• Nenhum resultado encontrado

As políticas públicas são ações e práticas desenvolvidas pelo Estado que visam garantir o bem-estar da população e seu acesso aos diversos serviços por ele oferecidos, como a saúde e a educação (VIEIRA, 2015). Desse modo, cabe ao Estado, a constituição de políticas públicas para o enfrentamento ao racismo, considerando, como aponta Almeida (2018), que o racismo se articula às relações de poder e se reproduz em diferentes circunstâncias históricas, portanto, se manifesta na estrutura da sociedade e nas instituições sociais, entre estas a escola,.

O Estado, ao longo da história, assumiu diferentes configurações, articulando-se a cada contexto histórico, político e social. Corrêa (2010) assevera que, a partir da Idade Moderna, a palavra “Estado” passou a ser empregada no sentido de governo e governante. Nesse sentido, o autor cita a obra O Príncipe (século XVI), do filósofo Nicolau Maquiavel, na qual o Estado seria representado pela figura do seu soberano, não podendo existir em seus domínios nenhuma autoridade superior a ele.

Corrêa (2010, p. 338), apoiado nas contribuições de Bobbio (1997), considera que essa concepção de Estado se alastra por vários países europeus e se amplia, passando a designar “[...] condição de posse permanente e exclusiva de um território e de comando sobre os seus respectivos habitantes”. Assim, se fortalece a concepção de que o Estado seria uma instituição com funções específicas à qual os homens deveriam se submeter.

A partir do século XVI, o termo “Estado” liga “[...] o poder a uma função, de forma que a potência ou possibilidade de ser obedecido fosse reforçada pela autoridade devidamente qualificada de dar a ordem” (CORRÊA, 2010, p. 339). Desse modo, se observa que o poder passa a ser legitimado pela esfera jurídica, denominado como Estado moderno, apresentando algumas características próprias, tais como:

separação entre o público e o privado, e a liberdade e a igualdade entre os cidadãos.

Os Estados nacionais da época moderna se valeram do “contratualismo” para legitimar suas ações, considerando que o sistema capitalista depende das relações entre indivíduos e iguais. O contratualismo foi considerado um “[...] produto cultural como resultado de convenção pactuadas pelos cidadãos” (CORRÊA, 2010, p. 347), no qual o indivíduo renuncia ao seu direito natural a favor do Estado, que representaria seus interesses e teria a função de proteger seus direitos individuais, como liberdade, propriedade, segurança e paz.

Almeida (2018, p. 70), baseado nas contribuições de Charles Mills, afirma que a teoria do contrato social

[...] estabelece o pressuposto moral e epistemológico de uma civilização que, na verdade se unifica em torno da raça — branca — como critério de pertencimento e normalidade e, ao mesmo tempo, como forma de exclusão de outros povos e culturas.

Na sociedade capitalista, inicialmente o Estado assumiu os pressupostos do liberalismo, no qual não poderia intervir nas relações econômicas e seria responsável em garantir a ordem do sistema capitalista. Segundo Carnoy (1988, p. 39),

[...] o papel do Estado era o mais periférico em relação à dinâmica social fundamental – a “mão invisível” do mercado livre – uma dinâmica que não somente não deveria sofrer interferência, mas exigiria, ao contrário, uma loucura humana extrema para fazer retroceder significativamente sua capacidade inexorável de prover ganho material coletivo.

Desse modo, o Estado, na perspectiva liberal, somente deveria ser voltado para a garantia dos direitos individuais, como a propriedade privada, não podendo interferir na vida social. Exerce, portanto, um poder regulador dessa relação entre proprietários e trabalhadores (HÖFLING, 2001, p.36). Assim, na medida em que crescia a livre iniciativa, observava-se o aumento da desigualdade social: de um lado os grupos dominantes economicamente e, do outro, os trabalhadores (CARNOY,1988).

Cumpre destacar que, nas teorias liberais, não há espaço para a questão racial, pois

“[...] raça e racismo se diluem no exercício da razão pública, na qual deve imperar a igualdade de todos perante a lei (ALMEIDA, 2018, p. 69). Nesse sentido, o Estado liberal se articula à concepção individualista do racismo “em que a ética e, em último caso, o direito, devem ser o antídoto contra atos racistas” (ALMEIDA, 2018, p. 69).

No que se refere à educação, a teoria liberal defendia a sua oferta, para manutenção da ordem social vigente, em especial para os filhos dos burgueses que necessitavam de uma formação para se manter como classe dominante. Em contraposição, os filhos dos trabalhadores receberiam uma educação diferente, que os disciplinasse para a produção.

Com as transformações sociais, econômicas e políticas entre os séculos XIX e XX, marcadas pela revolução industrial, a eclosão da democracia de massas e a constituição dos Estados nacionais, inclusive com as reivindicações por parte dos trabalhadores por direitos que atendessem às suas necessidades, surgiu a necessidade de um novo perfil de Estado que garantisse os interesses capitalistas e, ao mesmo tempo, resolvesse as demandas da classe trabalhadora — o “Estado de Bem-Estar Social”.

A ideia de Welfare State ou Estado de Bem-estar surgiu após a Segunda Guerra Mundial, especialmente em países da Europa Ocidental, “[...] acompanhada de diversos e variados padrões de proteção social, tanto nos países de capitalismo central, quanto na periferia” (BEHRING, 2000, p. 2). O Estado tem um papel de garantir à sociedade alguns dos seus direitos, como estimular a economia, garantir direitos sociais como o exercício da cidadania, possibilitando direitos políticos e garantindo acesso à educação.

Almeida (2018, p. 160) pontua que a desigualdade é uma constante nos países capitalistas e os trabalhadores permaneciam à margem desses direitos, em especial

“mulheres, negros e imigrantes”. Podemos citar como exemplo os baixos salários recebidos por eles, contudo, para Höfling (2001), as ações estatais, em última instância, visavam garantir a produção e a reprodução de condições favoráveis à acumulação do capital e ao desenvolvimento do capitalismo.

Em momentos de profunda assimetria nas relações entre os proprietários de capital e proprietários da força de trabalho, o Estado atua como regulador a serviço da manutenção das relações capitalistas em seu conjunto. (...) O Estado capitalista moderno cuidaria não só de qualificar permanentemente a mão-de-obra para o mercado, como também, através de tal política e programas sociais, procuraria manter sob controle parcelas da população não inseridas no processo produtivo. (HOFLING, 2001, p. 33).

Para Almeida (2018), as intervenções estatais, dentro do sistema capitalista, podem ser compreendidas como forma de manter as estruturas socioeconômicas e minimizar os diferentes conflitos (sociais, raciais, religiosos, sexuais, culturais e outros) entre os diversos grupos que compõem a sociedade, valendo-se de mecanismos repressivos, materiais e ideológicos (discurso de meritocracia e racismo) para naturalizar as relações de desigualdades.

Essa é a lógica por trás das intervenções estatais: limitar as ações destruidoras de certos grupos de interesse e, eventualmente, até mesmo permitir a implantação de mecanismos que assegurem alguma forma de participação popular que restaure a legitimidade do sistema (ALMEIDA, 2018, p. 74).

No Brasil, talvez tenhamos nos aproximado dessa concepção de Estado, com a promulgação da CF/88, chamada “cidadã”. Segundo Behring (2000), no final da década de 90, o que se observa são traços do Welfare State, quando se garante alguns direitos à população, como seguridade social, saúde e educação na Constituição. A intervenção do Estado, nas diferentes esferas da vida social, passou a ser questionada pelas elites político-econômicas, que responsabilizaram o Estado pela crise surgida na década de 60, quando os gastos do Estado foram evidenciados, em especial aqueles direcionados às políticas sociais (BEHRING, 2000). O que se observou no período também foi a crise das empresas privadas, com acelerado índice de desemprego e concentração de capital, diminuição dos lucros e inflação.

Behring (2000) argumenta que o Estado de Bem-Estar Social foi alvo então de críticas e ataques, inclusive do empresariado, pelo “excesso de paternalismo” com o qual tratava os trabalhadores. Assim, as propostas neoliberais para tentar solucionar essa crise enumeram uma série de proposições desse Estado, que podem ser assim resumidas: um Estado forte que controlasse a moeda, com objetivo de estabilidade e rompesse com os sindicatos; um Estado que poupasse nos gastos sociais e instituísse disciplina orçamentária; realizasse uma reforma fiscal, diminuindo os impostos sobre os rendimentos mais altos; acabasse com os direitos sociais (BEHRING, 2000).

As consequências do Estado neoliberal não tardaram a aparecer: privatizações, aprofundamento das desigualdades sociais, concentração da renda nas mãos de uma parcela mínima da população, entre outras. “Os neoliberais defendem a iniciativa individual como base da atividade econômica [...]” (HÖFLING, 2001, p. 37), apoiando as privatizações. Desse modo, o Estado não se vê obrigado a garantir os direitos mínimos, transferindo a responsabilidade com os gastos na educação (ou parte desses gastos) para a sociedade civil.

As consequências do Estado neoliberal para a educação em países como o Brasil foram desastrosas, no sentido de poucos conseguirem ter acesso à educação e alcançar os níveis mais elevados de ensino, em que as ações promovidas pelo governo são baseadas em “[...] políticas compensatórias, em programas focalizados”, pensados para aqueles grupos desfavorecidos, que não conseguem “[...] usufruir do progresso social” (HÖFLING, 2001, p. 39).

Höfling (2001, p. 31) entende como políticas públicas “[...] o Estado implantando um projeto de governo, através de programas, de ações voltadas para setores específicos da sociedade”. Assim, podemos entender, a partir de Vieira (2015) e Höfling (2001) que políticas públicas são as ações desenvolvidas pelo Estado, na tentativa de assegurar direitos sociais a toda a população, atender às suas demandas e necessidades, bem como solucionar os problemas que a acometem, como a falta de acesso aos bens culturais e materiais produzidos pela sociedade.

O Estado pode ser considerado como “[...] conjunto de instituições permanentes — como órgãos legislativos, tribunais, exército e outras que não formam um bloco monolítico necessariamente — que possibilitam a ação do governo” (HÖFLING, 2001,

p. 31). O governo pode ser entendido aqui como o projeto que um grupo propõe para toda a sociedade e que desenvolveria o papel de Estado por um tempo determinado (HÖFLING, 2001). Para Höfling (2001, p. 32), as políticas públicas desenvolvidas na contemporaneidade se situam dentro do modelo de Estado capitalista, “[...] entendido de maneira ampla”. Assim, o Estado

[...] cuidaria não só de qualificar permanentemente a mão-de-obra para o mercado, como também, através de tal política e programas sociais, procuraria manter sob controle parcelas da população não inseridas no processo produtivo (HÖFLING, 2001, p. 33).

Desse modo, as políticas públicas desencadeadas no âmbito do Estado capitalista buscam atender aos interesses capitalistas e, ao mesmo tempo, minimizar as tensões sociais, por meio da solução das demandas da classe trabalhadora, como o desenvolvimento de políticas voltadas à educação. Assim, para Höfling (2001), as políticas públicas pressupõem a ação do Estado e

[...] são aqui compreendidas como as de responsabilidade do Estado — quanto à implementação e manutenção a partir de um processo de tomada de decisões que envolvem órgãos públicos e diferentes organismos e agentes da sociedade relacionados à política implementada (HÖFLING, 2001, p. 31).

Nessa perspectiva, entendemos a educação, como uma política pública de corte social, promovida pelo Estado, mas pensada por diferentes grupos sociais, no processo de disputas e negociações.

As políticas públicas têm proporcionado o acesso à educação de forma universal, mas de forma desigual, quando se analisa a questão racial, considerando acesso diferenciado do negro aos serviços sociais e a omissão do Estado (THEODORO, 2008), marcado pelo silenciamento reforçado pela ideologia do branqueamento e pelo mito da democracia racial, como vimos anteriormente. No entanto, nas últimas décadas, temos assistido ao esforço do movimento negro e outros estudiosos da temática no sentido de reconhecimento da existência da desigualdade racial em nosso país.

Theodoro (2008, p. 169) pontua que “[...] a retomada do debate nacional do papel e da situação do negro — parece ser um processo em andamento”. Por outro lado, o autor aponta alguns entraves que impossibilitam o processo, como a falta de recursos

e de esforço do governo; a ausência da aplicação com rigor de leis como a que pune o racismo como crime inafiançável e a Lei nº 10.639/03 para que haja uma mudança real nos currículos escolares. O combate à desigualdade social e ao racismo institucional6 oferece aos negros oportunidades de acesso e permanência no ensino superior.

No caso do Brasil, cabe ao Estado elaborar e desenvolver políticas públicas que busquem minimizar as desigualdades sociais e raciais, de modo a promover a justiça social e assegurar direitos sociais. Ao longo de algumas décadas, pressionado pelos coletivos sociais como o próprio movimento negro e outros grupos, “a União, Estados e municípios brasileiros vêm adotando um conjunto de leis endereçadas à promoção da igualdade racial” (SILVA JR., BENTO; SILVA, 2010, p. 17), entre as quais a garantia do direito à educação.

Segundo Cury (2002, p. 246) não há país no mundo que não garanta hoje em suas leis a educação, pois ela foi considerada fundamental para a o desenvolvimento da cidadania, na tentativa de garantir a participação de todos, nos espaços sociais e políticos. Além disso, a educação foi colocada sempre como principal instrumento de luta dos movimentos sociais.

Assim, o direito à educação corresponde a um direito social, muito recente, segundo Cury (2002, p. 253), “remonta ao final do século XIX e início do século XX” e representa resultado de um processo conflitivo de forças sociais, que revela não somente

[...] uma estratégia das classes dirigentes que aí teriam descoberto, na solução coletiva, diversas vantagens que o anterior sistema de autoproteção não continha. Esses direitos são também um produto dos processos sociais levados adiante pelos segmentos da classe trabalhadora, que viram nele um meio de participação na vida econômica, social e política (CURY, 2002, p.

253).

Entretanto, como nos aponta Cury (2002, p.252) desde o século XIX, alguns países europeus, entre os quais a Inglaterra, já pensavam na oferta da educação como um

6 O racismo institucional é compreendido como vantagens e privilégios que determinados grupos possuem nas instituições e se sustentam no poder. “As instituições são hegemonizadas por determinados grupos raciais” (ALMEIDA, 2018, p. 30), o que justifica órgãos públicos e privados geralmente com homens brancos em cargos de destaque.

meio para solucionar os problemas sociais. Além disso, esses países buscavam atender a uma demanda da própria população, que buscava seus direitos, entretanto o direito à educação só é transformado em lei na passagem desse século para o século XX.

Esse direito é visto por Cury (2002) como produto da luta dos trabalhadores em busca de seus direitos sociais e políticos. Dessa forma, “[...] a educação era vista como um canal de acesso aos bens sociais e à luta política e, como tal, um caminho também de emancipação do indivíduo diante da ignorância” (CURY, 2002, p. 254). No Brasil, temos esse direito assegurado na CF/88, no art. 205:

Art. 205 A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988).

A CF/88 ratifica, em seu art. 206, alguns princípios, como o da igualdade e garantia de qualidade:

Art. 206 O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

I - igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola;

II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;

III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;

IV -gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; gestão democrática do ensino público na forma da lei; garantia de padrão de qualidade;

V – [...] (BRASIL, 1988).

Para Cury (2002, p. 261) “[...] a educação como direito e sua efetivação em práticas sociais se convertem em instrumento de redução das desigualdades e das discriminações e possibilitam uma aproximação pacífica entre os povos de todo o mundo”. Dessa forma, as políticas educacionais são compreendidas como universalistas e buscam promover uma educação pública, de qualidade para todos, zelando pela permanência de todos os cidadãos no espaço escolar, combatendo a evasão e oferecendo espaços adequados à aprendizagem.

Nesse sentido, quando as políticas educacionais, de caráter universalista, não dão conta de atingir todas as camadas da população, há a necessidade de se pensar em

políticas mais específicas com o objetivo de minimizar a desigualdade ou a prática discriminatória que atinja um ou outro grupo social. Desse modo, devemos pensar nas políticas afirmativas como iniciativas “[...] para promover a igualação substantiva [...]”

(VIEIRA JÚNIOR, 2007).