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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR RELATOR JOSÉ PAULO
CALMON NOGUEIRA DA GAMA – TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO
ESPÍRITO SANTO
Autos da notificação para explicações nº 0023847-71.2019.8.08.0000
SERGIO MAJESKI, brasileiro, solteiro, deputado estadual, inscrito no CPF sob o nº
881.387.127-91 e com domicílio profissional na Avenida Américo Buaiz, nº 205, gabinete 602,
Enseada do Suá, Vitória-ES, endereço eletrônico: serjeski@hotmail.com, neste ato
representado por seu advogado abaixo assinado, constituído nos termos do instrumento de
mandato anexo, vem respeitosamente, perante Vossa Excelência, em atenção ao Ofício nº
1380/2019 expedido nos autos em referência, apresentar RESPOSTA ao pedido de explicações
apresentado pelo Ministério Público do Estado do Espírito Santo, na pessoa de seu Procurador
Geral da Justiça, Exmo Sr. Dr. Eder Pontes da Silva, nos termos a seguir delineados.
I.
DOS FATOS.
1.
Trata-se de interpelação, fundada no artigo 144 do Código Penal
1, proposta em
face do Senhor Deputado Estadual, Sergio Majeski, no exercício de seu segundo mandato
parlamentar, em razão de declarações por este exaradas em entrevista concedida no dia 17 de
julho de 2019 ao programa Bom Dia ES da TV Gazeta.
1Art. 144 - Se, de referências, alusões ou frases, se infere calúnia, difamação ou injúria, quem se julga ofendido pode pedir
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2.
Em apertada síntese, sustenta o interpelante que as afirmações prestadas nesta
entrevista pelo interpelado, sobre a aprovação de Projetos de Leis enviados à Assembleia
Legislativa pelo Ministério Público do Estado do Espírito Santo, teriam acusado a ocorrência
de tráfico de influência, conluio e corrupção entre membros do Ministério Público e membros
da Assembleia Legislativa.
3.
Afirmando que tais declarações poderiam a vir configurar crimes contra a honra
das Instituições Ministério Público do Estado do Espírito Santo e Assembleia Legislativa do
Estado do Espírito Santo, o interpelante promoveu a medida judicial, com todas as vênias,
desarrazoada e sem fundamento legal, que é objeto desta resposta.
4.
Entretanto, conforme passaremos a demonstrar, entende-se pela ausência dos
requisitos necessários ao regular prosseguimento da presente demanda, não podendo, dessa
forma, prosperar.
II. DO DIREITO.
II.1. DO DESINTERESSE PROCESSUAL E DA ILEGITIMIDADE DO
MINISTÉRIO PÚBLICO
5.
Pelas transcrições da peça do Ministério Público Estadual, pode-se ver que, para
o órgão em questão, estaria claro que o Deputado Estadual fez “acusações, que se revestem em
ilícitos penais, bem como atentam a reputação e credibilidade de duas instituições, dos seus
representantes legais e ainda de todos os seus membros” (conclusão, diga-se desde já,
equivocada).
6.
Porém, se o MPES já possui suas certezas e já tirou conclusões acerca do
conteúdo do fato (embora equivocadas), não caberia a presente interpelação, conforme decidiu
o Eg. STF em precedente colacionado pelo próprio parquet na interpelação:
Página 3 de 28 “Onde não houver dúvida objetiva em torno do conteúdo moralmente ofensivo das afirmações questionadas ou, então, onde inexistir qualquer incerteza a propósito dos destinatários de tais declarações, aí não terá pertinência nem cabimento a interpelação judicial, pois ausentes, em tais hipóteses, os pressupostos necessários à sua utilização. Doutrina. Precedentes. (STF; Pet-AgR 4.444-4; DF; Tribunal Pleno; Rel. Min. Celso de Mello; Julg. 26/11/2008; DJe 19/12/2008; Pág. 35).
7.
Porém, para viabilizar a interpelação, o MPES afirma que o Deputado Estadual
“não revela quem seriam os partícipes do conluio formado com intuito de se aprovar os
Projetos de Lei, ou mesmo, àqueles que teriam influído para tanto”.
8.
Apenas para retirar a trava que o interpelante busca colocar sobre os olhos do
Poder Judiciário, afirma-se peremptoriamente que o Deputado Estadual jamais falou em
conluio, na entrevista ou em qualquer outra manifestação, termo que reside apenas no texto
apresentado pelo Sindicato dos Advogados, protocolizado perante o órgão ministerial.
9.
Feito o parêntese, é de se ver que, em seu texto, o MPES faz residir seu
interesse-adequação, consubstanciado na dúvida exigida na interpelação, na busca de nomes de pessoas
às quais o Deputado Estadual teria se referido.
10.
Porém, ao mirar o interesse-adequação, o MPES acaba por negar outra
condicionante, qual seja, sua legitimidade para propor a presente interpelação.
11.
Isso é dito, pois, de saída, o MPES não é legítimo para invocar direito alheio em
órbita personalíssima, ainda mais quando a ação é, em regra, penal privada, ou ao menos
pública condicionada nas hipóteses do artigo 142 e 145, do Código Penal.
12.
O que se quer dizer é que o MPES não pode assumir posição processual de
substituir desconhecidos supostamente ofendidos e, pela via da interpelação, fazer investigação
às avessas em nome de terceiros que nunca se disseram lesados com as declarações. Afinal, por
reiteradas vezes, o propósito acusatório penal da interpelação proposta, na forma de cautelar
preparatória, foi indicado em inúmeros parágrafos da inicial.
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13.
E ainda, em razão do exercício da boa-fé processual, caso de fato queira
investigar o Parlamentar, que promova instauração de inquérito policial (se houver algum
indício de crime) e submeta ao Eg. Tribunal Pleno para tanto, em razão da prerrogativa de foro
pelo exercício da função.
14.
Com todas as vênias, não se pode admitir que uma interpelação de caráter
privado seja utilizada como via obscura de investigação, sob pena de se subverter os comandos
do Código Penal e da boa-fé processual. Em melhores palavras, não pode o Ministério Público
querer interpelar para apurar fatos relacionados à ALES ou a membros da ALES – caso queira
investigar, que o faça pelos meios próprios, com transparência, impessoalidade e
imparcialidade.
15.
Referida constatação inclusive foi indicada pela Procuradora Geral em exercício
Elda Márcia Moraes Spedo, em decisão administrativa lavrada em 25 de julho de 2019, cerca de
13 dias antes do aforamento da inicial, e anexada pelo próprio Interpelante, in verbis:
“Com relação ao primeiro, este imputou de forma genérica conluio e ‘corrupção entre membros do Ministério Público e deputados’, e ainda tem potencializado o fato pela imprensa local, o que ofende, de forma genérica e aleatória a coletividade de membros desta instituição, assim considerados em sua honra subjetiva, que é defendida em juízo e fora dele por pessoa jurídica de direito privado constituída sob a forma de Associação na forma da lei civil, a qual é titular, em tese, da pretensão em face da lesão perpetrada (Súmula 227, do STJ – A pessoa jurídica pode sofrer dano moral)”. (Grifos no original).
16.
Com todas as vênias, o conteúdo da referida decisão administrativa feita poucos
dias antes do aforamento dessa Interpelação revela algumas características.
17.
A primeira é a manifesta contradição comportamental e violação tácita à ordem
da Procuradora-Geral de Justiça em exercício e o do Procurador-Geral titular. Isso porque há
decisão expressa da liderança do Parquet afirmando que quaisquer demandas de caráter coletivo
da classe relacionadas ao evento descrito na inicial seriam de interesse da Associação de
membros do Parquet, ao passo que a mesma liderança, em seguida, quando ocupada por outra
pessoa, se valeu do Órgão Público para os mesmos fins.
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18.
A contradição é manifesta e revela a existência de venire contra factum proprium, na
medida em que se violou decisão administrativa emanada pela Procuradora-Geral de Justiça em
exercício diante do comportamento do Procurador-Geral de Justiça titular, quando assinou e
protocolou essa interpelação.
19.
Com todas as vênias, a incidência de comportamento contraditório
necessariamente acarreta ausência de interesse no processamento da demanda, como desde já
se requer seja reconhecido e, caso esse seja o entendimento do Eg. Tribunal Pleno, requer a
extinção da interpelação, por ausência de interesse processual.
20.
A segunda, diante da contradição acima indicada (decisão administrativa versus
comportamento), o que se revela é uma dúvida em relação à unicidade do Órgão Ministerial.
Isso porque o que de fato deve produzir efeitos: uma decisão administrativa ou um
comportamento?
21.
Com as vênias de estilo, todos atos administrativos e processuais devem ser
formalizados e materializados no mundo dos fatos, pelo que a contradição em tela deve colocar
em relevo o seguinte ponto: considerando que foi o próprio Ministério Público quem lançou
aos autos cópia da decisão administrativa da Procuradora-Geral em exercício, e levando-se em
conta que não há outra decisão administrativa indicando a revogação da referida decisão
administrativa, o ato de aforamento da exordial, com todas as vênias, viola a unicidade
característica ao Parquet e, portanto, mais uma vez, indica a ausência de interesse processual,
cujo reconhecimento ora se requer.
22.
Reitere-se, clarifica-se a intenção de o MPES, por meio de sua interpelação, se
colocar no lugar de terceiros indeterminados quando afirma que os relatos do Deputado
Estadual tratariam de um conjecturado “conluio e corrupção entre Membros do Ministério
Público e Deputados Estaduais”.
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23.
O mesmo ocorre quando a peça afirma que as declarações teriam sido “ofensivas
a [sic] imagem do Ministério Público do Estado do Espírito Santo como instituição, bem como
a pessoa de [sic] representante legal, e de seus membros [...]”. (Grifos nossos).
24.
O Deputado Estadual jamais utilizou desses termos ou mesmo os insinuou, basta
uma leitura atenta do anexo da gravação da entrevista ou ainda a mera observação da fala do
Parlamentar no curso da entrevista. Mas, se ao compreender o fato, o MPES, como instituição,
entendeu que os relatos tiveram como destinatários seus membros, e não o órgão, a instituição
ministerial é manifestamente ilegítima para aforar interpelação como a presente.
25.
Não obstante, há outros relevantíssimos óbices ao prosseguimento da presente
interpelação.
26.
Deveras, toda medida preparatória, de natureza cautelar, deve, por força de sua
acessoriedade e instrumentalidade, ter em conta a perspectiva de propositura de uma demanda
principal, que, in casu, aponta-se que seria uma eventual ação penal para apurar a prática de
eventuais delitos contra a honra de calúnia, injuria e difamação.
27.
Ocorre que tais delitos, como é cediço, só podem ter como sujeitos passivos, ou
vitimas, pessoas humanas ou naturais.
28.
Nesse sentido, dentre outros, o seguinte julgado do Colendo STJ:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. DIFAMAÇÃO. PESSOA JURÍDICA. C. PENAL. SÚMULA 83-STJ.
Pela lei em vigor, pessoa jurídica não pode ser sujeito passivo dos crimes contra a honra previstos no C. Penal. A própria difamação, ex vi legis (art. 139 do C. Penal), só permite como sujeito passivo a criatura humana. Inexistindo qualquer norma que permita a extensão da incriminação, nos crimes contra a pessoa (Título I do C. Penal) não se inclui a pessoa jurídica no pólo passivo e, assim, especificamente, (Cap. IV do Título I) só se protege a honra das pessoas físicas. (Precedentes).
Agravo desprovido. (AgRg no Ag 672.522/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 04/10/2005, DJ 17/10/2005, p. 335)
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29.
Não se desconhece que há entendimento do Colendo STF no sentido de que
seria possível, em tese, que a pessoa jurídica seja vítima, apenas e tão somente, de difamação,
em caso de ofensa a sua honra objetiva. (Inquérito 800, Pleno, rel. Carlos Velloso, 10.10.1994,
v.u.).
30.
Todavia, ainda que esse entendimento fosse acertado, e, com todas as vênias, não
é, o precedente em questão só se aplica a difamação de “pessoas jurídicas”, e o Ministério
Público é órgão, ou ente despersonalizado, não se aplicando a ele tais conclusões, e tampouco à
própria Assembleia Legislativa, que também não possui personalidade jurídica própria.
31.
Nesse sentido, o seguinte julgado:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA MOVIDA CONTRA O MINISTÉRIO PÚBLICO. FALTA DE PERSONALIDADE JURÍDICA. ILEGITIMIDADE PASSIVA. O Ministério Público não é dotado de personalidade jurídica, motivo pelo qual é parte ilegítima para compor o pólo passivo em ações ordinárias. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME.
(TJ-RS - AC: 70036528867 RS, Relator: Alexandre Mussoi Moreira, Data de Julgamento: 15/08/2012, Quarta Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 21/08/2012
)
32.
A doutrina de HUGO NIGRO MAZZILLI corrobora o que foi até aqui
delineado:
Como órgão do Estado, embora tenha o Ministério Público capacidade postulatória, não tem personalidade jurídica; assim, a instituição não tem legitimação para suportar no pólo passivo eventuais ações de responsabilidade por danos que seus agentes porventura causem a terceiros. Nesse caso, sendo o Ministério Público um dos órgãos originários do Estado, este é que responderá por eventuais danos que os agentes ministeriais, nessa qualidade, possam eventualmente causar a terceiros. (...)
Somente em situações excepcionais o Ministério público e os demais legitimados ativos à ação civil pública poderão ser réus em ação civil pública ou coletiva. Isso poderá ocorrer quando do ajuizamento de embargos de terceiros, ou ainda quando o executado oponha embargos à execução em ação civil pública. Não fosse assim, neste último caso, p. ex., seria impossível ao executado desconstituir o título executivo inidôneo. Ainda mais uma hipótese: o Ministério Público e os demais co-legitimados poderão ser réus em ação rescisória destinada a atacar a coisa julgada obtida em ação civil pública ou coletiva. (MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 18.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 100/102.)
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33.
O Colendo STJ, inclusive, em recente orientação jurisprudencial, deixou claro que não
há que se falar na ofensa a honra objetiva de ente despersonalizado, para efeito de
condenação em danos morais, como demonstra a seguinte ementa:
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CIVIL E
RESPONSABILIDADE CIVIL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO (SFH). VICIO DE CONSTRUÇÃO. AÇÃO DE REPARAÇÃO AJUIZADA PELO CONDOMÍNIO. ALEGADOS DANOS MORAIS EXPERIMENTADOS PELO ENTE DESPERSONALIZADO. IMPOSSIBILIDADE. AFASTAMENTO DOS DANOS MORAIS. 1
1. Os danos morais estão intrinsecamente ligados aos direitos da personalidade, mas neles não se esgotam, dizendo, pois, especialmente, com a esfera existencial do ser humano, com a sua dignidade.
2. A doutrina dominante reconhece que os condomínios edilícios não possuem personalidade jurídica, sendo, pois, entes despersonalizados; também chamados de entes formais, com a massa falida e o espólio.
3. Não havendo falar em personalidade jurídica, menos ainda se poderá dizer do maltrato a direitos voltados à personalidade e, especialmente, àqueles ligados à honra objetiva.
4. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
(STJ - AgInt no REsp: 1521404 PE 2015/0061485-8, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 24/10/2017, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 06/11/2017)
34.
Dessarte, e na esteira do que vem sendo sustentado, entes despersonificados
não podem ostentar direitos ligados à personalidade jurídica, como a honra objetiva, e,
portanto, não podem, sequer em tese, ser vítimas de crimes contra a honra, inclusive o de
difamação.
35.
Não obstante, por não possuírem personalidade jurídica também não podem
pleitear em juízo a reparação de supostos danos que, em ultima instância, seriam devidos não
ao próprio órgão, mas sim a entidade que integram, in casu, o Estado do Espírito Santo.
36.
Nesse diapasão, confira-se o seguinte julgado:
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE. QUERELA NULLITATIS. MANDADO DE SEGURANÇA. EXISTÊNCIA OU NÃO DO DIREITO À EXTENSÃO DA GRATIFICAÇÃO DE PRODUTIVIDADE. VIOLAÇÃO DO DIREITO AO CONTRADITÓRIO. NULIDADE DO PROCESSO. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE REQUISITOS. INEXISTÊNCIA DE PERSONALIDADE JURÍDICA DA Assembleia LEGISLATIVA. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO À
Página 9 de 28 DEFESA. ADN IMPROCEDENTE. (...) II - A Assembleia Legislativa, como órgão integrante do ente político Estado , não possui personalidade jurídica , mas apenas personalidade judiciária, o que significa que pode estar em juízo apenas para a defesa de suas prerrogativas institucionais, concernentes a sua organização e funcionamento; nos demais casos, deve ser representada em juízo pelo Estado, em cuja estrutura se insere. (...) (TJAM. Relator (a): Wellington José de Araújo; Comarca: N/A; Órgão julgador: N/A; Data do julgamento: 14/03/2016; Data de registro: 16/03/2016)
37.
Todavia, apenas por amor ao debate, poderia o i. Parquet vir a juízo defender a
honra objetiva do Estado do Espírito Santo, ou em nome dele pleitear supostos danos
morais, ainda que se admitisse, para argumentar, que o interpelado tivesse praticado ato ilícito
e não abarcado pela imunidade parlamentar?
38.
É evidente que a resposta é negativa!
39.
O artigo 129, inciso IX da Constituição Federal é claro ao prescrever que ao
Ministério Público “é vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de
entidades públicas.”.
40.
Ademais, como é cediço, em se tratando de difamação, “a caracterização do
crime requer, ainda, a individualização da pessoa cuja honra o agente pretende ofender, já que
'palavras ou expressões ofensivas que não atinjam pessoa certa e determinada, não
podem configurar os delitos de injúria e difamação, porque a expressão alguém é
elementar dos tipos penais' (STJ, 6ª Turma, HC/PR nº 30095/GO, Rel. Min. Paulo Medina,
DJ 25.10.2004).
41.
Logo, se o próprio Parquet assevera, in statu assertionis, que teria ocorrido ofensa
“de forma genérica e aleatória a coletividade de membros desta instituição”, resta evidente que não há,
também, qualquer possibilidade de se pretender imputar ao interpelado a prática de tal delito,
ainda que o mesmo tivesse, de fato, realizado as condutas que lhe foram imputadas.
42.
Por fim, o próprio E. TJES já decidiu que: “tanto o Superior Tribunal de Justiça
quanto este Egrégio Tribunal têm o entendimento no sentido de que não se traduz em
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exercício abusivo do direito de livre expressão a atuação que esteja restrita ao campo
narrativo (animus narrandi) ou a crítica prudente (animus criticandi). (TJ-ES - EI:
00035314320118080024, Relator: FABIO CLEM DE OLIVEIRA, Data de Julgamento:
13/04/2016, SEGUNDO GRUPO CÂMARAS CÍVEIS REUNIDAS, Data de Publicação:
17/05/2016), o que torna ainda mais incompreensível a presente interpelação, tudo isso sem
considerar a imunidade constitucional que socorre ao interpelado, da qual adiante trataremos.
II.2 – A GARANTIA CONSTITUCIONAL DA IMUNIDADE
PARLAMENTAR MATERIAL
43.
A Constituição do Estado do Espírito Santo prevê em seu artigo 51 a imunidade
parlamentar de deputado estadual:
Art. 51 O Deputado é inviolável, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.
44.
Da mesma forma, por simetria, também é essa a redação do art. 53 da
Constituição Federal.
45.
Relembrando o histórico, a nova redação dada pela EC nº 35/2001 ao art. 53,
“caput”, da Constituição da República e pela EC nº 34/2001 ao art. 51, “caput”, da
Constituição Estadual, excluíram, na hipótese nela referida, a própria natureza delituosa do
fato que, de outro modo, tratando-se do cidadão comum, qualificar-se-ia como crime contra a
honra, impedindo a responsabilização penal e/ou civil do membro do Parlamento.
46.
Vale registrar que a inviolabilidade da regra constitucional não traz nenhuma
condicionante, da forma que não importa em qual lugar do território nacional o parlamentar
que estiver exercendo sua função parlamentar, estará resguardado, não praticando qualquer
crime por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos, permitindo-lhe o amplo exercício da
liberdade de expressão.
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47.
Se se tratar de opiniões, palavras e votos emitidos no exercício da função
parlamentar, haverá irresponsabilidade, sob pena de transmudá-la em não garantia.
248.
Se cada caso fosse levado aos tribunais para que o Poder Judiciário avaliasse se é
ou não fato cabível no âmbito da inviolabilidade parlamentar, se há crime ou não, se é caso de
processamento ou não, os parlamentares estariam em posição de extrema vulnerabilidade –
seria uma espécie de inviolabilidade tão-somente em função das manifestações que não
constituem crimes –, em outras palavras, não haveria inviolabilidade parlamentar.
349.
O Supremo Tribunal Federal, no mesmo sentido, tem se manifestado pela
proteção da garantia fundada em norma constitucional:
“MEMBRO DO CONGRESSO NACIONAL. ENTREVISTA
JORNALÍSTICA CONCEDIDA A EMISSORA DE RÁDIO. AFIRMAÇÕES
REPUTADAS MORALMENTE OFENSIVAS. PRETENDIDA
RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DA CONGRESSISTA POR SUPOSTA PRÁTICA DE CRIME CONTRA A HONRA. IMPOSSIBILIDADE. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DISPENSADA AO INTEGRANTE DO PODER LEGISLATIVO. IMUNIDADE PARLAMENTAR MATERIAL (CF, ART. 53, ‘CAPUT’). ALCANCE DESSA GARANTIA CONSTITUCIONAL. TUTELA QUE SE ESTENDE ÀS OPINIÕES, PALAVRAS E PRONUNCIAMENTOS, INDEPENDENTEMENTE DO ‘LOCUS’ (ÂMBITO ESPACIAL) EM QUE PROFERIDOS, ABRANGENDO AS ENTREVISTAS JORNALÍSTICAS, AINDA QUE CONCEDIDAS FORA DAS DEPENDÊNCIAS DO PARLAMENTO, DESDE QUE TAIS MANIFESTAÇÕES GUARDEM PERTINÊNCIA COM O EXERCÍCIO DO MANDATO REPRESENTATIVO. O ‘TELOS’ DA GARANTIA CONSTITUCIONAL DA IMUNIDADE PARLAMENTAR. DOUTRINA. PRECEDENTES. INADMISSIBILIDADE, NO CASO, DA PRETENDIDA PERSECUÇÃO PENAL POR DELITOS CONTRA A HONRA EM FACE DA INVIOLABILIDADE CONSTITUCIONAL QUE AMPARA OS MEMBROS DO CONGRESSO NACIONAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO PENAL.”
2VERONESE, Osmar. Inviolabilidade parlamentar: do senador ao vereador. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p.83. 3VERONESE, Osmar. Op. Cit., p.83.
Página 12 de 28 (Inq 2.330/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
“O Supremo Tribunal Federal tem acentuado que a prerrogativa constitucional da imunidade parlamentar em sentido material protege o congressista em todas as suas manifestações que guardem relação com o exercício do mandato, ainda que produzidas fora do recinto da própria Casa Legislativa (RTJ 131/1039 – RTJ 135/509 – RT 648/318) ou, com maior razão, quando exteriorizadas no âmbito do Congresso Nacional (RTJ 133/90). (…).”
(RTJ 155/396-397, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)
50.
Da mesma forma, o Eminente Des. Pedro Valls Feu Rosa de nossa Egrégia Corte
Estadual decidiu recentemente caso análogo de Deputado Estadual:
Notificação para Explicações Nº 0025890-49.2017.8.08.0000 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESPÍRITO SANTO NOFTE OCTACIANO GOMES DE SOUZA NETO Advogado(a) FELIPE CAETANO FERREIRA 11142 - ES
Advogado(a) FRANCISCO DE ASSIS ARAUJO HERKENHOFF 6590 - ES Advogado(a) LEONARDO BARROS SOUZA 9180 - ES
NOFDO EUCLERIO SAMPAIO DES. PEDRO VALLS FEU ROSA
Cuidam os autos de interpelação judicial formulada por OCTACIANO GOMES DE SOUZA NETO, com fundamento no art. 144 do Código Penal, em face de EUCLERIO SAMPAIO, Deputado Estadual. O interpelante noticia que o interpelado, em pronunciamentos feitos nas sessões da Assembleia Legislativa do Estado do Espírito Santo, promove referências e alusões que podem inferir em calúnia e difamação acerca de sua atuação à frente da Secretaria de Estado da Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca do Governo do Estado do Espírito Santo.
Diante de tais elementos, necessita esclarecer diversos pontos acerca das alegações ventiladas pelo interpelado.
Em despacho proferido às fls. 31, determinei a notificação do interpelado para apresentar as explicações requeridas. Notificado, o interpelado apresentou seus esclarecimento, bem como protocolizou diversos documentos para sustentar suas alegações.
Importante salientar que a interpelação criminal é instrumento de natureza cautelar, visando, a preparação de eventual ação pena principal a ser proposta.
Tem, portanto, caráter facultativo, cujo objetivo vincula-se a esclarecer dubiedade, equivocidade ou ambiguidade de alegações formuladas para servir de base para a instauração de ação penal.
Página 13 de 28 Nesse sentido é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: “O pedido de explicações constitui típica providência de ordem cautelar destinada a aparelhar ação penal principal tendente a sentença penal condenatória. O interessado, ao formulá-lo, invoca, em juízo, tutela cautelar penal, visando a que se esclareçam situações revestidas de equivocidade, ambigüidade ou dubiedade, a fim de que se viabilize o exercício futuro de ação penal condenatória. A notificação prevista no Código Penal (art. 144) (…) traduz mera faculdade processual, sujeita à discrição do ofendido. E só se justifica na hipótese de ofensas equívocas.” (RTJ 142/816, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
Quadra registrar que o procedimento da interpelação não permite neste momento, qualquer avaliação do conteúdo das explicações prestadas, sendo inclusive permitido ao interpelado não prestar esclarecimentos.
Nesse sentido o professor JULIO FABBRINI MIRABETE expõe em sua obra “Código Penal Interpretado”, p. 1.138, 5ª ed.,2005, Atlas), os pressupostos legitimadores da utilização do pedido de explicações em juízo: “O pedido de explicações previsto no art. 144 é uma medida preparatória e facultativa para o oferecimento da queixa, quando, em virtude dos termos empregados ou do sentido das frases, não se mostra evidente a intenção de caluniar, difamar ou injuriar, causando dúvida quanto ao significado da manifestação do autor, ou mesmo para verificar a que pessoa foram dirigidas as ofensas.
Cabe, assim, nas ofensas equívocas, e não nas hipóteses em que, à simples leitura, nada há de ofensivo à honra alheia ou, ao contrário, quando são evidentes as imputações caluniosas, difamatórias ou injuriosas.” (grifei)
Ultrapassados esses esclarecimentos, verifica-se que a interpelação judicial foi oferecida em desfavor de membro do Legislativo Estadual, o qual é detentor de imunidade parlamentar em sentido material.
O artigo 51 da Constituição do Estado do Espírito Santo prevê a imunidade material do deputado estadual: Art. 51. O Deputado é inviolável, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. Vale ressaltar que a inviolabilidade inerente a tal dispositivo não possui condicionantes, em especial quando o detentor de especial prerrogativa encontra-se na bancada da Casa Legislativa.
Nesse sentido já se pronunciou o Pretório Excelso: MEMBRO DO CONGRESSO NACIONAL. ENTREVISTA JORNALÍSTICA CONCEDIDA A EMISSORA DE RÁDIO. AFIRMAÇÕES REPUTADAS MORALMENTE OFENSIVAS. PRETENDIDA RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DA CONGRESSISTA POR SUPOSTA PRÁTICA DE CRIME CONTRA A HONRA. IMPOSSIBILIDADE. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DISPENSADA AO INTEGRANTE DO PODER LEGISLATIVO. IMUNIDADE PARLAMENTAR MATERIAL (CF, ART. 53, ‘CAPUT’). ALCANCE DESSA GARANTIA CONSTITUCIONAL. TUTELA QUE SE
Página 14 de 28 INDEPENDENTEMENTE DO ‘LOCUS’ (ÂMBITO ESPACIAL) EM QUE PROFERIDOS, ABRANGENDO AS ENTREVISTAS JORNALÍSTICAS, AINDA QUE CONCEDIDAS FORA DAS DEPENDÊNCIAS DO PARLAMENTO, DESDE QUE TAIS MANIFESTAÇÕES GUARDEM PERTINÊNCIA COM O EXERCÍCIO DO MANDATO REPRESENTATIVO. O ‘TELOS’ DA GARANTIA CONSTITUCIONAL DA IMUNIDADE PARLAMENTAR. DOUTRINA. PRECEDENTES. INADMISSIBILIDADE, NO CASO, DA PRETENDIDA PERSECUÇÃO PENAL POR DELITOS CONTRA A HONRA EM FACE DA INVIOLABILIDADE CONSTITUCIONAL QUE AMPARA OS MEMBROS DO CONGRESSO NACIONAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO PENAL.” (Inq 2.330/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
“O Supremo Tribunal Federal tem acentuado que a prerrogativa constitucional da imunidade parlamentar em sentido material protege o congressista em todas as suas manifestações que guardem relação com o exercício do mandato, ainda que produzidas fora do recinto da própria Casa Legislativa (RTJ 131/1039 – RTJ 135/509 – RT 648/318) ou, com maior razão, quando exteriorizadas no âmbito do Congresso Nacional (RTJ 133/90). (...).” (RTJ 155/396-397, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)
A cláusula de inviolabilidade visa conferir efetiva proteção ao parlamentar no exercício pleno do seu mandato.
Diante de todos esses argumentos observa-se que a imunidade material ora tratada exclui a responsabilidade penal do parlamentar, não podendo ser intentada ação penal em face das palavras ditas no exercício do mandato que lhe foi conferido pelo povo.
Assim, se incabível o instrumento processual principal, incabível também o instrumento preparatório, já que amparado o interpelado pela cláusula constitucional da imunidade parlamentar em sentido material.
Em recente julgado proferido pelo Supremo Tribunal Federal, da lavra do Ministro Celso de Mello nos autos da ação cautelar nº 3883: “Cabe registrar, finalmente, que, por não se revelar cabível a instauração de processo de natureza penal ou de caráter civil (indenização) contra os congressistas (como a interpelanda) “por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos” – porque amparados pela garantia constitucional da imunidade parlamentar em sentido material –, tornase juridicamente inviável a própria formulação, contra eles, do pedido de explicações.
É que – não custa rememorar – o pedido de explicações qualifica-se como verdadeira ação de natureza cautelar destinada a viabilizar o exercício ulterior de ação principal (tanto a ação penal quanto a ação de indenização civil), cumprindo, desse modo, a interpelação judicial uma típica função instrumental inerente às providências processuais revestidas de cautelaridade.
Página 15 de 28 Não se desconhece que entre o pedido de explicações em juízo, de um lado, e a causa principal, de outro, há uma evidente relação de acessoriedade, pois a medida a que alude o art. 144 do Código Penal reveste-se, como precedentemente salientado, de um nítido caráter de instrumentalidade. Tal observação impõe-se, porque a incidência da imunidade parlamentar material – por tornar inviável o ajuizamento da ação penal de conhecimento e da ação de indenização civil, ambas de índole principal – afeta a possibilidade jurídica de formulação e, até mesmo, de processamento do próprio pedido de explicações, em face da natureza meramente acessória de que se reveste tal providência de ordem cautelar.
Em uma palavra: onde não couber a responsabilização penal e/ou civil do congressista por delitos contra a honra, porque amparado pela garantia constitucional da imunidade parlamentar material, aí também não se viabilizará a utilização, contra ele, da medida cautelar da interpelação judicial, porque juridicamente destituída de consequências tanto no âmbito criminal quanto na esfera civil.” Assim, não vejo como dar prosseguimento à presente ação cautelar.
Contudo, verifico que o interpelado apresentou diversos documentos com informações acerca de possíveis irregularidades supostamente praticadas pelo interpelante.
Além da resposta formal à presente interpelação, o notificado, Deputado Estadual Euclério Sampaio, fez constar diversas representações criminais, pedidos de providências, dentre outros, noticiando crimes tais quais: fraude em certame, prevaricação, tráfico de influência e corrupção (fls. 34/43), organização criminosa, fraude à licitação, lavagem de dinheiro, abuso de poder econômico em âmbito eleitoral (fls. 79/89); fraude processual, peculato (fls. 108/133), que se repetem às fls. 309/333, 374/398, 419/439, 454/455, 471/490 e 498/536, por parte do Secretário de Estado Octaciano Gomes de Souza Neto e outros agentes políticos.
Desta feita, diante do conteúdo dos documentos, determino a extração integral de cópias ao Ministério Público Estadual, à Procuradoria-Geral de Justiça do Estado do Espírito Santo e ao Ministério Público Federal para análise e adoção das providências que entender cabíveis. Intimem-se. Após o cumprimento das determinações acima, restituam-se os autos ao notificante.
51.
Ainda, segundo o STF: “
Cabe destacar
, ainda,
notadamente
em face do contexto
ora em exame,
que a garantia constitucional
da imunidade parlamentar material
também estende
o seu manto protetor
(1)
às entrevistas jornalísticas
,
(2)
à transmissão
, para a imprensa, do
conteúdo de pronunciamentos ou de relatórios produzidos nas Casas Legislativas (RTJ 172/400-401, Rel.
Min. ILMAR GALVÃO) e
(3)
às declarações
veiculadas
por intermédio
dos “mass media” ou dos
“social media ” (RTJ 187/985, Rel. Min. NELSON JOBIM), eis que – tal como bem realçado por
ALBERTO ZACHARIAS TORON (“Inviolabilidade Penal dos Vereadores”, p. 247, 2004, Saraiva) –
esta Suprema Corte
tem reafirmado
“(...) a importância do debate,
pela mídia
, das questões políticas
Página 16 de 28
protagonizadas pelos mandatários”,
além de haver enfatizado
“a ideia de que
as declarações à
imprensa
constituem o prolongamento natural
do exercício das funções parlamentares,
desde
que
se relacionem com estas”
(grifei)
.”
52.
Cumpre aqui verificar que o precedente acima exclui, até mesmo, a emissão de
opinião nas mídias modernas, fazendo falir o trecho da interpelação respondida, que diz:
“Por fim, ainda deve ser destacado que a entrevista concedida ao telejornal Bom Dia ES, da Rede de Televisão TV Gazeta, está sendo amplamente divulgada pelo interpelado, inclusive, através [sic] das suas mídias sociais pessoais, com o claro intuito de ofender a imagem dos agentes, e macular a honra objetiva alheia dos mesmos, em evidente extrapolação da sua atividade política, e, consequentemente, da sua imunidade parlamentar”.
53.
Assim, a veiculação virtual das opiniões também não exclui a imunidade
parlamentar.
54.
Fica reforçado, então, que a imunidade parlamentar, “visa proteger o parlamentar
de processos tendenciosos e prisões arbitrárias, buscando impedir o
processamento-perseguição político, a trama armada contra o parlamentar, destinada “...a expô-lo à execração
pública, a atemorizá-lo e até afastá-lo do Parlamento”.”
4II.3 – DA INTERPELAÇÃO JUDICIAL. PRESSUPOSTOS E
FUNÇÃO. ACESSORIEDADE E INVIABILIDADE DA AÇÃO
PENAL
55.
O pedido de explicações tem natureza cautelar destinado a aparelhar ação
penal principal, sendo cabível nas modalidades de crimes contra a honra, é de caráter facultativo
e só se justifica nas situações de equivocidade, ambiguidade ou dubiedade.
56.
Considerando a imunidade parlamentar material tratada anteriormente que exclui
a responsabilização do parlamentar, seja civil, penal ou administrativamente, tornando inviável
o ajuizamento de ação judicial contra suas manifestações no exercício de suas funções
Página 17 de 28
parlamentares no decorrer de seu mandato, inviável também será esta medida que ora pretende
o requerente.
57.
Em julgamento recente na Suprema Corte, o Ministro Relator Celso de Mello,
nos autos da Petição nº 8.199/DF de 21/05/2019, conclui:
“Onde não couber a responsabilização penal e/ou civil do congressista por delitos contra a honra, porque amparado pela garantia constitucional da imunidade parlamentar material, aí também não se viabilizará a utilização, contra ele, da medida cautelar da interpelação judicial, porque juridicamente destituída de consequências tanto no âmbito criminal quanto na esfera civil.
Esse entendimento – que acentua o caráter de instrumentalidade, de acessoriedade e de consequente dependência da interpelação judicial – encontra apoio em autorizado magistério doutrinário (DAMÁSIO E. DE JESUS, “Direito Penal: Parte Especial”, vol. 2/235, item n. 4, 26ª ed., 2004, Saraiva; JULIO FABBRINI MIRABETE, “Código Penal Interpretado”, p. 1.139, item n. 144.1, 5ª ed., atualizada por Renato N. Fabbrini, 2005, Atlas; FERNANDO CAPEZ, “Curso de Direito Penal: Parte Especial”, vol. 2/268, item n. 4, “d”, 2ª ed., 2003, Saraiva; FREDERICO ABRAHÃO DE OLIVEIRA, “Crimes contra a Honra”, p. 100, item n. 2.4.2, 2ª ed., 1996, Sagra-Luzzatto), valendo referir, no ponto, ante a extrema pertinência de suas observações, a lição de CELSO DELMANTO, ROBERTO DELMANTO, ROBERTO DELMANTO JÚNIOR e FÁBIO M. DE ALMEIDA DELMANTO (“Código Penal Comentado”, p. 287, 5ª ed., 2000, Renovar): “ Entendemos que o pedido de explicações pressupõe a viabilidade de uma futura ação penal. Por isso, não se pode admitir a interpelação se, por exemplo, a eventual ofensa está acobertada pela exclusão do crime (CP, art. 142) ou a punibilidade já se acha extinta (CP, art. 107).” (grifei)”
58.
Dessa forma, resta claro, em face das razões expostas, que revela-se inadmissível
a presente interpelação judicial, entendendo-se pela não possibilidade ao seu regular
prosseguimento.
Página 18 de 28
II.4 DOS PRECEDENTES ERGUIDOS COMO PARADIGMA, QUE
BUSCAM RELATIVIZAR A IMUNIDADE PARLAMENTAR.
59.
O parquet utiliza alguns precedentes para i) buscar viabilizar a interpelação judicial,
apontando um suposto interesse, na modalidade adequação da própria interpelação e ii) buscar
viabilizar a interpelação, apontando um suposto interesse, na modalidade necessidade, ou
mesmo a possibilidade do pedido, da suposta ação penal que diz pretender.
60.
Sobre os precedentes referentes ao i) interesse-adequação da interpelação, invoca
os julgados TRF 1ª Região Pet 0001433-44.2018.4.01.0000 e TJGO IntJud
80371-95.2018.8.09.0000, matéria acerca da qual os argumentos tecidos nos itens precedentes já são
suficientes.
61.
Já sobre os precedentes referentes ao ii) interesse-necessidade, ou possibilidade
do pedido, da ação futura, foram invocados os julgados STF Pet-AgR 4.444-4, STF Pet 6156 e
TJMG APCR 1.0301.15.013841-2.
62.
Para esses paradigmas são necessárias algumas digressões, porque buscam
relativizar a prerrogativa do Deputado Estadual, o que deve ser tratado cum grano salis.
63.
O primeiro julgado tem a seguinte ementa:
26/11/2008TRIBUNAL PLENO
AG.REG.NA PETIÇÃO 4.444-4 DISTRITO FEDERAL RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO
AGRAVANTE(S): MÁRCIO ARAÚJO DE LACERDA
ADVOGADO(A/S):ANDRÉ RODRIGUES COSTA OLIVEIRA E OUTRO(A/S) AGRAVADO(A/S):LEONARDO QUINTÃO
E M E N T A: INTERPELAÇÃO JUDICIAL - PEDIDO DE EXPLICAÇÕES AJUIZADO CONTRA DEPUTADO FEDERAL (CP, ART. 144) – POSSIBILIDADE DESSA MEDIDA CAUTELAR, NÃO OBSTANTE A GARANTIA DA IMUNIDADE PARLAMENTAR, POR SE TRATAR DE CONGRESSISTA-CANDIDATO – IMPUTAÇÕES ALEGADAMENTE OFENSIVAS - AUSÊNCIA, NO ENTANTO, DE DUBIEDADE, EQUIVOCIDADE OU AMBIGÜIDADE – INEXISTÊNCIA DE DÚVIDA OBJETIVA EM TORNO DO CONTEÚDO MORALMENTE OFENSIVO DAS
Página 19 de 28 AFIRMAÇÕES - INVIABILIDADE JURÍDICA DO AJUIZAMENTO DA INTERPELAÇÃO JUDICIAL, POR FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO.
COMPETÊNCIA PENAL ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA O PEDIDO DE EXPLICAÇÕES.
- A competência penal originária do Supremo Tribunal Federal, para processar pedido de explicações em juízo, deduzido com fundamento no Código Penal (art. 144), somente se concretizará quando o interpelado dispuser, “ratione muneris”, da prerrogativa de foro, perante a Suprema Corte, nas infrações penais comuns (CF, art. 102, I, “b” e “c”).
PEDIDO DE EXPLICAÇÕES CONTRA PARLAMENTAR QUE É CANDIDATO: POSSIBILIDADE DE SEU AJUIZAMENTO.
- A garantia constitucional da imunidade parlamentar em sentido material (CF, art. 53, “caput”) – destinada a viabilizar a prática independente, pelo membro do Congresso Nacional, do mandato legislativo de que é titular – não se estende ao congressista, quando, na condição de candidato a qualquer cargo eletivo, vem a ofender, moralmente, a honra de terceira pessoa, inclusive a de outros candidatos, em pronunciamento motivado por finalidade exclusivamente eleitoral, que não guarda qualquer conexão com o exercício das funções congressuais. Precedentes. - O postulado republicano – que repele privilégios e não tolera discriminações – impede que o parlamentar –candidato tenha, sobre seus concorrentes, qualquer vantagem de ordem jurídico-penal resultante da garantia da imunidade parlamentar, sob pena de dispensar-se, ao congressista, nos pronunciamentos estranhos à atividade legislativa, tratamento diferenciado e seletivo, capaz de gerar, no contexto do processo eleitoral, inaceitável quebra da essencial igualdade que deve existir entre todos aqueles que, parlamentares ou não, disputam mandatos eletivos. Precedentes: Inq 1.400-QO/PR, Rel. Min. CELSO DE MELLO (Pleno), v.g..
- Conseqüente possibilidade jurídica de o congressista- -candidato sofrer, em tese, interpelação judicial para os fins e efeitos a que se refere o art. 144 do Código Penal, desde que atendidos os requisitos que condicionam a formulação do pedido de explicações em juízo.
NATUREZA E FINALIDADE DO PEDIDO DE EXPLICAÇÕES EM JUÍZO. - O pedido de explicações constitui típica providência de ordem cautelar, destinada a aparelhar ação penal principal tendente a sentença penal condenatória. O interessado, ao formulá-lo, invoca, em juízo, tutela cautelar penal, visando a que se esclareçam situações revestidas de equivocidade, ambigüidade ou dubiedade, a fim de que se viabilize o exercício futuro de ação penal condenatória.
A notificação prevista no Código Penal (art. 144) traduz mera faculdade processual sujeita à discrição do ofendido. E só se justifica na hipótese de ofensas equívocas.
- O pedido de explicações em juízo acha-se instrumentalmente vinculado à necessidade de esclarecer situações, frases ou expressões, escritas ou verbais, caracterizadas por sua dubiedade, equivocidade ou ambigüidade. Ausentes esses requisitos condicionadores de sua formulação, a interpelação judicial, porque desnecessária, revela-se processualmente inadmissível.
- Onde não houver dúvida objetiva em torno do conteúdo moralmente ofensivo das afirmações questionadas ou, então, onde inexistir qualquer incerteza a propósito dos destinatários de tais declarações, aí não terá pertinência nem cabimento a interpelação judicial, pois ausentes, em tais hipóteses, os pressupostos necessários à sua utilização. Doutrina. Precedentes.
Página 20 de 28 Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro Gilmar Mendes, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos e nos termos do voto do Relator, em negar provimento ao recurso de agravo. Ausentes, licenciado, o Senhor Ministro Joaquim Barbosa e, neste julgamento, o Senhor Ministro Marco Aurélio e a Senhora Ministra Ellen Gracie.
Brasília, 26 de novembro de 2008.
64.
Nesse julgado utilizado como paradigma é de se ver que o substrato fático não se
coaduna com aquele exposto pelo Ministério Público Estadual no presente caso.
65.
De acordo com o precedente, a guarda da imunidade parlamentar só foi baixada
porque o congressista era, concomitantemente, candidato [do inteiro teor do julgado: “
Essa é a
razão
pela qual
não incide
, na espécie,
a garantia
da imunidade parlamentar em sentido material (o
requerido,
embora
congressista,
é candidato
),
o que torna possível
, analisada a questão
sob essa
específica
perspectiva,
o conhecimento
da presente ‘interpelação criminal’”].
66.
Em razão disso, a imunidade relativizada, por assim dizer, não foi do deputado
em si, mas do candidato que, abusando da prerrogativa, fez pender o equilíbrio que deve haver
entre os direitos dos candidatos de uma eleição (“O postulado republicano – que repele
privilégios e não tolera discriminações – impede que o parlamentar-candidato tenha,
sobre seus concorrentes”).
67.
A ementa, por si, já é clara, por só admitir a “POSSIBILIDADE DESSA
MEDIDA CAUTELAR, NÃO OBSTANTE A GARANTIA DA IMUNIDADE
PARLAMENTAR, POR SE TRATAR DE CONGRESSISTA-CANDIDATO”.
68.
Além disso, para retirar o véu da imunidade, a palavra deve ser usada pelo
congressista-candidato para fim eleitoral e sem guardar relação com o mandato:
“A garantia constitucional da imunidade parlamentar em sentido material (CF, art. 53, “caput”) – destinada a viabilizar a prática independente, pelo membro do Congresso Nacional, do mandato legislativo de que é titular – não se estende ao congressista, quando, na condição de candidato a qualquer cargo eletivo, vem a ofender, moralmente, a honra de terceira pessoa, inclusive a de outros candidatos, em pronunciamento motivado por finalidade exclusivamente eleitoral, que não guarda qualquer conexão com o exercício das funções congressuais”.
Página 21 de 28
69.
O afastamento dos casos é óbvio porque, como diz o relatório do julgado,
naquele momento “tanto o interpelante quanto o interpelado são, atualmente, candidatos ao cargo de Prefeito do
Município de Belo Horizonte, no pleito de 2008, em sua disputa de 2º Turno”.
70.
No caso do aqui interpelado, não há contexto ou disputa eleitoral aptos a afastar a
imunidade parlamentar do Deputado Estadual, nem poderia haver, seja pela natureza do MPES,
seja pelo ano corrente, no qual foram proferidas as opiniões (hiato entre as eleições presidenciais de
2018 e municipais de 2019).
71.
Por outro lado, o inteiro teor do voto condutor afirma que a condição de
deputado inviabiliza “por si só” a interpelação, não fosse a variável do contexto eleitoral
(existente apenas no paradigma, e não aqui):
O fato de o ora requerido ostentar a condição de Deputado Federal poderia inviabilizar, só por si, a formulação da presente ‘interpelação criminal’, eis que inadmissível, contra os congressistas, a instauração de processo de natureza penal ou de caráter civil, ‘por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos’ (CF, art. 53, ‘caput’).
72.
O entendimento antecipa, até mesmo, a inviabilidade da suposta e futura ação
penal quando o Deputado não está em contexto eleitoral, ligando a impossibilidade da
interpelação em razão da impossibilidade de procedência da ação penal contra deputado
agraciado pela imunidade:
Tal observação se impõe, porque a incidência da imunidade parlamentar material - por tornar inviável o ajuizamento da ação penal de conhecimento e da ação de indenização civil, ambas de índole principal - afeta a possibilidade jurídica de formulação e, até mesmo, de processamento do próprio pedido de explicações, em face da natureza meramente acessória de que se reveste tal providência de ordem cautelar, tal como esta Suprema Corte tem reiteradamente proclamado e advertido (Pet 3.205/DF, Rel. Min. EROS GRAU – Pet 3.585/DF, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI – Pet 3.588/DF, Rel. Min. NELSON JOBIM - Pet 3.686/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – Pet 4.199/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
73.
Partindo para outro julgado utilizado pelo MPES, trata-se do precedente STF Pet
6156 ementado da seguinte maneira:
Página 22 de 28 Queixa-crime. Ação penal privada. Competência originária. Crimes contra a honra. Calúnia. Injúria. Difamação. 2. Art. 53 da Constituição Federal. Imunidade parlamentar material. A imunidade é absoluta quanto às manifestações proferidas no interior da respectiva casa legislativa. O parlamentar também é imune em relação a manifestações proferidas fora do recinto parlamentar, desde que ligadas ao exercício do mandato. Precedentes. Possível reinterpretação da imunidade material absoluta, tendo em vista a admissão de acusação contra parlamentar em razão de palavras proferidas no recinto da respectiva casa legislativa, mas supostamente dissociadas da atividade parlamentar – PET 5.243 e INQ 3.932, rel. min. Luiz Fux, julgados em 21.6.2016. Caso concreto em que, por qualquer ângulo que se interprete, as declarações estão abrangidas pela imunidade. Declarações proferidas pelo Deputado Federal querelado no Plenário da Câmara dos Deputados. Palavras proferidas por ocasião da prática de ato tipicamente parlamentar – voto acerca da autorização para processo contra a Presidente da República. Conteúdo ligado à atividade parlamentar. 3. Absolvição por atipicidade da conduta. (Pet 6156, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 30/08/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-207 DIVULG 27-09-2016 PUBLIC 28-09-2016)
74.
O julgado acima foi utilizado pelo MPES no intuito de afirmar que declarações
dadas fora do contexto do mandato não estão albergadas pela imunidade. Porém, no
paradigma, o Eg. STF concluiu que as afirmações dadas pelo deputado federal réu naquele
processo se deram no exercício da atividade parlamentar. E como se isso não fosse o suficiente,
a entrevista objeto dos autos foi concedida dentro da Casa Legislativa, sobre um projeto de lei
votado, em que o Parlamentar demonstrava sua irresignação em relação à atividade legislativa
desenvolvida sobre referido projeto. Com todas as vênias, impossível se cogitar que os atos
praticados exacerbam as funções parlamentares do Expoente.
75.
E qual foi o ato do deputado federal naquele processo, considerado legal pelo Eg.
STF? Justamente a fundamentação de seu voto, as razões pelas quais proferiu voto contrário
quando chamado a se manifestar.
76.
Ao se ler o voto condutor do STF Pet. 6156, observa-se
“[...] As palavras do querelado criticaram o processo de acusação da Mandatária, assim como as pessoas nele envolvidas.
O querelante foi alvo dos impropérios precisamente por ser, na qualidade de Presidente da Câmara dos Deputados, a autoridade responsável por receber a denúncia popular e encaminhá-la à deliberação legislativa. O nexo de conteúdo entre a atividade parlamentar e a manifestação resta muito claro”.
Página 23 de 28
77.
O caso da presente interpelação é mais brando que o julgado pelo STF: o
Deputado Federal réu no STF Pet. 6156 acusou seu par de agir em “conjunto com
‘torturadores, covardes, analfabetos políticos e vendidos’”, ter o “apoio de ‘torturadores,
covardes, analfabetos políticos e vendidos’” e ser “’ladrão’ e ‘canalha’”.
78.
Embora tenha atuado estritamente em sua atividade parlamentar tanto quanto o
deputado federal acima, o interpelado jamais proferiu ditos impropérios, nem mesmo
semelhantes, mantendo também o necessário decoro.
79.
Afinal, o que pode ser mais relacionado à atividade legislativa que votar uma lei,
debater com os pares sobre seus votos, argumentar e dar justificativas e opiniões ao eleitorado
sobre os textos normativos votados? E mais, dar entrevista na condição de Deputado Estadual,
dentro da Assembléia Legislativa?
80.
A única diferença entre os dois casos é o local onde foram proferidas as palavras:
lá (STF Pet. 6156), plenário; aqui, entrevista (meio legítimo de conexão entre o parlamentar e o
povo, a quem deve prestar contas).
81.
Porém, essa diferença é desimportante quando a natureza das declarações é
relacionada ao voto, ponto resolvido pelo mesmo precedente STF Pet. 6156 invocado pelo
MPES, sendo afirmada a imunidade “em relação a manifestações proferidas fora do recinto
parlamentar, desde que ligadas ao exercício do mandato“.
82.
Então, tanto lá (STF Pet. 6156), como aqui, “por qualquer ângulo que se
interprete, as declarações estão abrangidas pela imunidade”.
83.
O mesmo ocorre para o caso do TJMG:
EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - QUEIXA-CRIME - CRIMES CONTRA A HONRA - CALÚNIA, DIFAMAÇÃO E INJÚRIA - MANIFESTAÇÃO NO ÂMBITO DA ATUAÇÃO FISCALIZATÓRIA DO QUERELADO - IMUNIDADE PARLAMENTAR MATERIAL - DOLO ESPECÍFICO NÃO
Página 24 de 28 - A responsabilização criminal do querelado quando acobertado pela imunidade parlamentar material só deverá subsistir se constatado que suas declarações ultrapassaram o âmbito de sua atuação política revelando o intuito precípuo de desonrar o querelante, imputando-lhe falsamente a prática de crime, ofendendo-lhe ou maculando sua reputação.
- Para a configuração do delitos contra a honra, imperioso estar a ação direcionada a um determinado fim de agir, consistente na intenção de ofender, de magoar, de macular a honra objetiva alheia, ou seja, o agente deve atuar imbuído de animus caluniandi; ser plenamente perceptível sua vontade específica de macular a imagem do ofendido (animus diffamandi); estar clara sua intenção de feri-lo e magoá-lo (animus injuriandi). (TJMG - Apelação Criminal 1.0301.15.013841-2/001, Relator(a): Des.(a) Jaubert Carneiro Jaques , 6ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 20/02/2018, publicação da súmula em 07/03/2018)
84.
Esse precedente do Eg. TJMG deixa ainda mais clara a posição da jurisprudência
brasileira acerca do entendimento amplo que deve ser dado à imunidade parlamentar.
85.
Segundo o relatório do acórdão que manteve a absolvição proferida no processo,
o parlamentar, no exercício do mandato de vereador, praticou ato que não tem a ver com a
fundamentação de seu voto em si, opinião ou palavra.
86.
Nesse caso, o vereador “querelado elaborou uma carta dirigida às autoridades e
ao povo de São Joaquim de Bicas/MG, afirmando que o querelante [também agente público]
teria alterado sua própria remuneração, recebendo exorbitantes gratificações sem nenhuma
justificativa”.
87.
O fato atribuído ao querelante não era verdadeiro, verificando-se que “os
acréscimos na remuneração [do querelante] eram regulares, tendo o querelado deturpado
intencionalmente os fatos e induzido o povo de São Joaquim de Bicas a acreditar que o
querelante, ora Prefeito do Município, teria adulterado sua remuneração”.
88.
Mesmo num cenário não relacionado à atividade precipuamente legislativa
(elaboração e votação de leis) e com veiculação de dados alterados, foi garantida a prerrogativa
da imunidade ao vereador:
Na verdade, qualquer cidadão pode e deve exigir prestação de contas do Poder Público, garantido o acesso à informação, sendo a transparência uma decorrência dos
Página 25 de 28 princípios da administração pública - Art. 37 da CF. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
89.
Assim, aqui deve ser verificada a finalidade do parlamentar em emitir sua opinião,
presumindo sua boa-fé, salvaguardando seu direcionamento ao eleitorado, como foi feito no
próprio precedente do MPES, acima articulado:
A opinião do Vereador também pode ser interpretada como a preocupação em resguardar a boa administração das verbas públicas e a regularidade da concessão de benefícios remuneratórios. Assim, a manifestação do querelado, enquanto Vereador do município de São Joaquim de Bicas/MG, encontra-se abarcada pela imunidade material parlamentar.
90.
Então, a conclusão para os todos os casos invocados pelo MPES deve ser aqui
aplicada: a reafirmação da imunidade.
91.
A uma porque o parquet não descreve em quais medidas os fatos não teriam
relação com o exercício do mandato do deputado. A duas porque, embora não estivesse
votando, o parlamentar deu declarações acerca da votação de leis que tramitaram na ALES,
bem como deu esclarecimentos sobre os fundamentos de seus votos acerca de tais projetos
postos em pauta.
92.
Dito isso, mesmo os precedentes trazidos pelo MPES exigem respeito amplo à
imunidade parlamentar, o que deve ser aqui observado por bem à democracia que vigora no
país.
II.5 – DA IMPOSSIBILIDADE DE SE INFERIR CRIME NAS
DECLARAÇÕES DO DEPUTADO:
Página 26 de 28
93.
Não é cabível a interpelação, como preparatória de eventual ação penal, quando
não há, em tese, crime.
594.
Além disso, se faz necessário a existência de elemento subjetivo específico, qual
seja, a vontade deliberada de imputar crime que se sabe falso a alguém, de malferir a reputação
de alguém, de modo injusto.
95.
Corroborando com esse entendimento, temos diversos julgados jurisprudenciais
que trazemos a baila:
RECURSO EM HABEAS CORPUS. CALÚNIA. PRETENSÃO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ATIPICIDADE DA CONDUTA E INÉPCIA DA DENÚNCIA. ADVOGADO. IMUNIDADE MATERIAL. AUSÊNCIA DA INEQUÍVOCA INTENÇÃO DOLOSA. CONDUTAS ATÍPICAS. INICIAL ACUSATÓRIA QUE NÃO LOGROU DEMONSTRAR O DOLO ESPECÍFICO DE OFENDER A HONRA DE OUTREM. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO.(...) 1. No caso, o Ministério Público não demonstrou, na exordial acusatória, o especial fim de agir, qual seja, o dolo específico de caluniar; vale dizer, não se pode inferir, de quaisquer das expressões proferidas pelo recorrente, a ocorrência do animus caluniandi. 2. Justamente porque a inexistência do elemento subjetivo aos delitos contra a honra afasta a própria caracterização formal do crime de calúnia – o qual exige, sempre, a presença do dolo específico -, não se tem como aperfeiçoado o delito em questão. 3. Expressões eventualmente contumeliosas, quando proferidas em momento de exaltação, bem assim no exercício do direito de crítica ou de censura profissional, ainda que veementes, atuam como fatores de descaracterização do elemento subjetivo peculiar aos tipos penais definidores dos crimes contra a honra. Precedentes. (RHC 201400207201. SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, STJ – SEXTA TURMA, DJE DATA: 07/10/2014..DTPB:.)
96.
Como se nota, em suas declarações na entrevista, o ora interpelado não
imputou crime a ninguém, apenas expos sua opinião acerca do que já tinha explanado em
Plenário sobre a aprovação de projetos que criaram mais de 300 cargos comissionado no
Página 27 de 28
Ministério Público Estadual e que revogaram dispositivos que determinavam prestação de
contas e controle dos cargos comissionados de gabinetes parlamentares da Assembleia
Legislativa, conforme suas próprias convicções, formuladas a partir da fiscalização
inerente a suas prerrogativas e que no exercício de seu mandato a faz rotineiramente.
97.
Desse modo, não houve, nas declarações do interpelado, imputação de fato
previsto como crime a quem quer que seja, quanto menos houve elemento subjetivo específico,
pois, se não há imputação de crime não há como se falar em imputação de crime sabidamente
falso, razão pela qual não se pode ventilar a ocorrência de calúnia no caso em concreto. Eis o
teor do artigo 138 do Código Penal:
Art. 138. Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
§1° - Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga. §2° - É punível a calúnia contra os mortos.
98.
Destarte, não se pode extrair das declarações do interpelado o animus de ofender
quem quer que seja.
99.
Logo, tampouco se pode cogitar o cometimento de crime de injúria, previsto no
artigo 140 do Código Penal: “Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro”. Dessa
forma, verifica-se a completa ausência de fundamento jurídico apto a amparar o
prosseguimento da presente interpelação, o que justifica o seu não conhecimento.
100.
Mais uma vez lança-se mão do precedente trazido pelo MPES - TJMG -
Apelação Criminal 1.0301.15.013841-2/001, citando o escólio do professor Guilherme de
Souza Nucci:
Saliente-se que, quanto aos crimes previstos pelos arts. 138, 139 e 140 do CP, respectivamente calúnia, difamação e injúria, ensina o respeitado doutrinador Guilherme de Souza Nucci, em sua obra Manual de Direito Penal, 7ª edição:
"Caluniar é fazer uma acusação falsa, tirando a credibilidade de uma pessoa no seio social. (...) Melhor seria ter nomeado o delito como sendo 'calúnia', descrevendo o
Página 28 de 28 modelo legal de conduta da seguinte forma: 'Atribuir a alguém, fato definido como crime'. Isso é caluniar" (fl. 689)
"Difamar significa desacreditar publicamente uma pessoa, maculando-lhe a reputação (...) Assim, difamar uma pessoa implica divulgar fatos infamantes à sua honra objetiva, sejam eles verdadeiros ou falsos. (fl. 692)
"Injuriar significa ofender ou insultar (vulgarmente, xingar). No caso presente, isso não basta. É preciso que a ofensa atinja a dignidade (respeitabilidade ou amor próprio) ou o decoro (correção moral ou compostura) de alguém. Portanto, é um insulto que macula a honra subjetiva, arranhando o conceito que a vítima faz de si mesma." (fl. 694)
Para configuração do elemento subjetivo nos delitos em comento há a necessidade de: estar a ação direcionada a um determinado fim de agir, consistente na intenção de ofender, de magoar, de macular a honra objetiva alheia, ou seja, o agente deve atuar imbuído de animus caluniandi; ser plenamente perceptível sua vontade específica de macular a imagem do ofendido (animus diffamandi); estar clara sua intenção de feri-lo e magoá-lo (animus injuriandi).