma norma em relação a

outra, basta compará-las abstratamente, sem que seja necessário avaliar o caso concreto. É suficiente, portanto, uma leitura dos tipos penais para que seja possível determinar qual deles é especial.

Na mesma linha, Bitencourt28 afirma que o princípio da especialidade pode ser

estabelecido in abstrato, ao contrário dos outros princípios solucionadores de conflitos aparentes de normas, que demandam uma análise do caso concreto para determinar que lei deve ser aplicada ao fato.

Masson29 ressalta a importância do requisito da unidade do fato para aplicação

do princípio da especialidade. Segundo o autor, deve tratar-se de fato único, isolado, e não de reiteração criminosa.

Por fim, Gonçalves30 ressalta que é irrelevante se a norma especial é mais ou

menos grave em relação à norma geral. Esta é também a lição de Masson31, que julga

sem relevância o quantum da pena cominada aos delitos para determinação da relação de especialidade-generalidade.

3.2 Princípio da subsidiariedade

Segundo Masson32, pela aplicação do princípio em estudo, a lei primária tem

prevalência sobre a lei subsidiária, instituto representado pelo brocardo lex primaria

derogat legi subsidiarie. Assim, há subsidiariedade entre duas leis penais quando elas

tratam de estágios ou graus diversos de ofensa a um mesmo bem jurídico, de sorte que a ofensa mais ampla e de maior gravidade, descrita pela lei primária, engloba a menos ampla, contida na subsidiária, ficando a aplicabilidade desta última condicionada à não incidência da primeira.

27 GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Penal, Parte Geral, 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 27.

28 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 255. 29 MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado, Parte Geral, Vol. 1. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 149.

30 GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Penal, Parte Geral, 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 27.

31 MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado, Parte Geral, Vol. 1. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 149-151.

(21)

Para Capez33, uma norma subsidiária é aquela que descreve um grau menor de violação de um mesmo bem jurídico, isto é, um fato menos amplo e menos grave, o qual, embora definido como delito autônomo, encontra-se também compreendido em outro tipo, como parte de um crime maior. Dessa forma, se for cometido o crime mais amplo, duas normas aparentemente incidirão: a primária e a subsidiária. Nesses casos, para se evitar o bis in idem, aplica-se somente a norma primária, sendo possível a aplicação da subsidiária apenas se restar inviabilizada a incidência da primária.

Masson34 acrescenta que o crime primário é sempre mais amplo do que o

subsidiário, de modo que o último está sempre contido no primeiro. O crime de roubo, por exemplo, contém os delitos de furto e de ameaça ou lesão corporal. E justamente por isso a lei subsidiária tem função complementar em relação ao crime primário, de modo que a lei subsidiária somente é aplicável caso a lei primária não possa ser aplicada. Além disso, o crime primário é sempre mais grave do que o crime subsidiário. Na hipótese de se configurar o crime primário, detentor de penalização mais grave, jamais se terá a incidência do crime subsidiário, possuidor de sanção mais leve.

Segundo Gonçalves35, a subsidiariedade de uma norma não pode ser analisada

abstratamente, devendo o operador do direito analisar o caso concreto e verificar se, em relação a ele, a norma é ou não subsidiária. Como há uma relação de conteúdo e continente, já que a norma subsidiária é menos ampla que a norma primária, deve se tentar encaixar o fato na norma primária e, não sendo possível, encaixá-lo na norma subsidiária.

Masson36 aponta também que, em consequência de seu caráter complementar, a

verificação da ocorrência do princípio da subsidiariedade somente pode se dar diante da análise do caso concreto, já que é somente diante dos fatos que se pode analisar se o crime primário será ou não aplicável - e caso não seja, restará a aplicação do crime subsidiário.

33 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, Parte Geral, Vol. 1 (arts. 1º a 120). 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

34 MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado, Parte Geral, Vol. 1. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 152.

35 GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Penal, Parte Geral, 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 27.

36 MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado, Parte Geral, Vol. 1. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 152.

(22)

Neste sentido, Capez37 explica que, com a mera leitura de tipos não é possível saber qual deles deve ser aplicado, sendo imprescindível verificar, por exemplo, a intenção do agente.

Masson38 aponta ainda que a subsidiariedade pode ser tácita ou expressa. Será

expressa quando contiver declaração formal no próprio dispositivo legal, a exemplo de “se o fato não constitui crime mais grave” (art. 132 do Código Penal) ou “se o fato não constitui elemento de outro crime” (art. 249 do Código Penal). Será tácita quando a lei subsidiária não condicionar expressamente a sua aplicação à impossibilidade de incidência da lei primária. Nesse caso, verifica-se a incidência do princípio quando o fato descrito pela lei subsidiária encontrar-se como elemento constitutivo, qualificadora, causa de aumento de pena, agravante genérica ou meio de execução do crime da lei primária, a exemplo do que ocorre com o constrangimento ilegal (art. 146 do Código Penal), que é subsidiário em relação ao estupro (art. 123 do Código Penal).

3.3 Princípio da consunção

Segundo Gonçalves39, ocorre a consunção quando um fato definido como

crime atua como fase de preparação ou de execução, ou, ainda, como mero exaurimento de outro crime mais grave, ficando, portanto, absorvido por este.

Para Bitencourt40, ocorre consunção ou absorção quando a norma definidora de

um crime constitui meio necessário ou fase normal de preparação ou execução de outro crime. Assim, prossegue o autor, haveria consunção quando o fato previsto em determinada norma é compreendido em outra, mais abrangente, aplicando-se somente esta. Haveria ainda consunção quando o crime-meio é realizado como uma fase ou etapa do crime-fim, ocasião em que seu potencial ofensivo é esgotado, havendo, justamente por isso, punição tão somente da conduta criminosa final.

37 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, Parte Geral, Vol. 1 (arts. 1º a 120). 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 70.

38 MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado, Parte Geral, Vol. 1. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 152-153.

39 GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Penal, Parte Geral, 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 27-28.

(23)

Segundo Greco41, a consunção pode se dar em duas ocasiões: a) quando um crime é meio necessário ou normal fase de preparação ou de execução de outro crime; b) nos casos de antefato e pós-fato impunível.

De acordo com Masson42, o princípio da consunção determina que o fato mais

amplo e grave consome os demais fatos menos amplos e graves, que atuam como meio normal de preparação ou execução daquele, ou ainda como mero exaurimento. Assim, a lei consuntiva tem preferência sobre a lei consumida. A lei principal, de mais longo espectro, consome as demais.

Existem dois fundamentos para existência do princípio em análise: (a) o fato de o bem jurídico resguardado pela lei penal menos vasta já estar protegido pela lei penal mais ampla; e (b) o fato de a prática do ilícito definido pela lei absorvida ser indispensável para a configuração da lei consuntiva. Diante disso, a aplicação do

princípio revela-se necessária para evitar a configuração de bis in idem43.

Para verificação da aplicação do princípio da consunção leva-se em consideração os fatos e não as leis penais abstratamente consideradas. A análise é sobre os fatos concretos, de modo que o mais completo, o inteiro, prevalece sobre a fração. Assim, o fato mais amplo consome o menos amplo, evitando-se dupla punição desse

último, como crime autônomo e como parte do todo44.

Capez45 ensina que é muito tênue a linha diferenciadora que separa a

consunção da subsidiariedade. Na verdade, a distinção reside apenas no enfoque que se dá na incidência do princípio. Na subsidiariedade, em função do fato concreto praticado, comparam-se as normas para se descobrir qual é aplicável. Na consunção, sem recorrer inicialmente às normas, verifica-se se o crime-fim absorve os crimes-meio. O fato principal deve absorver o assessório, sobrando apenas a norma que o regula. Assim, na consunção, a comparação é estabelecida entre fatos e não entre normas, de maneira que o mais perfeito, o mais completo, o “todo”, prevalece sobre a parte. Na consunção, continua o autor, não há apenas um fato que se busca enquadrar numa ou noutra norma,

41 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral, volume I. 19. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2017. p. 78.

42 MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado, Parte Geral, Vol. 1. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 153.

43 Idem.

44 MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado, Parte Geral, Vol. 1. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 153-154.

45 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, Parte Geral, Vol. 1 (arts. 1º a 120). 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 71.

(24)

como ocorre com os princípios da especialidade e subsidiariedade, mas uma sequência de fatos, na qual o fato principal deve absorver os assessórios.

Neste mesmo sentido, Gonçalves46 afirma que a subsidiariedade se diferencia

da especialidade porque na primeira o enfoque é nas normas (uma é mais ou menos ampla do que a outra), enquanto na consunção a análise se dá sobre os fatos.

Ainda quanto ao princípio da consunção, convém falar sobre o tratamento dado aos crimes-meio na ocasião da extinção da punibilidade do crime-fim.

O RHC 31.321/PR47, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, trata de um

caso em que o réu havia falsificado um documento com o propósito de praticar o crime de descaminho. Aquele tribunal aplicou o princípio da consunção para reconhecer que o crime de falso, naquele caso, havia sido praticado como fase de preparação necessária para a consumação do descaminho, esgotando nele sua potencialidade lesiva, de modo que aquele restou absorvido por esse. Extinta a punibilidade do delito de descaminho em razão da quitação da dívida tributária, remanesceu o questionamento sobre a possibilidade de persecução penal em relação ao delito de falso.

De acordo com o entendimento firmado naquele julgado, que encontra-se no Informativo de Jurisprudência de nº 523 do Superior Tribunal de Justiça, exaurindo-se o crime-meio na prática do crime-fim, cuja punibilidade não mais persista, falta justa causa para a persecução daquele, porquanto carente de autonomia.

46 GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Penal, Parte Geral, 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 28.

47 Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Habeas Corpus nº 31.321/PR. Relator Marco Aurélio Bellizze. DJ: 16/05/2013.

(25)

4. TIPOS PENAIS

4.1 Art. 299 do Código Penal

O crime de falsidade ideológica está previsto no art. 299 do Código Penal Brasileiro, que conta com a seguinte redação:

Falsidade ideológica

Art. 299 - Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, se o documento é particular.

Greco48 ensina que o objeto material da falsidade ideológica é o documento,

público ou particular.

Segundo Nucci49, o tipo em análise possui três núcleos: omitir (deixar de

inserir ou não mencionar); inserir (colocar ou introduzir); e fazer inserir (proporcionar que se introduza). O objeto das condutas são necessariamente declarações juridicamente relevantes, seja em um documento público ou um documento particular. No que diz respeito aos verbos inserir e fazer inserir, a diferença reside no modo pelo qual o agente consegue a inserção da informação falsa: no primeiro caso, ele age diretamente; no segundo caso, proporciona meios para que terceiro o faça.

Assim, caso o agente, valendo-se de acesso que possua a algum meio de produzir documento em meio autêntico, insira diretamente a informação falsa nele, terá praticado o crime na modalidade inserir. Exemplo disso é quando o agente é funcionário público e lança mão dos meios disponíveis em sua repartição pública para inserir informações falsas em documento público.

Exemplo da modalidade fazer inserir, ainda no âmbito do documento público, dá-se quando o agente se dirige a uma repartição pública e faz com que um funcionário público insira informação falsa em meio autêntico. Para isso, o agente pode agir em concurso de pessoas com o funcionário público. Ou ainda, o funcionário público pode ser levado a erro pelo agente, quando esse apresenta informação falsa como verdadeira

48 GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. 10. ed. Niterói: Impetus, 2016. p. 1002.

49 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado, 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 1377.

(26)

para que aquele insira no documento. Caso típico é quando o agente leva um documento público inautêntico a uma repartição para emitir outro documento, que será produzido em meio autêntico, mas com conteúdo falso.

O bem jurídico protegido é a fé pública, consubstanciada, segundo

Bitencourt50, na autenticidade e confiabilidade dos documentos públicos ou privados.

Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo deste crime. O sujeito passivo é o Estado, podendo ainda existir um sujeito ativo secundário, que seria a pessoa prejudicada pela falsificação.

Segundo Prado51, o elemento subjetivo do tipo é o dolo, que deve possuir a

finalidade específica de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante. Afirma ainda o autor que o mero animus jocandi ou qualquer outra finalidade diversa daquela prevista no tipo penal não configuram o ilícito em análise.

Trata-se de crime formal, que não exige, para sua consumação, a ocorrência de resultado naturalísitico, consistente, no caso, na efetiva ocorrência de um dano para alguém.

Prado52 ensina que, na forma omissiva, o crime se consuma no momento em

que o agente deixa de incluir a declaração no documento, por ocasião de sua confecção. Na forma comissiva, modalidade fazer inserir, o crime se consuma apenas no momento em que o agente conclui o documento por ele confeccionado, já que até esse momento ele poderia alterar o conteúdo para retirar o falso que dele constava. Por fim, na forma comissiva, modalidade fazer inserir, o delito se consuma com o lançamento da declaração falsa do agente no documento pelo funcionário público ou por terceira pessoa a quem incumbe elaborá-lo.

4.2 Arts. 297 e 298 do Código Penal

Eis a redação dos dispositivos legais em análise:

Falsificação de documento público

Art. 297 - Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro:

50 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 553. 51 PRADO, Luiz Regis. Comentários ao Código Penal, 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 1010.

(27)

Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa.

Falsificação de documento particular

Art. 298 - Falsificar, no todo ou em parte, documento particular ou alterar documento particular verdadeiro:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.

No que diz respeito ao preceito primário, os dois tipos penais são em tudo semelhantes, diferenciando-se tão somente quanto ao objeto material do crime: no art. 297, documento público; e no art. 298, documento privado. Assim, a análise dos dois delitos será feita conjuntamente.

Segundo Greco53, o núcleo falsificar dá a ideia de fabricação do documento, de

modo que, nesse caso, o documento não existe, sendo criado total ou parcialmente pelo agente. No caso do núcleo alterar, o documento existe e é verdadeiro, mas o agente o modifica, alterando seu conteúdo.

Bitencourt54 nos ensina que a falsidade dos arts. 297 e 298 do Código Penal é

do tipo material, em que o agente altera o aspecto formal do documento, modificando o meio físico em que o documento reside. Nesta ocasião, ele pode construir um novo documento ou transformar um documento já existente.

Já a falsidade ideológica, segundo Nucci55, é aquela prevista no art. 299 do

Código Penal, em que o documento é plenamente legítimo em seu aspecto formal. O vício reside na presença de uma informação falsa ou que dele não deveria constar; ou ainda na omissão de uma informação que dele deveria constar.

Ainda sobre a diferença entre os dois tipos de falsidade, Delmanto56 ensina

que, na falsidade material, o que se frauda é a própria forma do documento, que é alterada, no todo ou em parte, ou é forjada pelo agente, que cria um documento novo. Já na falsidade ideológica, ao contrário, a forma do documento é verdadeira, mas seu conteúdo é falso, isto é, a ideia ou declaração que o documento contém não corresponde à verdade.

4.3 Art. 125, XIII, do Estatuto do Estrangeiro

53 GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. 10. ed. Niterói: Impetus, 2016. p. 991 e 997. 54 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 553. 55 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado, 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 1377.

(28)

O crime de falso em estudo neste trabalho estava previsto no art. 125, XIII, do já revogado Estatuto do Estrangeiro (Lei Federal nº 6.815/1980), com a seguinte redação:

Art. 125. Constitui infração, sujeitando o infrator às penas aqui cominadas:

(...)

XIII - fazer declaração falsa em processo de transformação de visto, de registro, de alteração de assentamentos, de naturalização, ou para a obtenção de passaporte para estrangeiro, laissez-passer, ou, quando exigido, visto de saída:

Pena: reclusão de 1 (um) a 5 (cinco) anos e, se o infrator for estrangeiro, expulsão.

Segundo Nucci57, o verbo nuclear – fazer – tem por objeto a declaração falsa,

seja essa declaração uma afirmação ou um depoimento, por escrito ou oral, que deve sempre ser inverídico. Ensina ainda o autor que o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, porém, em especial o estrangeiro; e o sujeito passivo é o Estado.

Trata-se de crime formal, uma vez que o crime se consuma com a mera

declaração falsa, independentemente da produção de qualquer resultado naturalístico58.

Para Baltazar59, o crime do art. 125, XIII, do Estatuto do Estrangeiro é um tipo

de falsidade ideológica, tal como aquele previsto no art. 299 do Código Penal Brasileiro. Isto porque a falsidade é documental e reside na desconformidade entre o teor da declaração e a verdade, sem que haja alteração material do documento.

Neste sentido, importante ressaltar que a conduta “fazer declaração falsa” prevista no art. 125, XIII, do Estatuto do Estrangeiro importa sempre na produção de um documento em meio autêntico, mas que contém uma informação que não corresponde à verdade, exatamente o que ocorre com o delito previsto no art. 299 do Código Penal. Isso ocorre porque todos os procedimentos previstos no dispositivo legal mencionado são formais. Senão vejamos.

O visto é a fórmula aposta no documento de viagem do estrangeiro pela autoridade de imigração nacional, após o atendimento de certos requisitos, antes

57 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 395-396.

58 BALTAZAR JR, José Paulo. Crimes Federais. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 600-602. 59 Idem.

(29)

regulado nos arts. 4º a 21 do Estatuto do Estrangeiro. Dessa maneira, o agente, ao prestar a declaração falsa nesse tipo de procedimento, leva o funcionário público a inserir uma informação oficial, portanto, materialmente autêntica, em um documento também autêntico - o passaporte -, de modo que a falsidade diz respeito tão somente ao conteúdo da informação, caracterizando uma falsidade do tipo ideológica.

O registro é o procedimento formal de cadastramento junto ao Ministério da Justiça, obrigatório para o estrangeiro admitido na condição de permanente, de temporário ou de asilado, que encontrava-se regulado nos arts. 30 a 33 do Estatuto do Estrangeiro. O art. 33 previa que, ao estrangeiro registrado, seria fornecido um documento de identidade. Evidente, portanto, que, caso o agente preste uma declaração falsa no procedimento de registro, isso resultará na produção de um documento de identidade materialmente autêntico com conteúdo ideologicamente falso.

A alteração de assentamentos é permitida, por exemplo, nos casos de erro material, nome que exponha o estrangeiro ao ridículo ou para adaptação à língua nacional. Encontrava-se regulado nos arts. 43 e 44 do Estatuto do Estrangeiro. Esse procedimento nada mais é do que a alteração dos dados originariamente fornecidos pelo estrangeiro quando do seu registro, de modo que a alteração de assentamentos sempre importará no fornecimento de um novo documento de identidade. A conclusão é idêntica à do procedimento de registro: caso o agente preste uma declaração falsa no procedimento de alteração de assentamentos, isso resultará na produção de um documento de identidade materialmente autêntico com conteúdo ideologicamente falso.

A naturalização é o procedimento pelo qual o estrangeiro adota, voluntariamente, a nacionalidade brasileira. Encontrava-se regulado nos arts. 111 a 124 do Estatuto do Estrangeiro. É certamente o procedimento mais burocrático entre aqueles previstos no art. 125, XIII, do Estatuto do Estrangeiro. O art. 115 previa que o estrangeiro que pretendesse a naturalização deveria requerê-la junto ao Ministro da Justiça, declarando nome por extenso, naturalidade, nacionalidade, filiação, sexo, estado civil, dia, mês e ano de nascimento, profissão, lugares onde haja residido anteriormente no Brasil e no exterior, entre outros. Já o art. 118 previa que o deferimento do pleito seria materializado numa portaria de naturalização, pelo que conclui-se que a prestação de informação falsa nesse procedimento resultaria também na produção de um documento em meio autêntico com conteúdo ideologicamente falso.

(30)

O passaporte para estrangeiro e o laissez-passer são modalidades de

documentos de viagem e encontravam-se regulados pelos arts. 54 a 56 do Estatuto do

Estrangeiro. Evidente, portanto, que, caso o agente preste uma declaração falsa nesses procedimentos, isso resultará na produção de um documento materialmente autêntico com conteúdo ideologicamente falso.

Por fim, o visto de saída não é, em regra, exigido, ressalvada a possibilidade de sua implementação por ato do Ministro da Justiça, quando razões de segurança interna aconselharem a medida, nos termos do art. 50, § 1º, do Estatuto do Estrangeiro. As conclusões são idênticas àquelas do visto regular de entrada: caso o agente preste uma declaração falsa nesse tipo de procedimento, isso levará o funcionário público a inserir uma informação oficial, portanto, materialmente autêntica, em um documento também autêntico - o passaporte -, de modo que a falsidade dirá respeito tão somente ao conteúdo da informação, caracterizando uma falsidade do tipo ideológica.

Assim, demonstra-se cabalmente que, em qualquer caso, a consumação do crime do art. 125, XIII, do Estatuto do Estrangeiro importa na produção de um

documento em meio autêntico com informação falsa ou diversa da que deveria constar,

de igual modo ao delito previsto no art. 299 do Código Penal (falsidade ideológica), diferenciando-se apenas porque a declaração falsa, no caso do crime do Estatuto do Estrangeiro, deve ser prestada necessariamente em um processo de transformação de visto, de registro, de alteração de assentamentos, de naturalização, ou para a obtenção de passaporte para estrangeiro, laissez-passer, ou, quando exigido, visto de saída.

Ainda sobre a semelhança entre os delitos, o Superior Tribunal de Justiça, no

julgamento do Recurso Especial 1.544.765-SP60, decidiu que, para a configuração do

crime do art. 125, XIII, do Estatuto do Estrangeiro, exige-se que a falsidade tenha conteúdo com relevância jurídica, é dizer, potencialidade de gerar danos ou gravosos efeitos sociais, exatamente como se dá no art. 299 do Código Penal.

4.4 Art. 232 do Código Penal

Eis a redação do art. 232-A no Código Penal Brasileiro:

Promoção de migração ilegal

(31)

Art. 232-A. Promover, por qualquer meio, com o fim de obter vantagem econômica, a entrada ilegal de estrangeiro em território nacional ou de brasileiro em país estrangeiro:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

§ 1º Na mesma pena incorre quem promover, por qualquer meio, com o fim de obter vantagem econômica, a saída de estrangeiro do território nacional para ingressar ilegalmente em país estrangeiro.

Segundo Prado61, trata-se de crime comum, já que o sujeito ativo pode ser

qualquer pessoa. O sujeito passivo são o estrangeiro ou brasileiro, vítima da exploração migratória, bem como a coletividade.

Em complemento à lição de Prado sobre o sujeito ativo, Masson62 afirma que o

tipo em análise pune somente o comportamento do terceiro que promove, por qualquer meio, com o fim de obter vantagem econômica, a entrada ilegal de estrangeiro em território nacional ou de brasileiro em país estrangeiro.

Masson63 ensina ainda que, quanto à entrada ilegal de pessoas, o bem jurídico

tutelado é a Administração Pública no tocante à soberania nacional. Já o propósito de incriminar a promoção de entrada ilegal de brasileiro em país estrangeiro (caput) e a saída ilegal de estrangeiro para outro país (§1º) é resguardar a integridade das relações diplomáticas do Brasil com outros países.

Quanto à estrutura do tipo penal incriminador, Nucci64 ensina que promover

significa impulsionar ou ser causa de algo, sendo o objeto desse ato a entrada de estrangeiro em território nacional ou de brasileiro em país estrangeiro.

Segundo Masson65, a expressão “por qualquer meio” indica que a entrada ilegal

de estrangeiro no Brasil ou de brasileiro em outro país pode ocorrer por via terrestre, aérea, marítima ou fluvial, ou de forma clandestina. Aponta ainda o autor que a migração ilegal poderia se dar mediante fraude (exemplo: uso de passaporte falso) ou

61 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, Parte Especial. v. 2. 16. ed. São Paulo: Editora Forense, 2018.

62 MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Especial Arts. 213 a 359-H. São Paulo: Editora Forense, 2018.

63 Idem.

64 NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Direito Penal Parte Especial: Arts. 2013 a 361 do Código

Penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.

65 MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Especial Arts. 213 a 359-H. São Paulo: Editora Forense, 2018.

(32)

mediante a corrupção de agentes públicos (exemplo: propina entregue a policial federal para tolerar o ingresso ilegal de estrangeiro no Brasil).

Prado66 aponta que a utilização dessa expressão reforça a ideia de que a

punição se aplica a todos os envolvidos no processo migratório irregular, uma vez que esse tipo de ação geralmente é promovido em concurso de agentes, bem como por associações ou organizações criminosas.

Para Nucci67, estamos diante de uma norma penal em branco, já que a

interpretação do termo ilegal depende da análise das regras contidas no ordenamento jurídico, notadamente na Lei de Migração.

Por fim, Prado68 ensina que a tipicidade subjetiva vem consubstanciada pelo

dolo (direto ou eventual), bem como pelo elemento subjetivo do injusto com o fim de obter vantagem econômica, que não precisa ser efetivamente auferida para que o delito seja consumado.

66 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, Parte Especial. v. 2. 16. ed. São Paulo: Editora Forense, 2018.

67 NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Direito Penal Parte Especial: Arts. 2013 a 361 do Código

Penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.

68 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, Parte Especial. v. 2. 16. ed. São Paulo: Editora Forense, 2018.

(33)

5 ANÁLISE DO PANORAMA JURISPRUDENCIAL 5.1 Precedentes judiciais

5.1.1 Introdução

A Lei 13.445 foi publicada em 24 de maio de 2017, tendo entrado em vigor apenas em 20 de novembro de 2017. Em razão disso, ainda são escassos os precedentes que tratam sobre a revogação do art. 125, XIII, do Estatuto do Estrangeiro.

Nos tribunais superiores ainda não há qualquer precedente sobre esse assunto. Dos tribunais regionais federais, cortes competentes em segunda instância para julgar os crimes em análise, apenas o da 3ª região tem julgados que cuidam dos efeitos da revogação do art. 125, XIII, do Estatuto do Estrangeiro, num total de apenas dez, sendo que seis aplicaram o princípio da continuidade normativo-típica e quatro acolheram a tese de abolitio criminis. Com essa pequena amostragem, observa-se que ainda não há um posicionamento firmado naquela corte sobre o assunto.

Quando verificamos as turmas em que esses processos foram julgados, percebemos que há uma tendência muito clara: em todos os processos julgados pela quinta turma, num total de quatro, a tese de abolitio criminis foi acolhida; e em todos os processos julgados pela décima primeira turma, num total de cinco, o princípio da continuidade normativo-típica foi aplicado.

Um único processo foi julgado pela quarta seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que é formada pela reunião da quinta e décima primeira turmas. Nesse julgamento, a tese de aplicação do princípio da continuidade normativo-típica foi acolhida. Isso poderia sugerir uma unificação na jurisprudência daquela corte, resultando em julgamentos por ambas as turmas com o mesmo entendimento a partir daquela data, já que, no Tribunal Regional Federal da 3ª Região, compete às seções estabelecer precedentes da jurisprudência uniforme das turmas da respectiva área de

especialização69. Isso, entretanto, não se concretizou.

Após o mencionado julgamento pela quarta seção, que se deu em 25/10/2018, a quinta turma se reuniu, em 27/03/2019, para julgar dois casos que tratavam do tema abordado nesse trabalho, ocasião em que continuaram a acolher a tese de abolitio

criminis, o que indica que não houve uma unificação no entendimento daquela corte.

69 Art. 12, parágrafo único, do Regimento Interno do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, publicado em 19/12/2017.

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A tabela abaixo demonstra, cronologicamente, como o Tribunal Regional Federal da 3ª Região vem decidindo sobre o tema, refletindo que ainda não houve uma unificação do entendimento naquela corte:

Abolitio criminis Continuidade normativo-típica

5ª Turma 11ª Turma 4ª Seção

27/3/2019 - - 27/3/2019 - - - 07/01/2019 - - - 25/10/2018 - 21/08/2018 - - 10/8/2018 - - 30/7/2018 - 4/7/2018 - - 4/7/2018 - - - 20/4/2018 -

A despeito disso, é inegável que o acolhimento da continuidade normativo-típica por parte da quarta seção representa uma tendência de unificação futura dos entendimentos antagônicos das duas turmas, já que a quarta seção é composta pelos membros que compõem aquelas turmas, sendo a uniformização, ademais, uma de suas funções regimentais.

5.1.2 Precedentes judiciais que aplicaram a continuidade normativo-típica

Os seis julgados que acolheram a tese de continuidade normativo-típica adotam os argumentos defendidos no presente trabalho, concluindo, na análise do caso concreto, sempre pela migração das elementares do art. 125, XIII, do Estatuto do Estrangeiro para o art. 299 do Código Penal.

Neste sentido, convém destacar aqui os trechos dos precedentes pertinentes ao tema discutido, em ordem cronológica de publicação:

Não há falar-se propriamente em abolitio criminis, haja vista que, embora a conduta de "fazer declaração falsa em processo de transformação

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de visto, de registro, de alteração de assentamentos, de naturalização, ou para a obtenção de passaporte para estrangeiro, laissez-passer, ou, quando exigido, visto de saída" tenha deixado de configurar o crime específico previsto na lei que regia a situação jurídica do estrangeiro no Brasil (Lei nº 6.815/80), tal conduta permanece sendo crime, configurando, agora, o delito de falsidade ideológica, constante do artigo 299 do Código Penal70.

(RSE - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - 8268 0005293-78.2014.4.03.6130, DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI, TRF3 - DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:20/04/2018)

A Lei nº 6.815, de 19.8.1980, foi expressamente revogada pela Lei nº 13.445, de 24.5.2017 (art. 124, II), que não mais tipifica a conduta específica de "fazer declaração falsa em processo de transformação de visto, de registro, de alteração de assentamentos, de naturalização, ou para a obtenção de passaporte para estrangeiro, laissez-passer, ou, quando exigido, visto de saída". Todavia, fazer declaração falsa para as finalidades apontadas continua sendo crime, mas não pela legislação específica relativa ao estrangeiro, e sim pelo Código Penal, cujo art. 299 prevê o crime de falsidade ideológica. (...)

(Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 64682 0003041-51.2011.4.03.6181, DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO, TRF3 - DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:30/07/2018)

Não houve abolitio criminis em relação ao crime tipificado no art. 125, XIII, da Lei nº 6.815/1980. Em verdade, houve o deslocamento do conteúdo criminoso para outro tipo penal, qual seja, do art. 299 do Código Penal, em continuidade normativo-típica.

(Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 71189 0008561-21.2013.4.03.6181, DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO, TRF3 - DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:10/08/2018)

1. (...) Embora tenha havido revogação expressa da Lei n.º 6.815, de 19 de agosto de 1980 (Estatuto do Estrangeiro), nos termos do artigo 124, inciso II, da nova Lei de Migração (Lei n.º 13.445, de 24 de maio de 2017), não há que falar em abolitio criminis. A simples ocorrência da supressão formal, mas com a manutenção dos elementos substanciais em outro tipo penal já existente, impede a configuração de tal fenômeno (abolitio criminis), remanescendo a criminalização da conduta, havendo que ser aplicado o

70 Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Recurso em Sentido Estrito nº 8268. Relator: José Lunardelli, 20/04/2018.

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Princípio da Continuidade Normativo-Típica. 2. Enquanto vigorava o artigo 125, XIII, do Estatuto do Estrangeiro, prevalecia a lei especial sobre a geral (art. 299 do CP), a qual coexistia no ordenamento jurídico e se aplicava às situações não abarcadas pela regra específica, vale dizer, às situações em que a declaração ideologicamente falsa não fosse feita no contexto de processo de transformação de visto, de registro, de alteração de assentamentos, de naturalização, ou para a obtenção de passaporte para estrangeiro, laissez-passer, ou, quando exigido, visto de saída. Subtraído o tipo penal que trazia esse elemento adicional peculiar (requisito especializante), deve remanescer a figura típica substancial geral contida no artigo 299, caput, do Código Penal.

(Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 65573 0000188-69.2011.4.03.6181, DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO, TRF3 - DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:21/08/2018)

A revogação do tipo penal constante do art. 125, XIII, da Lei 6.815/80 não implica extinção da punibilidade da autora da ação, tendo em vista que a conduta em questão constitui mera espécie de prática tipificada no ordenamento pátrio, qual seja, a de prestar ou inserir declaração falsa em documentos (Código Penal, art. 299), de maneira que há continuidade normativo-típica a sustentar a manutenção da sanção penal.

(RvC - REVISÃO CRIMINAL - 1380 0003621-87.2017.4.03.0000, DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI, TRF3 - QUARTA SEÇÃO, e-DJF3 Judicial 1 DATA:25/10/2018)

Com a revogação do Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6.815/80) pela Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017), a conduta de "fazer declaração falsa em processo de transformação de visto, de registro, de alteração de assentamentos, de naturalização, ou para a obtenção de passaporte para estrangeiro, laissez-passer, ou, quando exigido, visto de saída" deixou de configurar o crime específico previsto no art. 125, XIII da Lei nº 6.815/80. No entanto, tal conduta permanece sendo crime, configurando, agora, o delito de falsidade ideológica, constante do artigo 299 do Código Penal.

(Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 77216 0004167-63.2016.4.03.6181, DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI, TRF3 - DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:07/01/2019)

5.1.3 Precedentes judiciais que aplicaram a abolitio criminis

Os dois primeiros precedentes que adotaram a tese de abolitio criminis julgados pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região se deram em sede de embargos de

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