UNIVERSIDADE DE LISBOA
O Universo de Hamlet
Jos´
e F´
elix Costa
11Departamento de Matem´atica, IST, Universidade de Lisboa
1. A Poesia do Infinito
Hamlet, ato 2, cena 2
O God, I could be bounded in a nutshell and count myself a king
of infinite space, were it not that I have bad dreams.
Oh, Deus, eu poderia viver recluso numa casca de noz e
achar-me rei do espaço infinito, se n˜
ao tivesse maus sonhos
(tradução de Millˆ
or Fernandes).
A poesia do infinito...
Edward Young, A nona noite – A consolac¸˜
ao
How distant some of these nocturnal suns! So distant (says the sage), ’twere not absurd To doubt, if beams, set out at Nature’s birth, Are yet arrived at this so foreign world; Though nothing half so rapid as their flight.
Edward Young, A nona noite – A consolac¸˜
ao (trad. Etelvina Bigas)
Que distantes alguns destes s´ois noturnos! T˜ao distantes (diz o s´abio), que n˜ao seria absurdo
Pensar que os raios de luz, emitidos na criac¸˜ao da Natureza, Ainda n˜ao chegaram a este mundo long´ınquo;
A poesia do infinito...
The World de Henry Vaughan, 1622–1695
I saw Eternity the other night
Like a great Ring of pure and endless light All calm as it was bright;
And round beneath it, Time, in hours, days, years, Driven by the spheres,
Like a vast shadow moved, in which the world And all her train were hurled.
O Mundo de Henry Vaughan (trad. Etelvina Bigas)
Vi a Eternidade numa noite distante, Um c´ırculo imenso de pura luz sem fim
Estava tudo t˜ao calmo como brilhante; E por baixo girava o tempo, em horas, dias, anos,
Pelas esferas arrastada
Como uma vasta sombra m´ovel, na qual o mundo E toda a sua comitiva fora projetada.
Talvez se viajarmos de outra forma...
An´
onimo
There was a young lady named Bright,
Who could travel much faster than light.
She set out one day
In the relative way
And came back the previous night.
An´
onimo (trad. Etelvina Bigas)
Havia uma donzela que Brilhante se chamou
Que mais veloz que a luz viajou,
Um dia ela partiu
De modo relativo seguiu
E na noite anterior regressou.
Quanto dista?
Ano-luz (velocidade da luz = 300 000 000 m/s .)
299 792 458 × 1 ano juliano
∼
300 000 000 m/s × 365, 25 dias
=
9 460 730 472 580 800 m .
Ser´
a o universo infinito:
Argumento de Arquitas, s´eculo IV a.C.Simplicius in Physica 467, 26–32
Eudemo disse que Arquitas fez a pergunta nestes termos: Se acontecer
chegar eu ao limite do universo, por exemplo ao c´
eu das estrelas fixas,
poderei estender o meu bast˜
ao? Que n˜
ao possa fazˆ
e-lo ´
e absurdo, mas se
o puder fazer, ent˜
ao encontrarei lugar ou corpo. Ent˜
ao Arquitas poder´
a
avanc¸ar sempre em direc
¸˜
ao `
a nova fronteira e tornar´
a a fazer a mesma
pergunta. Se o bast˜
ao encontra sempre lugar novo, ent˜
ao o espac
¸o ´
e
certamente infinito.
De rerum natura, de Tito Lucr´
ecio Caro, s´
eculo I a.C.
Traduc¸˜
ao de Ant´
onio Jos´
e de Lima Leit˜
ao
No universo limites n˜ao notamos;Logo infinito ´e pois todo o universo. Limites n˜ao se d˜ao sem que se note Quem, deles fora, mas cont´ıguo com eles Passe avante, e eles n˜ao, que ali terminam. [. . . ]
Demais, se limitado o espa¸co cremos, Algu´em nas margens dele se suponha E, disparada com valente impulso R´apida seta para longe atire. Que pensas dela? Seguir´a seu rumo? Ou vˆes quem possa suspender-lhe os vˆoos? [. . . ]
A confessar te obriga inevit´avel que metas n˜ao existem no universo. [. . . ]
Deste modo te aperto, e onde suponhas Estarem estes ´ultimos limites, Perguntar-te-ei o que sucede `a seta? Suceder´a que nunca neles tope; Sempre espa¸co ou mat´eria tem presente.
2. A Poesia do Tempo
Henry Austin Dobson
Time goes, you say? Ah no! Alas, Time stays, we go; Or else, were this not so, What need to chain the hours, For Youth were always ours? Time goes, you say?-ah no!
O tempo passa, vocˆe diz? Ai de mim! O tempo permanece, n´os passamos;
A poesia do tempo
O tempo b´ıblico e o tempo circular
No Princ´ıpio Deus Criou o C´
eu e a Terra
A leitura No Princ´ıpio Deus Criou o C´eu e a Terra ´e mais uma tradic¸˜ao intelectual do que uma traduc¸˜ao correcta. De facto, o texto b´ıblico diz dentro do princ´ıpio...
Te´ologos e cientistas sempre o souberam. A interpretac¸˜ao ´e simples: o mundo n˜ao foi criado no tempo, mas conjuntamente com o tempo. Santo Agostinho ´e escorreito: “Cum tempore autem factus est mundus,” De Ciuitate Dei, XI, 6.
O tempo b´ıblico e o tempo circular
Eudemo, s´
eculo IV a.C.,
ap. Simpl´ıcio, in Physica, 732.26-733,1A repetic¸˜ao do tempo pode ser vista de maneiras diferentes, pois em v´arios sentidos o tempo repete-se: o ver˜ao, o inverno, as outras estac¸˜oes e per´ıodos. Similarmente, os movimentos repetem-se, pois o Sol completa os seus solst´ıcios, equin´ocios e outras viagens.
Mas, a acreditarmos nos Pitag´oricos, as coisas repetem-se tamb´em numericamente, eu falarei de novo como agora, com o meu ponteiro em direc¸˜ao a v´os, e tudo o mais se repetir´a; ent˜ao ´e poss´ıvel que o tempo se repita de novo.
O tempo circular
O tempo circular
O tempo circular
Ruy Belo em O Tempo Circular
h´a uma fotografia de ruy beloe h´a tamb´em aquela praia muito t´enue de “n˜ao h´a morte nem princ´ıpio”
[. . . ]
o meu pai olhando o mar para l´a do fot´ografo como se o fot´ografo e
agora
quem vˆe a fotografia segurando-a com a m˜ao vindoura como se n˜ao existissem n˜ao exist´ıssemos mas que fosse minha tamb´em
aquela praia onde ruy belo
ainda n˜ao usava barba e cabelo `a ruy belo `
a
allen ginsberg (gente que j´a morreu gente vindoura)
tudo gente que habitou longamente em algum momento uma praia uma praia
que eu sei que h´a e que aconteceu tamb´em quando eu morri [. . . ]
3. Assim na Terra Como nos C´
eus
Hamlet, ato 2, cena 2
O God, I could be bounded in a nutshell and count myself a king
of infinite space, were it not that I have bad dreams.
Oh, Deus, eu poderia viver recluso numa casca de noz e
achar-me rei do espaço infinito, se n˜
ao tivesse maus sonhos
(tradução de Millˆ
or Fernandes).
A descoberta da Lua
A descoberta da Lua
A descoberta da Lua
A descoberta da Lua
Figura:
Fresco de Lodovico Cigoli (1611) numa capela da Bas´ılica de Santa Maria
Acompanhado por Beatriz, Dante inicia a sua visita ao Para´ıso visitando a Lua
Dante, A Divina Com´edia, “O Para´ıso”, Canto II, 11 e 12, traduc¸˜ao de Armindo Rodrigues
Pareceu-me cobrir-nos uma nuvem,
Brilhante, espessa, s´
olida e polida,
Como um diamante pelo Sol ferido.
No seu seio a eterna margarida
Nos recebeu, como na ´
agua entra
Um raio de luz, permanecendo unida.
Dante interroga Beatriz, a respeito de certa fenomenologia da Lua
Id., Canto II, 17, 18, e 19
“Mas dizei-me o que s˜
ao as manchas escuras
Deste corpo, a prop´
osito das quais
Sobre Caim na Terra contam f´
abulas?”
Ela sorriu-me um pouco e retorquiu:
“Pois dos humanos o ju´ızo erra
Onde n˜
ao basta a chave dos sentidos.
N˜
ao h´
a raz˜
ao para algo te admirar,
Certo como a raz˜
ao, que deles fia,
Bem curtas asas no entanto tem.”
Universo de Arist´
oteles
A m´
aquina do mundo
M´
aquina do Mundo, no Canto X de Os Lus´ıadas, estrofes 80, 90 e 91
Vˆes aqui a grande m´aquina do Mundo,Et´erea e elemental, que fabricada Assi foi do Saber, alto e profundo, Que ´e sem princ´ıpio e meta limitada. Quem cerca em derredor este rotundo Globo e sua superf´ıcie t˜ao limada, ´
E Deus; mas o que ´e Deus, ningu´em o entende, Que a tanto o engenho humano n˜ao se estende.
[. . . ]
Em todos estes orbes, diferente Curso ver´as, nuns grave e noutros leve; Ora fogem do centro longamente, Ora da Terra est˜ao caminho breve, Bem como quis o Padre omnipotente, Que o fogo fez e o ar, o vento e neve, Os quais ver´as que jazem mais a dentro E tem c’o mar a Terra por seu centro. Neste centro, pousada dos humanos, Que n˜ao somente, ousados, se contentam De sofrerem da Terra firme os danos,
M´
usica das esferas
A m´
usica das esferas
Shakespeare, O Mercador de Veneza
... A doce calma e a noite
Tornam-se os toques da suave harmonia... Vˆe como a ab´obada celeste
Est´a por toda a parte... de um ouro brilhante e claro; N˜ao h´a um c´ırculo t˜ao t´enue entre aqueles que vˆes Que, no seu movimento, n˜ao cante como um anjo... E a harmonia das almas imortais;
Que enquanto nos corpos habitarem N˜ao poder˜ao fazer-se ouvir.
A m´
usica das esferas
John Milton, Arc´
adia
Mas no corac
¸˜
ao da noite quando o sono
Fechou os sentidos mortais, ent˜
ao escuto
A harmonia das sereias celestes...
Um poder t˜
ao doce habita a m´
usica
Que embala as filhas da Necessidade
E mant´
em a inst´
avel natureza na sua lei,
E move na medida este baixo mundo
Ao ritmo de sons celestes que ningu´
em ouve
Entre os vis homens de ouvido impuro...
A derrucada dos c´
eus
4. A Natureza e Suas Leis
Alexander Pope, 1688–1744 (trad. Etelvina Bigas)
Nature and nature’s laws lay hid in night;
God said “Let Newton be” and all was light.
A natureza e suas leis jaziam escondidas na noite;
Deus disse: – Seja Newton e fez-se luz.
Poema para Galileu
Poema para Galileu de Ant´
onio Gede˜
ao
[. . . ]
Eu queria agradecer-te, Galileu, a inteligˆencia das coisas que me deste. Eu,
e quantos milh˜oes de homens como eu a quem tu esclareceste,
ia jurar – que disparate, Galileu! – e jurava a p´es juntos e apostava a cabe¸ca sem a menor hesita¸c˜ao –
que os corpos caem tanto mais depressa quanto mais pesados s˜ao.
Pois n˜ao ´e evidente, Galileu? Quem acredita que um penedo caia com a mesma rapidez que um bot˜ao de camisa ou que um seixo da praia?
[. . . ]
Por isso estoicamente, mansamente, resististe a todas as torturas,
a todas as ang´ustias, a todos os contratempos, enquanto eles, do alto incess´ıvel das suas alturas, foram caindo, caindo, caindo, caindo, caindo sempre, e sempre, ininterruptamente,
“O Para´ıso Perdido” de John Milton (1608–1674)
[...] Ele tomou nas suas m˜aos o compasso de ouro, preparado nas eternas f´abricas de Deus, para circunscrever este Universo e todas as coisas que haveria de criar. Apoiou uma ponta do compasso no centro e, girando a outra pelas vastas e obscuras profundezas, disse:
“Estende-te at´e a´ı, que at´e a´ı sejam os teus limites, que seja esta a tua exata circunferˆencia, ´o Mundo!”
(Traduc¸˜ao de Fernando da Costa Soares e Raul Domingos da Silva)
A s´ıntese de Newton
A s´ıntese de Newton
Gravitac¸˜
ao universal
Gravitac¸˜
ao universal
Pr´ıncipe D. Jo˜
ao Manuel
Jˆ
anio de Ant´
onio Ferreira
Pastor fermoso, doce branco, e brando De F´ILIS triste, que t˜ao s´o deixaste, Ouve sua voz, que os ventos v˜ao levando. Torna `a saudosa praia, que pisaste, Torna a este campo, que t˜ao verde, e ledo Contigo era, e t˜ao triste j´a tornaste. Aqui a menham rosada, o vento quedo, Aqui claras, e brandas sempre as ´aguas, A noite trazias tarde, o dia cedo. ...
Nem ´arvore d´a sombra, nem d´a fonte ´
Agua, nem dia o Sol, nem a noite Estrelas, Nem h´a quem ledo cante, ou de amor conte. Quem pode ouvir as aves? quem j´a vˆe-las?
Newton
Newton de James Thomson,
1700–1748, dedicado `a mem´oria de Isaac NewtonDeve a alma grandiosa de Newton abandonar esta terra, Misturar-se com as suas estrelas e todas as musas, Silenciar a admirac¸˜ao, retrair-se do peso
Das honras merecidas do seu ilustre nome?
Mas como pode o homem? – Mesmo agora, filhos da luz, Em esforc¸ado alto trinar da lira ser´afica,
Exaltar a sua chegada `a fronteira do ˆextase Por´em, n˜ao me deterei, embora seja elevado o tema, E cantado pelos anjos de harpas, para que contigo Et´ereas chamas! Ambic¸˜oes, eu aspire
5. A Nova Astronomia
Hamlet, ato 2, cena 2
O God, I could be bounded in a nutshell and count myself a king
of infinite space, were it not that I have bad dreams.
Oh, Deus, eu poderia viver recluso numa casca de noz e
achar-me rei do espaço infinito, se n˜
ao tivesse maus sonhos
(tradução de Millˆ
or Fernandes).
A Anatomia do Mundo, de John Donne, 1572 – 1631
A Anatomia do Mundo de John Donne (trad. Etelvina Bigas)
E a nova filosofia p˜oe tudo em causa, E o elemento fogo ´e desde logo extinto;
Perdido est´a o sol, bem como a Terra; e nem a ast´ucia do homem Consegue bem indicar-lhe por onde procur´a-lo.
E abertamente os homens admitem que o mundo est´a gasto, Enquanto nos planetas e no firmamento
Procuram tantas coisas novas; e veem que este Est´a a esboroar-se novamente nos seus ´atomos. T´a tudo em pedac¸os, toda a coerˆencia perdida, Tudo s´o pec´ulio e tudo relacionado.
Influˆ
encias na obra de Shakespeare
Troilo e Cr´
essida, Ato I, Cena III, fala Ulisses
Os pr´
oprios c´
eus, os astros e seu centro
revelam propriedade, graus e postos,
hora, estac
¸˜
ao, parada, curso e forma,
arte e of´ıcio em modelar sequˆ
encia.
Por isso tudo o sol, planeta excelso,
em nobre preeminˆ
encia o trono ostenta
em sua esfera pr´
opria, entre outros astros;
seu olho salutar corrige os males
que as estrelas nocivas ocasionam,
e como ´
editos reais sem contradita
promovem bens e males.
Influˆ
encias na obra de Shakespeare
Otelo, Ato V, Cena II, fala Otelo
´
E efeito do desvio da lua; ela aproxima-se agora mais da terra do
que de h´
abito, e deixa os homens loucos.
Influˆ
encias na obra de Shakespeare
Hamlet, Ato II, Cena II, carta de Hamlet a Of´
elia, lˆ
e Pol´
onio
Doubt thou the stars are fire;
Doubt that the sun doth move;
Doubt truth to be a liar;
But never doubt I love.
Duvida de que as estrelas sejam fogo,
de que o sol se mova
Suspeita da mentira na verdade,
mas confia no meu amor.
Alegoria de Hamlet de Peter Usher
personagem identificac¸˜ao
Cl´audio Ptolemeu
Rosencrantz Guildenstern Tycho Brahe
Pol´onio Robert Pullen
Reinaldo John Reynolds
Laertes Thomas Harriot
Osric Walter Raleigh
Espetro Leonard Digges
Hamlet Thomas Digges
Bernardo Bernardus Silvestris
Francisco Francesco Petrarca
6. Conclus˜
ao
Hamlet, ato 1, cena 1
Bernardo: Last night of all,
When yond same star that’s westward from the pole Had made his course to illume that part of heaven Where now it burns, Marcellus and myself, The bell then beating one, – ...
Bernardo: Na noite passada,
Quando essa mesma estrela a oeste do p´olo Estava iluminando a mesma parte do c´eu Que ilumina agora, Marcelo e eu –