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2. DOS PRINCÍPIOS E DAS REGRAS

2.2. Robert Alexy: dos princípios como mandamentos de otimização

2.2.4. Ponderação de regras?

Conforme dito, Alexy distingue as regras dos princípios em razão de sua estrutura (mandamentos definitivos versus mandamentos de otimização) e de sua forma de aplicação (subsunção versus ponderação). Os conflitos de regras seriam resolvidos no plano da validade, invalidando-se uma das regras envolvidas ou criando-se uma cláusula de exceção.

Merece destaque o fato de que há autores, como Humberto Ávila, que compreendem que também as regras podem ser ponderadas. Isso porque, em seu entendimento, o modo de aplicação não está determinado pelo texto objeto da interpretação, mas é decorrente de conexões axiológicas que são construídas pelo intérprete, de modo que o caráter absoluto das regras pode ser modificado quando consideradas todas as circunstâncias do caso100.

Humberto Ávila menciona exemplos nos quais a Corte Constitucional brasileira afastou regras válidas ao considerar razões contrárias não previstas pela própria ou por outra regra. No primeiro caso, o Supremo Tribunal Federal afastou a regra segundo a qual há presunção incondicional de violência para o crime de estupro quando a vítima tem idade inferior a 14 anos (artigo 224 do Código Penal), ao entender como não configurado o tipo penal em caso no qual a vítima possuía 12 anos, por entender que a aquiescência da vítima ou a aparência física e mental de pessoa mais velha afastava a violência presumida101. Em outro caso, afastou-se a regra do artigo 37, II da Constituição Federal, que estabelece que a investidura em cargo público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, em contratação de gari por tempo determinado, por considerar que não era razoável exigir um certame para uma única admissão em atividade de menor hierarquia, afastando-se as regras que preveem penalidade por improbidade em tal caso102.

99

NEVES, Marcelo. Entre Hidra e Hércules : princípios e regras constitucionais como diferença paradoxal

do sistema jurídico. São Paulo : Editora WMF Martins Fontes, 2013, p. 133.

100

ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 45.

101 STF, 2ª Turma, HC 73.662-9-MG, rel. Min. Marco Aurélio, j. 21.5.1996, DJU 20.9.1996, p. 24.535. 102 STF, 2ª Turma, HC 77.003-4-PE, rel. Min. Marco Aurélio, j. 16.6.1998, DJU 11.9.1998, p. 5.

Os julgados acima tratados indicam que as regras, embora sejam mandamentos definitivos, podem deixar de ser aplicadas mediante condizente fundamentação, pelo exame da razão que fundamenta a própria regra (rule´s purpose) ou por razões baseadas em outras normas e que justifiquem o seu descumprimento (overruling), de tal modo que as regras, tal qual os princípios, podem envolver a consideração de aspectos específicos abstratamente desconsiderados103.

No entendimento de Humberto Ávila, portanto, as regras não são aplicáveis pelo método tudo-ou-nada, vez que sua aplicação depende também de um prévio processo que considere as circunstâncias fáticas e jurídicas do caso concreto. O que diferencia as regras dos princípios, desse modo, é apenas o grau de abstração anterior à interpretação, vez que as consequências do descumprimento da regra são de pronto verificáveis, embora ainda devam ser corroboradas quando de sua aplicação104.

O traço distintivo das regras e dos princípios não seria, de tal modo, o tipo de obrigação instituído pela estrutura condicional da norma, se absoluta ou relativa, mas o modo como o intérprete justifica a sua aplicação ou afastamento. Os princípios apenas descrevem um estado de coisas, fins a promover, sem descrever precisamente comportamentos devidos, enquanto as regras funcionam como razões para a adoção de comportamentos, tão precisas que apenas são afastáveis na presença de motivos extravagantes com forte apelo justificativo105. O caráter absoluto das obrigações estatuídas pelas regras não é, portanto, o que as distingue dos princípios, mas sim o modo como sua superação deve ser validamente fundamentada106.

Virgílio Afonso da Silva discorda dessa posição. Para tanto, retoma o exemplo do caso no qual o Supremo Tribunal Federal não considerou estupro a relação sexual consentida com mulher menor de 14 anos, afastando a regra que considera ser presumida a violência em tal hipótese, em razão da aquiescência da vítima ou de sua aparência de pessoa mais velha. Em primeiro lugar, porque não se pode argumentar contra uma decisão teórica apenas porque esse ou aquele tribunal decidiu de forma diversa. Em segundo lugar, porque a decisão mencionada

103

ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 47.

104

ÁVILA, Humberto. Op. cit., p. 48.

105

ÁVILA, Humberto. Op. cit., p. 49.

106

pode ser encarada apenas como uma decisão contra legem que desrespeitou o caráter absoluto da regra107.

Virgílio considera também que, onde Ávila enxerga o sopesamento da regra do artigo 224 do Código Penal, apenas ocorreu sua interpretação, decidindo o Tribunal se o fato era típico ou não. Se o tipo penal não se configurou, não se aplica a norma; se tivesse se configurado, a norma seria aplicada, e por subsunção. São, portanto, muito diferentes as hipóteses que Ávila chama de “sopesamento na aplicação de regras” e a ponderação entre princípios: entre estes, todos os princípios em colisão são aplicáveis, embora nem todos poderão ser aplicados em sua maior medida. No exemplo tratado, a regra foi considerada não aplicável108.

O que a tese de Ávila ressalta é o fato de que a aplicação das regras não é feito do modo tudo-ou-nada, ou seja, que pode ser feita de modo automático e sem esforço interpretativo. No entanto, Virgílio salienta que a estrutura das regras enquanto mandamentos definitivos não implica facilidade em sua aplicação, de tal modo que não é possível confundir “tudo-ou-nada” ou “subsunção” com “automatismo” ou “facilidade na interpretação” 109.