1 IAMCR2010 . "MEDIA EDUCATION RESEARCH" . BRAGA . 18 A 22 DE JULHO 2010
GUARDIÕES DO “SCRATCH’ANDO COM O SAPO”: DESIGN DOS MEDIADORES DE
BRINCADEIRAS‐TRABALHO‐ESTUDO NO KIDS.SAPO.PT
Miriam Reis e Maria da Conceição de Oliveira Lopes1. A FILOSOFIA DO PROJECTO SCRATCH’ANDO COM O SAPO
SER HUMANO é um privilégio extraordinário. Cada um de nós tem um património para valorizar e multiplicar. Vivemos uma mudança de época e o futuro, também se escolhe, e essa escolha depende, também, de cada um de nós. Os Direitos do ser Humano, qual porta que se abre por dentro de cada um, num pátio de encontros e desencontros, são na actualidade, uma linha de orientação de elaboração de conteúdos que promovam a aprendizagem social de convivialidade inter‐seres.
Somos 6,6 mil milhões de cérebros a pensar em todo o mundo. Há trezentos anos existiam, apenas, 300 milhões. Nunca antes, como agora, existiram condições fascinantes para que a Humanidade possa atingir os objectivos que desde sempre persegue e que Domenico De Masi (2008) sublinha nos seus diálogos criativos: aumentar a esperança de vida, adiando a morte; controlar a dor; acabar com a pobreza; eliminar o cansaço e o tirocínio das diversas formas de escravatura; evitar o tédio; superar a tradição; desencorajar o autoritarismo e conquistar a beleza. A época Pós‐Industrial, em que vivemos, revela como as instituições dos media mudaram face às crianças. A quantidade de aplicações a elas dirigidas e veiculadas, sobretudo, pelos novos media, cria impactos nos educadores que interagem com as crianças e nos pais que respondem à capacidade de decisão e de influência dos filhos. É fascinante verificar como os adultos aceitam com prazer ser ensinados pelas crianças. É de notar que em Portugal, 61 % das famílias com crianças têm dois ou mais computadores, 39 % das crianças portuguesas, entre os 4 e os 5 anos utiliza regularmente a internet, 67% das crianças entre os 6 e 7 anos utilizam o computador na suas práticas quotidianas, e, a partir dos 8 e 9 anos, 78 % das crianças utilizam regularmente o computador. Uma dessas aplicações, e gratuita, é o Scratch da autoria de Mitchel Resnick, Professor do MIT, que reconhece o novo estatuto da criança, respeita o processo de co‐participação comunicativa, reflexiva, criativa e lúdica da criança. Esta aplicação foi traduzida para português e disponibilizada em Portugal pelo Portal SAPO Kids, da empresa Portugal Telecom.
2 No Projecto “Scratch’ando com o sapo” reconhecemos a importância de interagir no presente para que o futuro seja aquilo que hoje desenhamos, tentando responder ao desafio de criar impactos de diálogo criativo que contrariem processos de design que se focalizem acriticamente nos resultados pelos resultados. O conhecimento em design, comunicação, ludicidade e criatividade obriga à qualidade da reflexão crítica sobre os valores humanos e sociais e impõe a lógica da transdisciplinaridade ao processo de design. A busca da unidade de sentidos, na diversidade, a crítica sem humilhação, a discordância sem discórdia, gera uma cultura de respeito, elegância, beleza e expansão do conhecimento
Assim, os conteúdos incorporados nos perfis dos guardiões do “Scratch’ando com o sapo” são referidos à Declaração Universal dos Direitos Humanos que, como já sublinhámos, é considerada, neste projecto, um património extraordinário de beleza e de esperança. Foi pretexto para muitas conversas entre adultos, os investigadores e entre estes e as crianças que nos forneceram os dados que incorporámos na elaboração das narrativas e de que a ilustração dos guardiões expressam.
No âmbito deste projecto dos laboratórios do sapo da Universidade de Aveiro construíram‐se tutoriais – guias de acção para promover e desenvolver brincadeiras, trabalho e estudo de diversos utilizadores do Scratch. Os guardiões do “Scratch'ando com o sapo” — o Pópio e a Pópia, o Argus e a Sylla e a Bicuda e o Bilóca — são os personagens mediadores de brincadeiras‐trabalho‐estudo no kids.sapo.pt que guiam as escolhas das crianças. Estes são, também, o foco central do trabalho que se apresenta.
2. PERFIS DOS GUARDIÕES DO “SCRATCH’ANDO COM O SAPO”
Ao desenvolver os guardiões do projecto “Scratch'ando com o sapo” teve‐se como pressuposto base ir ao encontro das representações visuais das crianças dos 3 aos 13 anos, que constituem a amostra do projecto. O desenho destes personagens foi determinado pela análise das narrativas associadas aos perfis de cada um deles. Estas narrativas foram construídas, a partir da análise dos resultados das conversas realizadas com as crianças e interpretados por Conceição Lopes (Janeiro de 2009).
3 O Pópio e a Pópia são os mediadores das acções das crianças dos 3 aos 6 anos no Scratch. Estes nomes são da autoria do menino Guilherme Gil Pereira à data com 2 anos e 11 meses de idade. O Pópio “é um menino que sonha chegar com a cabeça à lua, mas, de dia porque à noite ele sabe que é hora de dormir. Dormir para que o dia chegue rápido. Logo que acorda, chama a mãe para comer o seu prato de estrelitas. Sim! Estrelas doces que o levam ao céu num salto. Depois lava os dentes, faz xixi, lava as mãos e veste‐se. Sempre o mesmo ritual. Sempre a mesma vontade de viver o dia que começa. Há muito para descobrir, conversar, partilhar com os amigos. Fala, fala sem parar e se está calado, está a ouvir para depois perguntar. Alguns dos traços físicos, psicológicos e de sociabilização, característicos deste personagem são os seguintes: o Pópio é um menino de figura morena, sensível, com destreza física, autónomo, afectivo, gosta de compartilhar com os outros os brinquedos, as bolachas e o pão com doce, é educado e elegante no trato com os outros, sejam crianças ou adultos. É também um observador atento, faz muitas perguntas, gosta de conversar, tem amigos reais e imaginários com quem conversa muito e aos estranhos não dá confiança. Gosta muito de ir com a avó observar as gruas que no cais carregam os navios. Adora livros sobretudo os pop‐ups e não há noite nenhuma em que a mãe não lhe conte uma história. A praia, o mar e a quinta são lugares predilectos para passear e recolher coisas que traz nos bolsos. Tem um armário onde guarda os tesouros, entre os quais as ferramentas da carpintaria, e todos os dias escolhe um que leva para o Jardim‐de‐infância, gosta de ser útil e ajudar os outros. E, varrer com a vassoura grande é, para ele, muito divertido para além das brincadeiras com os amigos.”
A Pópia “é muito amiga do Pópio. Andam na mesma escola, mas nem sempre brincam juntos. Quando brincam, acabam sempre à bulha. Zangam‐se e depois fazem as pazes. Mas não é logo porque a Pópia não gosta de pedir desculpa. A Pópia gosta muito de bolachas. Todos os dias leva um pacote e bolachas para a escola. Os amigos chamam‐lhe o monstro das bolachas porque ela nunca lhes dá uma. Come tudo até acabar e faz pirraça. Por isso eles depois não querem brincar com ela. As meninas querem brincar com ela às bonecas, mas ela não gosta muito. Tem a Shara e não quer que as outras andem com ela ao colo. A Pópia adora jogar à bola mas os meninos não jogam com ela e ela também não pede. Em vez de ficar sozinha, arranjou um amigo imaginário; o jasmim, e no recreio joga com ele aos golos contra a parede. Quando fica farta desafia o amigo Pópio para brincar às lutas dos animais. Com as meninas faz corridas a ver quem chega primeiro. Ela ganha sempre. Se não ganha amua e diz que fizeram batota.
4 Quanto aos traços de distinção da Pópia, esta personagem apresenta uma tez clara, tem destreza física. É sensível mas, também, é autónoma. Não gosta muito de partilhar as suas coisas. E, umas vezes é elegante no trato com os outros e, outras vezes, nem tanto é um pouco rude. Adora a sua bola. Gosta de subir e descer as escadas à gato. Gosta de dançar mesmo sem música e é uma apreciadora da vida na quinta. Para além de gostar muito de brincar com os amigos e com os crescidos, gosta muito de ir com o avô aos concertos da banda no coreto. Já sabe conta, gosta muito de desenhar e de escrever cartas com um código que ela mesma inventou.” 2.2 Guardiões do “Scratch'ando com o sapo” para o 1º ciclo do ensino básico, dos 7 aos 9 anos O Argus e a Sylla são os mediadores das acções das crianças dos 7 aos 9 anos no Scratch. O Argus “está sempre com um sorriso nos lábios. É bem disposto, simpático quando quer e vaidoso. Tem a mania que só os meninos são fortes. Não gosta que as meninas brinquem com os brinquedos dele ou que o agarrem. Muito menos a irmã. Um dia sonhou que uma menina o agarrou e beijou. Acordou cheio de medo e foi perguntar ao pai, porque é que se beija na boca? Esta foi a primeira pergunta de muitos porquês. O Argus questiona tudo o que vê, nunca se cansa de fazer perguntas. Gosta de se vestir com a roupa dos super heróis e brincar com o pai em cima da cama. O pai perde
5 sempre. Na escola conta as aventuras e os relatos do futebol. Sim, o Argus é do Sporting e este fim de semana o Sporting ganhou ao Benfica. O Argus foi para a escola com o equipamento completo do Liedson, apesar do frio. É um leão que puxa pela equipa no estádio e pelos amigos quando estão a perder. O Argus tem os olhos grandes, o cabelo liso e louro, é forte e robusto e muito brincalhão. Respeita sempre os outros e gosta que o respeitem da mesma forma e fica zangado quando tal não acontece. É um menino fraterno, gosta de conversar, de fazer perguntas e de construir respostas com os amigos. Adora brincar com os pais no computador e inventar problemas para resolverem em conjunto, gosta de inventar histórias e pôr o mundo de pernas para o ar.”
A Sylla “gosta muito de ler, dançar ballet e conversar. Adora falar, falar e, agora, que percebeu que também pode falar no computador, não pára, é até a mãe se zangar, isto porque todas as suas amigas estão no messenger. À noite depois de desligarem os pc’s trocam sms, conversam sobre a escola, os rapazes, as músicas, os filmes... e o que elas mais gostam é quando dormem na casa umas das outras. É uma festa! Conversar toda a noite. A Sylla gostava de ser bailarina, actriz e cantora. Gosta muito de ver televisão e de ver concursos. Ela já pediu à mãe para concorrer, mas, a mãe diz que tem de estudar e crescer. Agora, até dá um programa que a quem souber cantar a música da Kate Perry ganha um mobile tv. Ela adorava ter um, nem dorme só a pensar. A Sylla é boa a inglês, já sabe a letra toda e na escola dizem que é igual a ela.
A Sylla é uma menina mulata, com a boca e olhos grandes rasgados. É uma menina muito brincalhona, respeita os outros e exige que a respeitem da mesma forma, adora fazer perguntas e construir respostas com os amigos. É fraterna e gosta de conversar, adora cinema e sempre que pode vai ver um filme a seguir à escola. Gosta muito de brincar com os amigos no jardim e na rede de jogos de computador, gosta de pregar partidas aos amigos e quando se zanga amua com muita facilidade.”
6 2.2 Guardiões do “Scratch'ando com o sapo” para o 2º ciclo do ensino básico, dos 10 aos 12 anos A Bicuda e o Bilóca são os mediadores das acções das crianças dos 10 aos 12 anos no Scratch. A Bicuda “nasceu no Verão, de madrugada e, talvez, por isso acorda sempre cedo. De manhã come nestum de arroz. Depois vai para a escola. Ela gosta de estudar, de ler e de aprender. Depois da escola gosta de dançar, de ouvir música e de fazer ginástica. A mãe comprou uma revista que trazia um vídeo de uma senhora a fazer ginástica, ela adorou o presente e sempre que pode fecha‐se na sala a ver o vídeo e a imitar. É uma festa! À noite gosta de ajudar a fazer o jantar e adora inventar comidas. Às vezes, depois do jantar que é quase sempre pescada cozida com batatas, gosta de inventar umas misturas de massa de bolo e come com o irmão enquanto vêem e conversam sobre o que estão a ver na televisão. É uma menina muito gulosa!!!
A Bicuda é alta, morena, tem o cabelo preto e com os olhos muito grandes. Adora acessórios e tem vários anéis feitos com botões. É bastante autónoma, sensível, solidária e imaginativa, tem muitos amigos, gosta de brincar no Scratch com os amigos, criar brincadeiras e jogos em conjunto e é sempre a líder do grupo, adora ballet, ginástica, a praia e o sol, andar de bicicleta e escrever.”
7 O Bilóca “nasceu no Inverno ao início da noite talvez, por isso, gosta muito da noite e de dormir. Ao fim de semana, só acorda quando ouve a mãe dizer: almoço na mesa!! O Bilóca gosta de estar em casa e de brincar sozinho, se tiver os seus jogos e a televisão não precisa de mais nada. Adora jogar basquete, fazer judo e jogar à bola, mas, rapidamente se farta, só dos jogos de computador é que não. O Bilóca é grande e forte mas tem cara de menino e por isso os meninos maiores estão sempre a tentar pregar‐lhe partidas e a meter‐se com ele. Ele é tímido e não responde, foge a sete pés. O Bilóca adora ir ao cinema, consegue ver 2 ou 3 filmes de seguida. Sabe o nome dos actores, realizadores e até dos argumentistas. Quando vai ao cinema, de noite, a dormir, sonha alto, a mãe diz que fala com a irmã, com quem divide o quarto. Falam, às vezes, mais de noite do que de dia. A cumplicidade deles vive muitas vezes no silêncio e nos olhares que partilham. Ele adora as miscelâneas que a irmã inventa. Ontem à noite era cerelac em pó com açúcar. Já experimentaram? O Bilóca tem a pele castanha escura, farripas de cabelo pela testa a baixo, é magrinho e desengonçado e tem os pés grandes. É um menino simpático, respeita os outros, é divertido e brincalhão e aprendeu a conviver com os seus medos. Tem muitos amigos. Gosta de acampar e de teatro e inventa muitas personagens inspiradas na mitologia grega. Na escola, gosta de alguns professores. Ajuda os outros, adora matemática e música. Gosta muito de programar jogos e brincadeiras e depois partilhá‐las com os amigos.”
8 3. DA ILUSTRAÇÃO Antes de avançarmos, para o enunciar das opções de ilustração que tomámos para o desenho dos guardiões, impera que façamos algumas considerações sobre esta disciplina. A ilustração é uma parte do design e certamente uma disciplina que lhe está intrinsecamente ligada. De uma forma sucinta, poderemos afirmar que é uma forma de expressão que tem como principal intuito comunicar. Na ilustração, o desenho, de uma forma concreta, serve para informar.
Para além do referido, no âmbito da representação e, consequentemente, da comunicação, a ilustração torna‐se bastante mais concreta do que o código verbal escrito que, nesta dimensão, poderá dizer‐se que tem uma forma abstracta e de mais difícil compreensão. A ilustração tem um reconhecimento universal, é mais facilmente inteligível do que o código escrito, e pode ser compreendida pela maior parte das pessoas, com a excepção de algumas representações de carácter cultural e de índole étnica. Tem, portanto, também um carácter de inclusão, na medida em que permite que o mais novo dos pré‐leitores consiga compreender de alguma forma, ainda que não na totalidade, a história. Segundo Ju Godinho e Eduardo Filipe, ilustrações são “imagens que nos contam histórias. (...) que fazem apelo a sentimentos e memórias profundas, que nos remetem para o universo fantástico dos contos que nos ajudaram a ultrapassar medos, a transpor barreiras, a crescer.” (Filipe & Godinho, 2003: 7).
No entanto, é errado pensar que a interpretação de imagens é um processo inato. Ainda que as crianças passem a ser facilmente leitores de narrativas pictóricas e, assim, conseguindo dar sentido a um conjunto de imagens, o entendimento pictórico e a compreensão da narrativa visual exige que se vá aprendendo o código, e esta aprendizagem será construída socialmente, ainda que não exista um ensino onde se aprenda a ler imagens. Esta aprendizagem, segundo Martin Salisbury, pode ser denominada de “alfabetização visual”, referindo‐se este estudioso à destreza de ver, desenhar e formar juízos estéticos e não só à capacidade de descodificar as imagens em palavras ou significados (Salisbury, 2007: 7). A criança interpreta e reconhece as imagens devido às experiências que vai acumulando do mundo, habituando‐se a lidar com a diferença, por vezes, abissal, que separa a realidade e a representação desta. Neste sentido, poderemos afirmar que a ilustração assume uma maior importância do que o texto, ao falarmos de crianças pequenas (leitores iniciantes e pré‐leitores), fazendo com que exista igualdade no processo de apreensão e compreensão da narrativa que, à partida, poderia ficar comprometido tanto nos leitores iniciantes como nos que ainda não decifram o código verbal. Esta possui, também, um papel crucial,
9 assumindo‐se como “factor de selecção e de definição do (des)gosto em face de uma obra, ou até de (des)motivação para a sua leitura.” (Silva, 2002: 7).
Quanto ao sentido da palavra ilustração, contido na sua raiz etimológica, segundo o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, esta deriva do latim illustratiõne e representa “acto de iluminar, de tornar brilhante”.
Assim, poderemos dizer que uma ilustração, sendo uma representação pictórica que pretende complementar, adornar ou ajudar a esclarecer algo no texto, tendo, portanto, também um carácter pedagógico, é, essencialmente, e exactamente como advém da sua raiz etimológica, “trazer luz para uma obra”. (Maia, 2002) Neste seguimento, para Isidro Ferrer (1963‐), o acto de ilustrar quer também dizer iluminar alguma coisa e, para o autor, a ilustração está em pleno quando permite diferentes leituras e não repete só o texto. Nesta perspectiva, o ilustrador tem um papel fulcral na transmissão da sua própria visão sobre as coisas já que este é também autor, tendo, portanto, também responsabilidade sobre a obra, apesar de, por vezes, se esquecer disso (Ferrer, 2004). Também para Steven Heller (2005), a ilustração tem como intenção iluminar, fazer viver um manuscrito e dar‐lhe profundidade.
Como é óbvio, nas definições que apresentámos referimo‐nos à ilustração em livros, no entanto, e apesar da ilustração destas personagens não seguir uma narrativa textual, a sua função mantém‐se. Isto é, os guardiões também ajudam a esclarecer alguma coisa, têm carácter pedagógico, pretendem fazer viver este projecto e incluir as crianças no mesmo.
Em relação à criação de personagens, na ilustração, é essencial que estas sejam convincentes, este aspecto será determinante no sucesso da narrativa visual. Mesmo que todos os outros aspectos estejam bem desenvolvidos, acabam por não ser relevantes se o utilizador não acreditar na personagem. Claro que, para que isto aconteça, será necessário que o ilustrador também acredite totalmente na sua criação.
A forma como se cria um personagem varia muito de ilustrador para ilustrador. Quando existe uma narrativa textual para ser ilustrada, o ponto de partida pode ser uma detalhada descrição dos hábitos dessa personagem, os movimentos, a aparência física, roupas, e assim por diante. O ilustrador pode, consciente ou inconscientemente, basear a sua interpretação no conhecimento
10 que tem da vida real. Em alguns casos os personagens tornam‐se tão fortes que podem mesmo influenciar e ditar o rumo da narrativa.
O desenvolvimento de personagens com sucesso requer uma combinação de duas coisas: primeiro, um interesse pelos caprichos e excentricidades da natureza humana e, segundo, a capacidade de representar essas excentricidades através do desenho. O primeiro pode ser inerente, o segundo pode ser aprendido (Salisbury, 2007).
Ao nível do desenho, estes personagens foram construídos tendo por base os perfis referidos acima, um conjunto de dados recolhidos da observação participante e da recolha das orientações das crianças dos diversos grupos do projecto. Associados em três faixas etárias — dos 3 aos 6 anos, dos 7 aos 9 anos e dos 10 aos 12 anos — , os guardiões projectam os universos visuais das crianças participantes, podendo ser, por isso, facilmente, identificados pelos diversos grupos etários a que pertencem. O mesmo acontece em relação aos acessórios que caracterizam cada uma das personagens que, também, contribuem para a apreensão tanto ao nível do reconhecimento visual como verbal. Assim, a Pópia e o Pópio guiam as acções das crianças entre os 3 e 6 anos e têm como adereços a boneca, a bola, o livro e ferramentas. O Argus e a Sylla com idades entre os 7 e os 9 anos, são adereçados com fantasias de super heróis, estrelas, ipod, adornos para o cabelo e microfone para karaoke. A Bicuda e Bilóca entre os 10 aos 12 anos exibem uma carteira, anéis, avental da quinta, chapéu de jardineiro, ferramentas para cuidar da natureza e cesto de fruta.
Relativamente às opções de ilustração é relevante salientar o uso das cores planas fortes e alegres, da linha simples, de pouca textura e de pouco ruído visual, não exagerando nos pormenores, não só porque os guardiões serão, essencialmente, para ser vistos num formato pequeno e no ecrã de computador mas, conjuntamente, para conseguir manter o foco de atenção dos utilizadores no que é essencial.
Sublinha‐se também, ainda que se trate de ilustração para a infância, o respeito pela anatomia humana, isto é, optou‐se por desenhar as personagens com uma fisionomia o mais aproximada possível da figura humana com o intuito de facilitar a inserção destas personagens no mundo real da criança. Apesar deste aspecto, optámos por desenhar estas personagens de forma bidimensional, sem lhes dar grande volume na medida em que, como também referimos, serão para ser utilizados e visualizados numa plataforma web e com um tamanho bastante reduzido.
11 Obviamente, tratando‐se de personagens para serem vistas e utilizadas no computador, optou‐se pelo desenho digital, vectorial, que nos permitia ser mais rápidos nas alterações que pudessem ser efectuadas, aumentar ou diminuir sem perder definição, se a determinada altura o projecto o exigisse, mas, também, para estar de acordo com o espírito do projecto.
Na ilustração digital é normal, a certa altura, um determinado estilo de ilustrar estar na moda, e toda a gente resolve experimentar e aprende a técnica. Isto torna‐se cansativo muito rapidamente. Existem inúmeras pessoas a dominar o software de desenho e tratamento de imagem, nomeadamente, o Photoshop e Illustrator, mas isso, por si só não é o suficiente para se ser ilustrador e produzir um bom trabalho. É frequente acontecer, com as tecnologias emergentes, as inovações facilitarem a criatividade, mas, também poderem asfixiar ou simplesmente restringi‐la. Porém, neste caso, justifica‐se o recurso ao desenho digital pelos motivos já enumerados.
Neste projecto, tentámos desenvolver uma linguagem própria que se adequasse ao conceito existente e que fosse de encontro às outras personagens que haviam sido criadas por outra designer, Salomé Valente. Desta forma, seria necessário criar uma coerência gráfica ainda que os guardiões não estivessem directamente relacionados com as outras personagens, ou seja, não seriam para usar em simultâneo.
Para terminar consideramos que a criação e ilustração destas personagens, guardiões do “Scratch’ando com o sapo” e mediadores de brincadeiras‐trabalho‐estudo no kids.sapo.pt foi uma mais valia para a elaboração dos 11 tutoriais que contribuem para formar as crianças na literacia Scratch. A simplicidade do seu desenho pode possibilitar a identificação das crianças com os seus guardiões que neles se projectam. E, deste modo, promover as brincriações (brincadeiras e criações) no “Scratch’ando com o sapo” e divertirem‐se.
Os multivalores da educação no século XXI deverão ser preservados como herança a transmitir, a explicar e a praticar pelos educadores com as crianças, estes estão inscritos nas narrativas dos perfis dos mediadores de brincadeiras‐trabalho‐estudo no kids.sapo.pt e na ilustração dos personagens. Sublinharemos, alguns deles, o respeito pelos outros, as boas maneiras no relacionamento inter‐ pessoal, a igualdade para todos, a argumentação como forma de resolver problemas, a liberdade, a fraternidade, a escuta activa, a fruição lúdica. Multivalores que nos constroem como Seres Humanos.
12 BIBLIOGRAFIA
De Masi, Domenico & Betto, Frei (2008). Diálogos Criativos (mediação e comentários de José Ernesto Bologna). Rio de Janeiro: Sextante. Ferrer, Vicente (2004). "Tertúlia" in Ilustração Portuguesa 2004. Lisboa: câmara Municipal de Lisboa e Bedeteca de Lisboa. Filipe, Eduardo, & Godinho, Ju (coord.). (2003). Ilustrarte, bienal internacional de ilustração para a infância. Barreiro: Ver Pra Ler Instituto Piaget.
Heller, Steven (2005). "Intro, o estado mutável da arte" in Wiedemann, Julius, Illustration Now. Köln: Taschen.
http://labs.sapo.pt/ua/scratchando/ consultado a 15 de abril de 2010.
Lopes, MCO (2009). Projecto "Scratch'ando com o sapo". Aveiro: http://labs.sapo.pt/ua/, Universidade de Aveiro.
Maia, Gil (2002). "O visível, o legível e o invisível" in Malasartes [cadernos de literatura para a infância e juventude], nº 10. Porto: Campo das letras, p. 3‐8. Salisbury, Martin (2007). Imágenes que cuentam, nueva ilustración de libros infantiles. Barcelona: Editorial Gustavo Gili. Silva, Sara Reis da (2002). "Das palavras às ilustrações: uma leitura de "o nabo gigante" e de "João e o feijoeiro mágico"" in Malasartes [cadernos de literatura para a infância e a juventude], nº 12. Porto: Campo das letras, p. 7‐16.