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Maria Aparecida da Silva Lamas

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Academic year: 2018

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC

SP

Maria Aparecida da Silva Lamas

São Francisco

O Rio Pelo Seu Povo

Mestrado em Linguística Aplicada e Estudos

da Linguagem

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC

SP

Maria Aparecida da Silva Lamas

São Francisco

O Rio Pelo Seu Povo

Mestrado em Linguística Aplicada e Estudos

da Linguagem

Dissertação apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação da Profª. Dra. Leila Barbara.

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BANCA EXAMINADORA

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____________________________

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Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.

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As fotos eram boas, mas fiquei a me perguntar: o que quer aqui esse gaúcho da paulista Campinas, que - logo ficamos sabendo – foi hippie, metalúrgico, sindicalista, comunista continua sendo, faz questão de frisar, e que virou fotógrafo profissional? Das duas uma: coisa de maluco ou coisa muito da boa!

(Rubem Siqueira – Agente da Comissão Pastoral da Terra, relatando seu primeiro encontro com João Zinclar)

Dedico este trabalho a memória de um homem que soube ser grande como

fotógrafo e como ser humano. Militante incansável e otimista incorrigível, sem

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“Gostaria de ser um crocodilo vivendo no rio São Francisco. Gostaria de ser um crocodilo porque amo os grandes rios,

pois são profundos como a alma de um homem. Na superfície são muito vivazes e claros, mas nas profundezas são tranquilos e escuros como o sofrimento dos homens.”

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AGRADECIMENTOS

Agradeço em primeiro lugar a meus pais (in memorian), Mario Lamas e Judith da S. Lamas, que me escolheram como filha, e além do amor incondicional, forneceram os modelos de conduta e ética fundamentais para minha formação.

Em segundo lugar, não posso deixar de agradecer a uma pessoa que acreditou em meu potencial e se dispôs a me transformar em uma pesquisadora. Mais que orientadora, grande amiga de todas as horas, pessoa a quem admiro profundamente e pesquisadora brilhante – Leila Barbara.

Agradeço também a Catalina Pagés Lamas, com quem tenho aprendido muito, pela compreensão, apoio e por me propiciar um momento profissional tão feliz, que contou muito para que eu concluísse essa empreitada.

Agradeço à minha família, em especial, a Juliana Lamas, amiga, sobrinha, filha de coração e em alguns momentos irmã mais velha!

Às professoras Sarah Scotta pela disponibilidade e generosidade de sempre. Em especial por me darem o privilégio de tê-las em minha banca.

Expresso também minha gratidão ao grande amigo, que tem me acompanhado em todos os momentos importantes de minha vida – Dauri T. Pimentel.

Agradeço do fundo do coração ao amigo Rodrigo Esteves Lima Lopes. Por suas mãos cheguei até minha orientadora e à LSF, e com seu apoio hoje estou aqui.

Agradeço de forma especial às amigas – irmãs Vivian Ferreira Oliveira e Raquel Costa, pelo amparo fundamental em muitos momentos.

Companheiro que esteve ao meu lado durante boa parte do tempo que desenvolvi a pesquisa, a você Alessandro Ferreira, expresso toda minha gratidão.

Agradeço ao Sérgio Renato - carioca, pelo carinho, cumplicidade e apoio de sempre.

Meu grande amigo e agora mentor espiritual, a você Marcelo Pereira agradeço do fundo do coração por tudo.

Aos amigos Marcos Félix, Pedro Fandi, José Mário, Luana Smeets, pelo estímulo de sempre agradeço muito.

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Pela generosidade no compartilhamento do conhecimento e pelo carinho agradeço a vocês: Edna, Adail, Monica, Marisa, Cris Fuzer, Otília, Maria Lúcia Vasconcelos.

À Camila Petrasso, pela amizade e solidariedade.

Aos meus amigos do curso de Letras da PUC, pela torcida e carinho.

Às amigas Silvana e Rose Carreira, pelo carinho e torcida.

Agradeço ao CNPq pelo financiamento dado a esta pesquisa.

À Maria Lúcia, do Lael, agradeço pela compreensão e solidariedade de sempre.

Aos meus amigos do Instituto Braudel pelo apoio e compreensão.

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RESUMO

Este trabalho tem como objetivo analisar o discurso de comunidades ribeirinhas localizadas na extensão do rio São Francisco, identificando padrões de crenças e valores.

Quem são as pessoas que habitam as margens do rio? Que tecidos sociais os unem? Que relações estabelecem com o rio? Que representações constroem da sociedade nos quais estão inseridos e do mundo contemporâneo?

As escolhas linguísticas feitas quando se produz um discurso não são arbitrárias, são carregadas pela identidade do falante, suas significações e crenças.. A Linguística Sistêmico-Funcional (Halliday, 1994, 2004) é a linha teórica em que se ancora este trabalho, analisando os dados em termos do Sistema de Transitividade, adotando-se a perspectiva de linguagem como fenômeno social. Numa perspectiva transdisciplinar, dialoga com outras áreas como a antropologia, sociologia e estudos culturais.

O corpus da pesquisa é composto por relatos e depoimentos coletados em comunidades ribeirinhas do rio São Francisco, no período de 2005 a 2008, pelo repórter fotográfico João Zinclar. As entrevistas foram feitas em comunidades localizadas nos cinco estados banhados pelo rio, na época em que se dava a polêmica sobre a transposição das águas do rio.

A análise dos dados evidenciou que o senso de coletividade constitui-se um dos principais traços das comunidades ribeirinhas. Também revelou um forte sentimento de pertencimento e orgulho em fazer parte de um determinado grupo (indígena, quilombola etc). O território – as margens do rio - é o responsável pela mediação entre as várias comunidades. Por outro lado, ficou patente que a desterritorialização do lugar onde foram concebidos os valores afetivos e simbólicos provoca grande angústia nos Ribeirinhos, gerando situações de conflito social.

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ABSTRACT

This research aims at analysing the discourse of ribeirinha communities located across São Francisco River in order to identify patterns of beliefs and social values.

Who are the people living riverside? Which social realities bound them together? Which representations build the society they are in?

The language choices made when we are part of a given discourse are not

arbitrary; they are filled with the speaker’s identity, her meanings and beliefs.

The theoretical background of this research lies on the Systemic Functional-Linguistics (Halliday, 1994, 2004), since the analysis carried on focuses on the System of Transitivity. Here we address the corpus from a perspective which recognizes language as a social phenomenon, since this study establishes a dialogue with other areas such as anthropology, sociology and cultural studies.

The research corpus is a number of interviews collected in ribeirinha communities across São Francisco riverside, taken from 2005 through 2008 by the photojournalist João Zinclar. The interviews took place in communities which were located in the five states which border the river, at the time was the controversy over the transposition of the water from the river.

The analysis revealed a strong sense of sense of community by the ribeirinhos. It has also shown a strong feeling of proud, result of the fact they are part of a social/ethnic group (Indians, quilombola etc.). Their territory – the riverside – is responsible for mediating the relationship across the many communities. On the other hand, it was clear such communities are suffering deterritorialization, losing the place where they affective and symbolic values were conceived. This has created a great feeling of anguish and distress felt by the ribeirinha communities and resulting in situations of social conflict.

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1. Processos relacionais (adaptado de Halliday: 1994: 119)

Tabela 2. Processos Comportamentais (Franco, 2003:28 apud Halliday, 1985:129)

Tabela 3. Resumo dos tipos de processos (Traduzido de Halliday 1994: 143) Tabela 4. Grupos entrevistados

Tabela 5. Distribuição dos processos no corpus

Tabela 6. Ocorrência de posicionamento individual e coletivo

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1. Cachoeira Casca D’Anta próxima à nascente do Rio São Francisco na

Serra da Canastra – Minas Gerais (Foto João Zinclar).

Figura 2. Metafunção (Fonte: Halliday & Matthiessen, 2004, p. 30)

Figura 3. Tipos de Processos (Halliday & Matthiessen, 2004, p.172)

Figura 4. Diagrama generalista de influências entre prescrições, práticas sociais e regras/recursos ( de acordo com Giddens, 1979, p. 117)

Figura 5. Ribeirinhos em suas atividades cotidianas junto ao Rio São Francisco na região da Borda da Mata – SE. (Foto João Zinclar)

Figura 6. Bacia do São Francisco

Figura 7. Gráfico de ocorrência dos processos no corpus

Figura 8. Gráfico comparativo da ocorrência de processos (posicionamento individual/ coletivo)

Figura 9. Personagens do São Francisco

Figura 10. Desde a mais tenra idade os ribeirinhos desenvolvem o sentimento de apego ao rio provedor e conscientizam-se do valor que este tem em suas vidas. Região da Borda da Mata – SE. (Foto João Zinclar

Figura11. Apesar dos rigores impostos pelo meio, os agricultores do São Francisco lutam para desenvolver suas atividades de subsistência. Região de Vazanteiros, Manga – MG. (Foto João Zinclar)

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LISTA DE ABREVIATURAS

LSF Linguística Sistêmico-Funcional

GSF Gramática Sistêmico-Funcional

LA Linguística Aplicada

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO – A aproximação do rio...16

CAPÍTULO 1 Conhecendo as Nascentes do Rio...25

1.1. A Linguística Sistêmico-Funcional...25

1.1.1. A metafunção ideacional...28

1.1.2. A transitividade...29

1.1.3. Processos materiais...31

1.1.4. Processos mentais...32

1.1.5. Processos relacionais...33

1.1.6. Processos comportamentais...34

1.1.7. Processos verbais...34

1.1.8. Processos existenciais...36

1.2. Representação...37

1.2.1. Representações Sociais...38

1.3. Contexto de Cultura...40

1.3.1. Contexto de Pesquisa...43

CAPÍTULO 2 Construindo a Rota...48

2.1. Por que a Linguística Sistêmico-Funcional?...48

2.2. Descrição do Corpus de Pesquisa...52

2.3. Procedimentos para a análise dos dados...53

2.3.1. A ferramenta computacional Worsmith-Tools...54

CAPÍTULO 3 Percorrendo o Rio...56

3.1. Os Processos e os Personagens do Discurso...57

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3.3. Os Processos no Corpus...62

3.4. Os Papéis Coletivos e Individuais...63

3.5. Os Personagens das Margens do São Francisco...65

3.5.1 Os Ribeirinhos...66

3.5.2.Os Não Ribeirinhos...71

3.6. Discussão dos Resultados...74

3.6.1. O Trabalho...74

3.6.1.1A Escassez de Postos de trabalho...76

3.6.2. Elementos da Modernidade...78

3.6.2.1. Representação positiva...79

3.2.2.2. Representação negativa...81

3.6.3. O Pertencimento...84

3.6.3.1. A autoimagem positiva como membro de uma comunidade/grupo étnico...84

3.6.3.2. O Povo que se Fez Rio e o Rio que Habita seu Povo.87 3.6.3.3. A Nostalgia de Tempos Mais Prósperos...90

3.6.4. A Religiosidade...93

3.6.5. A Resistência...95

3.6.5.1. A Luta pelos Direitos e pela Preservação da Cultura..96

3.6.5.2. O relato de situações de violência...102

3.6.5.3. O relato de situações precárias...103

3.6.7. O Saber Local...104

CONSIDERAÇÕES FINAIS...107

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INTRODUÇÃO

A APROXIMAÇÃO DO RIO

Em 2005, uma proposta do governo federal repercute na mídia - a transposição das águas do rio São Francisco. O projeto que já existia há muitos anos, fora desengavetado pelo governo Lula. Em um primeiro momento, a repercussão do projeto ficou circunscrita regionalmente. De maneira simplista, as matérias que abordavam o assunto reduziam a questão a uma oposição entre os estados banhados pelo rio (Alagoas e Sergipe) e a população dos estados que receberiam as águas transpostas: Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e algumas regiões de Pernambuco. Teoricamente, por razões óbvias, os primeiros seriam contrários e os segundos a favor do projeto.

Com o passar do tempo, porém, a questão tomou proporções nacionais, transformando-se então em um acirrado debate que opunha defensores e opositores do projeto. De um lado, encontravam-se técnicos e políticos que propagavam a necessidade da obra para amenizar a seca em alguns estados do nordeste, e de outro, ambientalistas e pessoas dos mais diversos setores, que se colocavam contrariamente à transposição, alegando tratar-se de uma obra faraônica que só traria mais prejuízos a um rio já muito degradado.

Na ocasião, observei que entre as muitas vozes favoráveis e contrárias, uma não se fazia presente – a dos moradores da bacia do rio. Acompanhando as matérias veiculadas pela imprensa, percebi que em nenhum momento era dada voz para aqueles que de fato sofreriam todo o impacto da transposição. Percebi então

que ali estava mais uma vez o fenômeno da “invisibilidade” de setores menos favorecidos economicamente1. Em meio àquele turbilhão de argumentos contra e a favor, era como se os ribeirinhos, as pessoas que estavam ali do lado do rio, não existissem, pois em nenhum momento eram chamados pela grande mídia a opinar.

1 Vide discussão sobre (in) visibilidade de maiorias tratadas como minorias em Cavalcanti (1999),

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Como sempre estive ligada de alguma forma a movimentos sociais, procurei informar-me melhor sobre o assunto, chegando a estabelecer contato com alguns grupos que acompanhavam a questão e colocavam-se em defesa do rio. Soube que havia um repórter fotográfico, João Zinclar (cujo trabalho fotográfico engajado a lutas sociais, eu já conhecia), que estava percorrendo toda a extensão do rio São Francisco. Desde a nascente em Minas Gerais (figura1 – p.24 ), até sua foz entre os Estados de Alagoas e Sergipe, Zinclar pretendia viajar por toda a extensão da bacia hidrográfica, fotografando e recolhendo depoimentos das pessoas por ele fotografadas. O objetivo de seu trabalho: contribuir para a repercussão nacional do debate, mostrando a situação em que se encontrava o rio São Francisco e os moradores de suas margens.

Em 2008, coincidentemente, fui contatada por alguns amigos que me relataram a procura do fotógrafo João Zinclar por alguém que fizesse a transcrição dos arquivos de áudio com as entrevistas que havia feito ao longo do São Francisco. Julguei que seria interessante realizar aquele trabalho, logo entrando em contato com o fotógrafo.

O material, armazenado em fitas K7, era fruto das diversas viagens realizadas por Zinclar ao longo de 2005 e 2008, relatos e depoimentos de pescadores, barranqueiros, membros de comunidades tradicionais indígenas e quilombolas – pessoas que tinham suas vidas estreita e indissociavelmente ligadas ao Rio São Francisco2.

Durante a transcrição do material, observei o quanto os relatos eram ricos em impressões e representações ideacionais. Comecei a pensar o quanto seria interessante poder fazer a interpretação daqueles relatos do ponto de vista da linguística aplicada, mais especificamente, da Linguística Sistêmico-Funcional. E por outro lado, a oportunidade de repercutir as vozes de setores, que ainda hoje, desfrutam de tão pouco espaço no campo restrito da academia. Coerente com esse desejo, resultou a decisão de realizar um trabalho dentro da concepção teórica da Linguística Aplicada (doravante LA), que contempla a preocupação com o social,

2

(18)

buscando compreender criticamente o sujeito social no mundo contemporâneo e, por conseguinte a sociedade.

A ideia foi bem recebida por João Zinclar que não se opôs a ceder-me os arquivos para uso.

Quem são as pessoas que habitam as margens do rio em sua extensão atravessando variados Estados do país? Que tecidos sociais os unem? Que relações estabelecem com o rio? Que representações constroem do mundo contemporâneo e da sociedade nos quais estão inseridos?

Bakhtin (1986) Halliday (1994), Fairclough (2002), Moita Lopes (2003; 2006), dentre outros, a partir do século XX, vêm desenvolvendo pesquisas em que o discurso é reconhecido com um papel constitutivo da vida social. De acordo com Fairclough (2001:91) e Moita Lopes (2003:34; 2006:135), o discurso é compreendido por sua natureza socioconstrucionista ou constitutiva, e não apenas pela antiga visão da linguagem como representação do mundo. O discurso passa a ser objeto de preocupação pelo papel que cumpre na vida social.

A pesquisa ora apresentada insere-se na área de Linguística Aplicada (LA), compreendendo a linguagem como discurso e não como um conjunto de regras

(Kumaravadivelu, 2006: 140) e buscando “estabelecer a relevância de estudos

teóricos da linguagem para problemas cotidianos nos quais a linguagem está

implícita” (Kumaravadivelu, 2006: 136), ou dito de outra forma, “procura relacionar a linguagem com a vida” (kumaravadivelu, 2006, 137).

Segundo Fairclough (1992), o discurso é o uso da linguagem como prática social, estando em relação dialética com a estrutura social. Dessa forma, só é possível chegar ao conhecimento de uma determinada sociedade, se passamos

pela sua linguagem. De acordo com Sarup (1996:152), “toda e qualquer

representação está imbricada primeiro na linguagem depois na cultura, nas

instituições e no ambiente político do representador”.

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Adoto a perspectiva de linguagem como fenômeno social, conforme proposto por Halliday (1994,2004) e seus seguidores na Linguística Sistêmico Funcional (doravante,LSF), linha teórica em que se ancora este trabalho, tendo como delimitação o aspecto de representação (metafunção ideacional), mais precisamente o sistema de transitividade, buscando as relações entre língua e estrutura social

Dessa forma, o desenvolvimento desta dissertação justifica-se pelo desejo de contribuir para os estudos na área da linguística aplicada e da análise do discurso, de um ponto de vista teórico que se preocupa em dar visibilidade às vozes de setores minoritarizados.

Posto que a grande maioria das pessoas entrevistadas pertencesse a populações localizadas em regiões extremamente pauperizadas, uma das hipóteses por mim levantadas foi a de que os relatos iriam refletir, além da visão de mundo dos povos ribeirinhos, alguns conflitos de classe característicos de um cenário onde, pela ausência do poder público, muitas vezes a força se impõe à lei e aos direitos dos mais humildes – herança de um país marcado pelos desmandos do coronelismo. Milton Santos (2004: 144) destaca que “a cultura popular exerce sua qualidade de discurso ‘dos de baixo’, pondo em relevo o cotidiano dos pobres, das

minorias, dos excluídos, por meio da exaltação da vida de todos os dias”.

Nesse sentido, Moita Lopes levanta a seguinte questão:

Como podemos criar inteligibilidade sobre a vida contemporânea ao produzir conhecimento e, ao mesmo tempo, colaborar para que se abram alternativas sociais com base nas e com as vozes que estão à margem: os pobres, os favelados, os negros, os indígenas, homens e mulheres homoeróticos, mulheres e homens em situação de dificuldades sociais e outros, ainda que eu os entenda como amálgamas identitários e não de forma essencializada (Moita Lopes, 2008: 86).

Em segundo lugar, estando inserida no programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem da PUC-SP, que engloba a linha de

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Outra motivação para a realização da pesquisa foi o desejo de realizar um trabalho onde pudesse aproveitar a percepção social de vida que construí ao longo dos anos, participando em movimentos sociais de defesa de setores menos privilegiados econômico e socialmente.

Coloco-me dessa forma como pesquisadora, que ao primar por todo rigor

necessário no desenvolvimento de uma pesquisa, reconhece o seu “lugar

ideológico” e o compromisso político com minorias (ou maiorias tratadas como minorias) e toda a responsabilidade ética daí resultante. Sobre as “teias” que

envolvem o pesquisador que lida com minorias, Cavalcanti reflete:

Essas indagações que no desenvolvimento da pesquisa, envolvem desde a descrição de metodologia, a análise dos dados e a divulgação dos resultados, remetem principalmente à necessidade de reflexão sobre conceitos, tanto teóricos como metodológicos, usados de forma naturalizada no dia-a-dia do trabalho de investigação. Em relação à metodologia, remetem também às implicações de um fazer naturalizado das transcrições de áudio e vídeo, das decisões sobre a apresentação dessas transcrições, das traduções dos dados para outros idiomas, das decisões na divulgação de resultados de pesquisa, sobre a não focalização de questões que podem ser prejudiciais à imagem de povos que estão lutando para se tornar visíveis por meio de ações afirmativas (Cavalcanti, 2006 in Moita Lopes, 2006: 234).

Ainda no que se refere a dar visibilidade a minorias étnicas ou setores minoritarizados socioeconomicamente, Spivak (1988) lança uma pergunta bastante provocativa: “Pode o subalterno falar?”. Referindo-se à polêmica sobre o intelectual ocidental – branco, homem e heterossexual que tem a presunção de querer falar no lugar dos oprimidos. Loomba (1998, 240-241), responde a essa questão:

De fato, se realmente acreditamos que sujeitos humanos são constituídos por vários e diferentes discursos, temos que considerar essas articulações. Assim, para ouvir a voz do subalterno, precisamos desvelar a multiplicidade de narrativas que estão escondidas por trás das grandes narrativas, mas ainda temos que pensar como as primeiras estão intertecidas (Loomba,1998; 240-241).

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Francisco, uma vez que, segundo Sousa Santos (2004, 9), “das margens ou das

periferias, as estruturas de poder e de saber são mais visíveis”.

Esta é uma pesquisa qualitativa que adota o método de análise textual e revisão bibliográfica, conforme Silverman (1993).

Iniciei a análise dos dados linguísticos, encontrando padrões discursivos no sistema da transitividade. Inicialmente, as categorias encontradas foram léxico-gramaticais, indicando a realização de padrões de significado. Esses padrões de significado deram origem às categorias semânticas – e muitas delas encontraram correspondência em conceitos das áreas da sociologia, antropologia e geografia humana, o que permitiu estabelecer um diálogo entre essas áreas no momento da interpretação dos dados.

Utilizo a ferramenta computacional Wordsmith Tools, que permite trabalhar grande quantidade de dados de forma ágil e eficaz. O fato de contar com o auxílio de ferramentas computacionais torna possível a observação de muitos elementos do discurso que passariam despercebidos em uma interação face a face, e que, dessa forma, puderam ser analisados, sistematizados e categorizados.

Primeiramente, analisei os verbos, utilizando como linha de corte o mínimo de 10 ocorrências na wordlist, com isso foi possível fazer um mapeamento do sistema da transitividade a partir dos processos, quantificando seus tipos e ordenando-os, passo fundamental para iniciar a análise. Ao realizar a contagem dos processos, observei que alguns padrões lexicais e semânticos repetiam-se de acordo com os participantes desses processos, em primeira, segunda ou terceira pessoa. Dessa forma significados cada vez mais claros tomaram corpo e as categorias de sentido, apresentadas no capítulo de análise, foram se delineando. As análises de concordâncias reforçavam as categorias encontradas.

Para chegar à criação das categorias semânticas, baseei-me na observação das estruturas léxico-gramaticais, dos significados semântico-discursivos que podem ser construídos a partir da observação das conotações positivas, negativas e neutras apresentadas pelas orações, bem como de outros aspectos que se revelaram importantes, como conteúdo positivo ou negativo de circunstâncias. Assim, os focos de análise variaram de acordo com os aspectos mais relevantes identificados nas várias orações.

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função de sua ocupação, não eram todas que se nomeavam como ribeirinhos. Apoiada nas análises linguísticas e em literaturas das ciências sociais, foi possível, tendo em conta a natureza de suas ocupações, o lugar social e principalmente o tipo de relação com o rio (se preocupados ou não com a preservação e revitalização do São Francisco) estabelecer duas macro categorias entre as vozes presentes no

corpus: Ribeirinhos e não Ribeirinhos.

Sobre as vozes do discurso, uma vez que existe uma teoria que se embasa na LSF e que adota a denominação “ator social” (teoria dos atores sociais de

Van Leeuwen) o qual não utilizo no trabalho, optei pela denominação “personagens”

para evitar confusões de nomenclatura. Por outro lado, esse termo remete à ideia de figuras emblemáticas, dando o tom que busco trazer para esse trabalho. Afinal, os ribeirinhos contam histórias, nos quais eles mesmos são os protagonistas. E vez por outra, aparecem nessas rodas de conversa figuras lendárias como Lampião, Lamarca, Padre Cícero, elementos de uma memória coletiva, que os ribeirinhos procuram preservar.

Cabe aqui esclarecer que o ponto fulcral da pesquisa é analisar a representação de mundo, sentimentos e posicionamentos daqueles que se reconhecem como Ribeirinhos. Assim, o conteúdo semântico positivo ou negativo (obviamente carregado de teor ideológico) reconhecido e categorizado nos discursos, está sempre pautado no ponto de vista desse grupo. Pois foi essa a escolha feita quando da delimitação dos objetivos da pesquisa: trazer à tona as vozes da população Ribeirinha.

As perguntas que norteiam a pesquisa são:

Pergunta geral:

Quais são os padrões de representação de mundo e de si mesmos expressos nos relatos analisados?

Perguntas específicas:

a. Quais são os processos mais recorrentes e os padrões léxico-gramaticais que realizam as representações encontradas?

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c. Que categorias de sentido é possível identificar a partir da análise dos processos?

A pesquisa está estruturada da seguinte forma, visando responder às perguntas de pesquisa e cumprir os objetivos estabelecidos:

Nesta Introdução, apresento as perguntas, a justificativa e os objetivos da pesquisa, pontuando questões que se mostraram mais relevantes durante seu desenvolvimento.

No capítulo 1 “Conhecendo as Nascentes do Rio” enfoco a fundamentação teórica da pesquisa e está dividido em três subseções. Na primeira subseção abordo a teoria basilar da pesquisa – A Linguística Sistêmico Funcional, detalhando a metafunção ideacional, o sistema de transitividade e os oito processos reconhecidos: processos materiais, processos mentais, processos relacionais, processos comportamentais, processos verbais e processos existenciais. Na segunda subseção apresento o contexto da pesquisa, bem como alguns pontos centrais, abordados pela LSF, sobre contexto de cultura. E na terceira subseção faço uma resenha de alguns trabalhos sobre transitividade que se mostraram relevantes.

No capítulo 2 “Construindo a Rota” descrevo o percurso metodológico percorrido no desenvolvimento da pesquisa. Está dividido em 3 subseções: Na primeira, justifico a razão pelo qual escolhi a LSF como teoria fundante para o trabalho; na segunda, descrevo o corpus da pesquisa e na terceira detalho o procedimento para análise dos dados, incluindo a descrição do instrumento computacional usado para a organização e análise do corpus.

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CAPITULO 1

CONHECENDO AS NASCENTES DO RIO

As disciplinas podem ser consideradas como ondas que avançam separadamente mas se misturam quando chegam à praia... Como acontece com o mar, pode haver tempestades, maremotos e também calmarias. (Sommerville 1993 : apud Celani, 1998:129)

Nesta seção, divida em três partes, apresento a fundamentação teórica em que está ancorada a pesquisa.

Na primeira, apresento a teoria fundante do trabalho – A Linguística Sistêmico Funcional, doravante LSF, criada pelo linguista Michael Halliday (1985, 1994, 2004). Na segunda, abordo estudos relativos a representações sociais. E na terceira trato sobre aspectos teóricos relacionados à contexto de cultura e o contexto da pesquisa.

Na Linguística Sistêmico-Funcional, concentro-me no aspecto de representação (metafunção ideacional), mais precisamente o sistema de transitividade, utilizado como delimitação para esse estudo.

1.1. A Linguística Sistêmico-Funcional

A LSF tem suas origens ligadas à escola firthiana, cujos alicerces foram estabelecidos com base em Firth (1935). Segundo essa linha teórica, é necessário levar em consideração o contexto para se alcançar o significado completo da oração. Os estudos de Firth tiveram como foco, principalmente, o desenvolvimento de técnicas contextuais e sociológicas para o estudo do significado e a necessidade de um trabalho textualmente orientado, baseado em corpus significativo.

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O sistema linguístico é estruturado em vários sistemas ou estruturas para produzir significação, são eles: a estrutura do som - que produz significado através das sequências de som, levando a formar palavras; a estrutura das palavras e da gramática (em LSF, léxico-gramática) - que produz significado através da ordenação e da combinação das palavras e estruturas de determinadas maneiras, e a estrutura do discurso - que produz significado pela ordenação de sequências de orações em textos orais e escritos (Martins, 2008: 52 apud Martin 1992).

Na LSF a parte funcional ocupa-se dos significados, enquanto a parte sistêmica trata do modo como as diferenças de significado são descritas (Fine, 2006).

A LSF possui um método de análise multifuncional que segue a premissa de que os textos ordenam as relações sociais e estabelecem identidades. Segundo a LSF (Halliday, 1994) existem quatro pontos centrais a ser observados:

(i) o uso da linguagem é funcional;

(ii) a função da linguagem é realizar significados;

(iii) os significados são influenciados pelo contexto cultural e social;

(iv) o processo social de uso da linguagem é semiótico, um modo de

fazer significados.

A linguagem é entendida como funcional porque considera seus aspectos em contextos autênticos de situação (Macedo, 1999:31). Tudo que é dito ou escrito revela-se em algum contexto de uso, é o uso da língua que molda o sistema. Para Halliday (1985,1994), a língua desenvolve-se para satisfazer as necessidades humanas, e o modo como ela é organizada é funcional com respeito a essas necessidades – ela não é arbitrária. Uma gramática funcional é essencialmente uma gramática natural, no sentido de que tudo nela pode ser explicado, definitivamente, por referência a como a língua é usada.

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Cada tipo de significado está relacionado a uma metafunção da linguagem e são respectivamente:

Metafunção Ideacional: Através do qual expressamos os significados sobre o mundo, incluídas aqui, as percepções.

Metafunção Interpessoal: Refere-se às funções sociais, expressivas e conativas da linguagem, expressando o ângulo do falante: suas atitudes e julgamentos, sua codificação das relações de papéis da situação e seu motivo em dizer o que diz.

Metafunção Textual: Onde ocorrem as escolhas da construção da mensagem, as decisões que o falante toma com relação à distribuição da escolha do seu discurso.

As três metafunções podem ser ilustradas conforme demonstrado na figura 2:

(28)

Outro ponto destacado pela LSF é a ligação intrínseca existente entre linguagem e contexto. É possível deduzir-se o contexto através do texto e o texto através do contexto. Assim, é possível prever qual linguagem será apropriada em um contexto específico, evidenciando assim a consciência intuitiva de que o uso da linguagem é sensível ao contexto (Eggins, 1994:7-8).

A LSF possui base semântica, investigando os papéis que exercem os termos escolhidos pelo emissor no processo de construção da realidade, seja em situações de representação de mundo ou de troca com o interlocutor. Depreende-se daí não apenas o caráter semiótico da linguagem, mas também o social, uma vez que, pertencendo à cultura humana e constituindo um sistema de sentidos, diz respeito às relações entre língua e estrutura social e considera aquela como forma de interação com o outro e com o mundo. Portanto, a LSF vê a linguagem como um sistema sócio-semiótico e parte das relações entre a língua e a estrutura social para descrever usos e variedades.

O uso da linguagem é inevitavelmente influenciado pelas posições ideológicas do usuário, porque usar a língua significa usá-la para codificar posições particulares, convicções, preconceitos etc, ainda que a maioria das pessoas não sejam educadas para identificar as ideologias presentes em um texto; mas sim, para considera-lo como representação natural e inevitável da realidade (Eggins, 1994:10-11).

Assim, a abordagem sistêmico-funcional dá evidências às escolhas linguísticas no enfoque social, mostrando que essas escolhas são feitas de acordo com um propósito. Também ressalta que a língua não é neutra e que a gramática pode ser vista como um sistema capaz de explicar o modo pelo qual a língua é usada em situações sociais, através da organização das funções que o falante desenvolve.

1.1.1. A Metafunção Ideacional

(29)

A mais eficiente concepção de realidade, conforme o autor, é a de que ela é constituída de comportamentos e procedimentos: acontecer, fazer, sentir, significar, ser e tornar-se. Os comportamentos ou procedimentos são ordenados no sistema semântico da língua e expressos através da gramática da oração. Além de ser um modo de ação, a oração é também um modo de reflexão, de impor ordem sobre a variação e fluxo de eventos. Portanto, a Metafunção ideacional está ligada à representação tanto do mundo externo (eventos, elementos), como também com o mundo interno (pensamentos, crenças, sentimentos etc). O sistema gramatical pelo qual isso é alcançado é a transitividade, que implica a escolha de processos (elementos verbais) e seus argumentos (Eggins, 1994: 220).

1.1.2. A Transitividade

O sistema de transitividade, segundo Halliday (1994), constrói o mundo da experiência em um conjunto de tipos de processos reconhecidos na língua, bem como a estrutura pela qual eles são expressos. Segundo o autor, a estrutura semântica básica para a representação de processos é composta de três componentes: o próprio processo, os participantes e as circunstâncias associadas ao processo na oração.

Segundo a GSF, os conceitos de processo, participante e circunstância são as categorias semânticas que explicam como os fenômenos da vida real são representados enquanto estruturas linguísticas. O processo é representado por um grupo verbal, e é a ação propriamente dita. Os participantes são, geralmente, representados por grupos nominais que podem tanto realizar a ação ou ser de alguma forma afetados por ela. E as circunstâncias são representadas por grupos adverbiais, e sua função é adicionar informações ao processo.

Segundo Halliday (1994), os processos podem ser apresentados em 3 grupos semânticos principais: o material, o mental e o relacional. E três outros tipos que ocupam uma função intermediária: comportamental, verbal e existencial.

(30)

Processos Mentais: Representam experiências no mundo interior, ações realizadas no mundo dos pensamentos;

Processos Relacionais: Representam significados ligados à identificação e à classificação.

Processos comportamentais: Estão na fronteira entre os materiais e os mentais, realizam ações do nosso mundo interior que são exteriorizadas;

Processos verbais: Estão entre os mentais e os relacionais, trazem relações simbólicas, construídas na consciência humana e realizadas através da linguagem;

Processos existenciais: Relacionam-se a qualquer tipo de fenômeno que é reconhecido como existente.

A figura 3 ilustra os tipos de processo e o significado veiculado em cada um:

(31)

1.1.3. Processos Materiais

Os processos materiais, segundo Halliday (1994), são processos do fazer, relacionados ao mundo físico, como: construir, pegar, jogar, desenhar, etc. Eles transmitem a ideia de que alguma entidade faz alguma coisa a uma outra. Nesse processo, dois são os participantes principais: o Ator e a Meta. O ator é quem realiza a ação. A Meta é o participante a quem o processo é estendido ou dirigido, sua presença é opcional. Outro termo utilizado para a função Meta é Paciente, significando aquele que sofre ou se submete ao processo.

Exemplo: 1

Eles (técnicos do Ibama) orientaram a gente.

Ator Processo Meta

Há ainda dois outros participantes que podem estar relacionados aos processos materiais: a Extensão e o Beneficiário.

A Extensão, segundo Eggins (1994: 233), tem duas funções nos processos materiais: a reafirmação, ou mesmo continuação do processo, ou a definição de seu escopo.

Exemplo: 2

... e o prefeito não construiu a ponte

Participante: Ator Processo: material Participante: Extensão

O Beneficiário é aquele que se beneficia das ações realizadas pelo Ator. Para Eggins (1994: 35), ele funciona como uma espécie de cliente (aquele por quem algo é feito) ou recebedor (aquele para quem alguma coisa é feita):

Exemplo: 3

A pastoral da terra distribui (alimento) pra nós

(32)

Segundo Halliday (1994), os processos materiais não são necessariamente eventos físicos, concretos; eles podem ser ações abstratas e acontecimentos, como no exemplo 4:

Exemplo: 4

O procurador anulou a licitação.

Ator Processo Meta

1.1.4. Processos Mentais

Os processos mentais são os processos do sentir, do pensar e do perceber (Halliday, 1994:112). São relativos à representação do nosso mundo interior (Lima-Lopes, 2001: 14 apud Thompson, 1996:82). Esses processos podem ser divididos em três subtipos:

Percepção: Relacionados à observação de fenômenos (saber, entender, ouvir, sentir, etc.);

Afeição: Relacionados aos sentimentos: gostar, temer, amar, etc.;

Cognição: Relacionados à decisão e compreensão: pensar, saber, compreende etc.

Os participantes nesse processo são: o Experienciador, ser consciente em cuja mente o processo está se dando, e o Fenômeno, elemento que está sendo sentido, pensado ou visto pelo experienciador.

Exemplo: 5

Eu gostava de nadar no rio...

(33)

Exemplo: 6

E a gente entende que o rio precisa de revitalização.

Experienciador Pr.: mental -

cognição

Fenômeno

Exemplo: 7

Nós ouvimos muita promessa...

Experienciador Pr.: mental - percepção Fenômeno

1.1.5. Processos Relacionais

Os processos relacionais são os processos do ser. Esses processos possuem uma função classificatória, relacionando duas entidades no discurso. Segundo Halliday, (1994: 119), todas as línguas acomodam formas sistemáticas de realização dos processos relacionais, sendo que o autor identifica três como sendo as principais:

 Intensivo (‘x é a);

 Circunstancial (‘x está para a’)  Possessivo (‘x tem a’)

Cada um desses tipos pode ainda ser classificado de dois modos:

 Atributivo (‘a é um atributo de x’)  Identificativo (‘a é a identidade de x’)

Essa combinação gera as seis categorias de processos relacionais conforme quadro a seguir:

Tipo/Modo (i) Atributivo (ii) Identificativo

(1) Intensivo O rio é a riqueza nossa. Nós somos quilombolas; Quilombolas nós somos. (2) Circunstancial O prazo pra sair a resposta é mês que

vem.

Amanhã é a festa dos pescadores. A festa dos pescadores é amanhã (3) Possessivo A gente tinha muita fruta aqui. O barco é do Manoel;

De Manoel é o barco.

(34)

1.1.6. Processos Comportamentais

Os processos comportamentais são, segundo Halliday (1994:139), processos do comportamento psicológico e fisiológico, como respirar, sonhar, sorrir, tossir. Na GSF, eles estão localizados em uma relação intermediária entre os processos materiais e processos mentais. O Comportante é, invariavelmente, um ser consciente, assim como o Experienciador; mas a maioria das ações de processos comportamentais tem somente um participante, como no exemplo abaixo:

Exemplo: 8

A gente levanta cedo ___

Ele (prefeito) fala demais.

Eu chorei de alegria...

Comportante Processo (Circunstância)

Tabela 2: Processos Comportamentais (Franco, 2003:28 apud Halliday, 1985:129)

Essa categoria, segundo Halliday, em relação aos processos mentais, possui processos de consciência que são representados como formas de comportamentos

como olhar, assistir, ouvir, pensar (no sentido de ‘ponderar’); por exemplo: Não

olhe!Ninguém está enxergando. Em relação aos processos materiais, apresentam

atividades que são classificadas como comportamentais sobre bases semânticas,

“mas que, além do fato de possuir um participante tipicamente humano, são

gramaticalmente indistinguíveis do processo material intransitivo” (Franco, 2003:28).

Franco (2003:28) também diz que esses processos podem ser analisados como materiais, incluindo alguns em que o comportamental envolve dois participantes humanos, como beijar. Em Maria beijou João, Maria é Ator e João é Meta, e a oração pode ser provada do modo normal dos processos materiais transitivos: O que Maria fez ao João?

1.1.7. Processos Verbais

(35)

sentido mais amplo; ele se estende sobre um tipo de troca simbólica de significado, como em: O semáforo vermelho diz para você parar ou O relógio diz que são 10:30, Por essa razão Halliday diz que os processo verbais poderiam ser chamados

também de processos ‘simbólicos’. Nos exemplos acima semáforo e relógio

cumprem a função gramatical de Dizente.

Nos processos verbais normalmente estão envolvidos dois outros participantes: o Receptor e a Verbiagem. O Receptor é o participante para quem a verbalização é dirigida. E a Verbiagem é o nome dado para a própria verbalização.

Exemplo 9:

Ele contou pra gente da transposição

Dizente Pr.: verbal Receptor verbiagem

Entretanto, de acordo com Halliday, pode ocorrer outro tipo de processo verbal: aquele em que o Dizente está agindo verbalmente sobre um outro participante direto; isso ocorre comumente com verbos como insultar, louvar, abusar,

estimular. Nessa situação este outro participante é chamado de Alvo, conforme

ilustrado em (10):

Exemplo 10:

Nós reclamamos do fazendeiro para a marinha .

Dizente Processo Verbal Alvo Receptor.

Os processos verbais podem possuir orações projetadas, normalmente relacionadas ao discurso indireto. Nesses casos, a oração projetada deve ser analisada separadamente, observando-se seus próprios constituintes, como mostra o exemplo (11):

Exemplo 11:

O governador disse aos jornalistas que era contra a transposição. Participante

Dizente

Pr. verbal Participante Receptor

Oração Projetada

(36)

1.1.8. Processos Existenciais

Os processos existenciais se localizam entre os processos relacionais e os materiais e representam que algo existe ou acontece. Proposições existenciais são realizadas tipicamente pelos verbos ser, haver, existir e ter (em português brasileiro), seguidos por um grupo nominal. Verbos como emergir, surgir e ocorrer, podem ser considerados existenciais em alguns contextos. Nesse processo há apenas um tipo de participante, o Existente, conforme vemos em (12):

Exemplo 12:

... tinha muita fartura.

Processo Existencial

Participante: Existente

O Existente deve ser um fenômeno de qualquer tipo e, comumente, é um evento, como vemos em (13):

Exemplo 13:

tem muita chuva

Processo Existencial Participante: Existente

Há mais dois elementos que podem fazer parte de construções com os variados processos existenciais, são os elementos circunstanciais.

(37)

Processos Categoria de Significado Participantes Material Fazer Ator, meta, extensão e Beneficiário Comportamental Comportar-se Comportante, extensão

Mental Percepção Afeição Cognição Sentir Ver Sentir saber Experienciador, Fenômeno

Verbal Dizer Dizente, Alvo, Verbiagem e Receptor

Relacional Atributivo Identificativo Ser/estar Atribuir identificar

Portador, atributo, Possuidor, Possuído, Identificado, Identificador, Valor,

Característica.

Existencial Existir Existente

Tabela 3: Resumo dos tipos de processos (Traduzido de Halliday 1994: 143)

1.2. Representação

Tendo como objetivo analisar as representações de mundo de um setor oprimido da sociedade – comunidades ribeirinhas do São Francisco, o arcabouço teórico que utilizo na pesquisa estabelece um diálogo transdisciplinar entre a teoria fundante do trabalho – a LSF (Halliday: 1994, 2004 e seus seguidores) e outras disciplinas da área das ciências sociais, tais como, estudos culturais (Hall, 1996, Bhabha, 2001, Sivak, 1988, Loomba, 2005, Venn, 2000), antropologia (Castells, 2001, Sousa Santos, 2004), ciências sociais (Sarup, 1996). Para o desenvolvimento desse tipo de estudo transdisciplinar, têm fundamental relevância pesquisas desenvolvidas por linguistas aplicados como Cavalcanti (2008), Celani (1998), Kumaravadivelu (2006, 2008), Meurer (2000,2006), Moita Lopes (2008), Rajagopalan (2002, 2008).

(38)

os valores e as crenças referentes a: teoria do mundo físico, normas, valores e símbolos do mundo social, expectativas do agente sobre si mesmo como ator em um contexto particular.

As representações do agente sobre o seu saber, seu saber fazer e seu poder para agir são construídas dentro de contextos sócio-históricos e culturais e relacionadas a questões políticas, ideológicas e teóricas e, portanto, a valores e verdades que determinam quem detém o poder de falar em nome de quem, quais são os discursos valorizados e a quem servem (Celani e Magalhães, 2002:321).

No entendimento de Fairclough (2001:49), as representações, são expressas pelo discurso, estando intrinsecamente ligadas à formação de opinião e de identidade do indivíduo. Segundo o autor (2001:48), a representação corresponde à

função ideacional de Halliday, sendo “a transitividade, o aspecto da gramática da oração relacionado ao seu significado ideacional, isto é, o modo como representa a realidade”. Essa elaboração de fato encontra respaldo em Halliday (1985; 1994), que cunha a ideia de nomeação linguística de objetos e fenômenos extralinguísticos, segundo o qual os objetos e tudo o que cerca os indivíduos, incluindo sua realidade interna, passariam a existir no momento em que são nomeados. Halliday (1994:101) acrescenta que a gramática, mais do que ditar regras, é um instrumento de representação de padrões de experiência, que possibilita ao ser humano construir um quadro mental da realidade. Na LSF, a metafunção ideacional refere-se ao uso da linguagem para organizar, compreender e expressar percepções do mundo externo e interno.

1.2.1. Representações Sociais

Hall (1997) e Hall & du Gay ( 1996) advogam que as representações constituem-se uma questão fundamental no que Hall denomina de “circuito de cultura”, cultura entendida como identidades e significados compartilhados.

(39)

na linguagem e depois na cultura, nas instituições e no ambiente político do

representador” (ibidem, p. 47).

A respeito do conceito de identidade, Hall (1997) e Sarup (1996) convergem no entendimento de que ela é contraditória e fragmentada, representando um sujeito inacabado, em processo. Também compartilham o entendimento de que é sempre pela representação que o indivíduo se reconhece.

Precursor nos estudos sobre representações sociais, Moscovici (2000:8) defende que todas as interações humanas são psicologicamente representadas em cada um dos participantes.

As representações sociais são entidades quase tangíveis. Elas circulam, se entrecruzam e se cristalizam continuamente, através duma palavra, dum gesto, ou duma reunião, em nosso mundo cotidiano. Elas impregnam a maioria de nossas relações estabelecidas, os objetos que nós produzimos ou consumimos e as comunicações que estabelecemos (Moscovici, 2000:10).

Segundo o autor (2000:33), as representações corresponderiam a sistemas perceptivos utilizados pelos indivíduos para interpretar a realidade.

“Quando contemplamos os indivíduos e objetos, nossa predisposição genética herdada, as imagens e hábitos que nós já aprendemos, as suas recordações que nós preservamos e nossas categorias culturais, tudo isso se junta para fazê-las tais como as vemos. Assim, elas são apenas um elemento de uma cadeia de reação de percepções, opiniões, noções e mesmo vidas, organizadas em uma determinada sequência” (Moscovici, 2000:33).

De acordo com sua teoria, o indivíduo sempre está cercado individual e coletivamente por palavras, ideias e imagens que penetram seus olhos, ouvidos e mentes, independentemente de sua vontade e sem que o perceba e é dessa maneira que as representações penetram e influenciam o pensamento (ibidem, p. 34).

(40)

representação que se constrói de algo não está relacionada à maneira própria de pensar, mas sim o oposto, pois o que se pensa depende das representações, ou seja, do fato de ter-se ou não determinada representação, estratificada pela memória coletiva e reproduzida na linguagem.

Pontos de conflito dentro das estruturas representacionais de cada cultura são responsáveis por desencadear as representações. O fenômeno das representações relaciona-se diretamente com os processos sociais advindos das diferenças na sociedade; por exemplo, na tensão entre o reconhecimento do direito à moradia, garantido na Constituição, e sua negação a grupos específicos na sociedade.

Destarte, ao fornecerem um código para nomear e classificar, possuindo também caráter prescritivo, através da tradição e da memória, as representações tornam-se um ambiente real e concreto, por meio de sua autonomia e da pressão que exercem, enquanto ideias, constituem-se uma realidade inquestionável (Moscovici, 2000:21).

1.3.1 Contexto de Cultura

Uma vez que meu objetivo com esse trabalho é analisar as representações ideacionais do povo ribeirinho, é importante ressaltar as condições em que os relatos foram colhidos, o contexto em que se deram os diálogos, o tipo de relação interpessoal estabelecida.

No enquadre teórico da LSF todas as possíveis redes semânticas se

relacionam a especificações contextuais “acima” dessas redes em termos de

“categorias de alguma teoria social geral ou teoria de comportamento”, e “abaixo”,

em termos de “categorias de formas linguísticas do extrato da gramática”

(HALLIDAY, 1973, p. 69). Ou seja, todos os significados estão conectados

diretamente com o contexto social – “acima” e, também, com os elementos

lexicogramaticais –“abaixo”. Pela óptica da LSF não se analisa um texto unicamente

(41)

Halliday (1978:32) chama a atenção para o fato de que os critérios para descrever o contexto devem ser sociológicos,“baseados em alguma teoria da estrutura social e de suas mudanças”. Nessa perspectiva, orienta:

Se descrevermos o contexto da situação em termos de observações ad hoc sobre o ambiente onde a linguagem é usada,

poderemos dizer que isto é uma consideração ‘social’ da linguagem,

porém dificilmente ‘sociológica’,já que os conceitos nos quais nos

baseamos não são parte de nenhum tipo de teoria social geral (HALLIDAY, 1978, p. 34-35).

A LSF apresenta duas categorias para contexto: a) contexto de situação, subdividido em campo, relações e modo; b) contexto de cultura, que se refere a aspectos socioculturais mais amplos da atividade humana.

Meurer (2000, 2006) propõe a expansão da dimensão de contexto de cultura e sua interação com o discurso, e para isso apoia-se na teoria da estruturação de Giddens (1979; 1984), buscando desenvolver uma fundamentação sociológica para a descrição e explicação da interdependência entre textos e contextos mais amplos.

proponho o uso do termo intercontextualidade, em analogia à intertextualidade e interdiscursividade. A intercontextualidade é a condição em que dois ou mais contextos se interligam e interpenetram em uma determinada prática social. Na intercontextualidade um contexto é “levado” para outro contexto e dá -se o compartilhamento de características de ambos, muitas vezes com o predomínio de um sobre o outro (Meurer, 2006:133).

O pesquisador propõe a incorporação de três noções sociológicas derivadas da teoria da estruturação: a) práticas sociais; b) prescrição de papéis; c) estruturas sociais definidas em termos de regras e recursos.

Práticas sociais: as atividades cotidianas às quais as pessoas se engajam ao conduzir sua vida social nos mais variados contextos. Meurer alinha-se à proposição de Giddens (1979; 1984), para quem os textos “constituem um ponto de conexão

entre as estruturas sociais abstratas e eventos concretos entre ‘sociedade’ e pessoas vivendo suas vidas”.

(42)

identitárias dos indivíduos remetendo ao conceito de agentividade – os indivíduos agem – na implementação humana. As identidades são categorias ou tipificações

estabelecidas “com base em algum critério ou critérios sociais tais como ocupação ou profissão, relação de parentesco, faixa etária” Giddens (apud MEURER, 2000, p. 140). Essas prerrogativas e obrigações podem se dar pela filiação religiosa ou político-partidária, nacionalidade, moradia, grupo étnico, poder aquisitivo.

Estruturas sociais: resultante da implementação de regras e recursos utilizados na produção e reprodução da ação humana. São subdivididas em elementos normativos e códigos de significação, e os recursos em alocativos e autoritativos. Os elementos normativos das regras são responsáveis pelo estabelecimento de rotinas, as normas, e/ou as sanções relativas à forma como os indivíduos “devem” se conduzir. Os códigos de significação referem-se ao conteúdo semântico das regras, respondem pelas significações que os indivíduos atribuem a eventos, objetos, pessoas etc. Para que as regras sejam implementadas é necessário o envolvimento de recursos que se subdividem em alocativos e autoritativos. Os recursos estão diretamente envolvidos na “geração de poder”

porque sem recursos não há prática social. “Recursos alocativos referem-se a bens materiais envolvidos na geração de poder”, os recursos autoritativos são “recursos

não materiais envolvidos na geração de poder” (Giddens, 1984 apud Meurer, 2006, p. 173

De acordo com a proposta de Meurer (2006, 138) “não existe prática social independente de prescrições relativas a papéis/identidades sociais e estruturas sociais mais amplas em forma de regras/recursos”. E propõe a incorporação à LSF e do termo cadeias de práticas para sinalizar que as práticas sociais sempre estão relacionadas a outras práticas no mesmo contexto e/ou em outros contextos, em situações de intercontextualidade.

(43)

Figura 4: Diagrama generalista de influências entre prescrições, práticas sociais e regras/recursos ( de acordo com Giddens, 1979, p. 117)

1.3.2. Contexto de Pesquisa

Os relatos que constituem o corpus desta pesquisa refletem os sentimentos e pensamentos daqueles que moram na beira do rio e dele recebem tudo de que

necessitam para viver. O rio São Francisco não é apenas um rio, o “velho Chico” é o

pai provedor (figura 5, página 44), que oferece a água para beber e para irrigar a terra, os peixes que alimentam, o divertimento e a beleza que traz um pouco de enlevo aos espíritos de um povo tão sofrido e cansado da labuta diária.

Historicamente, essas comunidades são compostas por pescadores e agricultores. Entretanto, devido à sua fragilidade econômica, e ao grande interesse comercial que suscitam as áreas que habitam, tais comunidades têm sido vítimas de toda sorte de ataques empreendidos por grandes grupos econômicos com interesse nas terras em que vivem. O cenário compõem –se de pescadores artesanais que lutam para manter a sua atividade tal qual aprenderam com seus pais e avôs; quilombolas, indígenas e sem-terras enfrentando o poder do latifúndio para manter o

“seu lugar”, seu território de pertencimento; mulheres valentes que todos os dias levantam-se antes do sol e seguem quilômetros e quilômetros, para ir à “caça” de

(44)

Figura 5 – Ribeirinhos em suas atividades cotidianas junto ao Rio São Francisco na região da Borda da Mata – SE. (Foto João Zinclar)

São Francisco – Rio e Povo reunidos em um conjunto de relatos recolhidos em toda a extensão da bacia hidrográfica, pelo fotógrafo João Zinclar, durante o período de 2005 a 2008.

No ano de 2005, o governo Lula decide desengavetar um antigo projeto de transposição das águas do São Francisco, suscitando uma grande polêmica. O debate a princípio fica limitado ao âmbito regional, posteriormente atingindo repercussão nacional. João Zinclar, repórter fotográfico e militante, falecido em janeiro desse ano, decide percorrer toda a extensão do rio, que tem sua nascente em Minas Gerais e a foz entre os estados de Alagoas e Sergipe, para fotografar o rio e seu povo, e ouvir o que as comunidades tinham a falar. Finalmente alguém se dispusera a ouvir o que os moradores ribeirinhos - aqueles que mais sofreriam os impactos da obra - tinham a dizer; comunidades carentes que vivenciam o processo

de invisibilidade social que relega a uma situação de “não existência” os pobres,

(45)

Os relatos foram colhidos em uma situação privilegiada, pois o fotógrafo fez-se também povo da beira do rio, contando com o apoio de parceiros da Pastoral da Terra e de outros grupos sociais, que já atuavam nas comunidades. Chega assim como alguém de confiança, mais um amigo a somar na luta dos ribeirinhos contra a transposição das águas do rio, alguém que iria ajudar a denunciar os desmandos e abandonos aos quais estavam entregues. Zinclar aloja-se na casa dos ribeirinhos, come do mesmo peixe com farinha, levanta antes do sol junto com os pescadores e marisqueiras para ir em busca do sustento.

Rubem Siqueira, agente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), assim descreve a relação estabelecida com o fotógrafo:

Daí pra frente, cumplicidade e companheirismo, o João, nós e o Povo do São Francisco. A gente facilitando o acesso às comunidades ribeiras e recantos da Bacia, e aprendendo o valor da imagem em nosso trabalho, na vida. O Povo gostando de se ver nas fotos (Rubem Siqueira, in Zinclar, 2010:11).

O rio São Francisco, também conhecido como rio da integração nacional, foi descoberto em 1502, e ganhou esse título por ser o caminho de ligação entre o Sudeste e o Centro Oeste com o Nordeste. Da sua nascente, em Minas Gerais, na Serra da Canastra, até a foz na divisa entre os estados de Sergipe e Alagoas, percorre 2.700 km. Ao longo de sua bacia, que banha cinco Estados, identifica-se quatro trechos distintos: o Alto São Francisco, que vai de suas cabeceiras até Pirapora, em Minas Gerais; o Médio, de Pirapora, onde começa o trecho navegável, até Remanso, na Bahia; o Submédio, de Remanso até Paulo Afonso, também na Bahia; e o Baixo, de Paulo Afonso até a foz (Figura 6, página 46).

(46)

Figura 6: Bacia do São Francisco

Os relatos foram colhidos em comunidades ribeirinhas dos cinco estados que compõem a bacia hidrográfica do São Francisco: cidades pequenas, comunidades de pescadores tradicionais, quilombos, aldeias indígenas, assentamentos sem-terra. Os diálogos ocorriam sempre em situação de informalidade, enquanto os moradores realizavam suas tarefas cotidianas.

O conteúdo das conversas tem sempre como centro a questão da transposição das águas do Rio São Francisco, e a partir daí surgem vários outros assuntos relacionadas ao dia-a-dia das comunidades, uma questão porém sempre está presente – o trabalho, as relações com os meios produtivos, naturais e materiais. Muitas histórias de conflitos envolvendo a posse de terra e o acesso a recursos naturais como veios de água.

(47)

do que ele lhe proporciona. Se não tiram do rio diretamente o sustento, através da pesca, precisam das cheias do rio para tornar as várzeas cultiváveis.

Porém com a ocupação das terras e ilhas, muitas vezes de forma ilegal, por grileiros e grupos econômicos poderosos, e com a degradação do rio e do bioma causada por carvoarias, hidrelétricas as comunidades ribeirinhas têm se visto em uma situação cada vez mais precária. Acrescente-se a isso que a chegada de máquinas e técnicas modernas de produção agrícola, faz com que os postos de trabalho no campo sejam cada vez mais escassos.

Ao lado dessa situação precária, soma-se muitas vezes a negligência do poder público que não cumpre com suas obrigações fornecendo os recursos mais elementares como saneamento básico, água encanada, atendimento médico, entre outras coisas.

Nesse quadro, a discussão sobre a transposição das águas do São Francisco assume caráter vital para os ribeirinhos, opondo, de um lado, aqueles que vivem do Rio, dispondo-se a defendê-lo a qualquer custo, e do outro, pessoas que praticam alguma atividade econômica em regiões da bacia, mas que não tem o rio como fonte de subsistência e também não compartilham o sentimento de pertencimento ao lugar.

(48)

CAPÍTULO 2

CONSTRUINDO A ROTA

“[Precisamos fazer a nós mesmos] perguntas rigorosas de natureza política, metodológica e epistemológica sobre os interesses a que serve todo empreendimento e pesquisa” (ROMAN, 1993: 78).

Neste capítulo apresento a metodologia utilizada na pesquisa; está dividido em duas partes: Na primeira, trago a concepção metodológica em que se apoia o trabalho; na segunda, explico o procedimento de coleta, forma de organização dos dados com a utilização da ferramenta computacional wordsmith tools e, posteriormente, descrevo os passos seguidos para a análise.

2.1. Por que a Linguística Sistêmico-Funcional?

Por se coadunar com os pressupostos de pesquisa em contexto aplicado, dando relevância às questões sociais, e analisando os usos reais da linguagem, este trabalho insere-se no campo da Linguística Aplicada; princípios esses que, por sua vez, estão na base da LSF. Lembrando que, segundo Halliday (1994, 2004), principal teorizador da LSF, todos os usos feitos do sistema linguístico têm caráter funcional orientado de acordo com os interesses e necessidades de convivência em sociedade.

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