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A EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO CURRÍCULO DE UMA ESCOLA QUILOMBOLA NO MUNICÍPIO DE GUAÇUÍ-ES

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS, NATURAIS E DA SAÚDE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO, EDUCAÇÃO BÁSICA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES

LILIANE ROSA NOGUEIRA

A EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO CURRÍCULO DE UMA ESCOLA QUILOMBOLA NO MUNICÍPIO DE GUAÇUÍ-ES

ALEGRE

2020

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LILIANE ROSA NOGUEIRA

A EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO CURRÍCULO DE UMA ESCOLA QUILOMBOLA NO MUNICÍPIO DE GUAÇUÍ-ES

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ensino, Educação Básica e Formação de Professores do Centro de Ciências Exatas Naturais e da Saúde da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ensino, Educação Básica e Formação de Professores.

Orientadora: Profª Drª Marileide Gonçalves França

ALEGRE 2020

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A Deus, o Autor e Consumador da minha Fé (Hb 12:2).

Às minhas filhas Liliana e Lilian, que podem não compreender, mas por elas me levanto a cada dia para construir um amanhã melhor.

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AGRADECIMENTOS

À minha base, meus pais Valtair e Eliane, por terem me educado e incentivar a estudar. Em especial, a meu pai, por todo o apoio dos últimos anos.

À minha orientadora, Professora Doutora Marileide Gonçalves França, pelas orientações, reflexões, pelos ensinamentos, puxões de orelha e por tudo mais que foi necessário nesse período. Mais do que orientação, eu recebi ensinamentos e ganhei uma amizade que quero levar para o resto da vida.

À amiga Maria Bravo, por me auxiliar em todas as necessidades e compreender minha ausência.

Aos meus amigos e companheiros de luta e trabalho árduo em prol de uma educação que considere a diversidade e promova uma sociedade mais justa e humanitária. Em especial, aos colegas da EEEFM “Ana Monteiro de Paiva” e outros tantos do Instituto Educacional Santos Carvalheira (IESC) de Alegre.

Às escolas em que tive o privilégio de lecionar, pois carrego um pouquinho de cada uma delas em mim. São mais de duas décadas de trabalho e dedicação.

À querida Professora Mestre em Educação, Ensino e Formação de Professores, Adriana de Medeiros Marcolano Thebas, por me incentivar, desde que nos conhecemos a dar continuidade nos estudos e me estender a mão sempre que precisei.

À Doutoranda Rosana de Carvalho Valtão, pelas contribuições iniciais e orações quando eu ainda sonhava este sonho.

Ao Grupo de Estudo Étnico-Racial e Educação (Geere). Vocês me ajudam a crescer enquanto ser humano e em aquisição de conhecimento.

A todos os professores do Programa de Pós-Graduação em Ensino, Educação Básica e Formação de Professores (PPGEEDUC), por terem contribuído para minha formação.

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À Professora Doutora Raisa Maria de Arruda Martins, por contribuir desde o princípio na realização deste estudo. Foram muitas contribuições e múltiplos ensinamentos.

À Professora Doutora Andréia Weiss, pela disponibilidade e pelo entusiasmo ao aceitar o convite para compor a Banca Examinadora e pelas contribuições em minha Qualificação.

À Professora Doutora Cândida Soares da Costa, também pela disponibilidade e pelo aceite do convite para compor a Banca de Defesa e pelas contribuições desde a Qualificação. Foram fundamentais para o meu estudo.

Ao Professor Gustavo Henrique Araújo Forde. Obrigada pelo aceite em compor esta Banca de Defesa.

Aos colegas da terceira turma de Mestrado do PPGEEDUC, pelas importantes trocas feitas ao longo do curso.

Aos colegas e parceiros de orientação, Mateus Augusto de Almeida Martins e Michele de Oliveira Sampaio pelas contribuições, paciência e carinho que sempre tiveram comigo.

À Secretaria Municipal de Educação do município de Guaçuí, pela receptividade com a qual me recebeu desde o meu primeiro contato.

Aos alunos e funcionários (efetivos e temporários) da Escola Municipal de Ensino Fundamental “José Antônio de Carvalho” que contribuíram para que fosse possível a realização deste estudo. Aos professores que carinhosamente me doaram seu tempo.

À Comunidade Quilombola Córrego do Sossego, em especial a Dona Lena e toda a sua família, sempre tão receptivos e carinhosos comigo. Quantos aprendizados...

Enfim, a todos aqueles que, direta ou indiretamente, contribuíram para a realização desta pesquisa ou se lembraram de mim em suas orações. Não poderia citar nomes para não cometer injustiças. Eu sei que foram muitos, pois sem vocês eu não estaria aqui.

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A escola pode ser considerada, então, como um dos espaços que interferem na construção da identidade negra. O olhar lançado sobre o negro e sua cultura, no interior da escola, tanto pode valorizar identidades e diferenças quanto pode estigmatizá-las, discriminá-las, segregá-las e até mesmo negá-las.

(GOMES, 2002, p. 39).

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RESUMO

Este estudo teve como objetivo analisar o processo de implementação da Lei nº 10.639/03 no currículo da Escola Municipal de Ensino Fundamental “José Antônio de Carvalho”, que atende estudantes da Comunidade Quilombola Córrego do Sossego, situada no Distrito de São Tiago, município de Guaçuí/ES. Para tanto, busca-se amparo nas contribuições de autores da Educação das Relações Étnico-Raciais (MUNANGA; GUIMARÃES; GOMES; PAIXÃO; e BENTO); do Estado, políticas públicas e políticas afirmativas (VIEIRA; HÖFLING; ALMEIDA; SANTOS; JACCOUD;

e BEGHIN); do currículo (SILVA; SACRISTÁN; e ARROYO) e da Educação Escolar Quilombola (COSTA; e MIRANDA). Para o desenvolvimento do trabalho, realizou-se uma pesquisa qualitativa, por meio do estudo de caso. Como instrumentos de produção de dados, elegeu-se a consulta documental, a observação, a entrevista semiestruturada e o diário de campo. Para análise dos dados, escolheu-se a análise de conteúdo. Os participantes foram alunos, professores, pedagoga, diretora da escola, representante da Secretaria de Educação do município de Guaçuí e membros da Comunidade Quilombola. As análises apontam que o município de Guaçuí não possui sistema próprio de ensino, seguindo, portanto, as orientações e diretrizes da rede de ensino estadual. A proposta curricular da escola é estabelecida pela Secretaria Municipal de Educação e segue a lógica tradicional do currículo. Os conteúdos referentes à história e à cultura afro-brasileira e indígena constam na parte das observações da matriz curricular, portanto, de forma secundarizada no currículo.

Assim, embora a escola tenha sido registrada no censo escolar como instituição que atende alunos da comunidade quilombola, nos seus documentos normativos, não há menções específicas às Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola na Educação Básica. Em relação a Lei 10.639/03, observa-se a ausência de conhecimentos da gestão escolar e dos docentes referentes ao seu conteúdo.

Desse modo, os profissionais ainda estão em processo de busca e apropriação dos conhecimentos da educação das relações étnico-raciais, por meio dos processos de formação continuada. Identifica-se, ainda, um silenciamento a respeito de práticas educativas que poderiam contribuir para a reflexão da educação das relações étnico- raciais e para o enfrentamento da discriminação e da desigualdade racial. Os movimentos que a escola desenvolve acerca dessa temática consistem em atividades pontuais e focalizadas em datas e projetos específicos do ano. Os professores e

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demais sujeitos envolvidos ainda não conseguem reconhecer o racismo e/ou preconceito racial no espaço escolar, porém alguns episódios revelaram que essas situações ocorriam na escola, contudo de forma velada. Daí decorre a importância da discussão da Educação das Relações Étnico Raciais na escola, de modo a destacar as contribuições da população negra para o desenvolvimento da sociedade brasileira e para a desconstrução do racismo e de outras ideologias, como a de branqueamento e do mito da democracia racial, que ainda persistem nas concepções dos sujeitos que compõem o cotidiano escolar.

Palavras-chave: Políticas afirmativas. Currículo. Educação Escolar Quilombola.

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ABSTRACT

This study aimed to analyze the process of implementing Law No. 10,639 / 03 in the curriculum of the Municipal Elementary School “José Antônio de Carvalho”, which serves students from the Quilombola Córrego do Sossego Community, located in the District of São Tiago, municipality of Guaçuí / ES. To this end, we seek support in the contributions of authors from the Education of Ethnic-Racial Relations (MUNANGA;

GUIMARÃES; GOMES; PASSION; and BENTO); State, public policies and affirmative policies (VIEIRA; HÖFLING; ALMEIDA; SANTOS; JACCOUD; and BEGHIN); the curriculum (SILVA; SACRISTÁN; and ARROYO) and Quilombola School Education (COSTA; and MIRANDA). For the development of the work, a qualitative research was carried out, through the case study. As instruments of data production, document consultation, observation, semi-structured interview and field diary were chosen. For data analysis, content analysis was chosen. Participants were students, teachers, pedagogue, school director, representative of the Education Department of the municipality of Guaçuí and members of the Quilombola Community. The analyzes indicate that the municipality of Guaçuí does not have its own education system, therefore following the guidelines and guidelines of the state education network. The school's curriculum proposal is established by the Municipal Department of Education and follows the traditional logic of the curriculum. The contents referring to Afro- Brazilian and indigenous history and culture are part of the observations of the curriculum matrix, therefore, in a secondary way in the curriculum. Thus, although the school was registered in the school census as an institution that serves students from the quilombola community, in its normative documents, there are no specific references to the National Curriculum Guidelines for Quilombola School Education in Basic Education. In relation to Law 10.639 / 03, there is a lack of knowledge of school management and teachers regarding its content. Thus, professionals are still in the process of seeking and appropriating knowledge about the education of ethnic-racial relations, through the processes of continuing education. It is also identified a silence about educational practices that could contribute to the reflection on the education of ethnic-racial relations and to the confrontation of discrimination and racial inequality.

The movements that the school develops on this theme consist of specific activities focused on specific dates and projects of the year. Teachers and other subjects involved still fail to recognize racism and / or racial prejudice in the school space,

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however some episodes revealed that these situations occurred at school, however in a veiled way. Hence the importance of the discussion of Education of Ethnic Racial Relations at school, in order to highlight the contributions of the black population to the development of Brazilian society and to the deconstruction of racism and other ideologies, such as whitening and the myth of democracy racial, which still persist in the conceptions of the subjects that make up the school routine.

Keywords: Affirmative policies. Curriculum. Quilombola School Education.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Trabalhos selecionados que se articulam à temática ... 32

Quadro 2 – Concepções de currículo ... 72

Quadro 3 – Matrículas da educação básica em área urbanas e rurais – Guaçuí/ES. Ano base - 2019 ... 107

Quadro 4 – Número de matrículas por etapas e modalidade de ensino – 2019 ... 111

Quadro 5 – Número de professores da EMEF “José Antônio de Carvalho” por nível de escolaridade – 2019 ... 112

Quadro 6 – Nomes fictícios dos participantes da pesquisa ... 114

Quadro 7 – Objetivos e Metas propostas pelo PDI da escola... 132

Quadro 8 – Proposta curricular da escola ... 134

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Fluxo idade-série para pessoas entre 15 a 17 anos de idade –

Brasil/2018 ... 61

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Espírito Santo: divisão regional por microrregiões... 96

Figura 2 – Divisão do município de Guaçuí por distritos ... 101

Figura 3 – Horário do turno vespertino da escola no ano de 2019 ... 154

Figura 4 – Capa do livro de História utilizado pelo 7º ano ... 162

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LISTA DE FOTOGRAFIAS

Fotografia 1 – Estação da Estrada Férrea Leopoldina em 1957 ... 98

Fotografia 2 – Escola Normal e Ginásio São Geraldo (19--)... 99

Fotografia 3 – Igreja Matriz São Miguel Arcanjo (19--) ... 99

Fotografia 4 – Monumento ao Cristo Redentor ... 100

Fotografia 5 – A escola ... 108

Fotografia 6 – Caminho para a Comunidade Córrego do Sossego ... 117

Fotografia 7 – Dona Lena, líder da Comunidade Quilombola Córrego do Sossego 118 Fotografia 8 – Moedor da mandioca ... 121

Fotografia 9 – A prensa ... 122

Fotografia 10 – Local onde a farinha é torrada ... 122

Fotografia 11 – A festa da certificação ... 124

Fotografia 12 – A participação da Comunidade no III Simpósio de Diversidade Étnico-Racial Ufes/Geere ... 126

Fotografia 13 – Aula na biblioteca da escola ... 155

Fotografia 14 – A realização do projeto sobre a “Consciência Negra” ... 168

Fotografia 15 – A líder da Comunidade Quilombola Córrego do Sossego no Projeto ... 169

Fotografia 16 – Danças apresentadas ... 171

Fotografia 17 – Roda de capoeira ... 171

Fotografia 18 – Desfile Beleza Negra 2019 ... 172

Fotografia 19 – Casal Beleza Negra 2019 ... 173

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LISTA DE SIGLAS

BDTD Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações

Capes Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CF Constituição Federal

DCNEEQ Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola

DCNERER Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana

EEQ Educação Escolar Quilombola

EMEF Escola Municipal de Ensino Fundamental Erer Educação das Relações Étnico Raciais IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDH Índice de Desenvolvimento Humano

Fundeb Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

Paebes Programa de Avaliação da Educação Básica do Espírito Santo PDDE Programa Dinheiro Direto na Escola

PDI Plano de Desenvolvimento Institucional PME Plano Municipal de Educação

PPGEEDUC Programa de Pós-Graduação em Ensino, Educação Básica e Formação de Professores

PPP Projeto Político-Pedagógico

Saeb Sistema de Avaliação da Educação Básica SciELO Scientific Eletronic Library Online

Seppir Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial TEN Teatro Experimental Negro

Ufes Universidade Federal do Espírito Santo

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 19

2 DELINEANDO A PESQUISA: UM OLHAR PARA A LITERATURA ... 31

3 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS QUE FUNDAMENTARAM O ESTUDO ... 45

3.1 RELAÇÕES RACIAIS NO BRASIL... 45

3.2. ESTADO, POLÍTICAS PÚBLICAS E DIREITO A EDUCAÇÃO ... 51

3.3. O HISTÓRICO DE LUTA PELAS POLÍTICAS AFIRMATIVAS NO BRASIL ... 59

3.4 O CURRÍCULO: CONCEITOS E TEORIAS ... 70

3.5 EDUCAÇÃO ESCOLAR QUILOMBOLA ... 79

4 NOSSO CAMINHAR METODOLÓGICO ... 88

4.1 SOLICITAÇÃO PARA A REALIZAÇÃO DA PESQUISA ... 89

4.2 SUBMISSÃO AO COMITÊ DE ÉTICA ... 90

4.3 PRODUÇÃO DE DADOS ... 90

4.4 ANÁLISE DOS DADOS ... 93

5 MUNICÍPIO DE GUAÇUÍ: HISTÓRIA E MEMÓRIAS ... 95

5.1 A HISTÓRIA E OS INDICADORES SOCIOECONÔMICOS DO MUNICÍPIO DE GUAÇUÍ/ES ... 95

5.2 A ORGANIZAÇÃO EDUCACIONAL ... 102

5.3 O LÓCUS DA PESQUISA: A HISTÓRIA DA ESCOLA MUNICIPAL DE ENSINO FUNDAMENTAL “JOSÉ ANTÔNIO DE CARVALHO” ... 107

5.4 A COMUNIDADE QUILOMBOLA CÓRREGO DO SOSSEGO ... 117

6 A LEI Nº 10. 639/03 NO CURRÍCULO DA ESCOLA: ENTRE O PRESCRITO E O VIVIDO ... 127

6.1 A PROPOSTA CURRICULAR DA ESCOLA ... 127

6.2 OS CONHECIMENTOS DA GESTÃO ESCOLAR E DOS DOCENTES SOBRE A LEI Nº 10.639/03, AS DIRETRIZES NACIONAIS CURRICULARES PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E AS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO ESCOLAR QUILOMBOLA NA EDUCAÇÃO BÁSICA ... 137

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6.3 PRÁTICAS EDUCATIVAS VOLTADAS À EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES

ÉTNICO-RACIAIS EM UMA ESCOLA QUILOMBOLA ... 148 6.3.1 Educação Escolar Quilombola? ... 149 6.4 PRÁTICAS ESCOLARES ... 153 7 CONSIDERAÇÕES INCONCLUSIVAS, PORÉM NECESSÁRIAS ... 175 REFERÊNCIAS ...180 APÊNDICE A – ROTEIRO DA ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA PARA

ALUNOS DA ESCOLA ... 192 APÊNDICE B – ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA PARA

MEMBROS DA COMUNIDADE QUILOMBOLA ... 193 APÊNDICE C – ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRIUTURADA ... 195 APÊNDICE D – ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA PARA O

SETOR PEDAGÓGICO DA SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO, O GESTOR E O PEDAGOGO ESCOLAR ... 199 APÊNDICE E – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO E

TERMO DE ASSENTIMENTO PARA OS MEMBROS DA

COMUNIDADE QUILOMBOLA ... 202 APÊNDICE F – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA

O GESTOR DA UNIDADE ESCOLAR ... 205 APÊNDICE G – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA

OS PARTICIPANTES PAIS DOS ALUNOS ... 208 APÊNDICE H – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA

O PEDAGOGO ESCOLAR ... 212 APÊNDICE I – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA

OS PARTICIPANTES PROFESSORES ... 215

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APÊNDICE J – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA O SETOR PEDAGÓGICO DA SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE GUAÇUÍ/ES ... 218 APÊNDICE K – TERMO DE ASSENTIMENTO PARA OS ALUNOS

PARTICIPANTES DA PESQUISA ... 221 ANEXO A – PARECER DE APROVAÇÃO DO CEP ... 223 ANEXO B – SOLICITAÇÃO DE AUTORIZAÇÃO DA PESQUISA ... 229 ANEXO C – TERMO DE ANUÊNCIA ... 230

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1 INTRODUÇÃO

Historicamente, os movimentos sociais lutam por currículos que contemplem a diversidade cultural (ARROYO, 2015), ou seja, práticas educativas que reconheçam as diferenças, os saberes e as experiências dos diferentes grupos sociais que foram e ainda permanecem esquecidos no processo de construção histórico-cultural do nosso país.

Dentro desses grupos, destaca-se o povo de origem africana, que muito contribuiu e contribui para o desenvolvimento da sociedade, mas, devido ao processo de colonização e escravidão, teve seus direitos negados, sua história e sua cultura silenciadas. Teorias ocidentais, com objetivos imperialistas e de dominação de outros povos e a partir da classificação dos seres humanos em raças superiores e inferiores, ocultaram todos os conhecimentos produzidos no continente africano, articulados a todas as áreas científicas, como matemática, comércio, astronomia, engenharia entre outras (MACHADO; LORAS, 2017). Assim, o processo de construção da sociedade brasileira, marcada pela colonização europeia, se pauta no racismo e na hegemonia cultural e histórica de homens e mulheres brancos para inferiorizar, dominar e explorar outros grupos (BENTO, 2002).

A referência ao racismo remete a “[...] um comportamento, uma ação resultante da aversão, por vezes, do ódio, em relação a pessoas que possuem um pertencimento racial observável por meio de sinais, tais como: cor da pele, tipo de cabelo etc.”

(GOMES, 2005, p. 52), ou seja, práticas discriminatórias dirigidas à população negra.

Nesse sentido, o racismo parte do pressuposto da superioridade de um grupo racial sobre o outro, considerado inferior.

Gomes (2005) afirma que esse termo é derivado do conceito de raça. Desse modo, quando usamos o termo “raça” para falar das relações entre negros e brancos no Brasil, não estamos nos referindo ao conceito biológico, como foi elaborado no século XIX pelas teorias racialistas, por meio da classificação da espécie humana, a partir de características físicas, mas a sua dimensão social e política. Segundo a autora, quando ouvirmos o uso da palavra “raça”, devemos estar atentos ao lugar do qual se fala e ao sentido que se quer produzir. Dessa maneira,

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[...] o Movimento Negro e alguns sociólogos, quando usam o termo raça, não o fazem alicerçados na ideia de raças superiores e inferiores, como originalmente era usada no século XIX. Pelo contrário, usam-no com uma nova interpretação, que se baseia na dimensão social e política do referido termo. E, ainda, usam-no porque a discriminação racial e o racismo existentes na sociedade brasileira se dão não apenas devido aos aspectos culturais dos representantes de diversos grupos étnico-raciais, mas também devido à relação que se faz na nossa sociedade entre esses e os aspectos físicos observáveis na estética corporal dos pertencentes às mesmas (GOMES, 2005, p. 45).

Gomes (2005) nos faz refletir sobre o sentido do uso do termo “raça” em nossa sociedade, qual o seu significado e em que contexto ele surge. Nesse sentido, Guimarães (1999, p. 153) afirma que,

[...] se as raças não existem num sentido estritamente realista de ciência, ou seja, se não são um fato do mundo físico, são, contudo, plenamente existentes no mundo social, produtos de formas de classificar e de identificar que orientam as ações dos seres humanos.

Essa forma de classificação e hierarquização entre os grupos sociais se perpetua no nosso cotidiano, por meio das situações de preconceito e discriminação enfrentadas pela população negra, quando uma raça é julgada como “superior ou inferior, capaz ou incapaz” devido a aparência ou características físicas, como cor da pele ou tipo de cabelo. Segundo Blumer (2013, p. 147), o grupo que se sente superior ao outro — o grupo “dominante” — nutre pelo grupo dominado alguns sentimentos, como superioridade, medo e direito de propriedade. Isso justificaria a ideia de colocar o grupo dominado para exercer atividades consideradas inferiores ou classificá-lo como incapaz para desenvolvê-las.

Gomes (2005) afirma que, além do racismo impregnado em nossa sociedade, os negros também carregam consigo as marcas da escravidão a que foram submetidos durante o período colonial e ainda hoje dificultam a sua inserção social. Além disso, a falta de políticas públicas para inserir a população negra na sociedade no pós-abolição colaborou para que o racismo se intensificasse.

A sociedade brasileira sempre negou insistentemente a existência do racismo e do preconceito racial mas no entanto as pesquisas atestam que, no cotidiano, nas relações de gênero, no mercado de trabalho, na educação básica e na universidade, os negros ainda são discriminados e vivem uma situação de profunda desigualdade racial quando comparados com outros segmentos étnico-raciais do país (GOMES, 2005, p. 46).

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Munanga (1998, p. 57) corrobora com a autora Gomes (2005) ao dizer que o “racismo é um fenômeno da sociedade, ao qual a cultura imprime seus modelos e regras”, o que nos faz pensar nos aspectos políticos e econômicos e nos ajuda a compreender a desigualdade socioeconômica entre brancos e negros e a predominância de pessoas brancas nos cargos de chefia ou mesmo no cenário político nacional.

O Estado brasileiro sempre se silenciou diante da situação de desigualdade e discriminação sofrida pela população negra do nosso país e, como consequência, ocorre a desigualdade racial e social, que repercute no acesso diferenciado aos bens e serviços pelos brancos e negros, revelado nos indicadores sociais relacionados ao acesso à educação, à saúde e também no rendimento médio domiciliar per capita1, nos quais a população negra sempre apresentou os menores índices (HENRIQUES, 2001).

Para o enfrentamento desse contexto de desigualdade, o movimento negro, ao longo da história do nosso país, sempre lutou e luta por uma sociedade mais democrática, denunciando situações de discriminação e pressionando o Estado no sentido de buscar políticas públicas que atendessem aos anseios da população negra do nosso país (GOMES, 2011). Dentro desse processo, em especial após a criação do Movimento Negro Unificado em 1978, destaca-se a luta pela educação2 (GONÇALVES; SILVA, 2000), com o objetivo de democratizá-la, possibilitando o acesso a todos.

Assim, as ações desenvolvidas pelo movimento negro, por meio de jornais, oferta de cursos e eventos nacionais, contribuíram para a ampliação do debate sobre o preconceito e a discriminação racial no âmbito escolar, bem como a importância de uma educação antirracista para o enfrentamento ao racismo impregnado nesse contexto. Desse modo, mesmo que por iniciativas individuais dos professores, as temáticas história e cultura africana passaram a adentrar esses espaços

1 De acordo com o IBGE (2019, p. 56), entre 2012 e 2018, houve ligeira redução dessa diferença, explicada por um aumento de 9,5% no rendimento médio de pretos ou pardos, ante um aumento de 8,2% do rendimento médio dos brancos. No entanto, tal redução não foi capaz de superar a histórica desigualdade de rendimentos e o rendimento domiciliar per capita médio de pretos ou pardos foi de aproximadamente metade do recebido pelos brancos.

2 Cumpre destacar que a educação sempre foi a principal bandeira de luta do movimento negro, desde as primeiras décadas do século XX, conforme aponta Gonçalves e Silva (2000). Essa discussão será aprofundada nas próximas seções.

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(GONÇALVES, SILVA, 2000). Os autores ainda pontuam que o movimento da década de 80 pode ser dividido em duas fases:

Na primeira, as organizações se mobilizaram para denunciar o racismo e a ideologia escolar dominante. Vários foram os alvos de ataque: livro didático, currículo, formação dos professores etc. Na segunda fase, as entidades vão substituindo aos poucos a denúncia pela ação concreta (GONÇALVES, SILVA, 2000, p. 155).

Assim, compreendemos que a luta do movimento negro por reconhecimento dos seus direitos sociais, entre os quais o da educação, culmina com a Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que se apresenta como uma política afirmativa para garantir, por meio da educação, o reconhecimento e a valorização da história e da cultura dos afro- brasileiros (BRASIL, 2003).

A Lei nº 10.639/03, ao alterar a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (LDB/96), que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, incluiu no currículo oficial dos sistemas de ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro- Brasileira". Com o objetivo de direcionar as ações dos sistemas de ensino, das escolas e dos professores, foram publicadas as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro- Brasileira e Africana (DCNERER), no ano de 2004.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico- Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africanas constituem-se de orientações, princípios e fundamentos para o planejamento, execução e avaliação da Educação, e têm por meta, promover a educação de cidadãos atuantes e conscientes no seio da sociedade multicultural e pluriétnica do Brasil, buscando relações étnico-sociais positivas, rumo à construção de nação democrática (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2004, p.

31).

Considerando a obrigatoriedade da implementação da Lei nº 10.639/03 nos sistemas educacionais brasileiros, inclusive nas escolas situadas nos territórios quilombolas ou que atendem os alunos oriundos dessas comunidades, este estudo busca discutir o processo de materialização dessa lei no currículo de uma escola que atende alunos oriundos de uma comunidade quilombola no sul do estado do Espírito Santo.

A educação escolar quilombola é aquela que se destina a atender estudantes que vivem em territórios quilombolas urbanos e rurais, podendo ser ofertada em

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estabelecimentos de ensino localizados dentro ou fora do território quilombola, de acordo com o art. 1º, § 1º da Resolução nº 8, de 20 de novembro de 2012 (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2012b). Segundo Miranda (2012), tal modalidade se insere no cenário do debate educacional na década de 1980 e está ligada ao processo de luta pelo reconhecimento das comunidades quilombolas e seus respectivos direitos, entre os quais a educação.

De acordo com Arruti (2011), o reconhecimento das comunidades negras no Brasil é um processo recente. A Constituição Federal de 1988 (CF/88), no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, no art. 68, reconheceu a propriedade definitiva aos

“remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos” (BRASIL, 1988).

A partir daí, a luta pelo reconhecimento das terras só ganharia “[...] condições reais para o exercício de tais direitos” (ARRUTI, 2011, p. 288), a partir do Decreto presidencial nº 4.887, 20 de novembro de 2003, que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos.

Nos anos seguintes, algumas ações foram direcionadas no sentido de garantir acesso aos direitos sociais às comunidades quilombolas, como o Programa Brasil Quilombola (SECRETARIA ESPECIAL DE POLÍTICAS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL, 2004) e a Agenda Social Quilombola (BRASIL, 2007)3. Arruti (2011, p. 289) pontua que “[...] o reconhecimento dos quilombos como um segmento diferenciado da sociedade nacional não leva de imediato a políticas diferenciadas”; ao contrário, se observa um agravamento da situação de pobreza.

Além disso, Miranda (2012) denuncia a situação de abandono da educação escolar quilombola, revelando dados como precariedade e até mesmo inexistência de escolas e mostrando o percurso enfrentado pelas comunidades na luta pelos seus direitos.

3 “O Programa Brasil Quilombola foi lançado em 12 de março de 2004, com o objetivo de consolidar os marcos da política de Estado para as áreas quilombolas. Com o seu desdobramento foi instituída a Agenda Social Quilombola (Decreto nº 6.261/2007), que agrupa ações voltadas às comunidades em várias áreas [...]” (SECRETARIA DE POLÍTICAS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL, 2012, p.10).

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Somente no ano de 2012 foram elaboradas as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola na Educação Básica (DCNEEQ), com o objetivo de organizar o ensino na Educação Básica e orientar a construção dos documentos que norteiam os espaços escolares, de modo a contemplar a valorização da cultura e história das comunidades quilombolas (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2012b). De acordo com o art. 35 da Resolução nº 8/2012, o currículo da Educação Escolar Quilombola deverá

I - garantir ao educando o direito a conhecer o conceito, a história dos quilombos no Brasil, o protagonismo do movimento quilombola e do movimento negro, assim como o seu histórico de lutas;

II - implementar a Educação das Relações Étnico-Raciais e o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, nos termos da Lei nº9.394/96, na redação dada pela Lei nº10.639/2003, e da Resolução CNE/CP nº 1/2004;

III - reconhecer a história e a cultura afro-brasileira como elementos estruturantes do processo civilizatório nacional, considerando as mudanças, as recriações e as ressignificações históricas e socioculturais que estruturam as concepções de vida dos afro-brasileiros na diáspora africana;

V - promover o fortalecimento da identidade étnico-racial, da história e cultura afro-brasileira e africana ressignificada, recriada e reterritorializada nos territórios quilombolas;

V - garantir as discussões sobre a identidade, a cultura e a linguagem, como importantes eixos norteadores do currículo;

VI - considerar a liberdade religiosa como princípio jurídico, pedagógico e político atuando de forma a:

a) superar preconceitos em relação às práticas religiosas e culturais das comunidades quilombolas, quer sejam elas religiões de matriz africana ou não;

b) proibir toda e qualquer prática de proselitismo religioso nas escolas;

VII - respeitar a diversidade sexual, superando práticas homofóbicas, lesbofóbicas, transfóbicas, machistas e sexistas nas escolas (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2012b).

Observamos, portanto, a importância de um currículo que contemple as diferenças culturais das comunidades, reconhecendo sua história e se relacione às suas especificidades e à sua realidade.

Assim, as pesquisas desenvolvidas no Brasil (SILVA, 2013), nos últimos anos, apontam a necessidade de mais estudos que investiguem como tem sido o processo de implementação dessa lei no espaço escolar, em especial em contextos que

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atendem alunos pertencentes a uma comunidade quilombola. De acordo com Silva (2013, p. 4),

Essas histórias e culturas, queira-se ou não, são centrais na construção da nação e como tal precisam ser estudadas, a fim de que se superem preconceitos, freiem definitivamente ideias de supremacia de uma cultura sobre outras, desconstruam pedagogias que visam assimilar todos a uma única visão de mundo.

Cumpre destacar ainda, como aponta Cavalleiro (2005), que o sistema educacional brasileiro contribui para a produção de práticas preconceituosas, que prejudicam o desenvolvimento emocional e cognitivo de crianças e adolescentes, em especial aquelas identificadas como negras. A autora afirma que

[...] há um abismo entre as políticas institucionais e as práticas escolares. No que se refere às políticas curriculares e os processos de ensino- aprendizagem no currículo e nas práticas pedagógicas, verifica-se que os currículos (oficial e oculto) não incorporam uma sistemática de combate ao racismo, tampouco conhecimentos diferenciados sobre a história e a cultura africanas e afro-brasileira (CAVALLEIRO, 2005, p. 101).

Assim, a escola é vista como ambiente apropriado para se discutir acerca de preconceito e discriminação, como também de adquirir uma postura de reconhecimento pelas injustiças cometidas aos negros no passado e refletir sobre as muitas que são cometidas diariamente. Silva (2010, p. 40) corrobora esse pensamento, afirmando:

[...] é preciso que, por meio da educação, se busque mudar atitudes, superar e abolir preconceitos, a falta de conhecimento e de respeito mútuo, além de derrubar as barreiras de ordem moral, epistemológica, ideológica a participação cidadã. E, por meio da legislação, se tente controlar comportamentos adversos a grupos e pessoas, os efeitos de atitudes discriminatórias, preconceituosas, segregacionistas, assim como garantir condições e oportunidades equânimes de realização de pessoas e comunidades (SILVA, 2010, p.40).

Nesse sentido, as políticas educacionais na contemporaneidade estabelecem a importância em promover a Educação das Relações Étnico-Raciais4, tendo em vista

4 Neste trabalho, concebemos a Educação das Relações Étnico-Raciais como área de conhecimento, que contribui para o desenvolvimento de atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos quanto à pluralidade étnico-racial (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2004). Desse modo, o termo “étnico- racial” se refere à multiplicidade de dimensões e questões que envolvem a história, a cultura e a vida da população negra no Brasil (GOMES, 2005).

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que a educação é assegurada como direito de todos na Carta Magna de 1988 (CF/88) e ratificada na LDB/96, devendo ser ministrada considerando a diversidade étnico- racial.

Candau (2011) enfatiza que as diferenças são concebidas como realidades sócio- históricas dinâmicas, em processo contínuo de construção-desconstrução- construção, que se configuram nas relações sociais e estão atravessadas por questões de poder. A autora destaca ainda que as diferenças são constitutivas dos indivíduos e dos grupos sociais, devendo ser reconhecidas e valorizadas positivamente no que têm de marcas sempre dinâmicas de identidade, ao mesmo tempo em que devem ser combatidas as tendências de transformá-las em desigualdades.

Assim, investigar a Lei nº 10.693/03 e seu processo de implementação na escola é de suma importância para a construção de práticas educativas que considerem as diferenças numa concepção antirracista, ou seja, que desestruturem e enfrentem o preconceito racial ou qualquer outra forma de discriminação. Costa (2013) nos ajuda a compreender que a

[...] implementação de uma política curricular de educação para as relações étnico-raciais tem a ver com um processo que exige novos aprendizados aos estudantes em diferentes níveis e modalidades [...] Trata-se, portanto de configurar tipo de conhecimento de que o currículo deve se ocupar de modo que seu desencadeamento na escola possa contribuir para que os sujeitos envolvidos se desvencilhem do etnocentrismo, dos preconceitos e dos estereótipos raciais (COSTA, 2013, p.26).

É de suma importância a construção de um currículo voltado para a promoção da Educação das Relações Étnico-Raciais (Erer) que seja espaço para essa reflexão, revelando a história dos grupos sociais e ensinando o respeito à diversidade.

Consideramos, portanto, a relevância deste estudo cuja análise investigativa toma como ponto de partida o seguinte questionamento: como ocorre o processo de implementação da Lei nº 10.639/03 no currículo da Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) “José Antônio de Carvalho”, que atende os estudantes que vivem na Comunidade Quilombola Córrego do Sossego, situada no Distrito de São Tiago, município de Guaçuí/ES?

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Como objetivo geral, se propõe analisar o processo de implementação da Lei nº 10.639/03 no currículo da EMEF “José Antônio de Carvalho”, que atende os estudantes da Comunidade Quilombola Córrego do Sossego, situada no Distrito de São Tiago, município de Guaçuí/ES. Como objetivos específicos, pretende refletir sobre as políticas educacionais voltadas para a Erer no Brasil e seus impactos para o currículo escolar; analisar a proposta curricular da escola e sua interface com a Educação das Relações Étnico-Raciais e quilombola; investigar os conhecimentos da gestão escolar e dos docentes em relação à Lei 10639/03 para a sua materialização nas práticas; analisar os movimentos que a escola desenvolve em consonância com a Lei nº 10639/03 e Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola; conhecer as práticas educativas que visam contribuir para a reflexão dos estudantes no que diz respeito à discriminação racial e desigualdade.

Propomos ainda discutir conceitos importantes como políticas públicas, políticas afirmativas, currículo e algumas das leis que asseguram os direitos da população negra. Sua relevância se justifica em propor essa reflexão no contexto escolar, considerando a escola como um importante local no combate e enfrentamento ao racismo, bem como a valorização da diferença.

Meu interesse em investigar essa temática se articula a minha trajetória profissional como professora regente da disciplina de História. Além disso, o conhecimento sobre o histórico de luta do movimento negro, ao longo da história do Brasil, me fez constituir atitude e prática educativa de enfrentamento às situações de preconceito e discriminação dentro da escola. Essas experiências me incentivaram a buscar aprofundamento teórico-prático nos autores que lutam/lutaram por justiça social e que me ajudavam a compreender as raízes da desigualdade racial na sociedade brasileira.

Por essa razão, preciso delinear um pouco da minha trajetória como profissional da educação, na qual busco contribuir com a discussão sobre as relações raciais na sociedade brasileira, a partir do diálogo com meus alunos. Venho de uma família humilde e meus pais sempre lutaram por melhores condições de vida. Meu pai me ofereceu uma educação articulada a valores como respeito e responsabilidade, sempre incentivando meus estudos. Sou natural da cidade de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, mas posteriormente minha família mudou para o município de Alegre, localizado na região sul do estado do Espírito Santo e terra natal do meu pai, no início

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da década de 1990, quando eu era adolescente. Ainda jovem, ingressei no curso de História, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras no município de Alegre, contudo, quando me formei, retornei à minha cidade natal na tentativa de buscar melhores oportunidades de trabalho.

Nesse contexto, trabalhei como professora da educação básica nas comunidades de Duque de Caxias. Convivi com realidades muito tristes, considerando a situação de pobreza de muitas crianças, adolescentes e jovens. Tive a possibilidade de observar como o sistema capitalista reproduziu a desigualdade social ao longo dos séculos.

Diante desse cenário, busquei sempre fazer a minha parte como mediadora de conhecimentos e valores, entre os quais o respeito à diversidade, pois, de acordo com Freire (2001), no processo de educação “[...] não existe ensinar sem aprender”. Desse modo, militei e milito contra a discriminação, seja ela de qualquer espécie. Busco proporcionar momentos de reflexões no cotidiano escolar com os meus alunos, seja em forma de conversas informais, seja em forma de análise de textos jornalísticos ou mesmo filosóficos.

No ano de 2005, recebi um incentivo ainda maior para lutar contra a discriminação e o preconceito racial — o nascimento da minha primogênita, que foi vítima de ações discriminatórias desde cedo. Desse modo, procuro sempre dialogar sobre sua identidade, sua história e sua origem, assim como sobre as relações de desigualdades raciais estabelecidas na sociedade, marcadas por preconceitos, estereótipos e racismo, e sobre o modo de realizar os enfrentamentos.

Desde 2017, atuo como professora da disciplina de História, na escola estadual de um distrito de Alegre e, no ano de 2019, também iniciei em uma escola particular do município. No percurso do meu processo de trabalho, observei que a implementação da Lei nº 10.639 de 2003 se dava de forma superficial e percebi lacunas no currículo que não abordavam a temática “história e cultura afro-brasileira e africana” nas práticas que ocorriam dentro da escola. Muitas vezes, a temática ficava restrita a datas comemorativas. Observei também que o poder público não oferecia para nós, professores de escolas públicas, formação continuada na área. Tampouco a rede privada. Nesse sentido, procuro desenvolver um trabalho sério e honesto, no qual possibilito aos meus alunos reflexões para além dos materiais que utilizam, promovendo debates, rodas de conversa, discussões contextualizadas e atuais sobre

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a realidade de preconceito e discriminação que atinge a maior parte da população brasileira.

No ano de 2018, incentivada por uma colega de trabalho que observou minha atuação profissional, participei do II Simpósio de Diversidade Étnico-Racial E Educação:

Políticas, Práticas e Culturas, realizado pelo Grupo de Estudo Étnico-Racial e Educação (Geere), do qual hoje faço parte. Esse evento se constituiu como uma oportunidade para debate e pesquisa na área da Erer no âmbito da Universidade Federal do Espírito Santo, campus de Alegre, coordenado pela professora Marileide Gonçalves França.

Nesse simpósio, tive a oportunidade de me aproximar da discussão Erer e surgiu o interesse em desenvolver estudos voltados a essa área, especificamente sobre o processo de implementação da Lei nº 10.639/03 no currículo da escola que atende alunos pertencentes à comunidade quilombola. Desse modo, decidir aprofundar meus estudos no curso de Mestrado Acadêmico da Universidade Federal do Espírito Santo.

Para mim, tem sido um grande desafio, na medida em que me aproprio de conhecimentos que não recebi na graduação nem no decorrer da minha trajetória profissional. Além disso, trabalhar e estudar hoje, tendo a responsabilidade de deixar para minhas filhas esse exemplo de querer aprender até o fim, poder levar para dentro das minhas salas de aula debates mais embasados teoricamente e estar de volta ao meio acadêmico têm sido de grande importância para a pesquisadora em construção.

Acreditamos que a temática delineada vai ao encontro do que se propõe a linha de pesquisa do curso de Mestrado Acadêmico da Universidade Federal do Espírito Santo:

prática escolar, ensino, sociedade e formação de professores, no que diz respeito à investigação de práticas educativas em situações formais de ensino-aprendizagem, ou seja, pesquisa de acontecimentos no cotidiano de uma instituição de ensino que recebe alunos que residem em comunidade quilombola.

Assim, além dessas considerações iniciais acerca do nosso trabalho, o estruturamos em sete seções. A Introdução corresponde à primeira seção, em que apresentamos o panorama da Erer no Brasil. Na segunda seção, buscamos trabalhos já publicados sobre o processo de implementação da Lei nº 10.639/03 no currículo escolar nos

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diferentes sistemas educacionais brasileiros, com o objetivo de observar as contribuições e as possíveis lacunas na literatura.

Na seção 3, apresentamos os pressupostos teóricos que fundamentaram o desenvolvimento do nosso estudo, destacando os autores cujos trabalhos e temáticas voltados à educação das relações étnico raciais contribuem para o nosso trabalho a partir dos conceitos de políticas públicas e afirmativas, currículo e educação escolar quilombola.

Na quarta seção, relatamos o percurso teórico-metodológico utilizado para nos ajudar a responder nosso questionamento e auxiliar em nossa análise investigativa. Desse modo, utilizamos a abordagem qualitativa, como tipo de pesquisa o estudo de caso e como instrumentos de coletas dos dados a consulta documental, a observação participante, a entrevista e o diário de campo. Para análise, optamos pela análise de conteúdo, que contribui na compreensão de todos os elementos coletados.

Na seção 5, apresentamos a caracterização da política educacional do município onde a pesquisa foi realizada, seus aspectos históricos, sociais e culturais, assim como a organização do sistema de ensino da escola pesquisada, sua organização curricular e as relações que se desenvolvem nesse espaço. Na seção seguinte, traçamos o processo de materialização da Lei nº 10.639/03 na escola pesquisada.

Na última seção, traçamos as considerações finais sobre as análises de dados produzidos na pesquisa de campo, com vista a compreender e revelar a importância e a relevância do nosso trabalho e suas contribuições para a educação que ocorre em uma escola que atende estudantes oriundos de comunidade quilombola.

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2 DELINEANDO A PESQUISA: UM OLHAR PARA A LITERATURA

Na tentativa de compreender como ocorre o processo de materialização da Lei nº 10.639/03, acerca da obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira”

no currículo escolar nos diferentes sistemas educacionais brasileiros, apresentamos os trabalhos que foram desenvolvidos no Brasil, a fim de conhecer suas contribuições e as possíveis lacunas vinculadas a esse assunto. Assim, delineamos as fontes de busca, os procedimentos e os critérios para seleção dos estudos, a discussão de seus objetivos e resultados, bem como a vinculação da nossa pesquisa com essa produção.

A revisão de literatura, de acordo com Silva e Menezes (2001, p. 37), resulta “[...] do processo de levantamento e análise do que já foi publicado sobre o tema e o problema de pesquisa escolhidos”. Nessa perspectiva, o objetivo desta revisão foi realizar um

“[...] mapeamento de quem já escreveu e o que já foi escrito” (SILVA; MENEZES, 2001, p. 37) sobre o processo de implementação da Lei nº 10.639/03 no currículo de escolas que atendem estudantes oriundos de território quilombola ou escolas pertencentes a esse território.

Para tanto, foram consultados os resumos das Teses e Dissertações do banco de dados da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), os artigos publicados no portal de periódicos da Scientific Eletronic Library Online (SciELO) e o Portal de periódicos da Coordenação e Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Os trabalhos escolhidos foram aqueles publicados após a definição das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola na Educação Básica (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2012b), abrangendo o período entre os anos de 2013 a 2019. A delimitação de 2019 como o último ano se deu em função do período de finalização da produção dos dados. Em todos os portais, foram utilizadas as seguintes palavras-chave: currículo, educação quilombola e étnico-racial. A busca revelou um total de 31 trabalhos, sendo 5 teses, 21 dissertações e 5 artigos.

Em seguida, realizamos a leitura dos títulos dos trabalhos e os seus respectivos resumos. Foram selecionados 12 estudos (3 teses e 9 dissertações) que se

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articulavam com a nossa temática, conforme apresentado no Quadro 1.

Posteriormente, procedemos à síntese de cada estudo, a partir da leitura dos objetivos e resultados, que nos ajudaram a compreender como estava sendo implementada a Lei nº 10.639/2003 no currículo das escolas quilombolas e como as práticas educativas lá desenvolvidas contribuíam para as práticas culturais quilombolas e para a reflexão dos estudantes no que diz respeito à discriminação racial e à desigualdade.

Dos trabalhos selecionados, apenas o estudo de Rodrigues (2017) abordava aspectos de escolas situadas fora do território quilombola.

Quadro 1 – Trabalhos selecionados que se articulam à temática ANO DE

PUBLICAÇÃO/

INSTITUIÇÃO AUTOR TÍTULO

2013/UFBA MIRANDA, Marina

Rodrigues “Jucu, jacutia, a gente dá comida pro jacu!”: as culturas infantis: contributos na produção da identidade do currículo para educação quilombola 2013/UERJ SANTOS, Cynthia

Adriádne Educação e escolarização quilombola: construções político-pedagógicas em Brejo dos Crioulos MG

2014/USP PEREZ, Carolina

dos Santos Bezerra Entre a serra e o mar: memória, cultura, tradição e ancestralidade no ensinar-aprender entre as gerações do Quilombo da Fazenda - Ubatuba/SP

2014/USININOS OLIVEIRA, Heron Lisboa de

Comunidades remanescentes dos quilombolas de Arvinha e Mormaça: processos educativos na manutenção e recuperação do território

2015/UFPE DANTAS, Marco

Aurélio Acioli Gestão escolar e Educação Para as Relações Étnico- Raciais na Comunidade Quilombola de Castainho 2015/UFBA ONOFRE, Joelson

Alves A Lei 10.639/03 e seus desdobramentos em uma escola quilombola

2015/UFBA SOUZA, Shirley

Pimentel de

Educação escolar quilombola: as pedagogias quilombolas na construção curricular

2016/UFMT CARVALHO,

Francisca Edilza

Barbosa de

Andrade

Educação escolar quilombola na Comunidade Baixio - Barra do Bugres/MT: avanços e desafios

2016/UEPB BARROS, Marta

Oliveira Memórias de idosos quilombolas como recurso didático: escola básica do Quilombo de Matão – PB

2017/UFPB CUNHA, Heloísa

Marinho A garantia dos direitos humanos e a interface com a educação para as relações étnico-raciais: uma prática na escola Quilombola Antônia do Socorro Silva Machado

2017/UNB RODRIGUES,

Maria Diva da Silva Política de nucleação de escolas: uma violação de direitos e a negação da cultura e da educação escolar quilombola

2017/UFJF RODRIGUES,

Guilherme Goretti A Educação Quilombola na comunidade Colônia do Paiol – Bias Fortes (MG)

Fonte: Elaboração da autora (2020).

A tese de Perez (2014) teve como objetivo realizar uma descrição densa a partir das narrativas e memórias da Comunidade Quilombola do Sertão da Fazenda da Caixa,

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situada na cidade de Ubatuba, litoral norte do estado de São Paulo, sobre o seu passado, futuro e presente, compreendendo o seu patrimônio material e imaterial, suas referências culturais e a influência do seu universo sociocultural e simbólico em sua prática educativa.

A pesquisa, de cunho etnográfico, evidencia os diversos tipos de racismos sofridos por essas populações, bem como a desigualdade existente entre a cultura oral e a escrita, que termina por impossibilitar uma gestão compartilhada do território e a utilização dos seus recursos naturais. Revela ainda como as políticas públicas que ocorrem dentro dos gabinetes não levam em consideração a cultura e as tradições de um povo e a constatação declarada pelos mais velhos da comunidade no que diz respeito à escolarização. Segundo os relatos, havia muitas dificuldades grandes quando eram crianças e adolescentes, como também o aprendizado dos conhecimentos que utilizavam no dia a dia se dava a partir da escuta e da observação dos mais velhos. Assim, tinham a preocupação de garantir esses conhecimentos no processo de aprendizagem de suas crianças, uma vez que, mesmo após a implementação da Lei nº 10.639/03, esses saberes não são contemplados no currículo escolar.

Perez (2014) revela a importância do currículo escolar em abordar temáticas vinculadas a culturas, saberes e fazeres das comunidades quilombolas, de modo que contribuam para a construção de identidades e pertencimento dos estudantes. Revela ainda a tensão existente entre as necessidades do povo quilombola e as políticas públicas idealizadas para eles. O estudo contribui para nossa pesquisa no sentido de nos fazer refletir que, embora haja mais de dez anos após a implementação da Lei nº 10.639/03, o currículo escolar ainda silencia os conhecimentos dos sujeitos pertencentes à comunidade quilombola.

Dantas (2015) buscou compreender, em sua dissertação, através de uma abordagem de natureza qualitativa com o viés etnográfico, as relações entre a gestão escolar e a Comunidade Quilombola de Castainho, em Garanhuns, Pernambuco, considerando a promoção da Erer, a partir da implementação da Lei nº 10.639/03. Os resultados do estudo revelam um diálogo entre a comunidade quilombola e a escola existente em seu território na intenção de construir uma Educação das Relações Étnico-Raciais voltada para o contexto local, pensando na formação do sujeito e reconhecendo o

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papel da família nesse processo, pois possibilita o fortalecimento e a valorização da identidade negra, bem como da identidade quilombola. O autor ressalta que, em Castainho, a gestão escolar tenta atuar de modo democrático, procurando sempre um diálogo com a comunidade, partilhando as decisões a serem tomadas e incentivando a participação dos quilombolas. O trabalho de Dantas (2015) se aproxima da nossa proposta, pois trata-se de uma pesquisa qualitativa e nos ajuda a refletir sobre a forma como o diálogo entre a comunidade e a escola contribui para a formação e a valorização da identidade do sujeito.

A dissertação de Onofre (2015) teve como objetivo investigar os desdobramentos da Lei nº 10.639/03 em uma unidade escolar quilombola localizada no sudoeste da Bahia.

Os resultados mostram que, para a implementação efetiva da lei, alguns desafios precisam ser superados. Nesse sentido, o autor destaca que poucos personagens da escola estavam empenhados em disseminar e reforçar a lei no cotidiano escolar, pois se sentiam inseguros por falta de uma formação adequada. Por outro lado, ele afirma que houve uma preocupação da direção da escola no sentido de incentivar a formação docente, a aproximação do docente com a comunidade e também com a construção de um projeto político-pedagógico que contemplasse as questões étnico-raciais e da educação quilombola, em conjunto com a comunidade escolar e a comunidade local.

Onofre (2015) ressalta ainda que é possível uma direção atuante e comprometida com o cotidiano escolar e que viabilize o processo de combate às atitudes de racismo e intolerância dentro da escola, uma vez que ela se torna um espaço de transformação de pensamento e de realidade social. Foi o caso dessa instituição, que se tornou referência no que diz respeito ao trabalho com a Lei nº 10.639/03.

A pesquisa de Onofre (2015), a partir da análise da Lei nº 10.639/03 e também das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana (2004), possibilita refletir sobre a importância de considerar a participação da gestão escolar no processo de implementação da lei, a partir de uma atuação democrática, atuante, participativa e comprometida com um trabalho que valorize a cultura da comunidade quilombola e se preocupe em combater as situações de racismo e intolerância. Nesse sentido, também buscamos conhecer a compreensão da gestão escolar no processo de

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implementação da Lei nº 10.639/03 e das Diretrizes Curriculares da Educação Escolar Quilombola na escola estudada.

Consideramos que os três primeiros estudos nos revelam a importância e a necessidade de diálogo entre equipe pedagógica e a comunidade, no sentido de valorizar os saberes e os conhecimentos quilombolas, uma vez que ainda não estão contemplados no currículo. Conforme Arroyo (2013, p. 148),

[...] a afirmação e a emergência de sujeitos nas salas de aula acompanham a tensa emergência e afirmação da diversidade de sujeitos sociais, étnicos, raciais, de gênero, campo, periferias mantidas em longas e históricas ausências e ocultamentos. [...] Diversidade e presença que não podem ser desperdiçadas [...].

Nessa direção, a tese de H. L. de Oliveira (2014) buscou compreender as questões que rodeiam os territórios quilombolas e sua territorialidade, especialmente de duas comunidades autorreconhecidas — os Remanescentes de Quilombos de Arvinha e Mormaça —, localizadas na área rural dos municípios de Coxilha e Sertão, norte do estado do Rio Grande do Sul. Essas comunidades lutam pela manutenção e recuperação dos seus territórios e pelo pertencimento àquele lugar.

Essas lutas se baseiam na reciprocidade e nos ensinamentos em espaços não formais de educação, como nas famílias, na vizinhança e na comunidade. São processos educativos de ensinar e aprender não escolarizados, passados de geração em geração, que perpassam toda a história pessoal dos sujeitos e se entendem como estratégias educativas de ensinar e de aprender para que suas descendências não percam sua identidade. Apesar disso, os estudantes dessas comunidades não têm recebido, dentro do espaço formal de educação, ensinamentos que promovam a continuidade desse sentimento de pertencimento identitário. Em outras palavras, eles não têm recebido uma educação voltada para as questões quilombolas, tampouco uma educação que contribua para a valorização do negro na sociedade. Assim, se faz necessária a implementação de políticas e ações afirmativas nas escolas que atendam os estudantes dessas comunidades. Nessa perspectiva, o autor destaca que as dificuldades decorrem da carência de material didático adequado e metodologia de ensino, da vontade desejosa de manter a sociedade dividida em grupos raciais e da falta de interesse dos professores e das escolas em abordar a temática sobre a identidade nacional brasileira.

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O estudo de H. L. de Oliveira (2014) se articula ao nosso estudo, na medida em que destaca como a discussão da Educação das Relações Étnico-Raciais tem perpassado as práticas educativas, no que se refere às questões ligadas a sua identidade e seu pertencimento, o que nos leva a refletir sobre a ausência de materiais didáticos que contemplem as questões étnico-raciais e quilombolas. Também ressalta a importância do território para as comunidades, na tentativa de garantir sua história, memória e cultura. O autor ainda aponta algumas dificuldades nesse processo de implementação da lei, como a formação docente, e não identifica uma gestão democrática que dialoga e busca ouvir os membros das comunidades.

A dissertação de Rodrigues (2017) teve como objetivo geral verificar, a partir das percepções das famílias, mudanças significativas na organização socioterritorial, política, cultural e econômica da Comunidade Quilombola de Conceição das Crioulas, Pernambuco, motivadas pela nucleação escolar. A autora destaca que esse modo de organizar as escolas em núcleos municipais, fechando as escolas de núcleos periféricos, sob a alegação de que, por vezes, ficavam isoladas, sem acompanhamento dos órgãos responsáveis ou com o discurso de que haveria uma uniformidade no processo de ensino-aprendizagem, provocou danos às comunidades, que eram obrigadas ao afastamento diário dos seus filhos, em decorrência da distância entre a escola e a comunidade. Essa configuração também interfere negativamente na questão da identidade e sentimento de pertencimento à comunidade quilombola, considerando a perda do vínculo direto com a memória permanente e coletiva do povo quilombola e com a realidade local. A autora afirma que as expectativas da comunidade com relação às ancestralidades e a manutenção de seus vínculos culturais cederam lugar à arbitrariedade que prevaleceu nos processos de elaboração de projetos e políticas públicas.

As reflexões de Rodrigues (2017) permitem entender que as crianças, quando estudam fora de sua comunidade, longe dos saberes e fazeres quilombolas, podem ter seu processo de ensino-aprendizagem comprometidos, uma vez que o currículo ofertado nas escolas não quilombolas promove uniformidade do ensino e não considera história, memória e cultura. Tal fato reforça a necessidade de pesquisas que evidenciem o currículo vivido das escolas que atendem estudantes oriundos de território quilombola e a compreensão de como ocorre o seu aprendizado, além de se

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investigar como esses locais têm implementado a Lei nº 10.639/03 e seus desdobramentos no cotidiano escolar.

Santos (2013), em sua dissertação, fez o mapeamento e a análise dos processos educativos de Brejo dos Crioulos, Minas Gerais, apontando suas propostas curriculares, seus avanços, assim como os limites relacionados à formulação e à implementação de políticas direcionadas para o desenvolvimento educacional local.

Investigou ainda como o povo quilombola percebe a relação entre a proposta de educação diferenciada demandada por eles próprios e a proposta política e pedagógica da legislação educacional disponível.

Como resultados, a autora aponta que há uma grande lacuna a ser preenchida na educação escolar quilombola, por existir uma sobreposição da educação universalista à demanda da educação diferenciada. Faltam investimentos na área. Por outro lado, destaca que o governo não realizou um estudo em conjunto com a comunidade, de modo a conhecer as particularidades de sua cultura. Além disso, não ofertou formação continuada para professores, o que impossibilitava a construção de uma concepção antirracista e antidiscriminatória. Nesse processo, a população quilombola é a única vítima desses dilemas, uma vez que os fatores mencionados não contribuíram para a formação da identidade quilombola.

Santos (2013) nos ajuda a pensar sobre a formação continuada para os professores que irão trabalhar com a educação escolar quilombola e a importância de diálogo entre o poder público e a comunidade quilombola para atender às suas especificidades.

Desse modo, a autora destaca a necessidade de investimentos por parte do governo para a construção da educação escolar quilombola, na tentativa de garantir que os estudantes recebam uma educação que possibilite o reconhecimento da sua cultura e saberes, bem como o desenvolvimento de atitudes críticas a respeito do racismo e da discriminação que ainda hoje assolam nossa sociedade.

H. L. de Oliveira (2014), Rodrigues (2017) e Santos (2013) apresentam em comum a ausência do interesse do poder público em investir na educação escolar quilombola.

Essa ausência significa não contribuir para o sentimento de pertencimento à cultura quilombola, pois não oferta ao educando momentos de contato com a sua cultura e tampouco contribui para a formação da sua identidade e de seu pertencimento.

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