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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL IZABEL PEREIRA DA SILVA

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Academic year: 2021

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CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL

IZABEL PEREIRA DA SILVA

“EU NÃO SOU A MULHER MARAVILHA”: AS IMPLICAÇÕES DO TRABALHO REPRODUTIVO PARA O ADOECIMENTO MENTAL DAS MULHERES

NATAL 2020

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EU NÃO SOU A MULHER MARAVILHA”: AS IMPLICAÇÕES DO TRABALHO REPRODUTIVO PARA O ADOECIMENTO MENTAL DAS MULHERES

Monografia apresentada ao curso de graduação em Serviço Social, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Serviço Social.

Orientador(a): Prof(a). Dr(a). Maria Ilidiana Diniz.

NATAL 2020

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA

Silva, Izabel Pereira da.

"Eu não sou a mulher maravilha": as implicações do trabalho

reprodutivo para o adoecimento mental das mulheres / Izabel Pereira da Silva. - 2020.

74f.: il.

Monografia (Graduação em Serviço Social) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Departamento de Serviço Social, Natal, RN, 2020.

Orientadora: Profa. Dra. Maria Ilidiana Diniz.

1. Relações patriarcais de gênero - Monografia. 2. Divisão sexual do Trabalho - Monografia. 3. Trabalho reprodutivo - Monografia. 4.

Sofrimento físico e psíquico - Monografia. I. Diniz, Maria Ilidiana. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/UF/Biblioteca CCSA CDU 316.334.22

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“EU NÃO SOU A MULHER MARAVILHA”: AS IMPLICAÇÕES DO TRABALHO REPRODUTIVO PARA O ADOECIMENTO MENTAL DAS MULHERES

Monografia apresentada ao curso de graduação em Serviço Social, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em Serviço Social.

Aprovado em: ______/______/______

BANCA EXAMINADORA

______________________________________ Profa. Dr(a). Maria Ilidiana Diniz

Orientador(a)

Universidade Federal do Rio Grande do Norte ______________________________________

Profa. Dr(a). Edla Hoffmann Membro interno

Universidade Federal do Rio Grande do Norte ______________________________________

Aline Correia de Lira

Assistente Social Especialista em saúde mental- UPE Membro externo

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Dedico este trabalho a todas as mulheres que não são a mulher maravilha que mesmo cansadas, encontram motivos para sorrir, lutar e resistir, em especial, aquelas que foram o ponto de partida para esta análise e a minha mãe, Izabel Cristina Pereira dos Santos.

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Gratidão, é uma palavra simples e repleta de significados! Conforme o dicionário esta palavra feminina significa, uma qualidade de quem é grato. Também significa o reconhecimento de uma pessoa por alguém que lhe prestou um benefício, um auxílio, um favor. Significa agradecimento. Então sim, sou grata!

Sou grata a Deus, por ter me guiado e me sustentado quando tudo parecia que iria dar errado, me mostrando que os planos dele são maiores e melhores que o meu.

Sou grata, a todas mulheres que vieram antes de mim e que abriram caminhos, travaram lutas e resistiram numa sociedade onde é difícil ser mulher, mesmo que digam o oposto. Se hoje, nós mulheres, podemos ter acesso à educação, isso é resultado da luta de muitas mulheres. Sou grata, a minha mãe, (aqui me faltam as palavras), por ser tão forte, tão resistente e por me amar tanto. Por ser minha incentivadora, financiadora e por me apoiar durante todo esse caminho e por ser meu exemplo de mulher e humana.

Sou grata, a toda minha família, por serem as pessoas que sempre estiveram presentes e serem parte desse processo.

Sou grata, a todos (as) meus amigos (as) que fizeram e fazem parte desta história, cada um tem um espaço dentro do meu coração. Obrigada por não terem desistido da nossa amizade, e por terem crescido junto comigo, terem sido parceiros (as) me apoiando e se dedicando a construir comigo os meus sonhos.

Sou grata, a todos (as) pessoas que conheci na UFRN e que contribuíram para a minha formação profissional, que não se encerrar com o fim da graduação. Um agradecimento especial, para minha orientadora de TCC, que há 2 anos me acompanha e tem sido minha apoiadora e incentivadora. Me deixando voar, ao mesmo tempo que me segurou. Obrigada por ter deixado eu participar um pouco da sua vida e conhecer essa mulher e humana que você é.

Sou grata também, aos amigos que fiz na iniciação científica, que sem sombra de dúvidas foram essenciais durante esta trajetória. Um agradecimento especial, a minha orientadora de iniciação científica por ter me passado um pouco dos seus conhecimentos. Sou grata também a minha supervisora de estágio, que foi minha condutora, amiga e parceira e de extrema importância neste processo.

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A presente pesquisa teve como objetivo geral analisar a relação entre a sobrecarga do trabalho de reprodução na vida das mulheres e o adoecimento mental. Trata-se de uma pesquisa de natureza bibliográfica e documental, construída a luz do materialismo histórico-dialético como principal método de análise. A escolha por essa problemática deu-se a partir da experiência de estágio obrigatório em Serviço Social, em um serviço da rede psicossocial de Natal-CAPS III, Leste. Para a apreensão da realidade foram elencadas algumas categorias de análise, tais como: relações patriarcais de gênero, divisão sexual do trabalho, trabalho reprodutivo, sofrimento físico e psíquico. As observações colhidas a partir da nossa inserção na referida instituição despertaram questionamentos e interesse em aprofundar a análise desse fenômeno. Sendo assim, verifica-se que o trabalho reprodutivo na vida das mulheres pode ser considerado um elemento potencializador e determinante para sua saúde física e mental, no entanto, isso é pouco debatido, de um lado, figura-se no campo da naturalização e da invisibilidade pelas famílias, Estado e pela sociedade como um todo, e de outro é medicalizado, normalmente tratado como um problema de ordem individual. Ademais, é importante construir estratégias coletivas que afirmem a saúde física e mental de forma ampliada intervindo nos determinantes sociais da saúde das mulheres, dentre esses, o trabalho no campo da reprodução social.

PALAVRAS CHAVES: relações patriarcais de gênero. Divisão sexual do Trabalho. Trabalho reprodutivo. Sofrimento físico e psíquico.

ABSTRACT

The present research had as general objective to analyze the relation between the overload of the reproductive work in the life of the women and their mental illness. It is a bibliographical and documentary research, built in the light of historical-dialectical materialism as the main method of analysis. The choice for this problem came from the experience of mandatory internship in Social Work, in a service of the psychosocial network of Natal-CAPS III, East. In order to apprehend reality, some categories of analysis were listed, such as: patriarchal gender relations, sexual division of labor, reproductive work, physical and psychological suffering. The observations collected from our insertion in the referred institution aroused questions and interest in further analyzing this phenomenon. Thus, it appears that reproductive work in the lives of women can be considered a potentializing and determining element for their physical and mental health, however, this is little debated, on the one hand, it appears in the field of naturalization and invisibility by families, the State and society as a whole, and on the other hand it is medicalized, usually treated as an individual problem. Furthermore, it is important to build collective strategies that affirm physical and mental health in a broader way by intervening in the social determinants of women's health, among them, work in the field of social reproduction.

KEY WORDS: patriarchal gender relations. Sexual division of labor. Reproductive work. Physical and psychological suffering.

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2. “EXPERIMENTA SER MULHER, PRETA E POBRE!”: As relações patriarcais,

de gênero, de classe e de raça como estruturantes e estruturadoras das desigualdades entre homens e mulheres ... 16

2.1. As relações patriarcais de gênero, classe e raça na sociedade capitalista ... 16 2.2. A divisão sexual e racial do trabalho e seus efeitos sobre as mulheres no contexto do modo de produção capitalista ... 21 2.3. Trabalho não remunerado: A responsabilização das mulheres com a família, o cuidado e os afazeres domésticos ... 30 3. “TRABALHAR, LAVAR, PASSAR SEM TER DIREITO A NENHUM

DESCANSO?”: As implicações do trabalho reprodutivo no sofrimento físico e mental das mulheres ... 37

3.1. A sociedade dos adoecimentos decorrente das relações de trabalho: uma discussão sobre o sofrimento físico e psíquico das mulheres ... 37 3.2. Os processos de adoecimento mental das mulheres no contexto brasileiro ... 50 3.2.1- O princípio da investigação: as mulheres do CAPS Leste III ... 55 3.3. “A explosão da Pandemia do Novo Corona vírus”: elementos iniciais para reflexão sobre a agudização do sofrimento psíquico e dos processos de adoecimentos mentais das mulheres ... 58 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 66 REFERÊNCIAS ... 68

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1. INTRODUÇÃO

O trabalho de reprodução tem sido considerado como um potencializador de sofrimento psíquico e processos de adoecimentos mentais em estudos da psiquiatria e psicologia, no entanto, esse determinante da saúde mental da mulher muito pouco tem se discutido na sociedade, uma vez que o trabalho reprodutivo contribui de sobremaneira para a perpetuação da divisão sexual e da exploração social, portanto, funcional ao capital, o que significa dizer que não há interesse em questiona-lo.

Para Bhattacharya (2019), o trabalho reprodutivo, na divisão social e racial de trabalho destina as mulheres o trabalho responsável pela produção e reprodução da força de trabalho. Ademais, a capacidade das mulheres de terem filhos/as é decisivo para a produção capitalista e resulta da relação dessas no processo que revigora os produtores diretos, bem como de seu envolvimento na produção.

Importa destacar que a força de trabalho tem se renovado no capitalismo sem custo nenhum para o capital, ou seja, tem se reconstruído com base no trabalho reprodutivo das mulheres, e seu custo recai de forma quase exclusivamente para esse sujeito, e o preço dessa responsabilização tem sido cada vez mais observado em processos de adoecimentos.

De modo que, nessa sociedade, onde as relações sociais são estruturadas no patriarcado que fomenta as desigualdades entre os sexos e transformam estes sujeitos em máquinas de cuidado, sem remuneração, sem reconhecimento, sem permissão de desistência, falhas ou erro. Tornar o trabalho reprodutivo de cuidar foi e é “uma mágica” do patriarcado capitalista para garantir a exploração das mulheres. (FEDERICI,2018)

Destarte, a sociedade capitalista e a forma com que se organiza e se estrutura é em si desumana, ou seja, se vive numa sociedade na qual privilegia uns em detrimento da subalternidade de outros, em relação às mulheres, marcadamente perpassada pelas desigualdades de gênero, de raça e classe, que subalterniza e diminui as mulheres nas relações privadas e nos espaços públicos. Ademais, este sistema patriarcal, “heteronormativo”, racista de dominação e privilégios masculinos diariamente, violenta, oprime, reprime, silencia e mata essa população simplesmente por serem mulheres, e que em muitos momentos não possuem o direito de falar e serem ouvidas. (CISNE e SANTOS, 2008).

Além desses elementos acima destacados, as jornadas extensivas do trabalho produtivo/reprodutivo desenvolvido por muitas mulheres que implica na responsabilização com a provisão financeira, emocional, do cuidado e do trabalho doméstico, conforme já anunciado,

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não raro, isso tem ocasionado implicações na saúde física e mental das mulheres e, quando não totalmente invisibilizado, tem sido tratado de forma fragmentada, individualizada, medicalizada e marginalizada.

Conforme a Organização Mundial de Saúde (OMS), a saúde mental é o bem-estar psíquico no qual o indivíduo é capaz de desenvolver suas habilidades plenas e se recuperar do stress da rotina diária e contribuir para comunidade e isso, na realidade concreta vivenciada por muitas mulheres tem sido afetado.

De acordo com Ludemir (2008) e Zanello (2018) as implicações do sistema capitalista na vida privada e coletiva das mulheres e na saúde mental dessa população são incontáveis. De modo que, seja no mercado de trabalho, sejam nas relações conjugais e sociais, no acesso as políticas públicas, ao emprego e a renda, a cultura, a educação, etc.; a mulher é vítima de desigualdades e iniquidades advindas da forma que se estrutura as relações na sociedade capitalista, tudo isso se intensifica quando se acrescenta o recorte de classe e raça.

Deste modo, compreender os processos de adoecimentos da mulher a partir das relações patriarcais de gênero, das desigualdades no mundo do trabalho que são estruturadoras desta sociedade é fundamental, tendo em vista que muitos processos sobre os quais as mulheres vivenciam, ainda permanecem no campo da individualidade e da naturalização, e, portanto, não são tratados como uma das expressões da questão social1 e que demandam políticas públicas para o enfrentamento a esse fenômeno. Considerar o social como a essência destes processos é indispensável, é no ceio desta sociedade que o processo saúde doença se concretiza, contudo, ainda há no âmbito da saúde o predomínio de questões biológicas em detrimento da questão social.

É no contexto de uma “sociedade de adoecimentos”2 advindas do mundo do trabalho que este objeto deve ser compreendido entendendo a articulação existente entre a esfera produtiva e reprodutiva, bem como, que os reflexos de uma reverberam na outra.

Esse cenário já era visível antes do advento da Pandemia do Covid-19, no entanto, diante deste contexto as mulheres têm sido afetadas drasticamente em todos os aspectos da vida social, tendo em vista as mudanças que a prevenção do vírus tem imposto as famílias. Ou seja, a

1 Conforme Iamamoto e Carvalho (2006), a Questão Social é expressão do processo de formação e

desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso na cena política. É a manifestação no cotidiano da vida social da contradição entre proletariado e a burguesia, devendo ser entendida fundamentalmente no conflito entre Capital e trabalho, no qual as desigualdades sociais, políticas e econômicas entre classe, raça e gênero, o pauperismo e a pobreza serão suas expressões. Além disso, a Questão Social é objeto de trabalho do Serviço Social, se configura a partir de dimensões históricas, objetivas e subjetivas tendo sua gênese marcada pela lei geral da acumulação capitalista, sendo tanto desigualdade, como rebeldia.

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pandemia trouxe visibilidade para as desigualdades de gênero, de raça, e de classe que já existiam, porém, há uma exacerbação de tais desigualdades e maior visibilidade de questões referentes à saúde mental.

O objeto de estudo deste Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) foram os rebatimentos do trabalho de reprodução na saúde mental das mulheres. Desta forma, o objetivo central foi analisar a relação entre a sobrecarga do trabalho reprodutivo das mulheres e seus processos de adoecimento físico e mental. Como objetivos específicos realizamos uma revisão de literatura buscando os estudos e pesquisas sobre adoecimento mental das mulheres e sua relação com a sobrecarga das atividades domésticas, como também, descrever os principais aspectos apontados nos estudos e pesquisas na abordagem do adoecimento mental e trabalho doméstico e fundamentar a imbricação entre adoecimento mental das mulheres e a sobrecarga do trabalho reprodutivo à luz das categorias: relações patriarcais de gênero, divisão sexual do trabalho; trabalho reprodutivo e sofrimento físico e psíquico.

O interesse pelo estudo desta temática surgiu a partir de minha inserção em um estágio curricular obrigatório desenvolvido em um serviço da rede psicossocial de Natal, o Centro de Atenção Psicossocial III leste, uma instituição de extrema importância e referência para a Política de Saúde Mental.

Este trabalho visa ser uma contribuição acadêmica que visa dar voz e vez a sujeitos que historicamente, foram e são silenciadas, entre as paredes dos espaços domésticos e na sociedade. E que na Pandemia estão sendo afetadas de forma barbara e desumana. Falar sobre Saúde Mental é necessário e indispensável tanto no contexto da Pandemia, como em todos os momentos históricos tendo em vista a dívida social que a sociedade possui com as pessoas em sofrimento psíquico.

Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa, construída a luz do materialismo histórico-dialético como principal método de análise. Utilizamos como metodologia no processo investigativo análise bibliográfica e documental.

Dito isso, conforme Minayo (2009) a metodologia é “o caminho do pensamento e a prática exercida na abordagem da realidade.” (p. 14). Ainda segundo a autora, a mesma é a teoria de abordagem, o método, as técnicas e instrumentos que irão operacionalizar o conhecimento, bem como, a, criatividade, a experiência e sensibilidade do pesquisador.

O método que abarca a realidade dos fenômenos ao estudo proposto é o método histórico dialético que compõe as esferas da consciência crítica buscando a “capacidade de reflexão da consciência que depende não só das características da realidade material que deve ser refletida, mas também das condições próprias, peculiares, inerentes a consciência humana” (TRIVIÑOS,

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1987, p. 62). Além disso, este método possibilita a análise da totalidade social possibilitando que os fenômenos e categorias sejam compreendidos com suas determinações históricas, econômicas, políticas e sociais que influenciam na realidade concreta, bem como, seu movimento dialético. (PRATES, 2010).

Contudo, também dialogará com vertentes teóricas pós-estruturalistas fazendo um debate plural, respeitando os limites de cada corrente teórica tendo em vista ser indispensável para o estudo do objeto de análise.

É importante ressaltar que este trabalho se desenvolveu na busca pela resposta das seguintes questões norteadoras: Existe relação entre a sobrecarga de trabalho reprodutivo e o adoecimento mental das mulheres? Como os processos de adoecimentos mentais das mulheres tem sido visto pela família, pelo Estado e pela Sociedade?

Diante da impossibilidade de ida ao campo durante o desenvolvimento deste trabalho, nos coube readequar a metodologia e construir a investigação a partir de análises bibliográficas e documentais.3 A pesquisa bibliográfica, segundo Prates (2010), possibilita o acúmulo de conhecimento e reflexões sobre a temática, como também a problematização consistente de aspectos que identificam e caracterizam o objeto estudado. (PRATES 2010, p. 21). Com isso, a leitura crítica e reflexiva de artigos, dissertações, livros, se fizeram essenciais, isso por que conforme a autora referenciada esta técnica de pesquisa é fundamental para (des) ocultar e desmistificar a realidade aparente.

Prates (2010) afirma que a revisão bibliográfica possibilita que o/a pesquisador/a adense as reflexões sobre o tema, problematize de forma mais consistente, identificando os aspectos que perpassam o objeto e a “partir de então identificar produções atualizadas que versem sobre o assunto, estudos já realizados e outras produções que ampliem nosso estoque de conhecimentos e alonguem nosso olhar”. (p.06)

Ainda conforme a autora a “identificação, a diversificação de fontes existentes e nossa real possibilidade de acesso a elas, bem como o aprofundamento de conceitos básicos são fundamentais para a etapa inicial de reflexões sobre o tema em estudo.” (PRATES, 2010, p.06). Entendendo a importância da revisão e análise bibliográfica para o desenvolvimento da pesquisa, em um primeiro momento fizemos um mapeamento em repositórios acadêmicos, livros, artigos científicos em revistas eletrônicas, pesquisas acadêmicas, tendo como áreas de referência as ciências sociais e saúde coletiva.

3 O projeto inicial desta pesquisa teve que ser readaptado diante a pandemia do Covid-19 o que não tira o mérito e a importância do estudo.

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Após o mapeamento, foram selecionados os materiais para leitura e análise a serem incorporados no desenvolvimento deste trabalho. Destacamos alguns autores/as como referências principais para a análise das categorias abordadas. Para as reflexões sobre relações patriarcais de sexo/gênero recorremos a Saffioti (1987, 2015, 2013), Camurça (2007), Cisne e Santos (2018), dentre outras.

Na abordagem sobre trabalho, trabalho feminino e divisão sexual do trabalho, utilizamos Federici (2017, 2018), Antunes (2018), Falquet (2018), Hirata (2016), Kergoat e Hirata (2017). Nas abordagens acerca da saúde mental, as contribuições se deram a partir de autores/as como: Amarante (1996,2007), Bisneto (2011), Vasconcelos (2016), Foucault (1978), Dejours (2015). Ludemir (2008), Passos (2018) (2020) e Zanello (2018).

Diante de um contexto difícil de realizar pesquisa, é preciso reinventar, assim, como referência também foram utilizados, lives, videoaulas e debates com pesquisadores/as que fizeram deste contexto de isolamento, uma forma de disseminar informações. Todos os vídeos e debates foram devidamente referenciados.

No tocante a pesquisa documental, Prates et al. (2009) afirma que a análise de documentos é indispensável para formação e desenvolvimento de pesquisa, muito embora, haja ainda pouca utilização na produção científica. Ainda segundo a referida autora, a análise documental é direcionada para o estudo de um de ou vários documentos: tais como “relatórios de políticas, normativas, planos, projetos, cartas, obras literárias, filmes, fotos, formulários de bancos de dados que compõem dados secundários, entre outros, pré-existentes a investigação. ” (p. 117). Além desses, regulamentos, leis, diários pessoais, autobiografias podem ser fontes de análises documentais que devem ser orientadas pelos elementos e questões que direcionam o estudo sendo uma fonte extremamente relevante que podem basear as afirmações e declarações do(a) pesquisador(a)

Desta forma, resgatamos os documentos construídos durante o estágio obrigatório no CAPS III leste4, como, relatório de estágio e diário de campo que foram utilizados como fonte

secundárias.

Recorremos ainda a documentos produzidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e da Organização Pan-americana de Saúde (OPAS) referentes a saúde mental do qual extraímos informações importante a respeito da particularidade da mulher, das condições de vida e de trabalho e do contexto da Pandemia do Covid-19 fazendo análises de dados produzidos pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos

4 Estive na condição de estagiaria nesta instituição no período de 10 meses, participei da dinâmica do serviço e me

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(DIEESE), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),da organização de mídia Gênero e Número, em parceria com a SOF Sempreviva Organização Feminista, bem como, de estudos e pesquisas de caráter epidemiológico nos servem de base epistemológica para reflexão do nosso objeto.

A análise destes dados e pesquisas partem das condições materiais do trabalho doméstico e reprodutivo, das desigualdades de gênero, do patriarcado e da divisão sexual do trabalho que determinam o lugar que as mulheres ocupam no trabalho produtivo e na reprodução e como isso vem, ao longo dos tempos, impactando em muitos aspectos da totalidade da vida, incluindo a saúde física e mental

Este Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) representa o final e começo, resultado e abertura. Significa tanto um final de um ciclo de aprendizados, de conhecimento, de superações pessoais e acadêmicas, como um começo de uma trajetória profissional pautada na luta por uma sociedade justa, emancipada e livre. Esse é resultado de apreensões teóricas, éticas e políticas que não se encerra com o fim de graduação, mas também é a abertura de um processo de aprendizado que deve ser contínuo e permanente para além dos muros da universidade e de espaços sócio ocupacionais

Esta pesquisa se justifica tendo em vista as lacunas existentes na graduação de Serviço Social em torno da Saúde Mental, é um elemento pouco discutido na graduação, no entanto, é indispensável para formação acadêmica das estudantes e para atuação profissional. Muito embora, seja um tabu para o marxismo. É um trabalho de extrema importância tendo em vista que tanto a questão da mulher na sociedade capitalista, como a saúde mental e o contexto da Pandemia do nova coronavírus estão intrinsicamente articulados a profissão do Serviço Social e sua particularidade na divisão sócio técnica do trabalho.

Dessa forma, o trabalho está organizado em cinco capítulos. No primeiro, apresentamos uma breve explanação acerca do tema que compõe este Trabalho de Conclusão de Curso, qual seja: “EU NÃO SOU A MULHER MARAVILHA”: as implicações do trabalho reprodutivo para o adoecimento mental das mulheres, bem como, falamos sobre a importância do tema, as motivações pessoais e acadêmicas e os caminhos metodológicos da pesquisa discutindo sobre o percurso e escolhas referente a este estudo.

No segundo capítulo abordamos aspectos sobre as relações patriarcais de gênero, de classe e de raça como estruturantes e estruturadoras das desigualdades na sociedade capitalista. Tal capitulo está dividido em três subitens. O primeiro intitulado as relações patriarcais de gênero, classe e raça na sociedade capitalista. O segundo intitulado a divisão sexual e racial do trabalho e seus efeitos sobre as mulheres no contexto do modo de produção capitalista e o

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terceiro que discute sobre o trabalho não remunerado e responsabilização das mulheres com a família, o cuidado e os afazeres domésticos. Categorias como patriarcado, divisão sexual e racial do trabalho, trabalho doméstico, foram utilizadas para refletir sobre as desigualdades as quais as mulheres estão inseridas.

No terceiro capítulo apontamos elementos que relacionam o trabalho reprodutivo como possível potencializador e determinante de processos de adoecimento físico e mental das mulheres. Para isso, buscamos investigar e compreender acerca das mudanças na assistência à saúde mental, na forma de olhar para a “a doença mental”, na forma de entender a loucura em diversos momentos históricos e como a partir das transformações, culturais, éticas, políticas e sociais na forma de enxergar a loucura, a saúde e a saúde mental passam a ser compreendidas articulada aos determinantes sociais em saúde (DSS), e dentre esses, o trabalho de reprodução.

Este capitulo também está dividido em três subtópicos, o primeiro discutimos sobre a sociedade dos adoecimentos decorrente das relações de trabalho fazendo uma discussão introdutória sobre o sofrimento físico e psíquico das mulheres. O segundo traz alguns dados de pesquisas que falam sobre os processos de adoecimento mental das mulheres no contexto brasileiro e também fala de modo mais aprofundado sobre o elemento que foi fundamental para o processo investigativo, as mulheres do CAPS Leste III. O último tópico deste capitulo se propõe a discutir sobre de forma inicial a Pandemia do Novo Corona vírus e a agudização do sofrimento psíquico e dos processos de adoecimentos mentais das mulheres.

Nas considerações finais, expomos alguns aspectos que pudemos apreender no decorrer do estudo, sobretudo no que diz respeito ao debate relacionado entre o trabalho reprodutivo e o sofrimento psíquico na vida das mulheres. Neste espaço revelamos nossas principais impressões e inquietações acerca do fenômeno em questão, as invisibilidades e naturalizações que o mesmo ocasiona, estabelecendo uma análise da atual conjuntura política, social, econômica do Brasil e os rebatimentos que este cenário poderá acarretar em muitas dimensões da vida das mulheres, com ênfase no trabalho e na saúde mental, categorias centrais deste trabalho.

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2. “EXPERIMENTA SER MULHER, PRETA E POBRE!”: As relações patriarcais,

de gênero, de classe e de raça como estruturantes e estruturadoras das desigualdades entre homens e mulheres

Existe muita coisa que não te disseram na escola, Cota não é esmola Experimenta nascer preto na favela pra você ver, O que rola com preto e pobre não aparece na TV. Opressão, humilhação, preconceito A gente sabe como termina, quando começa desse jeito Desde pequena fazendo o corre pra ajudar os pais Cuida de criança, limpa casa, outras coisas mais.[...] Deu meio dia, toma banho vai pra escola a pé Não tem dinheiro pro ‘busão’ Sua mãe usou mais cedo pra poder comprar o pão E já que tá cansada quer carona no ‘busão’ Mas como é preta, pobre, o motorista grita: Não! Chega na sala, agora o sono vai batendo E ela não vai dormir, devagarinho vai aprendendo que Se a passagem é 3, 80 e você tem 3 na mão Ela interrompe a professora e diz, 'então não vai ter pão'! E os amigos que riem dela todo dia Riem mais e a humilham mais O que você faria? Agora ela cresceu, quer muito estudar Termina a escola, a apostila, ainda tem vestibular E a boca seca, seca, nem um cuspe Vai pagar a faculdade, porque preto e pobre não vai pra USP! Foi o que disse a professora que ensinava lá na escola Que todos são iguais e que cota é esmola. Cansada de esmolas e sem o ‘dim’ da faculdade Ela ainda acorda cedo e limpa três ‘apê’ no centro da cidade Experimenta nascer preto, pobre na comunidade. Cê vai ver como são diferentes as oportunidades!

Bia Ferreira- Cota não é esmola.

2.1. As relações patriarcais de gênero, classe e raça na sociedade capitalista

Discutir a condição de vida das mulheres nos tempos de avanços do “capitalismo monopolista” significa particularizar tais condições a partir de determinantes que se imbricam e buscam legitimar desigualdades que vão muito além de salários diferenciados, alcançando a totalidade da vida produtiva e reprodutiva, a sexualidade, os direitos, as escolhas individuais, o

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lazer, a vida livre de violências sexistas, as horas de trabalho não remunerado, dentre outros, tudo isso legitimado por uma sociedade alicerçada em valores patriarcais, racistas e classistas.

Nesta direção, é importante destacar que neste trabalho a condição da mulher na sociedade capitalista será compreendida a partir da imbricação entre gênero, classe e raça tendo em vista que ao analisar a formação histórica, econômica e social da sociedade brasileira,na qual esses “três sistemas se fundiram”, essa imbricação se tornou indispensável para o desenvolvimento, produção e reprodução da sociedade capitalista. E isso se reverbera por todas as relações sociais as quais as mulheres se inserem, ou seja, ao analisar o patriarcado e o racismo pode se afirmar que esses são bases que fundamentam a exploração da força de trabalho, bem como, a reprodução de opressões na sociedade capitalista [...] (CISNE e SANTOS, 2008).

Umas das primeiras teóricas a considerar a importância dessa imbricação para a desigualdades entre homens e mulheres na sociedade foi a socióloga Heleieth Saffioti, segundo ela, para compreender as relações estruturais de poder existentes na sociedade é preciso considerar que as questões de raça, classe e gênero estão entrelaçadas, e que entre as contradições destas questões sociais existe um “nó” no qual a dimensão de classe, de raça e de gênero deve ser compreendida interacionadas para que haja o entendimento da totalidade das relações às quais as mulheres se inserem, e são relações fundamentadas no poder.

No que tange a formação sócio histórica e econômica da sociedade brasileira é importante ressaltar que a compreensão da condição da mulher, negra e pobre está relacionada às raízes patriarcais, racista, escravocrata e colonialista que perpassa todo o processo de desenvolvimento da sociedade do capital, que no contexto brasileiro, nasce subordinado aos ditames do capitalismo externo.

Segundo Silva (2007) e Cisne e Santos (2008) as raízes das desigualdades entre homens e mulheres no Brasil tem como fundamento as contradições advindas entre o capital e o trabalho que no contexto do capitalismo dependente e subdesenvolvido utilizou-se do trabalho negro e escravizado e que na atualidade utiliza-se desta mão de obra “barata” para se reproduzir.

Saffioti (2013) relata que o modelo patrimonial, patriarcal e escravista trouxe rebatimentos para a formação social brasileira contornando de forma particular o capitalismo no Brasil tendo em vista que as desigualdades sociais, políticas e econômicas existentes entre homens e mulheres têm fundamento no sexismo e no racismo que são expressões incontestáveis da questão social no Brasil determinada pelo referido sistema.

Dito isso, para compreender as relações patriarcais é importante destacar que essas dizem respeito a uma construção social a qual o homem detém o poder, ou seja, o poder é da figura masculina. (HIRATA, 2018). Conforme Guillaumin (2014) o patriarcado diz respeito à

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dominação masculina em detrimento da desvalorização, submissão, apropriação e opressão feminina. O ser masculino se apodera do ser feminino como propriedade e objeto privado, isto é, as mulheres no sistema patriarcal nascem para ser posse e os homens para ser o possuidor.

Segundo Cisne e Santos (2018) e Hirata (2018), o patriarcado diz respeito a uma sociedade na qual os homens detém o poder e por funcionar como sistema também pode ser reproduzido por mulheres, com isso, pode se afirmar que tal categoria também atinge outros sujeitos sociais, mas a lógica que se predomina é de privilégios para o ser masculino em detrimento da subordinação e invisibilização das mulheres e dos sujeitos que a essas se associam.

As referidas autoras afirmam ainda que o patriarcado não se reduz ao sexo biológico feminino, reverbera na construção social do ser mulher na sociedade capitalista heterossexual (CISNE E SANTOS, 2018). Tal construção é base material do patriarcado e afirma que as mulheres devem assumir papeis sociais mesmo quando não for sua vontade.

Ainda segundo as autoras referenciadas a opressão feminina é justificada pela apropriação das mulheres, isto é, essas são reduzidas a objetos de troca e isso é naturalizado e funcional à sociedade capitalista, seja para o controle da força de trabalho, seja para a manutenção da propriedade privada.

Isso por que, conforme apontou Saffioti (2015), as relações patriarcais construíram mulheres para serem objetos de desejo e satisfação sexual masculinas “produtoras de herdeiros, de força de trabalho e de novas mulheres reprodutoras” (SAFFIOTI, 2015, p. 112). Para a autora, a inferioridade da mulher é exclusivamente social, as relações patriarcais é um dos princípios que fundamentam e estrutura a sociedade brasileira. A supremacia do homem perpassa todas as classes sociais, isto é, o poder do homem, embora apresente particularidades, está presente na classe dominante e subalterna, entre brancos e negros, contudo, se expressa com maior intensidade quando pensamos em mulheres negras.

Cumpre ressaltar que “o poder está concentrado em mãos masculinas há milênios. E os homens temem perder privilégios que asseguram sua supremacia sobre as mulheres”. (SAFFIOTI, 1987, p.16). Este sistema de dominação, de sujeição, de valorização do poder do homem, desvalorização e dominação da mulher encontra funcionalidade no marco do desenvolvimento, produção e reprodução da sociedade do capital, especialmente se torna útil para a classe dominante. Para esta autora, a classe dominante garante a reprodução dos seus interesses com a existência de grupos sociais discriminados, com a supremacia masculina nas paredes do lar, bem como, no mercado de trabalho.

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Ademais, Federici (2017) acrescenta que as relações patriarcais possuem bases materiais e sócio históricas, no desenvolvimento e acumulação primitiva do capitalismo, esse é um elemento importante a ser destacado, tendo em vista que o patriarcado foi socialmente construído. Ademais, todo esse controle e sujeição das mulheres aos homens, foram legitimados pelo Estado e tem funcionalidade para sociedade capitalista.

A autora em tela argumenta ainda que à medida que o capitalismo estava se desenvolvendo no processo de acumulação primitiva, a violência contra o poder e os direitos das mulheres ia se institucionalizando na sociedade e nas relações sociais. Na Europa, o processo de acumulação primitiva marcado pela expropriação da terra, pela violência, pelo controle populacional, pela pauperização da classe trabalhadora, pela escravidão dos povos das Américas, pela “caças as bruxas” foram essenciais para construção e manutenção da sociedade capitalista, [e acrescentamos, patriarcal] na qual o homem detém o poder sobre o corpo e a sexualidade da mulher.

Segundo Federici(2017), este processo desencadeou hierarquias, divisões e diferenças na classe trabalhadora, na qual, as questões de gênero e raça se tornaram constitutivas da dominação de classe no capitalismo.

Para Saffioti (2018) o patriarcado se gesta no desenvolvimento da sociedade capitalista, se moldando e se reatualizando nas diversas culturas e sociedades, no entanto, possuindo a mesma natureza e fundamento. É importante refletir sobre isso, visto que, o patriarcado é uma categoria histórica e é indispensável compreender a dimensão histórica da dominação masculina na sociedade capitalista. (SAFFIOTI, 2018). Assim sendo, “as relações patriarcais, suas hierarquias e estrutura de poder contaminam toda a sociedade, o direito patriarcal perpassa não apenas a sociedade civil, mas impregna também o Estado.” (SAFFIOTI, 2018, p. 57).

Logo, se no âmbito da estrutura e relações familiares há a prevalência das relações patriarcais, isso não se limita as relações da vida eaosespaços privados do cotidiano da mulher, reverbera nos espaços e relações públicas bem como na estrutura do Estado, devendo-se compreender o patriarcado como uma categoria política, tendo em vista ser uma forma de expressão do poder político.

Em síntese, para Saffioti (2015) as relações patriarcais não são apenas relações privadas, mas civis. O patriarcado “dar direitos sexuais aos homens sob as mulheres, praticamente sem restrição.” (SAFFIOTI, 2015, p. 60). É um tipo de relação hierárquica que reverbera por todos os espaços da sociedade, possui uma base objetiva, material, concreta na sociedade capitalista e representa uma estrutura de poder baseada tanto na ideologia como na violência insititucionalizada que se intensifica na realidade brasileira quando se trata de mulheres negras

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e pobres. O patriarcado e o racismo é um elemento estrutural do Capital, embora muitas vezes invisíveis.

Portanto, o patriarcado se organiza como sistema de poder, político, ideológico que garante à manutenção de relações desiguais às quais subalternizam as mulheres. As relações patriarcais na sociedade brasileira se materializam articuladas as dimensões de classe e de raça, de modo que, as desigualdades existentes entre homens e mulheres se intensifica quando trata-se de mulheres pobres e negras, estas relações devem trata-ser compreendidas levando em consideração, a divisão sexual e racial do trabalho que tem rebatimentos diretos na vida produtiva e reprodutiva das mulheres.

Conforme Camurça (2007) o patriarcado pertence totalmente a ordem social, possui um caráter coletivo tendo em vista que alcança toda sociedade, não apenas a mulher de forma isolada e individualizada. Ademais, compreender a condição da mulher nesta sociedade significa considerar que existem experiências particulares e diversas entre essas, muito embora, tenham o mesmo fundamento e sejam experiências históricas compartilhada por todas as mulheres. Para ela, um dos grandes desafios do feminismo é construir caminhos coletivos de práticas contra hegemônicas, ou seja, práticas que visem superar o patriarcado e modelo de sociabilidade capitalista.

Além disso, ainda segundo a autora “[...]há mecanismos que sustentam o sistema de dominação, através dos quais a dominação se reinventa, reproduz e perdura.” (P. 5). Ela considera que os mecanismos principais são a prática da violência contra as mulheres para subjugá-las, o controle sobre o corpo, a manutenção das mulheres em situação de dependência econômica e também no âmbito do sistema político e práticas sociais, de interdições à participação política das mulheres.

Sendo assim, será aprofundado no próximo item o mecanismo da manutenção das mulheres em situação de dependência econômica, em particular a divisão sexual e racial do trabalho e sua relação com este mecanismo tendo em vista que conforme Camurça (2007)

[...] os mecanismos de manutenção da dependência econômica das mulheres, a ordem social no mundo do trabalho é a questão. O sexismo no mercado de trabalho e a imposição do trabalho doméstico, como tarefa exclusiva ou própria das mulheres, são os dois mecanismos principais. Esta ordem social, no mundo do trabalho, coloca sobre as mulheres a responsabilização exclusiva pelo trabalho doméstico, acarretando a dupla jornada de trabalho, para umas, e levando ao confinamento no ambiente do grupo doméstico, outras tantas. A naturalização desta divisão do trabalho, que é social, explica a ausência de políticas públicas de estímulo à inserção das mulheres no mercado de trabalho formal, explica a desproteção social sobre o trabalho das mulheres, oferece as condições facilitadoras para a maior exploração da força de trabalho das

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mulheres, sendo funcional a esta exploração. Como consequência temos maior tempo de jornada total de trabalho para as mulheres, jornadas de trabalho vivenciada em mais precárias condições, com menores rendimentos que os homens e em situação de desproteção social, sem direitos trabalhistas. No Brasil, 70% da população trabalhadora informal são mulheres. (p.6)

2.2. A divisão sexual e racial do trabalho e seus efeitos sobre as mulheres no contexto do modo de produção capitalista

Para Antunes (2018), o mundo do trabalho hoje é expressão da tragédia que é o sistema do capital. A nova morfologia e estrutura da divisão social e técnica do trabalho assumida sob a égide do novo modelo gerencial toyotista tem ocasionado um trabalho cada vez mais precarizado e desvalorizado.

Isto significa que o processo de reorganização produtiva global marcado pela superação do modelo japonês toyotista em detrimento do modelo fordista e taylorista proporcionou para o capitalismo a possibilidade de garantia da acumulação flexível por intermédio das novas formas assumidas pelo o trabalho. Ou seja, o empreendedorismo, o corporativismo, o trabalho voluntário, em suma, os modelos de empresas flexíveis que fundamenta o “trabalho intermitente”, inseguro, incerto, sem proteção, com precários salários, em síntese, desprovidos de direitos.

Santos (2016) afirma que

[...] a reestruturação produtiva foi marcada por mudanças no mundo da produção e uma nova condição do trabalho e de sua reprodução; ela se desenvolve com a generalização do padrão japonês de produção, o toyotismo, baseado na produção flexível. Nesse padrão de produção, forja-se uma articulação entre descentralização produtiva e avanço tecnológico – com a microeletrônica digital miniaturizada –, bem como há uma combinação entre trabalho extremamente qualificado e desqualificado. Diferentemente da verticalização hierarquizada fordista, a produção flexível é horizontalizada/descentralizada. Uma rede de pequenas e médias empresas é contratada como terceirizadas, pois, têm um perfil semiartesanal e familiar. Uma de suas principais características é que a produção toyotista é conduzida pela demanda, estocando-se o mínimo, e os trabalhadores passam a ser multifuncionais ou polivalentes. Esse padrão se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo, com novos setores de produção, novas maneiras de fortalecimento de serviços financeiros, novos mercados e a intensificação da inovação comercial, tecnológica e organizacional. (p.164)

Em consonância Antunes (2018) afirma que a perda de direitos, a precarização e rebaixamento estrutural são consequências das transformações advindas da restruturação produtiva e atingem principalmente aqueles que vivem do trabalho, dentre esses as mulheres.

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Além disso, Antunes (2018) acrescenta que por causa da “desproletarização do trabalho industrial”, da “heterogeneização da classe trabalhadora”, e avanço das tecnologias na esfera produtiva, a classe trabalhadora se insere numa “subproletarização” que está presente no mundo do trabalho através do trabalho precário, temporário, terceirizado, desvalorizado, parcial e subcontratado. (ANTUNES, 2018). Sem dúvidas, se as novas formas assumidas pelo trabalho representam a tentativa de manutenção e reprodução do capital, elas também representam controle e devastação da vida dos (as) trabalhadores (as).

Ainda em conformidade com o autor mencionado, a restruturação produtiva ocasionou em escala global um processo tendencioso de aumento da informalização e da precarização da classe trabalhadora em todo mundo. Isto é, o crescimento de trabalhadores (as) que se precarizam ou perdem seus empregos de forma intensificada, e em contrapartida a ampliação de novas formas de sobre trabalho, articulados as novas tecnologias digitais e informacionais são elementos da nova morfologia assumida no mundo produtivo diante das transformações no mundo do trabalho que tem funcionalidade inegável ao sistema sócio metabólico do capital em um contexto de crise estrutural.

Tomando como referencial este contexto, Falquet (2018) reflete sobre o trabalho feminino tendo como referência a divisão sexual e social do trabalho, numa conjuntura de globalização neoliberal e avanços do capitalismo no que tange mecanismos e estratégias para garantir sua reprodução frente à crise estrutural do capital. A reestruturação e reorganização da divisão do trabalho que trazem antigas e novas características para as relações sociais e trabalhistas é uma dessas estratégias que implicou diretamente na vida produtiva e reprodutiva das mulheres.

No que se refere as particularidades brasileira, Passos (2018) relata que:

Diante desse cenário de mutações no mundo do trabalho, o caso brasileiro apresenta particularidades em seu processo de reestruturação produtiva e adesão ao projeto neoliberal, que já estava em curso nos países centrais. Apenas nos anos 1980, ao final da ditadura militar e sob a denominada Nova República de Sarney, que o modelo de acumulação apresenta as primeiras alterações. Portanto, foi nesse período que ocorreram os primeiros impulsos do processo de reestruturação produtiva no Brasil, proporcionando a adesão das empresas, a novos padrões tecnológicos e organizacionais, além de novas formas de organização social e sexual do trabalho. (p.69)

Antunes (2018) descreve que a partir da década de 1990, no Brasil, é incorporado um processo estrutural de precarização da vida dos/as trabalhadores/as, que é a marca central da nova ordem do capital no plano mundial trazendo consequências para todos os aspectos das

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relações sociais. Ou seja, os impactos decorrentes disso foram imensos, tanto no que envolve a esfera ideológica e política, como no que envolve a mudança do aparelho do Estado, e no mundo do trabalho. Tais transformações intensificaram a lógica mercantil não apenas nas relações trabalhistas, mas em toda sociedade.

A divisão sexual do trabalho foi atingida, passando a exigir a inserção intensa das mulheres na esfera produtiva. Entretanto, em empregos e salários subprecários, com exploração intensificada e subordinação do trabalho doméstico ao capital. (PASSOS, 2018). Nesse contexto, os impactos na vida produtiva e reprodutiva das mulheres se articulam, isto é, se por um lado, as mulheres adentram com maior intensidade na esfera produtiva, de outro, as atividades as quais elas exercem se concentram nos setores de serviços pessoais, domésticos comércio e serviços públicos.

É importante destacar que tais atividades são consideradas extensão do trabalho reprodutivo, doméstico, desvalorizado socialmente e não remunerado, talvez isso, mas não só, possa justificar por que as mulheres possuem menores salários que os homens e ocupam profissões pouco valorizadas socialmente. Compreendendo fundamentalmente quea condição da mulher deve ser analisada no contexto de uma formação patriarcal, racista e desigual, a qual o sistema capitalista se apropria do trabalho e da mão de obra feminina para perpetuar sua reprodução, ou seja, a apropriação da mulher, do seu corpo, do seu tempo é funcional para o capitalismo.

Conforme apontou Falquet (2008) a reorganização do mundo do trabalho, transformou o trabalho doméstico e feminino que não era assalariado, em trabalho assalariado e mercantilizado, ocorrendo de certa forma uma generalização da mercantilização trabalho da mulher, porém, é um trabalho desvalorizado o qual as pessoas que são chamadas a realiza-los são migrantes5 que possuem classe, gênero e cor. As mulheres pobres e negras continuam sendo utilizadas pelo capital como um instrumento de maximização da mais valia através dos baixos salários e do trabalho gratuito.

A autora referenciada afirma que no contexto da globalização passa existir uma mão de obra migrante, que é predominantemente, feminina e que assegura “o baixo preço do trabalho subterrâneo, invisível, frequentemente informal possibilitando a globalização das metrópoles globais” (FALQUET, 2008 p. 127). Isto é, no contexto da globalização passa a existir uma “internacionalização do trabalho da reprodução social”.

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As transformações decorrentes do contexto acima exposto possibilitam um rearranjo no trabalho atribuído às funções femininas, isto é, o trabalho do cuidado exercido por muito tempo apenas no âmbito das paredes dos espaços domésticos sem nenhuma remuneração, agora, também é mercantilizado, no entanto, continua sendo a principal atividade exercida pelas mulheres de forma precarizada, desvalorizada, com baixos salários e pouco reconhecimento social, político e econômico. (HIRATA, 2016).

Hirata (2016) denomina esse trabalho de cuidado remunerado de “trabalho do care” e ao desenvolver um estudo comparativo sobre tal atividade entre três países, França, Japão e Brasil chegou a dados que apontam para a desvalorização desse tipo de trabalho em todos os três países, com apenas algumas distinções. Na França há uma desvalorização associada, principalmente, a dimensão de raça. No Japão, há uma desconsideração deste trabalho associada à dimensão salarial e no Brasil a desvalorização é justificada tanto pela dimensão de raça, como também pela dimensão salarial.

Essa desvalorização do trabalho considerado como feminino é fundamento para desigualdades entre homens e mulheres e tem raízes na formação da sociedade capitalista. Ademais, é imprescindível destacar que tudo isso se acentua quando se reflete sobre mulheres, negras e pobres. O impacto de tal divisão na vida da mulher negra é marcado pela desigualdade e exploração desde meados do período colonial até os dias atuais, antes como escravas e objeto dos grandes senhores, hoje como empregadas domésticas das mulheres da classe burguesa.

Para Collete Guillaumin (2014) a desvalorização do trabalho feminino é naturalizada por quase toda sociedade, ou seja, é aceito por quase todos, que as mulheres tenham suas forças de trabalho exploradas, tanto no lar, como no mercado de trabalho e que em troca disso não sejam remuneradas. É importante afirmar que “a exploração das mulheres é à base de toda reflexão sobre as relações entre classes de sexo, independentemente de sua orientação teórica”. (GUILLAUMIN 2014, p.32).

Diante do exposto, é possível afirmar que o trabalho das mulheres é funcional ao desenvolvimento da sociedade capitalista. As mulheres são exploradas, desvalorizadas, desrespeitadas e isso ainda é, invisibilizado e naturalizado pela sociedade. A essas mulheres foram atribuídas funções socialmente construídas de responsabilização com a família, com os cuidados, com os afazeres domésticos sem direito a nenhuma valorização e remuneração, isso é tido como um atributo natural da mulher, quando essa adentra o mercado produtivo, o mesmo aspecto da vida privada é reproduzido, afirmando mais uma vez o controle e apropriação coletiva e social existente em torno do ser mulher.

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Os dados expostos até o presente apontam que as mulheres são as principais vítimas desta sociedade que explora, oprime e mata diariamente e isso se intensifica quando se trata da mulher negra e pobre e que por causa desta formação social a estas mulheres não foi e não é dada as mesmas oportunidades tanto no que envolve a educação, como no que envolve, o mercado de trabalho, a cultura e a política.

As transformações da sociedade capitalista para garantir a manutenção e dominação do capital dia após dia consolidam as desigualdades que permeia a vida das mulheres, sendo de extrema relevância refletir com maior profundidade acerca da responsabilização das mulheres com a família, cuidado e afazeres domésticos e como tais responsabilidades rebatem nas suas vidas tendo em vista que isso é uma das bases para as desigualdades existentes entre homens e mulheres, bem como, entre mulheres brancas e negras.

Dados produzidos pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do 4º semestre de 2018, apontaram que a inserção das mulheres na vida produtiva, mesmo tendo apresentado crescimento nos últimos anos, ainda é menor quando comparado aos homens. A taxa de participação dos homens no mercado de trabalho em 2018 era de 71,5% e das mulheres, 52,7%.

Ainda segundo os referidosdados, as mulheres estão em ocupações menos valorizadas socialmente quando comparado aos homens, permanecendo “concentradas nos setores da educação, saúde, e serviços sociais (21%), comércio e reparação (19%) e serviços domésticos (14%), cabe destacar que tais atividades são coextensivas das atividades domésticas não remuneradas, fundamentalmente por terem relação direta com cuidados, limpeza e educação.” (DIEESE 2019, p.04).

Além disso, esta pesquisa aponta ainda que a renda decorrente tanto do trabalho informal como formal do homem, é 28,1% superior aos rendimentos das mulheres. E acrescenta que mesmo entre as mulheres, há enorme desigualdade no que tange a renda, isso por que os rendimentos das mulheres brancas eram de 70,5% superior quando comparado aos rendimentos das mulheres negras, a pesquisa afirma que esta desigualdade ocorre em razão da dupla discriminação ocorrida no mercado de trabalho sofridas pelas mulheres negras.

No que se refere a precarização e desvalorização do trabalho feminino, os dados da pesquisa da PNAD 2018, apontaram que do total de mulheres que estavam trabalhando, 23,3% estavam sem carteira assinada, e aproximadamente 23,9% trabalhavam por conta própria, isto é, cerca de 47% mulheres não possuía registro em carteira de trabalho.

No tocante as desigualdades salariais, dados da Fundação Perseu Abramo de 2019 apontaram para uma diferença curiosa, no que tange os salários de mulheres e homens ricos

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(as) e pobres. Dentre os 10% mais pobres, a diferença do salário, por hora, entre homens e mulheres seria de 1,2%, enquanto entre os 10% mais ricos, esta diferença subiria para 6,9%. Esses dados além de afirmar as marcas históricas da desigualdade salarial entre homens e mulheres mostram que a depender do tipo de inserção e do poder que ela assume essa diferença ganha maior radicalidade. Ou seja, mesmo que as mulheres rompam com o “teto de vidro”6,

isso não será garantia que elas irão receber o mesmo que os homens.

Em termos mundiais, os dados do relatório “World Employmentand Social Outlook – Trends for women 2017”7, desenvolvido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), avaliou que “as desigualdades de gênero são um dos maiores problemas do mercado de trabalho global”. Como também, relata que tais desigualdades se tornam mais visíveis quando analisadas, por exemplo, a taxa de desemprego feminina em comparação à masculina, a maior probabilidade de mulheres serem inseridas em relações trabalhistas precarizadas e ainda a participação dessas na população economicamente ativa, além da renda do trabalho feminino ser menor que a do trabalho masculino.

Tal relatório aponta ainda que os principais nichos de trabalho ao quais as mulheres estão inseridas tem relação com o setor de serviço e vendas [conforme já apontamos no texto]. Também afirma que um dos principais elementos que dificultam o desenvolvimento das mulheres no mercado de trabalho são as normas sociais e o trabalho doméstico não remunerado. Vale ressaltar que num curto período de tempo não vislumbramos superação dessas disparidades no mundo do trabalho entre homens e mulheres na sociedade brasileira, visto que as ações desenvolvidas pelo Governo Federal vêm sistematicamente potencializando o acirramento dessas desigualdades. Exemplo disso é o projeto de emenda constitucional 06/2019, do Governo Bolsonaro que tratou de modificações e reforma na Previdência Social, as propostas deste projeto que falam sobre à idade de aposentadoria, a retirada do direito à aposentadoria por tempo de contribuição, as modificações no Regime Geral de Previdência Social (RGPS), bem como, as restrições de valores de benefícios como pensão por morte e Benefício de Prestação Continuada (BPC), trazem rebatimentos, principalmente, as mulheres, negras e pobres.

6 Conforme Lescalt (2020), para as feministas, romper com o “teto de vidro” significa conquistar espaço na vida

pública, social e política mesmo com as dificuldades. Significa que as mulheres têm maiores limitações para ascenderem na carreira, o que resulta “em baixa participação de mulheres nos cargos de comando das organizações e, consequentemente, nas altas esferas do poder, do prestígio e das remunerações”. Mesmo quando as mulheres possuem características produtivas idênticas ou superiores aos homens, os resultados são os mesmos. Essa barreira sútil, traz rebatimentos nas oportunidades de carreira ao gênero feminino, bem como na progressão profissional. Essas barreiras são estruturais.

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De acordo com a nota técnica sobre os impactos da PEC 06/2019 na vida das mulheres emitida pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos socioeconômicos (DIEESE), as mulheres são as principais atingidas tendo em vista a condição de precarização do trabalho expressas no subemprego, empregos em tempos parciais, menores salários, desemprego, etc.

Quando particularizamos esses números, tendo como referência a população negra, dados produzidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) retirado da pesquisa intitulada, “Desigualdades Sociais por Cor ou Raça”, de 2018, 64% dos desempregados (as) são negros (as). A população negra continua recebendo menos que os brancos, “a diferença do salário médio chega a 73%, com destaque para os homens brancos, que têm vantagem quando comparados às mulheres brancas e às mulheres e homens pretos e pardos. As mulheres de cor recebem menos da metade do salário de um homem branco (44%)”. São os (as) negros (as) que estão inseridos (as) nas formas mais críticas de trabalhos informais e precarizados. Conforme ficou explicitado em pesquisa do IBGE,

Em 2018, enquanto 34,6% das pessoas ocupadas de cor ou raça branca estavam em ocupações informais, entre as de cor ou raça preta ou parda esse percentual atingiu 47,3%. A maior informalidade entre as pessoas de cor ou raça preta ou parda é o padrão da série, mesmo em 2016, quando a proporção de ocupação informal atingiu seu mínimo. Nesse ano, havia 39,0% de pessoas ocupadas informalmente, sendo que, entre as pretas ou pardas, tal proporção atingiu 45,6%. (2019, p.02)

Isso se agrava quando se fala especificamente das mulheres negras, segundo esta pesquisa, as mulheres negras ocupavam 47,8 % dos trabalhos informais, já as mulheres brancas 34,7%. Os homens brancos ocupam 34,4% dos trabalhos informais e os homens negros 46,9%. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 54% da população brasileira é composta por negros/as, essa representação majoritária não significa nenhum tipo de propriedade, pelo contrário, essa população é que mais sofre os impactos das desigualdades políticas, econômicas e sociais decorrente de um racismo estrutural que conforma a sociedade brasileira. Segundo Almeida (2019) o racismo constitui as relações sociais no Brasil, isto é, faz parte da estrutura social desta sociedade sendo uma forma de racionalidade consciente e inconsciente estando presente nas relações de maneira normalizada fundamentada tanto na economia, como na política, na objetividade e na subjetividade.

Destarte, as desigualdades entre homens e mulheres se legitimam na sociedade fazendo parte de um sistema cada vez mais estruturado e que se retroalimenta junto com o capitalismo que se utiliza de tais disparidades para explorar e dominar em todas as instâncias da sociedade em que as mulheres buscam se fixar e isso se intensifica quando trata-se de mulheres negras.

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Esta realidade é uma marca indelével do sistema patriarcal-racista-capitalista que coloca as mulheres trabalhadoras em condições de dominação, exploração e reforça a desvalorização do trabalho feminino.

Para compreender esta realidade, é preciso considerar os aspectos que se estruturam a partir da divisão sexual do trabalho, cuja construção histórica e social se remodela para atender as demandas da sociedade capitalista e fundamentar as relações desiguais entre homens e mulheres, as quais não dizem respeito apenas às desigualdades no âmbito do trabalho produtivo, mas também no âmbito do trabalho doméstico e de todas as relações sociais.

Conforme Hirata e Kergoat (2007),

A divisão sexual do trabalho é a forma de divisão do trabalho social decorrente das relações sociais entre os sexos; mais do que isso, é um fator prioritário para a sobrevivência da relação social entre os sexos. Essa forma é modulada histórica e socialmente. Tem como características a designação prioritária dos homens à esfera produtiva e das mulheres à esfera reprodutiva e, simultaneamente, a apropriação pelos homens das funções com maior valor social adicionado (políticos, religiosos, militares etc.) (p.555)

Para Kergoat e Hirata (2007) a divisão sexual do trabalho se fundamenta em dois princípios, a hierarquia e a separação. O primeiro diz respeito a existência de uma hierarquia entre o trabalho feminino e masculino, por causa deste princípio organizador, as atividades exercidas por homens têm maior prestigio social quando comparado as atividades exercidas pelas mulheres. O segundo princípio diz respeito a separação que é estabelecida entre trabalho dito masculino e feminino. As autoras ainda afirmam que estes princípios se encontram em todas as sociedades o que não significa que a divisão sexual do trabalho é imutável, ao contrário, na realidade concreta ela possui dinamicidade e plasticidade.

A divisão sexual do trabalho produz desigualdades sistemáticas que se expressa na hierarquização das atividades e dos sexos. Por causa disso, o trabalho desempenhado por mulheres na esfera de reprodução é efetuado gratuitamente, é um trabalho invisível, “que é realizado não para elas mesmas, mas para outros, e sempre em nome da natureza, do amor e do dever materno.” (KERGOART E HIRATA, 2007, p. 597)

Àvila (2007), Cisne e Santos (2018) e Falquet (2018) afirma que esta divisão é uma construção histórica e social a qual determina para as mulheres funções reprodutivas e aos homens as funções produtivas. Socialmente, existe maior valorização das atividades exercidas por homens em detrimento da desvalorização das atividades realizadas pelas mulheres.

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Federici (2017) afirma que através do desenvolvimento da sociedade capitalista há uma estruturação de um novo modelo de relações sociais fundamentado no mercado, no controle e no disciplinamento do Estado e dos homens sobre as mulheres, principalmente, no que tange seus direitos reprodutivos, isso deu base à divisão sexual do trabalho cabendo as mulheres, o trabalho desvalorizado na esfera da reprodução.

Para Hirata (2016), tal divisão afirma e reafirma a reprodução das desigualdades entre o gênero masculino e feminino, bem como, reconstrói mecanismos de sujeição, subordinação e disciplinamento das mulheres nesta sociedade, os quais separam atividades destinadas as mulheres e aos homens, bem como, constroem uma hierarquia que cabe aos homens as atividades de maior prestigio social.

Além disso, a divisão sexual do trabalho fundamenta a exploração dos homens sobre as mulheres, como também, baliza o controle dos instrumentos e técnicas do trabalho. Através, desta organização há uma sexualização das relações sociais, visto que essa construção social incide não apenas no mundo do trabalho produtivo e reprodutivo, mas na cultura, na educação, na política. Cisne e Santos acrescentam que:

A divisão sexual do trabalho possui um enraizamento tão presente nas relações sociais e com um significativo poder ideológico de parecer natural que se espraia desde a infância, por meio de uma divisão sexual dos brinquedos e brincadeiras, passando pela organização e gestão da força de trabalho e, ainda, na divisão sexual da política e do poder. (2018, p. 64-65)

Por intermédio desta divisão ocorre a articulação do trabalho produtivo e reprodutivo, que no tocante as mulheres a depender das necessidades dominantes do sistema capitalista em determinado contexto histórico, serão excluídas ou incluídas na esfera produtiva ficando de forma integral ou parcial na esfera reprodutiva (CISNE E SANTOS, 2018) mas nunca livre das amarras que lhe fora imposta socialmente.

Conforme Ávila (2007), Ludemir (2008), Hirata (2018) esta construção social tem marcado as desigualdades existentes entre mulheres e homens no âmbito da vida privada e social. A ascensão das mulheres ao espaço público e a esfera produtiva foi marcada por alguns contextos políticos, assim como, da própria organização e manutenção do sistema capitalista, a exemplo das lutas dos movimentos feministas, a industrialização do campo e da cidade, a urbanização acelerada, a globalização associada ao desenvolvimento de políticas migratórias, etc.

Ademais, segundo Ávila (2007) o processo histórico e objetivo que culminou com a ascensão das mulheres ao mercado de trabalho, portanto, a esfera produtiva foi e ainda é

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conflituoso por causa da existente “negação histórica” em considerar a mulher como classe trabalhadora, decorrente disso, as mulheres engajadas nas lutas do movimento feminista foram consideradas como fora do lugar ao qual estavam destinadas. Tal discurso, ainda se encontra enraizado na nossa cultura, uma vez que foi e é uma estratégia do capital para fundamentar a naturalização da desvalorização e opressão da mulher na sociedade.

Isso ocorreu sem romper com a construção social e histórica que responsabiliza as mulheres pelas atividades da esfera reprodutiva, o que ocasiona uma jornada extensiva de trabalho, isto é, essas, além de serem responsáveis por atividades laborais fora do âmbito da vida familiar, também, são as únicas responsáveis pelo trabalho reprodutivo, ou seja, o trabalho doméstico (ÁVILA, 2007). Entretanto, cabe ressaltar que as diferenças de classes, irão determinar como cada mulher irá se responsabilizar pelo trabalho e cuidados domésticos.

2.3. Trabalho não remunerado: A responsabilização das mulheres com a família, o cuidado e os afazeres domésticos

Já foi assinalado no decorrer deste capítulo que as relações entre homens e mulheres têm como base o sistema capitalista-racista-patriarcal e seu processo de acumulação primitiva, reprodução e manutenção, como também, a divisão sexual e racial do trabalho que determina através de uma construção histórica e social, para as mulheres funções reprodutivas de responsabilização com a família, de cuidado com os/as filhos/as, esposos e parentes e com os afazeres domésticos.

O cuidado com a família, com os afazeres domésticos é uma das expressões do trabalho doméstico que, segundo Àvila (2007), é conceituado “como aquele através do qual se realizam as tarefas do cuidado e da reprodução da vida, o qual é um elemento fundante dessa divisão e, portanto, funcional e integrado ao modo de produção capitalista.” (P. 38)

Ainda conforme a referida autora, o trabalho doméstico é a forma materializada do trabalho reprodutivo que fora atribuído as mulheres no decorrer do desenvolvimento da sociedade capitalista no qual houve o estabelecimento de hierarquias e separação do trabalho feito por homens e mulheres, no entanto, enquanto o trabalho masculino é entendido de forma cultural, o feminino passar ser compreendido como algo natural, ou seja, as mulheres devem cuidar dos/as seus/as filhos/as, do esposo, da cozinha, das roupas por que é uma função dela e é natural da sua condição, ela deve fazer isso por causa do amor, “por que quem ama, cuida”.

Federici (2018) afirma que a mulher através do trabalho doméstico desvalorizado foi e é um sujeito crucial no argumento de que a exploração do seu trabalho não remunerado e as

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