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2. DOS PRINCÍPIOS E DAS REGRAS

2.2. Robert Alexy: dos princípios como mandamentos de otimização

2.2.2. Colisão entre princípios

Em caso de colisão entre princípios, a solução passará por percurso diverso. Em razão de sua peculiar natureza, os princípios não são declarados inválidos, e não se introduzem quaisquer cláusulas de exceção para compatibilizá-los, de modo que, se dois princípios colidem, um deles terá que ceder, aplicando-se o princípio sobrepujante em maior medida. A colisão entre princípios ocorre porque dificilmente, no caso concreto, um princípio encontrará sua realização máxima: normalmente sua consagração passará por barreiras para a proteção de outro princípio ou de outros princípios82. O que ocorre é que um dos princípios terá precedência em face do outro sob determinadas condições. Em feliz síntese de Alexy, “conflitos entre regras ocorrem na dimensão da validade, enquanto as colisões entre princípios – visto que só princípios válidos podem colidir – ocorrem, para além dessa dimensão, na dimensão do peso” 83.

Para Alexy, portanto, a distinção entre princípios e regras não pode ser baseada simplesmente no modo “tudo ou nada” de aplicação proposto por Dworkin, mas deve resumir-se, sobretudo, a dois fatores: diferença quanto à colisão, na medida em que os princípios colidentes apenas têm sua realização normativa limitada reciprocamente, ao contrário das regras, cuja colisão é solucionada com a declaração de invalidade de uma delas ou com a abertura de uma exceção que exclua a antinomia; diferença quanto à obrigação que instituem, já que as regras instituem obrigações absolutas, já que não superadas por normas contrapostas, enquanto os princípios instituem obrigações prima-facie, na medida em que podem ser superadas ou derrogadas em função dos outros princípios colidentes.

A solução para a colisão de princípios consiste, assim, no estabelecimento de uma relação de precedência condicionada entre os princípios envolvidos, com base nas circunstâncias do caso concreto, fixando-se as condições sob as quais um princípio tem precedência em face do outro. Sob outras condições, é possível que a questão de precedência

81 BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. Trad. de Denise Agostinetti ; revisão da trad. de Silvana

Cobucci Leite. – 3ª ed. – São Paulo : Martins Fontes, 2010, p. 249/254.

82 SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais : conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª edição.

São Paulo : Malheiros, 2011, p. 46.

fosse resolvida de modo diverso. O método estabelecido por Alexy para a solução da colisão de princípios é o da fórmula do peso, que está explicitado em capítulo posterior.

Pode-se argumentar que o estabelecimento de uma relação de precedência condicionada de um princípio sobre outro equivale à criação de uma regra de exceção, de tal modo que não haveria diferença substancial entre a solução dos conflitos entre regras e das colisões entre princípios. No entanto, não é isso que ocorre. Se duas regras são aplicáveis simultaneamente ao caso concreto, temos que a tal caso se aplicam dois mandamentos definitivos, de conteúdo precisamente definido e contraditórios entre si, como no exemplo das regras que proíbem os alunos de deixar a sala de aula antes que o sinal toque, e que lhes impõe o dever de deixá-la ao soar o alarme de incêndio. Num conflito de regras como essas, admite-se a criação de uma regra de exceção (os alunos não devem deixar a sala antes do toque do sinal, salvo em casos de incêndio). A colisão entre princípios ocorre, contudo, em âmbito diverso: dela decorre uma regra, que não os excepciona, mas os acomoda, os aplica em maior medida, consideradas as condições existentes. Para melhor compreensão dessa afirmação, pode-se observar que ambas as regras mencionadas acima decorrem, certamente, de princípios que foram ponderados pela direção da escola quando de sua criação, princípios como os que consagram, por exemplo, a liberdade de locomoção dos alunos, a hierarquia existente entre estes e os professores e a proteção à vida e à saúde de todos os frequentadores do estabelecimento de ensino. Uma regra como a que proíbe a saída dos alunos de sala de aula antes do toque do sinal decorre, de certo modo, da ponderação entre os princípios que consagram a liberdade de locomoção dos alunos e a hierarquia existente entre estes e os professores, princípios que, de forma alguma, são excepcionados em razão da criação da regra. A ponderação mantém os alunos livres, mas aplica em maior medida a hierarquia dos professores sobre estes quando em ambiente escolar. Do mesmo modo, a regra que determina a saída de todos da escola ao soar o alarme de incêndio decorre do entendimento de que a proteção à vida e à saúde de todos é sobrepujante aos demais princípios, em tais condições. Não se pode dizer que, em ocasiões de incêndio, a autoridade dos professores esteja excepcionada. Ela apenas não tem peso suficiente para manter os alunos em sala, vez que, nessas circunstâncias, outro princípio deve prevalecer.

É corolário desta teoria a constatação de que nenhum princípio possui precedência absoluta sob outro, vez que as precedências são sempre condicionadas, e consideram as condições do caso concreto. Ademais, a solução da colisão não estabelecerá somente a precedência de um princípio, de um interesse, de uma pretensão, de um direito ou de objeto

semelhante; na verdade, são indicadas condições sob as quais se verifica uma violação a um direito fundamental84. Isso porque, ao considerar que um princípio deve prevalecer sobre outro em determinado caso concreto, considera-se, por via de consequência, que solução diversa naquelas mesmas condições é proibida sob o ponto de vista dos direitos fundamentais.

Princípios são, portanto, mandamentos de otimização e, por sua natureza, não possuem precedência absoluta sobre outros princípios. Quando em colisão, dadas as condições do caso concreto, surgirá um enunciado de precedência condicionada de um princípio sobre outro, enunciado tal que possui a natureza de regra e prescreve a consequência jurídica do princípio prevalente85. A essa regra dá-se o nome de norma de direito fundamental atribuída, que surge como resultado do sopesamento, e que possui estrutura idêntica às regras de direito positivo. Essa regra, contudo, não é emanada pelo legislador, mas decorre da atividade de aplicação dos princípios, mormente pelos juízes. Dessa forma, uma colisão de mandamentos de otimização exigirá do juiz a criação de um enunciado de precedência condicionada de um princípio sobre outro, que possui a estrutura de regra e contêm uma determinação precisa no âmbito daquilo que é, naquelas condições, fática e juridicamente possível.

Dessa forma, o caminho que vai do princípio (direito prima facie) até o direito definitivo passa pela definição de uma relação de preferência, o que equivale dizer que o modo de aplicação dos princípios culmina na definição de uma regra. Nesse sentido, pode-se afirmar que sempre que um princípio for a razão decisiva para um juízo concreto de dever-ser, esse princípio é o fundamento de uma regra, que representa uma razão definitiva para esse juízo concreto86.