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A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA PELO DELEGADO DE POLÍCIA NA OPORTUNIDADE DO FLAGRANTE

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

Carlos Alberto Mendonça Neto

A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA PELO DELEGADO DE POLÍCIA NA OPORTUNIDADE DO FLAGRANTE

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Carlos Alberto Mendonça Neto

A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA PELO DELEGADO DE POLÍCIA NA OPORTUNIDADE DO FLAGRANTE

Monografia submetida à

Coordenação do Curso de Direito, da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do título de bacharel em Direito.

Área de concentração: Direito Penal

Orientador: Prof. Daniel Maia

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Carlos Alberto Mendonça Neto

A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA PELO DELEGADO DE POLÍCIA NA OPORTUNIDADE DO FLAGRANTE

Monografia submetida à Coordenação do Curso de Direito, da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do título de bacharel em Direito.

Aprovada em _____/_____/_____

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________ Prof. Daniel Maia (Orientador)

Universidade Federal do Ceará

_______________________________________________ Prof. José Adriano Pinto

Universidade Federal do Ceará

________________________________________________ Prof. Ms. Michel Mascarenhas Silva

(4)

Ao Rei dos séculos, imortal, invisível, ao único Deus sábio, seja honra e glória para todo o sempre.

Aos meus pais, Carlos Alberto e Carmen Alice, e às minhas irmãs, Lúcia e Vitória.

(5)

AGRADECIMENTOS

A Deus, que me deu a vida, por sempre me proteger e guiar meus passos, mostrando-me o correto caminho a ser seguido.

Aos meus pais, por todo o empenho empreendido ao longo de minha jornada estudantil, não medindo esforços para ultrapassar os óbices impostos pelo acaso.

Agradeço-lhes, principalmente, pelo amor e atenção despendidos ao longo de todos esses anos, sentimentos estes que são recíprocos e eternos. Ao meu avô Carlos Alberto Mendonça, por ter me iniciado no mundo literário e pelo exemplo de retidão, tanto no âmbito familiar, quanto no profissional. Agradeço-lhe, também, por todo o amor que me conferiu e pelo incentivo ao longo de minha formação acadêmica. Querido vovô, o sonho se realizou.

À minha madrinha, Virgínia Lúcia, que, mesmo de longe, sempre incentivou meus estudos e me conferiu grande carinho.

Aos meus familiares, tios e tias, primos e primas, pelo apoio dado e por sempre terem acreditado em mim.

Aos meus amigos, que, para minha sorte e alegria, são tantos, por todos os momentos de felicidade passados juntos, e pelos de dificuldades também, nos quais sempre estiveram ao meu lado.

À minha princesa, Aline Paz Sales Ximenes Carmo, que sempre esteve ao meu lado, incentivando-me com palavras de amor e perseverança, ensinando-me a ser paciente, pois, ao final, tudo irá dar certo. Agradeço-lhe por todo amor, carinho e cuidado despendidos durante estes dois anos.

Ao professor Daniel Maia, pela paciência e orientações dadas ao longo desse trabalho.

(6)

“Por mais longa que seja a caminhada, o mais importante é dar o primeiro passo”.

(7)

RESUMO

Trata o presente trabalho de estudo acerca da possibilidade de o Delegado de Polícia aplicar o Princípio da Insignificância Penal e não ratificar a voz de prisão proferida pelo condutor, culminando com o não encarceramento do conduzido e com a não instauração de inquérito.

Para o melhor entendimento da questão, vislumbram-se aspectos gerais, estudando-se o referido princípio de maneira abrangente, explicando suas principais características e enaltecendo seus fundamentos, que mantém estreita relação com o minimalismo penal, corrente doutrinária que se alinha perfeitamente aos mandamentos constitucionais da dignidade da pessoa humana e da liberdade.

Empós, aborda-se, sucintamente, os elementos do Auto de Prisão em Flagrante, explicando as situações em que este pode ser lavrado e pormenorizando seus requisitos formais.

Em seguida, passa-se ao estudo da aplicação do postulado da insignificância pela Autoridade Policial, esteando esta possibilidade no princípio da liberdade, na discricionariedade do delegado e na diminuição de procedimentos que será acarretada por esta aplicação.

Por fim, propõe-se um procedimento a ser seguido pelo delegado quando da utilização do referido princípio em detrimento da lavratura do Auto de Prisão em Flagrante.

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ABSTRACT

This issue presents a study about the possibility of the Chief of Police the Principle of Criminal Insignificance and not to ratify the voice of arrest issued by the Police Officer, culminating with the imprisonment of the suspect arrested and not with the initiation of the investigation procedures.

To better understand the question, general aspects were analyzed, explaining principle‟s features and extolling its grounds, which maintains close links with criminal minimalism, current doctrine that aligns perfectly with the constitutional provisions of human dignity and freedom.

It then passes to the study of the application of the postulate of insignificance by the Police Chief, this is a possibility in principle of freedom in the discretion of the delegate and the reduction of procedures that will be entailed by this application.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 1

1. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA PENAL ... 5

1.1. Origem ... 5

1.2. Conceito ... 8

1.3. Fundamentos ... 13

a) Princípio da Reserva Legal ... 14

b) Princípio da Fragmentariedade ... 15

c) Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade ... 16

1.4. Infração bagatelar ... 18

1.5. Critérios para aplicação ... 22

1.6. Efeitos ... 27

2. DO AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE ... 33

2.1. Polícia Judiciária ... 33

2.2. Da prisão em flagrante ... 35

2.3. Espécies de flagrante ... 38

a) Flagrante Próprio ... 38

b) Flagrante Impróprio ... 39

c) Flagrante Presumido ... 40

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3. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA PELO DELEGADO

DE POLÍCIA ... 43

3.1. Breves considerações ... 43

3.2. Fundamentos ... 44

a) Princípio da liberdade ... 44

b) Discricionariedade da Autoridade Policial... 47

c) Diminuição do número de inquéritos policiais ... 53

3.3. Proposta procedimental ... 56

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 59

(11)

INTRODUÇÃO

O presente trabalho monográfico pretende fazer uma abordagem acerca da possibilidade de utilização do Princípio da Insignificância Penal pelo Delegado de Polícia em detrimento da lavratura do Auto de Prisão em Flagrante, como forma de maximização do princípio constitucional da liberdade e de diminuição de inquéritos policiais tramitando nos distritos policiais.

Hodiernamente, como consequência da crescente onda de violência que assola nosso país, muitos segmentos da sociedade acreditam, e proclamam, ser a hipertrofia das normas penais a única solução para este problema.

Deste modo, os legisladores pátrios, mais preocupados em angariar votos do que em dirimir a problemática da violência, constantemente, elaboram normas penais e processuais penais de jaez mais repressivo, encetando um verdadeiro embrutecimento de nosso ordenamento jurídico, contrariando os ditames constitucionais da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade e da proporcionalidade.

Em outro giro, deve-se obtemperar que, mesmo quando a edição legiferante visa proteger um bem jurídico pertinente, o caráter abstrato do tipo penal abarca situações que não merecem uma repressão tão severa. Um exemplo disto está consolidado no crime de furto, previsto no art. 155 do Código Penal, verbis:

Art. 155. Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena reclusão, de um a quatro anos, e multa.

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ordenamentos jurídicos modernos, vale dizer, o Princípio da Insignificância Penal.

Com o intuito de comprovar a plena aplicabilidade do Princípio da Insignificância pelos pretórios pátrios, vale trazer à colação a seguinte ementa do STF:

(13)

Conforme se constata da leitura do precedente supra, bem como de tantos outros de lavra da Suprema Corte e dos demais tribunais nacionais, o Princípio da Insignificância Penal afasta a tipicidade material da conduta, ensejando a não configuração de crime.

É certo que a aplicação do princípio em tela está praticamente sedimentada no âmbito de nossos tribunais. Ressalte-se que, atualmente, sua utilização está restrita ao âmbito do Poder Judiciário, quando da prolação de decisões, e do Ministério Público, quando, por exemplo, deixa de ofertar denúncia por considerar a infração insignificante.

Ocorre que, não raras vezes, o indivíduo tem seu direito de ir e vir tolhido em decorrência de uma tardia apreciação da comunicação da lavratura do Auto de Prisão em Flagrante pelo Judiciário ou em razão da ausência de defesa, tendo em vista que nem todos os municípios brasileiros são contemplados com a presença de um Defensor Público.

É o que acontece, por exemplo, em diversos municípios do interior cearense, onde são fartas as situações em que o indivíduo é preso em flagrante delito por um crime considerado bagatelar, mas o Judiciário local somente aprecia o Inquérito Policial remetido após um mês de seu início, seja por ausência de defesa, seja por acúmulo de serviço, momento em que, geralmente, utiliza o Princípio da Insignificância para absolver o réu ou trancar a ação penal.

O que não se pode olvidar é o fato de que isto somente ocorre porque boa parte da doutrina pátria ainda não concebe que o Delegado de Polícia tenha aptidão para aplicar o Princípio da Insignificância quando se lhe apresente uma prisão esdrúxula.

(14)
(15)

1. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA PENAL

1.1. ORIGEM

A origem do princípio da insignificância penal é um tanto controversa. Diomar Ackel Filho1 sustenta que ele nasceu no direito romano e que estava contido no brocardo mínima non curat praetor, de minimis non curar praetor ou de minimis praetor non curat, ou seja, o pretor não cuida das causas

mínimas, dos delitos bagatelares.

Compartilhando com tal entendimento, Carlos Vico Mañas aduz que “pode-se afirmar que o princípio já vigorava no direito romano, pois o pretor, em regra geral, não se ocupava de causas ou delitos insignificantes, seguindo a máxima contida no brocardo minimis non curat pretor2”.

Dentre os críticos da origem romana do instituto em tela, pode-se elencar Mauricio Antonio Ribeiro Lopes, o qual reconheceu a excelência do direito civil romano, ponderando, entretanto, que, naquela época, o conhecimento acerca do princípio da legalidade penal ainda era muito escasso. O aludido autor assevera, também, que o brocardo retrocitado era apenas uma máxima e que o direito da antiga Roma se sedimentava em conceitos inerentes ao direito privado, pouco se conhecendo sobre o alicerce da legalidade penal3.

É preciso o ensinamento de Lopes refutando o entrelaçamento do princípio ora em estudo com a máxima romana supracitada. Na opinião deste doutrinador, o princípio da insignificância teve sua origem com o pensamento liberal dos jusfilósofos iluministas, estando umbilicalmente ligado ao princípio da legalidade, não sendo, portanto, a restauração da máxima romana citada,

1 FILHO, Diomar Ackel. O princípio da insignificância no direito penal. Julgados do Tribunal de

Alçada Criminal de São Paulo. São Paulo: Lex, n. 94, págs. 72-77, abr./jun./1988, pág. 73.

2 MAÑAS, Carlos Vico. O Princípio da Insignificância como Excludente da Tipicidade no Direito

Penal. São Paulo: Saraiva, 1994, pág. 56.

3 LOPES, Maurício Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz da

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mas um desdobramento da natureza fragmentária do Direito Penal. Aduz o referido autor:

“Não se pode desvincular o princípio da insignificância do princípio da legalidade [...]. A insignificância não é exceção à legalidade, mas princípio complementar densificador de seu conteúdo material. Onde não se valoriza a legalidade, qual será o papel da insignificância? Ao contrário de grande parte da doutrina, menos atenta a esse aspecto, entendo que o que justifica modernamente o princípio da insignificância e sua aceitação no Direito Penal não é seu caráter opositor ao direito positivo, qual fosse uma solução extrajurídica para problemas aplicativos daquela modalidade descritiva de direito, mas a sua natureza intrínseca à normatividade jurídica.

“O princípio da insignificância, conquanto possa ser extralegal, não é extrajurídico, tampouco contrajurídico. É um princípio sistêmico, decorrente da própria natureza fragmentária do Direito Penal. Para dar coesão ao sistema penal é que se o fez. Sendo, pois, princípio específico do Direito Penal, não consigo relaciona-lo com a (paradoxalmente) máxima minimis non curat praetor, que serve como referência, mas não como via de reconhecimento do princípio4”.

Por sua vez, Guzmám Dalbora também nega a origem romanística do princípio da insignificância, utilizando, contudo, argumentos um pouco diferentes dos apresentados por Lopes.

Dalbora, a fim de provar a inexistência do estudo do princípio da insignificância pelos juristas romanos, serve-se de duas justificativas: a ideia de insignificância seria desconhecida dos romanos e a ausência desta ideia nas compilações dos principais glosadores.

Este autor aduz que, na verdade, os romanos até detinham algum conhecimento sobre a insignificância, mas somente de certo aspecto da mesma, conhecimento este que não se relaciona com a visão moderna de insignificância, chegando a afirmar que os juristas daquela época desconheciam a máxima mínima non curat praetor e que este adágio junge-se

melhor ao pensamento liberal dos humanistas. Neste sentido, é seu magistério:

“(...) Parece-nos, com efeito, que o adágio mínima non curat praetor tem que haver surgido com muita maior probabilidade entre os humanistas que o que é lícito supor a propósito dos juristas da Recepção.

“(...) Desta sorte, que os humanistas construíram o apotegma mínima non curat praetor, que, conforme restou explicado, tem um sentido eminentemente liberal e refratário a qualquer imposição autoritária,

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não parece – dentro, por suposto, das possibilidades de uma conjectura – hipoteticamente infundado5.”

O princípio da legalidade já estava arraigado na Bill of Rights,

datada do século XIII, entretanto, sem conter qualquer manifestação que evidenciasse o princípio da insignificância.

Parece certo que, com o advento do Iluminismo, período em que o princípio da legalidade teve seu auge, o princípio da insignificância passou a ser estudado com mais acuidade. É o que se extrai das palavras de Cássio Vinicius D. C. V. Lazzari Prestes, in litteram:

“Também se afirma que teve sua origem, juntamente com o princípio

da legalidade, durante o Iluminismo, como forma de limitação do poder absolutista do Estado. A Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, em seu artigo 5°., implicitamente, faz referência ao princípio da insignificância, revelando que a lei não proíbe senão as ações nocivas à sociedade, o que cria um caráter seletivo para o Direito Penal e o desprezo às ações insignificantes6”.

Somando-se ao art. 5° da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, o art. 8° do mesmo diploma também alude à necessidade de uma significativa lesão ao bem jurídico tutelado para que haja a interferência do Direito Penal, ao estatuir:

Artigo 8° - A Lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias, e ninguém pode ser punido senão em virtude de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e legalmente aplicada. (grifou-se)

Tal dispositivo evidencia, claramente, o princípio da legalidade, da anterioridade da lei penal, da intervenção mínima e da fragmentariedade. Implicitamente, traz à tona o princípio da insignificância.

Noutra banda, há quem defenda que o mesmo somente surgiu no século XX, por ocasião do fim das Grandes Guerras, período em que a escassez de alimentos e de outros bens indispensáveis à sobrevivência,

5 DALBORA, José Luiz Gusmán. La insignificância: especification y redución valorativas em el

ámbito de lo injusto típico. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: RT, ano 4, n. 14, abr./jun/1996, págs. 62 a 65.

6 PRESTES, Cássio Vinicius D. C. V. Lazzari. O Princípio da Insignificância como causa de

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somada ao crescente índice de desemprego, culminou com a prática de pequenos furtos, que receberam a denominação de crimes de bagatela (Bagatelledelikte).

Decerto, o princípio da insignificância está intimamente relacionado ao princípio da legalidade e evoluiu juntamente com este, tendo, provavelmente, nascido com as ideias liberais dos filósofos iluministas. Contudo, passou a ter maior aplicação no século XX, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, conforme salientado.

Não se deve olvidar que o estágio atual do princípio da bagatela deve-se aos estudos empreendidos por Claus Roxin em suas obras Política Criminal y Sistema Del Derecho Penal e Problemas Fundamentais de Direito

Penal, onde asseverou que tal princípio é um meio de interpretação restritiva do tipo penal.

Empós, o princípio da insignificância passou a ser uma constante nos estudos do Direito Penal, máxime no estudo do tipo, que é onde tem especial relevância, vez que é uma das formas de excludentes da tipicidade do fato.

Por derradeiro, impende dizer que o princípio em estudo é de suma importância no atual estágio do Direito Penal, ramo jurídico que sofre uma hipertrofia normativa como resposta ao aumento exponencial da violência, pois permite ao magistrado não cingir-se somente à descrição abstrata do tipo penal, servindo de norte interpretativo no momento da prolação das decisões, possibilitando um veredicto mais condizente com o sistema constitucional do que com a letra fria da lei.

1.2. CONCEITO

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relevância para a sociedade, restando aos demais ramos do ordenamento jurídico tutelar a vasta gama de ilicitudes de menor expressão.

A escolha dos bens jurídicos a serem agasalhados pelo manto do Direito Penal é de competência do Poder Legislativo Federal, de acordo com a regra insculpida no art. 22, I, da Constituição Federal. Neste sentido, é a lição de Rogério Greco:

“O legislador, por meio de um critério político, que varia de acordo com o momento em que vive a sociedade, sempre que entender que os outros ramos do direito se revelem incapazes de proteger devidamente aqueles bens mais importantes para a sociedade, seleciona, escolhe as condutas, positivas ou negativas, que deverão merecer a atenção do Direito Penal7.

Conquanto se deva presumir que a prática legiferante é escorreita, é cediço que, não raras vezes, o legislador comete equívocos, seja criando tipos penais devido ao clamor público seja abolindo retardadamente crimes cujas condutas já não causam tanta repugnância no seio social, como ocorreu com a tardia revogação do Capítulo III, do Título VI, da parte especial do Código Penal, que tratava do delito de rapto.

O legislador, ao criar o tipo penal, leva em consideração apenas os danos que a prática da conduta irá causar na sociedade, mas não possui meios de evitar que tal dispositivo legal seja aplicado a casos de importância manifestamente risíveis, como o furto de um aparelho de barbear.

Não se pode olvidar que o processo de tipificação mostra-se defeituoso, na medida em que não consegue reduzir todos os atos humanos em um preceito primário estanque, razão pela qual o legislador tipifica de maneira abstrata, abarcando condutas que, por vezes, deveriam ficar excluídas do âmbito criminal.

O legislador, ao elaborar a norma penal incriminadora, volta sua atenção somente para as vultosas lesões que podem decorrer da conduta típica, contudo, não dispõe de mecanismos impeditivos de sua incidência sobre os casos leves que podem advir de tal ação.

7 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal

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Em outra senda, o bem jurídico escolhido para ser albergado pela norma incriminadora pode comportar gradações no que tange à sua importância, como ocorre com o patrimônio. Óbvio que o patrimônio é um bem que merece especial proteção pelo ordenamento jurídico. Todavia, em determinadas ocasiões, o bem patrimonial em análise, isto é, aquele que foi subtraído pelo agente, pode ser de ínfimo valor. Destarte, a ação que lhe ofende não merece ser punida pelo Direito Penal, clamando pela aplicação de outros ramos jurídicos, tais como o Direito Civil e o Direito Administrativo.

Sob essa perspectiva é que se faz extremamente necessária a aplicação do princípio da insignificância penal, utilizando-o como um instrumento de interpretação restritiva da norma legal. Em outras palavras, tal princípio norteará o operador do direito no momento da aplicação da lei penal, de sorte que, presentes os requisitos para sua utilização, deixará de incriminar o réu, caso se trate de um juiz, deixará de oferecer denúncia, quando for aplicado pelo Ministério Público, ou não lavrará o Auto de Prisão em Flagrante, se for o Delegado de Polícia que o utilizar. Em todos os casos, a tipicidade do fato restará excluída, consoante se demonstrará no decorrer do presente trabalho.

O princípio da insignificância penal, também chamado de princípio da bagatela, não está explicitamente previsto no ordenamento jurídico pátrio (salvo algumas exceções no Código Penal Militar, como o art. 209, § 6º, por exemplo), consistindo, pois, em uma criação doutrinária e jurisprudencial que permite balizar as condutas tidas como bagatelares, com arrimo nos princípios da fragmentariedade, da subsidiariedade, da lesividade e da intervenção mínima, enaltecendo a dignidade da pessoa humana, fundamento do nosso Estado Democrático de Direito.

O fato de não estar previsto em lei não dá azo à inaplicabilidade do princípio em estudo, já que é decorrência das modernas tendências constitucionais, privilegiando-se a dignidade da pessoa humana e a liberdade do indivíduo.

É que o texto escrito não exaure todo o Direito, cabendo ao intérprete explicitar as normas subjacentes na ordem jurídica e por este motivo,

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princípio como o da insignificância não fere o mandamento constitucional da legalidade ou reserva legal8”.

Neste sentido, veja-se a decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais abaixo transcrita:

“O princípio da insignificância é um instrumento de interpretação corretiva da larga abrangência formal dos tipos penais e, para sua aplicação, prescinde de menção em lei, pois decorre do Estado Democrático de Direito, constante da Constituição Federal de 1988”.

(TJMG, AC 1.0460.03.012807-4/001, Rel. Dês. Pedro Vergara, DJ 02/06/2007). (destacou-se).

Coadunando-se com orientação pretoriana acima epigrafada, Lazzari Prestes aduz:

“A sua aceitação como princípio do Direito Penal, independentemente de sua expressa previsão legal, se impõe já que busca suas raízes em valores superiores do Estado Democrático de Direito. Seu caráte r vinculante encontra inspiração na dignidade humana e na humanização e proporcionalidade da sanção penal9”.

No que toca ao seu conceito, Vico Mañas define o princípio da insignificância penal como:

“um instrumento de interpretação restritiva, fundado na concepção

material do tipo penal, por intermédio do qual é possível alcançar, pela via judicial e sem macular a segurança jurídica do pensamento sistemático, a proposição político-criminal da necessidade de descriminalização de condutas que, embora formalmente típicas, não atingem de forma relevante os bens jurídicos protegidos pelo direito penal10”.

Rogério Greco acredita ser o princípio da insignificância um vetor hermenêutico, que tem por finalidade auxiliar o intérprete quando da análise do tipo penal, para excluir do âmbito de incidência da lei aquelas situações consideradas como de bagatela11.

8 Op. cit. pág. 67. 9 Op. cit. pág. 38.

10 VICO MAÑAS, Carlos. O Princípio da Insignificância no Direito Penal. Artigo extraído da

internet em 12.09.2010, site: http://www.mt.trf1.gov.br/judice/jud4/insign.htm.

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Este também é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça,

verbo ad verbum:

“PENAL. HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO INCIDÊNCIA. TIPICIDADE MATERIAL. TEORIA CONSTITUCIONALISTA DO DELITO. EXPRESSIVA LESÃO AO BEM JURÍDICO TUTELADO. ORDEM DENEGADA. 1. O princípio da insignificância surge como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal que, de acordo com a dogmática moderna, não deve ser considerado apenas em seu aspecto formal, de subsunção do fato à norma, mas, primordialmente, em seu conteúdo material, de cunho valorativo, no sentido da sua efetiva lesividade ao bem jurídico tutelado pela norma penal, consagrando os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima. 2. Indiscutível a sua relevância, na medida em que exclui da incidência da norma penal aquelas condutas cujo desvalor da ação e/ou do resultado (dependendo do tipo de injusto a ser considerado) impliquem uma ínfima afetação ao bem jurídico”. (HC 157.199/DF, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 15/06/2010, DJe 28/06/2010) (grifou-se)

Por sua vez, o Professor Francisco de Assis Toledo preleciona, in verbis:

“(...) segundo o princípio da insignificância, que se revela por inteiro pela sua própria denominação, o direito, por sua natureza fragmentária, só vai aonde seja necessário para a proteção do bem jurídico. Não deve ocupar-se de bagatelas12”.

Com efeito, o Direito Penal, dado seu caráter fragmentário e subsidiário, não pode ser utilizado para dirimir todos os conflitos que lhes são trazidos à apreciação, tendo em vista que a aplicação da pena restringe os direitos do cidadão, podendo, em seu aspecto mais severo, privar a liberdade do indivíduo. Assim, com espeque na corrente minimalista, a que mais se aproxima dos preceitos do neoconstitucionalismo, o Direito Penal deve ser a

ultima ratio na solução das situações que lhe sejam apresentadas. Esse é o

entendimento exarado pelo eminente Ministro Celso de Mello, in litteram:

“O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: "DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR". - O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam

12 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva,

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quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade”. (STF, HC 101074, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 06/04/2010, DJe-076 DIVULG 29-04-2010 PUBLIC 30-04-2010 EMENT VOL-02399-06 PP-01156)

Rogério Greco, com a proficiência que lhe é inerente, trilha a mesma vereda da decisão acima colacionada, ao alegar, litteris:

“(...) o princípio da insignificância serve como fundamento de interpretação, a fim de que o exegeta leve a efeito uma correta ilação do tipo penal, dele retirando, de acordo com a visão minimalista, bens que, analisados no plano concreto, são considerados de importância inferior àquela exigida pelo tipo penal quando da sua proteção em abstrato13”.

Portanto, pode-se conceituar o princípio da insignificância penal como uma ferramenta que o magistrado possui para guiar-se na interpretação da norma penal, quando de sua aplicação prática, podendo deixar de condenar o réu em face da inexpressividade da lesão causada por sua conduta, afastando a tipicidade do fato.

1.3. FUNDAMENTOS

Constante, no mundo jurídico, é a busca pelos fundamentos das normas para aferir seu grau de importância, sua razão de ser e seu posicionamento hierárquico no sistema.

As normas penais encontram suas raízes em valores próprios do Estado Democrático de Direito, que é assentado nos princípios da liberdade, igualdade, dignidade da pessoa humana, dentre outros.

13 GRECO, Rogério. Direito Penal do Equilíbrio: uma visão minimalista do Direito Penal. 4.ed.

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O princípio da insignificância, instrumento de interpretação restritiva das normas incriminadoras, encontra seus fundamentos nestes postulados, visando atingi-los e concretiza-los na esfera penal.

Visando uma melhor didática, os fundamentos do princípio da insignificância serão expostos separadamente, em alíneas.

a) Princípio da Reserva Legal

O direito penal brasileiro tem como um dos seus princípios norteadores o da reserva legal (nullum crime, nulla poena sine lege), plasmado

na Constituição Federal (art. 5º, XXXIX) e no Código Penal (art. 1º).

Conforme referido princípio, não haverá crime, nem pena sem lei prévia que os defina. O Poder Legislativo Federal será o órgão incumbido de editar as normas de caráter penal, competência esta conferida pelo art. 22, I, da Carta Magna vigente. Impende consignar que a espécie normativa apta a ditar regras acerca deste segmento do Direito é a lei em sentido estrito, não cabendo edição de medida provisória sobre o tema (art. 62, §1º, I, b, CF/88).

Segundo o princípio da reserva legal, a conduta, para ser passível de punição pelo Estado, deve estar prevista em lei, ou seja, deve haver um tipo penal que descreva a ação e lhe comine uma sanção. Rogério Greco14 atribui quatro funções ao princípio: proibir a retroatividade da lei, proibir a criação de crimes e penas pelos costumes, proibir a aplicação de analogia para criar crimes ou agravar penas e proibir incriminações vagas e indeterminadas.

Não se discute que o princípio da reserva legal é essencial no sentido de impedir o arbítrio estatal, limitando o ius puniendi do Estado.

Todavia, sua aplicação isolada dos demais postulados penais é temerária, pois induz a um excessivo apego ao formalismo.

Com efeito, aplicando-se apenas este princípio, qualquer conduta que se subsumisse ao tipo penal ensejaria a aplicação da pena. Assim, de acordo com o que noticia Lazzari Prestes15, com esteio na máxima nullum

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crimen, nulla poena sine lege, nasceram outras acepções, quais sejam, nullum crimen, nulla poena sine lege scripta, nullum crimen, nulla poena sine lege stricta, nullum crimen, nulla poena sine lege certa, nullum crimen, nulla poena sine iuria, dentre outras.

A última decorrência do princípio da reserva legal citada, nullum crimen, nulla poena sine iuria, coaduna-se com a moderna visão do Direito

Penal, menos formalista e mais substancial, tendo em vista que coloca a

“ofensividade a interesses de relevância primária para a sociedade16como

pressuposto para existência do crime.

Nesse passo, o princípio da insignificância encontra um de seus fundamentos, haja vista que de acordo com a máxima nullum crimen, nulla poena sine iuria os fatos bagatelares não merecem ser reprimidos pelo Direito

Penal, pois a lesão ao bem jurídico tutelado é nímia, destituída de ofensividade e lesividade. Assim, premente a desconsideração da tipicidade do fato, o qual não se encaixa materialmente à descrição legal de delito.

b) Princípio da Fragmentariedade

O princípio da fragmentariedade revela que o Direito Penal somente deve punir as condutas mais graves praticadas contra os bens jurídicos mais relevantes. Sendo assim, nem toda ação lesiva merece ser abrangida por este ramo jurídico, mas somente aquelas mais repulsivas, empreendidas em detrimento de bens de suma importância.

O princípio da fragmentariedade revela o caráter subsidiário do Direito Penal, de sorte que a tutela penal só é exigível quando as sanções administrativas e civis não bastarem para proteger o bem jurídico atacado. Nessa esteira, o Direito Penal deve ser visto como a ultima ratio extrema, ou

seja, “se outros setores do ordenamento jurídico se apresentam como

suficientes e, portanto, como mais idôneos para a tutela de um determinado

(26)

bem jurídico, não se deve utilizar o Direito Penal para atender essa finalidade17”.

O princípio da insignificância realiza o postulado da fragmentariedade, bem como desvela a natureza subsidiária do direito penal, pois limita o âmbito de incidência do Direito Penal, relativamente às infrações de bagatela, “atuando como um mecanismo de seleção qualitativo-quantitativo das condutas mais graves contra os bens jurídicos atacados18.

c) Princípios da Proporcionalidade e da Razoabilidade

O Direito não é uma ciência exata, não pode ser encarado de forma matemática. Pelo contrário, o Direito enquadra-se na classificação de ciência social, exigindo, quando da análise de uma situação concreta, uma interpretação do caso em deslinde em detrimento de uma aplicação inflexível, absoluta, da norma.

Nesse passo, o art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil,

aplicável a todos os ramos jurídicos, preconiza que “na aplicação da lei, o juiz

atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. Portanto, depreende-se que o Direito deve ser encarado como uma ciência social que lida com seres humanos e que deve almejar solucionar os conflitos que lhe são apresentados da maneira menos gravosa para as partes.

A partir desta ideia é que surge o princípio da razoabilidade, imanente ao sistema jurídico pátrio, aproximando a aplicação da norma jurídica do ideal de justiça, limitando o mundo jurídico à realidade do mundo social. Segundo Lazzari Prestes, “a razoabilidade traz ética ao Direito Penal, controlando qualitativa e quantitativamente a elaboração de figuras típicas e a aplicação de suas sanções19”.

No que concerne ao princípio da insignificância, tem-se que é extremamente desarrazoado punir uma conduta considerada bagatelar, já que

17 GOMES, Luiz Flavio, BIANCHINI, Alice, MOLINA, Antônio García-Pablos de. Direito Penal:

introdução e princípios fundamentais. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, pág. 292.

18 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância no direito penal. 1. ed. Curitiba: Juruá

Editora, 2010, pág. 127.

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privado de ofensividade e de reprovabilidade social, retirando o caráter criminoso do fato. Isto não quer dizer que referida conduta será esquecida pelo ordenameto jurídico, tornando-se necessária sua punição por outros ramos do Direito.

O princípio da proporcionalidade segue a mesma trilha do da razoabilidade, de sorte que condutas que não causem lesões significativas, nem sejam reprovadas socialmente, não merecem a repressão estatal. É o escólio de Lopes, verbis:

“(...) o princípio da proporcionalidade exige que se faça um juízo de

ponderação sobre a relação existente entre o bem que é lesionado ou posto em perigo (gravidade do fato) e o bem de que pode alguém ser privado (gravidade da pena). Toda vez que, nessa relação, houver um desequilíbrio acentuado, estabelece-se, em consequência, uma inaceitável desproporção. O princípio da proporcionalidade rechaça, portanto, o estabelecimento de cominações legais (proporcionalidade em abstrato) e a imposição de penas (proporcionalidade em concreto) que careçam de relação valorativa com o fato cometido considerado em seu significado global. Tem, em consequência, um duplo destinatário: poder legislativo (que tem de estabelecer penas proporcionadas, em abstrato, à gravidade do delito) e o juiz (as penas que os juízes impõe ao autor de delito têm de ser proporcionadas à sua concreta gravidade)20”.

O princípio da insignificância realiza o princípio da proporcionalidade, na medida em que impossibilita a aplicação do Direito Penal àquelas condutas tidas por insignificantes, evitando-se a repressão penal, a qual se mostraria desproporcional ao fato considerado de pouca monta. Sobre este assunto, arremata Odone Sanguiné21:

“O fundamento do princípio da insignificância está na ideia de proporcionalidade que a pena deve guardar em relação à gravidade do crime. Nos casos de ínfima afetação ao bem jurídico, o conteúdo de injusto é tão pequeno que não subsiste nenhuma razão para o pathos ético da pena. Ainda a mínima pena aplicada seria

desproporcional à significação social do fato”.

20 LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Teoria constitucional do direito penal. São Paulo: RT,

2000, pág.421.

21 SANGUINÉ, Odone. Observações sobre o princípio da insignificância. Porto Alegre: Sergio

(28)

Desta feita, não resta dúvidas que os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, embora apenas implícitos em nosso ordenamento jurídico, sejam considerados fundamentos do princípio da insignificância penal.

1.4. INFRAÇÃO BAGATELAR

Diante do acima exposto, já é possível denotar que o princípio da insignificância penal não pode ser adotado em todas as figuras típicas espargidas no ordenamento jurídico-penal pátrio. Com efeito, nominado princípio tem sua aplicação ensejada quando praticadas as denominadas infrações bagatelares.

Rogério Greco afirma que, “embora de utilização obrigatória em

muitos casos, nem todos os tipos penais permitem o raciocínio da insignificância22”. Realmente, alguns delitos, tais como o homicídio e o estupro,

não permitem o afastamento da tipicidade com fulcro no princípio da bagatela, já que causam danos de grande monta à vítima e à sociedade.

Dessarte, necessária se faz a delimitação do âmbito de abrangência do princípio em epígrafe, para que, posteriormente, seja possível averiguar a possibilidade de sua aplicação pelo Delegado no momento da lavratura do Auto de Prisão em Flagrante.

O princípio da insignificância, como dito supra, aplicar-se-á a fatos irrelevantes, bagatelares, ou seja, às condutas que causem danos desprezíveis (furto de um alfinete, verbi gratia) ou que sejam despidas de ofensividade

(arremesso de um pedaço de papel amassado contra um ônibus, por exemplo). Impende ressaltar que aferir o grau de importância de determinada conduta é tarefa árdua. Isso porque o fenômeno social do crime não é estanque e seu tratamento deve acompanhar as evoluções socioeconômicas. Em determinada sociedade, uma conduta pode causar

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ojeriza à população, mas ser totalmente aceita em outra. Deve-se fazer tal raciocínio, ainda, levando-se em conta a mesma sociedade, mas em épocas diferentes, ou seja, em determinado momento histórico um fato pode ser causar repugnância, mas, alguns anos ou décadas depois, ser plenamente tolerado.

Porém, consoante lição de Lazzari Prestes:

“(...) a infração penal é uma realidade que comporta quantificação, ela pode e deve ser graduada para que a resposta punitiva possa ser justa e proporcional ao delito cometido. (...) E é esta possibilidade de se quantificar a ofensa produzida ao bem jurídico que é a tônica para se aferir o que seria e o que não seria penalmente relevante. Assim, os ataques penalmente relevantes sofreriam a aplicação de sanção da mesma natureza. Os outros por não possuírem alto grau de injusto, ou seja, em razão de as ínfima censurabilidade não comportariam referidas penas, e sua tutela se daria por outros meios23”.

Isto posto, dar-se-á um salto qualitativo e passar-se-á ao estudo da infração bagatelar, a qual é gênero de duas espécies, a saber, a infração bagatelar própria e a imprópria.

Luiz Flávio Gomes, antes de definir as espécies de infração bagatelar, conceitua o gênero, ipsis litteris:

“(...) infração bagatelar ou delito de bagatela ou crime insignificante, expressa o fato de ninharia, de pouca relevância. Em outras palavras, é uma conduta ou um ataque ao bem jurídico tão irrelevante que não requer a (ou não necessita da) intervenção penal. Resulta desproporcional a intervenção penal nesse caso. O fato insignificante, destarte, deve ficar reservado para outras áreas do Direito (civil, administrativo, trabalhista etc)24”.

Infração bagatelar própria é aquela que já nasce sem qualquer relevância penal, pois não houve um desvalor na ação, no resultado ou na combinação de ambos. Em outras palavras, o fato é irrelevante desde sua origem e, sendo assim, não há crime, tendo em vista que as condutas cuja ação e/ou omissão sejam inexpressivas não merecem a repressão do Direito

23 Op. cit. pág. 41.

24 GOMES, Luiz Flávio. Princípio da Insignificância e outras excludentes de tipicidade. 2. ed.

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Penal, principalmente devido à ausência da tipicidade material, que acaba por inibir a configuração do crime, conforme será evidenciado posteriormente.

Por seu turno, a infração bagatelar imprópria nasce relevante para o Direito Penal, mas, ao longo do processo, constata-se que a aplicação de qualquer pena no caso concreto apresenta-se totalmente desnecessária. Exemplo dessa modalidade de infração de bagatela é o crime de peculato culposo, previsto no § 2º, do art. 312 do Código Penal, no qual, caso haja a reparação dos danos antes da sentença irrecorrível, a punibilidade restará extinta. Isto é, a infração torna-se bagatelar (imprópria) e a aplicação da pena desnecessária.

Na infração bagatelar própria, aplica-se o princípio da insignificância, sendo desnecessário realizar uma perquirição acerca da vida pregressa do agente e de seus antecedentes criminais, pois o fato é atípico, não chegando, sequer, a configurar crime.

Com efeito, o Direito Penal moderno não possui qualquer congruência com o denominado direito penal do autor, de modo que o indivíduo deve ser penalizado pela conduta praticada, não pelo que é. Segundo Luiz Flávio Gomes25, não se deve considerar ou reconhecer o crime pelo que o sujeito ostenta, mas apenas pelos atos por ele praticados objetivamente e na medida em que afetou o bem juridicamente tutelado.

A infração bagatelar imprópria oportuniza a incidência do princípio da irrelevância penal do fato, o qual sugere a não imposição de sanção em razão de crimes onde exista tamanha desproporcionalidade entre o mal decorrente da prática do delito e os efeitos colaterais socialmente danosos da aplicação da pena, de modo a torná-la contrária às suas próprias finalidades.

O referido princípio encontra aplicação sempre que o delito tenha causado lesão irrisória ao bem jurídico protegido (ínfimo desvalor do resultado) e as circunstâncias do crime e as condições subjetivas do acusado se lhe revelem extremamente favoráveis (ínfimo desvalor da ação), de forma que a imposição de pena revele-se mais agressiva aos valores arraigados na sociedade do que o próprio delito cometido.

(31)

Difere do princípio da insignificância, pois exige a análise das condições pessoais do agente e da irrelevância concomitante da culpabilidade e da conduta, de modo que, desatendido algum destes pressupostos, não será aplicado. Ademais, tais princípios não ocupam a mesma localização topográfica dentro do fato punível. O princípio da insignificância é causa de exclusão da tipicidade do fato; o princípio da irrelevância penal do fato é causa de dispensa da aplicação da pena (em razão da sua desnecessidade no caso concreto).

Muitas vezes, quando não é possível a aplicação do princípio da insignificância penal, os tribunais pátrios vêm admitindo a aplicação do princípio da irrelevância penal do fato, por considerarem a infração como bagatelar, conforme se verifica da decisão abaixo, verbatim:

“PENAL E PROCESSUAL. ART. 334 DO CP. DESCAMINHO. INSIGNIFICÂNCIA. DESCABIMENTO. ART. 18, § 1º, DA LEI 10522/02. CULPABILIDADE. INFRAÇÃO BAGATELAR IMPRÓPRIA. PRINCÍPIO DA IRRELEVÂNCIA PENAL DO FATO. CRITÉRIOS. DESNECESSIDADE DE PERSECUÇÃO CRIMINAL E DA PUNIÇÃO NO CASO CONCRETO. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. ARTIGO 397 DO CPP C/C ART. 59 DO CP. 1. Nos crimes de contrabando e descaminho, incabível a aplicação do princípio da insignificância quando o valor dos tributos sonegados ultrapassa o parâmetro contido no artigo 18, § 1º, da Lei nº 10522/02. Precedentes do STJ e dos demais Tribunais Regionais. 2. Para aplicação do princípio da irrelevância penal do fato, imperiosa a conjugação de determinados fatores, tais como ínfima culpabilidade, perdimento dos bens em prol do fisco, primariedade do agente, atuação distinta de "laranja" ou atravessador, dentre outros. 3. Sendo o fato típico antijurídico e culpável mas preenchendo o acusado tais requisitos, por razões legais e de política criminal, também em face do princípio da proporcionalidade e irrelevância penal do fato, torna-se desnecessária a continuidade da persecução penal e da punição, consoante autorização expressa contida no art. 397, IV, do CPP, bem como na parte final do art. 59 do CP”. (TRF-4, Quarta Sessão, ENul. 5799 PR 2007.70.02.005799-1, Relator Élcio Pinheiro de Castro, DJ 01/09/2008)

Luiz Flávio Gomes, fazendo uma aproximação entre o princípio da irrelevância penal do fato e a infração bagatelar imprópria, ensina que:

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(dispensando-se a pena, tal como se faz no perdão judicial). O fundamento jurídico para isso reside no art. 59 do CP (visto que o juiz, no momento da aplicação da pena, deve aferir sua suficiência e, antes de tudo, sua necessidade)26”.

O supracitado autor, dissertando sobre o tema, sintetiza:

“(...) infração bagatela própria = princípio da insignificância; infração bagatelar imprópria = princípio da irrelevância penal do fato. Não há como se confundir a infração bagatelar própria (que constitui fato atípico – falta de tipicidade material) com a infração bagatelar imprópria (que nasce relevante para o Direito Penal). A primeira é puramente objetiva. Para a segunda, importam os dados do fato assim como uma certa subjetivação, porque também são relevantes para ela o autor, seus antecedentes, sua personalidade etc27”.

Conclui-se, portanto, que o conceito de infração bagatelar própria, considerada como aquela que nasce sem relevância para o Direito Penal devido ao desvalor da ação e/ou do resultado, é o mais condizente com o objeto do presente trabalho monográfico, qual seja, a aplicação do princípio da insignificância pelo Delegado de Polícia em detrimento da lavratura do Auto de Prisão em Flagrante, uma vez que o referido postulado não permite a configuração de crime em razão da ausência de tipicidade material.

1.5. CRITÉRIOS PARA APLICAÇÃO

O princípio da bagatela tem o fito de retirar do âmbito de abrangência do Direito Penal condutas que causem ínfimas lesões aos bens juridicamente tutelados. Indiscutível é a importância do princípio em análise, pois, além de evitar a carceirização, visa um arejamento da Justiça Penal, que deve se deter apenas às infrações que efetivamente lesem os bens protegidos.

Não obstante sua importância, o princípio da insignificância exige uma aplicação criteriosa, a fim de se evitar que a tolerância estatal vá além dos limites do razoável em função dos bens jurídicos envolvidos. Digna de

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transcrição é a ponderação do Ministro Ayres Britto no HC 100369/PR, no qual foi relator:

“(...) todo cuidado é preciso para que a insignificância, como verdadeiro „indiferente penal‟, não seja aplicada para estimular condutas atentatórias da legítima esfera de interesses tanto dos

supostos agentes passivos quanto da sociedade como um todo”. (HC 100369, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Primeira Turma, julgado em 25/05/2010, DJe-116 DIVULG 24-06-2010 PUBLIC 25-06-2010 EMENT VOL-02407-03 PP-00570)

Com efeito, o princípio da insignificância não pode ser utilizado aleatoriamente, exigindo-se, sempre, uma minuciosa aferição do caso concreto e o preenchimento de alguns requisitos necessários para sua utilização, condições estas que, no atual estágio jurisprudencial brasileiro, foram reconhecidas pelo Pretório Excelso, principalmente nas decisões proferidas pelo Ministro Celso de Mello.

Vale consignar o voto do eminente magistrado no HC 84.412/SP, o qual relatou, onde restam consagrados os vetores para aplicação do princípio em apreço, verbis:

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Turma, julgado em 19/10/2004, DJ 19-11-2004 PP-00037 EMENT VOL-02173-02 PP-00229 RT v. 94, n. 834, 2005, p. 477-481 RTJ VOL-00192-03 PP-00963) (destacou-se)

Empós a prolação deste acórdão, seguiram-se muitos outros, afinados no mesmo diapasão, exarados pelos mais diversos tribunais nacionais, principalmente pelas Cortes Superiores (STJ e STF).

Percebe-se, então, que, para aplicação do princípio da insignificância, são exigidos critérios objetivos, sejam relacionados à conduta, sejam referentes ao resultado.

De acordo com a orientação do Supremo, conclui-se que três dos critérios elencados relacionam-se à conduta, enquanto um é pertinente ao resultado.

Deve-se perquirir se é premente a conjugação dos quatro critérios estabelecidos pelo STF para que o princípio da insignificância seja aplicado ou se é possível realizar um desmembramento, exigindo-se somente o desvalor da conduta ou somente o desvalor do evento.

Na esteira de Luiz Flávio Gomes28, não é necessária a comunhão de todos os requisitos estandardizados pelo STF, fazendo-se mister a incidência do princípio da bagatela quando há puro desvalor da conduta, puro desvalor do resultado ou a combinação de ambos.

O mesmo doutrinador29 esclarece que existem três correntes jurisprudenciais divergentes acerca dos critérios orientativos do princípio da insignificância penal.

A primeira, segundo o autor, é a mais difundida e apregoa que o princípio deve ser utilizado quando constatado o desvalor da conduta ou do evento, não sendo exigível a conjugação dos dois. Obviamente, se ambos coexistirem, a aplicação do princípio é ainda mais peremptória.

A segunda linha jurisprudencial entende que, em cada caso concreto, é imprescindível a análise dos dois desvalores acima citados, somente permitindo a incidência do princípio da bagatela se estiverem

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presentes conjuntamente. Esta corrente é criticada por Luiz Flávio Gomes, que defende que a análise conjunta dos quatros requisitos plasmados nos arestos proferidos pela Suprema Corte é dispensável, bastando somente a ocorrência do desvalor da conduta ou do resultado.

A terceira corrente exige não só o desvalor do resultado ou da ação para que o princípio da insignificância possa ser utilizado, acentuando a importância de critérios subjetivos do agente, afeitos à culpabilidade, tais como a personalidade e os antecedentes criminais.

Apesar de vozes em sentido contrário, a corrente que mais se coaduna com os preceitos constitucionais é a primeira, não exigindo a conjugação dos requisitos promanados pelo STF, que também compartilha com este entendimento, como se constata do aresto abaixo colacionado, em que o princípio da insignificância foi utilizado unicamente em razão do desvalor do evento, verbo ad verbum:

“ACIDENTE DE TRÂNSITO. LESÃO CORPORAL.

INEXPRESSIVIDADE DA LESÃO. PRINCÍPIO DA

INSIGNIFICANCIA. CRIME NÃO CONFIGURADO. SE A LESÃO CORPORAL (PEQUENA EQUIMOSE) DECORRENTE DE ACIDENTE DE TRÂNSITO E DE ABSOLUTA INSIGNIFICANCIA, COMO RESULTA DOS ELEMENTOS DOS AUTOS - E OUTRA PROVA NÃO SERIA POSSIVEL FAZER-SE TEMPOS DEPOIS - HÁ DE IMPEDIR-SE QUE SE INSTAURE AÇÃO PENAL QUE A NADA CHEGARIA, INUTILMENTE SOBRECARREGANDO-SE AS VARAS CRIMINAIS, GERALMENTE TÃO ONERADAS”. (RHC 66869, Relator(a): Min. ALDIR PASSARINHO, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/12/1988, DJ 28-04-1989 PP-06295 EMENT VOL-01539-02 PP-00187) (destacou-se)

Exemplo de desvalor da conduta é citado por Luiz Flávio Gomes,

verbatim:

“Numa inundação dolosa (muito grave), quem ajuda o autor do fato (intencional) com o derramamento de um copo d‟água não pode ser punido como coautor. Um copo d‟água que é agregado a 10 milhões

de litros d‟água não significa absolutamente nada. O desvalor da

ação, nesse caso, é absolutamente indiscutível. Ainda que o delito (inundação) tenha sido devastador (tendo prejudicado dezenas de moradores e de propriedades vizinhas), a ação absolutamente ínfima

do agente (copo d‟água) afasta a incidência do Direito Penal30”.

(36)

Por outro lado, a terceira corrente é passível de críticas, pois estatui exigências ligadas à culpabilidade do agente, confundindo, destarte, o princípio da insignificância, de caráter puramente objetivo, com o princípio da irrelevância penal do fato, que leva em consideração o viés subjetivo do autor.

Ivan Luiz da Silva31, defendendo que a culpabilidade não faz parte da estrutura do crime, sendo apenas pressuposto de aplicação da pena, aduz não ser de bom alvitre estigmatizá-la como critério da conduta penalmente insignificante.

O Superior Tribunal de Justiça há tempos vem proferindo decisões no sentido de desconsiderar as circunstâncias de caráter pessoal do agente, mesmo quando desfavoráveis, conforme se atesta das ementas abaixo:

“HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL. FURTO SIMPLES. SUBTRAÇÃO DE BEM DE VALOR ÍNFIMO. CONDUTA DE MÍNIMA OFENSIVIDADE PARA O DIREITO PENAL. ATIPICIDADE MATERIAL. CONDIÇÕES PESSOAIS DESFAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO. TRANCAMENTO. ORDEM CONCEDIDA.

(...)

4. A existência de circunstâncias de caráter pessoal desfavoráveis, tais como o registro de processos criminais em andamento, a existência de antecedentes criminais ou mesmo eventual reincidência não são óbices, por si só, ao reconhecimento do princípio da insignificância. Precedentes deste STJ.

5. Ordem concedida para, aplicando-se o princípio da insignificância, absolver o paciente com fulcro no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal”. (HC 157.594/MG, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 04/05/2010, DJe 17/05/2010)

“PENAL. HABEAS CORPUS. DESCAMINHO. DÉBITO FISCAL. ART. 20, CAPUT, DA LEI Nº 10.522/2002. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. MAUS ANTECEDENTES.

PROCESSOS EM CURSO. (...)

III- Circunstâncias de caráter eminentemente subjetivo, tais como reincidência, maus antecedentes e, também, o fato de haver processos em curso visando a apuração da mesma prática delituosa, não interferem na aplicação do princípio da insignificância, pois este está estritamente relacionado com o bem jurídico tutelado e com o tipo de injusto.

Writ concedido”. (HC 34641/RS, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 15/06/2004, DJ 02/08/2004 p. 464)

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Portanto, infere-se que os requisitos necessários para a aplicação do princípio da insignificância penal são aqueles elencados pelo STF, corroborados pelas reiteradas decisões dos tribunais nacionais, quais sejam, a mínima ofensividade da conduta do agente, a nenhuma periculosidade social da ação, o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada.

Além disto, ressalta-se que não é necessário que todos estes vetores orientativos estejam concomitantes para que o princípio possa incidir, sendo exigível apenas que haja um desvalor na conduta ou no evento, prescindindo-se, também, de qualquer análise acerca de elementos de cunho subjetivo do agente (periculosidade do autor, antecedentes criminais, etc).

1.6. EFEITOS

A jurisprudência brasileira há algum tempo vem utilizando o princípio da insignificância penal para dirimir as mais diversas causas. Assim, vislumbra-se necessário perscrutar os efeitos que a aplicação do dito postulado gera na conduta, fazendo com que o fato não configure crime.

A teoria do crime adotada pelo sistema jurídico brasileiro é aquela denominada finalismo penal, nascida dos estudos implementados pelo Professor Welzel, a qual, segundo alguns autores, concebe o crime como o fato típico, ilícito e culpável. De outra banda, alguns doutrinadores entendem que o crime só contém dois elementos, a saber, a tipicidade e a ilicitude, sendo a culpabilidade um mero pressuposto de aplicação da pena. Entretanto, esta discussão foge ao objetivo do presente trabalho, que é demonstrar que o Delegado pode (e deve) mitigar a lavratura do auto de prisão em flagrante e aplicar o princípio da insignificância penal, quando presentes os requisitos para tanto, é claro.

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Ivan Luiz da Silva32, “o tipo penal encerra a punição estatal prevista para a conduta lesiva ao bem tutelado”, além de possuir uma função de garantia, na medida em que possibilita o prévio conhecimento da conduta ali descrita, bem como os limites da pena cominada.

O fato típico é composto da conduta, do resultado, do nexo causal entre ambos e da tipicidade. Para a presente monografia, faz-se necessário tecer algumas considerações acerca do último elemento do fato típico (tipicidade), haja vista que o princípio da bagatela vai aí incidir, obstaculizando a caracterização do crime.

Até certo tempo, a tipicidade era vista como a mera adequação do fato à norma. Sendo assim, aquele que praticasse a conduta descrita no preceito primário (subtrair coisa alheia móvel, v.g), deveria ser penalizado de

acordo com o preceito secundário (reclusão, de um a quatro anos, seguindo o mesmo exemplo), salvo existente alguma causa que o isentasse de pena ou, de algum modo, excluísse o crime.

No entanto, segundo aponta Lazzari Prestes33, a doutrina passou a demonstrar insatisfação com esta concepção de mero juízo formal da tipicidade. Em verdade, dado o caráter subsidiário e fragmentário do direito penal, a tipicidade não pode mais ser entendida como o mero juízo de subsunção do fato à descrição abstrata do tipo, necessitando-se atribuir ao tipo um conteúdo valorativo e não somente descritivo.

Por outro lado, no que toca à criação dos tipos penais, vê-se a impossibilidade do legislador prever e descrever a gama imensurável de formas de realização da conduta lesiva ao bem jurídico criminalmente protegido, de sorte que tipifica de forma abstrata com o escopo de abarcar um número expressivo de condutas tidas como proibidas. Entretanto, esta técnica legislativa mostra-se deficiente, na medida em que atribui à descrição da conduta incriminada uma amplitude maior que a necessária para a proteção do bem jurídico albergado, pois algumas condutas sem importância para o Direito Penal poderão ser alcançadas pela descrição típica.

(39)

Neste contexto, visando uma limitação da amplitude do tipo penal, a doutrina lhe atribuiu um caráter material, de forma que, para a configuração da tipicidade, dois elementos devem ser preenchidos paralelamente, a saber, a tipicidade formal e a tipicidade material. A primeira refere-se ao viés fático-legal, ou seja, a coadunação do fato concreto à norma penal incriminadora. Por seu turno, a tipicidade material exige a efetiva lesão ou exposição a perigo do bem juridicamente protegido, enaltecendo um viés normativo na tipicidade. Luiz Flávio Gomes34acrescenta que a tipicidade material compreende dois juízos distintos: de desaprovação da conduta e de desaprovação do resultado jurídico. Discorrendo sobre os pressupostos para a caracterização da tipicidade, o nominado autor ensina:

“Não basta, assim, que a conduta realizada tenha produzido o

resultado naturalístico exigido por alguns tipos penais (crimes materiais), que haja nexo de causalidade entre a conduta e esse resultado, que a conduta esteja devidamente descrita numa formulação típica legal. Esse lado do delito (tipicidade penal) é necessário, mas não suficiente.

“Ademais da tipicidade formal impõe-se também a presença da tipicidade material, que exige um duplo juízo valorativo: (a) de desaprovação da conduta e (b) de desaprovação do resultado jurídico. Nos crimes dolosos, ainda se requer a dimensão subjetiva (dolo e outros eventuais requisitos subjetivos especiais)35”.

Rogério Greco36 entende que a tipicidade penal é composta da tipicidade formal acrescida da tipicidade conglobante. Assevera que esta última resta configurada quando, da análise do caso concreto, conclui-se que a conduta é contrária ao ordenamento jurídico-penal, e não fomentada pelo mesmo, bem como ofensiva a bens de suma relevância para o Direito Penal, conferindo relevo, assim, ao caráter material da tipicidade. Portanto, na concepção de Greco, a tipicidade conglobante é a formada pela antinormatividade e pela tipicidade material. O caráter antinormativo evidencia-se de uma análievidencia-se conglobada do tipo penal com o restante do ordenamento jurídico, ensejando a caracterização de crime somente quando o fato típico não estiver amparado por outra norma legal. A tipicidade material é compreendida como o critério que afere a importância do bem no caso concreto,

34 Op. cit. págs. 73 e 74. 35Op. cit. pág. 75.

(40)

se nas condutas consideradas mais graves pelo ordenamento jurídico-penal e que ferem os bens jurídicos mais importantes.

Portanto, está sobejamente demonstrado que, atualmente, não é mais tolerável uma visão meramente formalista da tipicidade, devendo-se sempre buscar seu caráter material, ou seja, aferir se a conduta sub examine

vergastou um bem de real importância, sempre atentando para os princípios da intervenção mínima e da fragmentariedade, no sentido de que o Direito Penal tem o propósito de escudar os bens jurídicos mais relevantes, devendo ser a

ultima ratio da atuação estatal.

Fazendo uma aproximação entre o princípio da insignificância e o juízo de tipicidade, Ivan Luiz da Silva preleciona:

“É para corrigir essa discrepância entre o abstrato e o concreto e para

dirimir a divergência entre o conceito formal e o conceito material de delito que tem lugar o Princípio da Insignificância em matéria penal, o qual visa afastar a incidência da lei criminal sobre as condutas típicas penalmente insignificantes37”.

No atual estágio de estudo do princípio da bagatela, parece incontroverso que o mesmo é uma causa de excludente da tipicidade material da conduta, pois o fato de ninharia não é suficiente para promover um dano digno da repressão penal. Geralmente, a conduta tida como bagatelar encaixa-se formalmente à norma penal incriminadora, o que é insuficiente para a configuração do crime. Este também é o entendimento esposado por Vico Mañas, in litteris:

“Para dar validade sistemática à irrefutável conclusão político-criminal de que o direito penal só deve ir até aonde seja necessário para a proteção do bem jurídico, não se ocupando de bagatelas, é preciso considerar materialmente atípicas as condutas lesivas de inequívoca para a vida em sociedade38.

Lycurgo Santos também defende a tese aqui delineada:

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“A importância desse juízo é inequívoca. Verificando que o bem jurídico não foi atingido de forma relevante, levando-se em consideração o comportamento do agente e, eventualmente, o resultado naturalístico produzido, deverá o magistrado afastar a tipicidade penal, malgrado haver o agente executado os elementos integrantes do tipo penal39.

A linha doutrinária acima exposta, defendidas por outros autores de renome, tais como Luiz Flávio Gomes e Rogério Greco, converge com o sistema penal moderno. Com efeito, não mais se discute que o manto do direito penal visa agasalhar os bens jurídicos de maior relevância para a sociedade, revelando-se fragmentário e subsidiário. Por sua vez, a tipicidade, para atingir sua completude, não se satisfaz apenas com o aspecto formal (subsunção do fato ao tipo), sendo indispensável uma efetiva ofensa ao bem protegido pela norma penal. Nessa senda, o princípio da insignificância exsurge como um instrumento de interpretação restritiva, minimizando o âmbito de incidência do Direito Penal ao tornar materialmente atípicas condutas que, não obstante se amoldem à descrição legal e abstrata da norma penal, não lesionam de forma contundente bens jurídicos de importância primária para o corpo social.

A jurisprudência pátria passou muito tempo sem manifestar-se sobre a natureza jurídico-penal do princípio em tablado. Entretanto, o STF, no julgamento do HC 84.412/SP, sedimentou que a aplicação do princípio da bagatela afasta a tipicidade material da conduta, entendimento este que passou a ser compartilhado pelo STJ, corte que uniformiza a jurisprudência nacional, consoante se constata das decisões ora transcritas:

“CRIME MILITAR (CPM, ART. 290) - PORTE (OU POSSE) DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE - QUANTIDADE ÍNFIMA - USO PRÓPRIO - DELITO PERPETRADO DENTRO DE ORGANIZAÇÃO MILITAR - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - APLICABILIDADE - IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O

RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DE POLÍTICA CRIMINAL - CONSEQÜENTE DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL EM SEU ASPECTO MATERIAL - PEDIDO DEFERIDO. - Aplica-se, ao delito castrense de porte (ou posse) de substância entorpecente, desde que em quantidade ínfima e destinada a uso próprio, ainda que cometido no interior de Organização Militar, o princípio da insignificância, que se qualifica como fator de descaracterização material da própria tipicidade penal. Precedentes”. (HC 97131, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO,

39 SANTOS, Lycurgo de Castro. Princípio da intervenção mínima do direito penal e crimes de

Referências

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