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Academic year: 2022

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O Sol da Manhã ...

Memórias de minha família

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O Sol da Manhã ...

Memórias de minha família

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O Sol da Manhã ...

Memórias de minha família

José Eugenio Guisard Ferraz

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© José Eugenio Guisard Ferraz Editora Executiva: Cassia Oliveira Revisão: Lucia Armenio Leal Projeto gráfico: Estúdio Caverna Impressão: Forma Certa

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP) ANGÉLICA ILACQUA CRB-8/7057

Ferraz, José Eugenio Guisard

O sol da manhã... : memórias de minha família / José Eugenio Guisard Ferraz.

– Sorocaba : Recanto das Letras, 2018.

232 p. : il., color.

Bibliografia

ISBN: 978-85-7142-003-8

1. Guisard, Família - História 2. Mallet Caillaud, Família - História 3. Genealogia 4. França - História 5. Brasil - História 6. Taubaté, SP - História I. Título

18-1802 CDD 929.2

Índices para catálogo sistemático:

1. Genealogia

EDITORA RECANTO DAS LETRAS editorarecantodasletras.com.br editora@recantodasletras.com.br

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou trans- mitida por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita do autor.

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Dedico este livro à minha mãe, Ivonne, exemplo de dignidade e honradez que procurei seguir em minha vida e, também, para Manuela, minha neta que, vindo ao mundo, deu-me a motivação necessária para escrevê-lo.

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Primeiramente, agradeço a paciência e o apoio de minha esposa Mireille, que permaneceu a meu lado durante as muitas horas que dediquei a esse livro.

Quero agradecer especialmente o auxílio inestimável de José Carlos Sebe Bom Meihy, que não só leu e comentou meu manuscrito, mas também me incentivou a produzir um texto bem melhor do que eu tinha imaginado ser capaz.

Muitas pessoas me ajudaram na colheita de informações e imagens, entre elas devo destacar Maria Cecília Guisard Audrá, autora do livro “Felix Guisard — Olhando o Passado”; “in memoriam” Oswaldo Barbosa Guisard, com seu livro “Taubaté no Aflorar do Século”; meus primos Isa Barros, Sonia Guisard, Eduardo Guisard Aguiar e Angela Brun; a família Sales, Sylvio e Dulce Mraz, Elena e Eda, Ivan, Eliana, Patrícia, Marina, Licínia, Ila, Renato, Cláudio de Biasi e muitos outros. Agradeço, muito especialmente, à minha irmã Maria Silvia.

Destaco também a participação de Shirley Aparecida Santos, do Museu da Imagem e do Som de Taubaté — MISTAU, da Área de Museus, Patrimônio e Arquivo Histórico da Prefeitura Municipal de Taubaté, por sua atenção e valioso auxílio com as fotografias. Particular atenção também para os sites que ajudam a manter viva a memória de Taubaté, como o “Resgatando Taubaté. Ontem, Hoje e Sempre” com Luiz Issa e Adriano Araujo; “Taubaté das Antigas” com Flávio Marques Silva e outros; e os editores do “Almanaque Urupês”.

Finalmente, meu agradecimento a Cássia Oliveira e à equipe da Editora Recanto das Letras, pelo seu profissionalismo e cordialidade.

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DEDICATÓRIA ...5

AGRADECIMENTOS ...7

PREFÁCIO ...13

INTRODUÇÃO ...17

PARTE 1 – FRANÇA ... 19

O SOL DA MANHÃ ...21

A REGIÃO DE AUXERRE ...22

PRIMÓRDIOS DE AUXERRE ...25

A ORIGEM DO NOME GUISARD ...27

A CISÃO NO CRISTIANISMO — O PROTESTANTISMO...29

A FAMÍLIA GUISE — DEFENSORA DO CATOLICISMO ...30

DUAS RUAS FRANCESAS ...31

OS PARENTES PRÓXIMOS DE JEAN LOUIS GUISARD ...33

O DISTANTE BRASIL ...35

A FRANÇA EM MEADOS DO SÉCULO XIX ...37

A JUVENTUDE DE LOUIS FELIX ...39

A AVENTURA NOS TRÓPICOS — A GRANDE VIAGEM ...41

A FRANÇA EM EBULIÇÃO — OS VENTOS DA POLÍTICA ...42

O DOMÍNIO DE LUÍS NAPOLEÃO — O NAPOLEÃO III ...45

A AVENTURA DA FAMÍLIA CAILLAUD ...49

A ORIGEM NOBRE DOS MALLET ...50

UMA BREVE PASSAGEM PELA ORIGEM DA EUROPA ...51

O DOMÍNIO DOS FRANCOS ...54

QUANDO OS VIKINGS ENTRAM EM CENA ...56

A INVASÃO DA GRÃ BRETANHA ...60

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GUILLAUME DE MALLET — UM NOBRE DE DOIS PAÍSES ...61

DE COMO VICTOR HUGO ENTROU EM NOSSA HISTÓRIA ...62

A FUGA DA FAMÍLIA CAILLAUD ...64

PARTE 2 – BRASIL: RIO DE JANEIRO E MINAS GERAIS ... 67

O PROJETO DE COLONIZAÇÃO DO VALE DO RIO MUCURI ...69

LOUIS FELIX PROSSEGUE PARA O RIO DE JANEIRO...72

O BRASIL NA CHEGADA DE LOUIS FELIX ...73

O REINADO DE DOM PEDRO II ...77

A PROSPERIDADE E O DECLÍNIO DE DOM PEDRO II ...79

O EXÍLIO DA FAMÍLIA IMPERIAL ...83

RIO DE JANEIRO E A RUA DO OUVIDOR ...85

A REVOLUÇÃO FRANCESA ...87

NAPOLEÃO BONAPARTE ...90

A BEM SUCEDIDA INVASÃO FRANCESA ...93

LOUIS FELIX PARTE PARA AS MINAS GERAIS...95

A FAMÍLIA FELÍCIO DOS SANTOS ...96

REENCONTRO ...96

OS TRABALHOS DA FAMÍLIA EM TERRAS MINEIRAS ...97

A UNIÃO DE LOUIS FELIX COM AMELIE ...99

O DESTINO MUDANDO OS RUMOS DA FAMÍLIA ...100

UMA NOVA ÁREA DE TRABALHO — A TECELAGEM ... 101

O ENCONTRO COM UMA NOVA FAMÍLIA DE FRANCESES ...103

A UNIÃO DE FELIX GUISARD COM JEANNE ROSAND ...104

PARTE 3 – BRASIL: TAUBATÉ ...107

O EMPRESÁRIO FELIX E A MUDANÇA PARA TAUBATÉ ...109

AS FERROVIAS NO EIXO RIO DE JANEIRO — SÃO PAULO ... 110

TAUBATÉ NO FINAL DO SÉCULO XIX ... 113

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OS IRMÃOS DE FELIX ...124

O INÍCIO DA COMPANHIA TAUBATÉ INDUSTRIAL ...128

OS PRIMEIROS PASSOS DA MONTAGEM DA FÁBRICA ...130

A PARTICIPAÇÃO DOS INGLESES NO CAPITAL DA C.T.I. ...132

A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL ...134

A CHEGADA DE GETÚLIO VARGAS AO PODER ...137

A TRAJETÓRIA DO JOVEM EUGENIO ...139

A FAMÍLIA NOGUEIRA BARBOSA ...142

OS TEMPOS DE PERSEGUIÇÃO RELIGIOSA ...144

A FUNDAÇÃO DO ESPORTE CLUBE TAUBATÉ ...148

A FAMÍLIA QUERIDO ...151

AS TENDÊNCIAS POLÍTICAS DE EUGENIO ...159

A SEPARAÇÃO ENTRE EUGENIO E SEU IRMÃO FELIX...161

A VOLTA DE EUGENIO E FAMÍLIA PARA TAUBATÉ ...161

OS FILHOS DE EUGENIO ...164

VICTOR BARBOSA GUISARD ...165

OSWALDO BARBOSA GUISARD ...167

JAURÉS BARBOSA GUISARD ...170

OLAVO BARBOSA GUISARD ...173

AS FILHAS DE EUGENIO GUISARD ...176

IVONNE E DARCY VIEIRA FERRAZ ...181

O CENTRO CULTURAL BRASIL — ESTADOS UNIDOS ...190

A MATURIDADE DA C.T.I. E AS AÇÕES DE FELIX ...193

A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL ...199

AS CONTAS DA C.T.I. AO FINAL DE 1941 ...201

O FALECIMENTO DE FELIX GUISARD ...203

OS ÚLTIMOS DIAS DE EUGENIO ...205

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CONCLUSÃO ...208

ANEXO – ÁRVORES GENEALÓGICAS... 211

BIBLIOGRAFIA E REFERÊNCIAS ...227

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Prefácio

Todo livro merece ser celebrado como bênção de um belo Sol da Manhã. Este, contudo, além da luz matinal, deve ser percebido também nas noites que guardam sonhos bons. Entre o brilho do dia e a escuridão noturna, o que se tem é uma vontade de histórias que não podem mais ficar presas nas conversas de encontros saudosos, encerradas no círculo doméstico. É verdade que o tema é íntimo, mas trata também daquelas falas que deixam de ser caseiras, ganham sentido coletivo e esparramam- -se pela coletividade. E não se trata de qualquer história, mas sim de um enredo escrito pelo afeto de quem se prontificou a respirar o passado da própria família, e presenteá-lo aos leitores, principalmente para aqueles que se veem provocados pelo entendimento do meio que nos implica.

O autor, por ofício, não é do ramo da escrita afeita ao pretérito.

Homem de números e exatidões científicas, José Eugênio Guisard Ferraz, com audaciosa sensibilidade, conduz-nos a uma legenda que só ele po- deria decodificar. Vendo-se como resultado de uma trama espetacular, re- traçando caminhos atropelados pelo direito a um lugar social desejável, articulando detalhes surdos, o amigo Zé Eugênio perfez um mapa incrível.

Juntou dados, encontrou imagens alusivas a fatos, depurou passagens pou- co conhecidas e amarrou tudo em um livro que não é biografia, não é His- tória no sentido convencional e, ao mesmo tempo, é um libelo explicativo de um momento na trajetória de uma família que nos explica, enquanto tecido social de uma cidade, que, por sua vez, constela todo o Vale do Pa- raíba. Há algo de épico no esforço narrativo incontido e envolvente.

Este é um livro de desejo, não de técnica ou manejo profissional da História. Talvez aí, diga-se, resida a maior virtude do empenho que faz brilhar O Sol da Manhã. Não se encontram aqui laivos metodológicos, periodizações explicativas de momentos capitais da História do Mundo, seriações documentais rigorosas, nem mesmo hipóteses de trabalho que conduzam a conclusões mirabolantes. No lugar, sobram buscas resolvi-

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das no encadeamento de lances pinçados de diferentes fontes, referen- ciados ao sabor das possibilidades, sempre filtradas pelo olhar guia de quem se autoriza contador. A fome de saber dos roteiros retraçados é saciada por mágica poção que sustenta uma narrativa clara e enxuta, que produz a roupagem familiar que vestiu gerações em lugares, países, continentes. E que chegou imponente a um espaço de onde quer e pode ser vista.

O interesse pela origem remota da própria família Guisard faz supor uma contextura de alternativas que se perderia na distância, não fosse o tino autoral de quem se viu capaz de juntar detalhes soltos. Uma bússola marcadora da chegada fez vigorar o sentido do presente em uma cidade empobrecida do som de suas muito ricas histórias. E tudo alinhavado por situações intrigantes, pormenores atraentes, informações curiosas. Sem faltar respeito às imposições econômicas ou aos motivos comerciais que moviam os imigrantes, as forjas amorosas são moldadas de maneira a esculpir um espectro humanizado e idílico, repontado de afetos, paixões, unidade familiar.

Por traz de tudo, um magnífico e inexorável projeto familiar. Trans- mitido de geração a geração, nos furos dos pactos estabelecidos no mun- do das palavras interditas, no território da memória subjetiva e invisível, o que se estabelecia era uma certeza de metas nem sempre apreciadas no nível da consciência. A família Guisard mostra-se sim como um con- junto de vencedores, mas isso fica muito longe da facilidade da conquista.

Muitos meandros foram contornados, mais do que se pode medir pelos resultados hoje ostentados em nomes de ruas, monumentos, escolas. Co- nhecer tais andanças implica trocar a metáfora da raiz que se afunda no chão, pela do rizoma que se multiplica alhures, visitando outros territórios.

A raiz fixa. O rizoma alastra-se. Alastra-se e, na surdina do solo progride em plantas, flores e frutos. Conquista, no silêncio de sinas surdas.

Há outra metáfora que serve de filtro para essa aventura: a viagem.

A nascente da família Guisard, suas metamorfoses, explicadas na peri- pécia e no afeto conjunto, dão sentido a uma legenda que trança risco, coragem, determinação. Sobretudo determinação. E andanças também.

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Certamente, apenas alguém que entendeu a necessidade do movimento imigratório pode navegar na vastidão do tempo, atravessar mares e fazer lugares buscados em sonhos. Diria que o presente texto tem três mo- mentos de respiração: as nascentes familiares, a definição brasileira do périplo parental e a realização em Taubaté. Pois sim, Taubaté, mas não a velha urbe, a renovada, modernizada exatamente pela ação intrépida do grupo que a recolocou diferente, pioneira mesmo, no circuito de um Brasil pós-colonial.

Pelas linhas propostas pelo autor, depreende-se o sentido da luta da família Guisard. Destacada na região do Vale do Paraíba Paulista, fica evi- dente o papel diferenciador que assumiu, na surdina de quantos tinham noção do que faziam. Situada em área agrícola, por séculos cafeeira e escravocrata, os locais foram sutilmente se estabelecendo em meio aos valores tradicionais do cosmo fazendário. Ao longo do século XIX, Taubaté era mero vilarejo de passagem, cidade sem função outra que não fosse a religiosa ou de trocas miúdas, entreposto de trocas, quase escambo. As poucas — pouquíssimas — casas abastadas, propriedade de fazendeiros, está longe de corresponder ao lustro pretendido por uma historiografia fantasiosa, cabocla e falsa. Fartas eram as fazendas, e dinâmicas as tro- pas que ligavam os polos de produção aos portos. A alegoria expressa por Monteiro Lobato, sobre as “cidades mortas”, é ilusória e arremedada, historicamente pífia. É exatamente, no desfazer dessas interpretações vai- dosas que a família Guisard serve de motivo.

De costas para um mundinho apregoador de pobrezas e dependên- cias de cheiros avassalados, um grupo de feições ousadas, de respiros in- dustriais, ousava pensar um Brasil coerente com os avanços resultantes da longa Revolução Industrial. E a cidade precisava, para tanto, se fazer cena e cenário. E como foi minucioso, no meio do nada, inventar uma classe trabalhadora, pensar vilas operárias, imaginar educação escolar para fi- lhos de tecelões... E tudo tinha cheiro de novidade, de inspiração idílica de quantos sonharam não mais um vilarejo calcado nos moldes quintais lusitanos, e sim na plantação de cidades vivas, fermentadas por operários, assistência humanitária do trabalho e, enfim, vida...

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Definidos como imigrantes franceses, a atuação daquele punhado de valentes vindos para o Brasil se inscrevia em uma proposta diferen- ciada da agrícola ou camponesa. Guardando o prestígio de Paris como emblema de uma cultura de vocação urbana, os Guisard atuaram na nascente indústria têxtil nacional. Sobretudo, intrépidos foram artífices de um campo novo da vida econômica do país, em particular no período pós-escravista, depois da Proclamação da República, na década de 1890.

Foi quando Taubaté mostrou-se lócus aberto a empreendimentos ousa- dos, município capaz de oferecer numerosa mão de obra disponível. Foi esse arrojo modernizador, industrial, que deu aos Guisard garantia de destaque.

É lógico que a coleção de atos decorrentes desse projeto custou muito, e não apenas no setor comercial, superando crises. A adaptação do clã ao meio conferiu hostilidades, em particular no âmbito religioso, pois o ambiente católico impunha rejeições às práticas espiritualistas. Visto como mais que simples detalhe, tal entrave exercitava estratégias de uma família que soube reagir e que, com artifícios sábios, propôs a naturalida- de de casamentos entre si. Há todo um ritual constituído na surdina dos dias que, por fim, foram se tornando mais porosos, permitindo a redefini- ção da saga como um todo.

Minhas palavras finais são de gratidão. Ter acompanhado a redação final deste trabalho foi-me presente fino, brinde que divido com os leitores que, certamente, comigo abraçarão o amigo e sua família toda. Que brilhe o Sol da Manhã...

José Carlos Sebe Bom Meihy

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Introdução

Devo avisar a todos, logo de início, que escrevi este texto para mi- nha própria satisfação. Meu interesse é deixar registrado o que aprendi sobre a história de minha família, dentro do contexto histórico e geográ- fico dos dois países da nossa trajetória — França e Brasil. Um aprendiza- do que teve como início as conversas que mantive com meus familiares, acrescido pelo estudo das condições em que meus antepassados viveram no velho e no novo mundo.

Minha expectativa inicial com esse trabalho era singela; simples- mente não queria que esta coletânea de informações, alinhadas pelo fio condutor de minha memória sobre a família, ficasse perdida numa gaveta qualquer. Agora, editado e publicado, espero que meus amigos e minha família, particularmente meus filhos e minha neta, venham a lê-lo. Se ou- tros leitores houver, muito melhor.

A ideia de produzir este escrito nasceu numa daquelas tardes de domingo em que não se tem muito a fazer, na espera da segunda-feira.

Aqueles momentos lentos e sonolentos, de uma inércia melancólica, ge- raram ideias. Nasceu, assim, de repente, sem que eu tivesse me prepa- rado, sequer almejado, ser escritor. Escrevi, no entanto, provavelmente sem talento para tal, e a redação obedeceu a impulsos, tanto é que devo ter falhado em dar crédito a todas as fontes que me inspiraram e de onde tirei informações e imagens. No mais, que tudo o que existir de errado seja visto como uma licença poética ao autor, ou como simplesmente um fruto das minhas limitações.

Amém...

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Parte 1

França

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Parte 1

França

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O SOL DA MANHÃ

O sol da manhã, neste 30 de março, uma segunda feira no come- ço de primavera, começava a clarear o caminho de terra no vilarejo de Cheny, nos arredores da cidade de Auxerre, região da Bourgogne, no co- ração da França. Depois de uma fria noite, como era costume na região, os raios fortes do sol traziam calor e a promessa de um dia com tempo claro e firme.

A Bourgogne no coração da França.

O ano era o de 1834 e Jean Louis Guisard, então com cinquenta e dois anos, caminhava com o passo firme em direção ao cartório para

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registrar uma nova adição à família, um menino nascido no dia anterior, domingo, filho de sua esposa Colombe Buzenet de trinta e oito anos, e cujo nome seria Louis Felix Guisard. O processo junto ao Juiz de Paz foi rápido, e o ato lavrado à mão pelo notário não teve a sua assinatura, pois declarou não saber nem ler nem escrever. Mas teve a assinatura de seus amigos Pierre Garnier, tecelão, e Jean François Mathey, professor, que ser- viram de testemunhas nesse ato.

A volta, pelo mesmo caminho, foi mais tranquila e Jean Louis pode assim apreciar os vinhedos que brotavam na Bourgogne. As parreiras eram entremeadas por uma ou outra plantação de trigo e de beterraba, que ladeavam cada margem da estrada. O sol daquela manhã já ia alto, quase à pino, diminuindo as sombras do caminho e trazendo a energia que daria vigor ao recém-nascido Louis Felix e seus descendentes, em dois continentes.

A REGIÃO DE AUXERRE

Essa região, onde a família Guisard vivia, no departamento de Yon- ne, tornou-se famosa pela origem do vinho Chablis, um dos primeiros brancos produzidos no mundo. As vinhas mais cultivadas são da cepa Chardonnay, o ponto forte da região até hoje. Mais ao sul de Auxerre, já perto de Dijon, encontramos os extensos terrenos de Pinot Noir, variedade de uva que produz os bons vinhos tintos da Bourgogne, sendo o Irancy considerado o melhor deles. Além desses, um bom espumante ali produ- zido é o Cremant de Bourgogne.

Dijon é também famosa pela produção de mostarda e de cassis, frutinha que podemos chamar de groselha negra, base do conhecido licor.

Lá nasceu o drink denominado Kir, inventado por um antigo prefeito de Dijon, o Padre Felix Kir (1876-1968), interessante personagem com uma rica história de vida. Durante a ocupação nazista ele foi ativo membro da Resistência Francesa, “le maquis”. Após o fim da Segunda Grande Guerra foi eleito prefeito de Dijon, cargo que ocupou até seu falecimento. Padre

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Kir costumava receber seus visitantes, na Prefeitura, oferecendo um drink preparado com o vinho branco feito com a uva Aligoté, menos nobre que a Chardonnay, mas que, misturado com o licor ou o creme de cassis, ad- quire um sabor bem peculiar. Há também o Kir Royale, quando o vinho branco é substituído por champanhe ou qualquer outro espumante. Uma cereja na taça é também bem-vinda.

Vinhedos de Chablis, perto de Auxerre, na região da Bourgogne.

Cheny é um pequeno vilarejo, na época com pouco mais de oitocen- tos moradores, hoje com cerca de dois mil e quinhentos habitantes. Fica situado entre três rios, o principal é o Yonne, que dá nome ao Departa- mento, com o Serein ao norte e o Armançon a leste. O Armançon, do qual a tradição local diz “Mauvaise riviére, bons poissons” é um rio com uma forte correnteza, às vezes até indomável, mas com bons peixes, e é aquele que melhor caracteriza o povoado. O clima da região é muito duro, com intensos invernos, primaveras ainda muito frias e curtos verões, fazendo

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com que cada safra de uvas venha com muita incerteza. Apesar de todas essas dificuldades seus habitantes conseguem produzir com regularidade os seus famosos vinhos.

Auxerre, o centro econômico e político do Departamento de Yonne, fica entre Paris, ao norte, e Dijon, ao sul, a cerca de cento e sessenta e cinco quilômetros de cada uma dessas cidades. É uma cidade repleta de monumentos históricos. Uma personalidade da Matemática e da Física, que lá nasceu, foi Jean-Baptiste Joseph Fourier (1768-1830), criador de inúmeras fórmulas, teoremas e ferramentas matemáticas.

Auxerre e o rio Yonne.

Na imagem vemos os dois edifícios mais representativos da cidade, em primeiro plano a Catedral de Saint-Étienne, cuja origem data do século XI e, mais à direita, a Abadia e Museu de Saint Germain d’Auxerre. Essa abadia foi fundada por Saint Germain, bispo de Auxerre, (378-448) e tor- nou-se um importante Monastério Beneditino.

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O rio Yonne, chamado de Icauna à época galo-romana, um dos mais importantes da França, segue seu curso pelo centro do país, do sul para o norte, onde se torna um dos principais afluentes do rio Sena. Por inter- médio de um longo canal, chamado de Nivernais, com cento e setenta e quatro quilômetros, o Yonne é conectado com o rio Loire. A construção desse canal iniciou-se em 1784 e foi completada em 1841. Atualmente é utilizado como uma rota turística, por barcaças transformadas em hotéis, parando em cada ponto do percurso para degustações de vinhos e visitas às vilas e castelos da região.

PRIMÓRDIOS DE AUXERRE

Ao pesquisar a origem de Auxerre, encontram-se muitos vestígios da Idade do Bronze em diversas escavações feitas em suas terras e arredores.

Alguns dos mais célebres exemplos de arte rupestre em todo o mundo, e objetos antigos, foram encontrados não muito longe dessa região, mais precisamente no vale do Vézère e na caverna de Lascaux, entre Lyon e Bordeaux.

Entre os séculos VII e V antes de Cristo, a região foi ocupada pelos Celtas, particularmente por um ramo chamado de Sênones, que no local estabeleceram uma povoação denominada Autricus. Essa terra dos anti- gos habitantes gauleses foi dominada pelos romanos, quando eles fizeram a conquista da Gália, tendo seu nome modificado para Autessiodurum.

Infelizmente a história dos gauleses não se passou como Albert Uderzo e René Goscinny imaginaram e projetaram em seus desenhos, nas aventu- ras dos invencíveis Asterix e Obelix. A resistência dos Gauleses às tropas romanas foi em vão.

A batalha de Alesia, o encontro final entre as tropas romanas de Júlio Cesar e os gauleses liderados por Vercingetorix, aconteceu no ano 52 a.C., no local onde hoje encontra-se a cidade de Alise-Sainte-Reine, a pouco mais de oitenta quilômetros de Auxerre, na direção de Dijon.

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Vercingetorix rende-se a Júlio César em Alesia. Pintura de Lionel Royer, no Musée Crozatier em Le Puy-en-Velay, (Domínio Público)

via Wikimedia Commons.

Durante o período galo-romano, até por volta de 250 d.C., Auxerre teve um grande desenvolvimento como um dos entrepostos comerciais do sistema de estradas desenvolvido por Marcus Agrippa (64 a.C. — 12 a.C.), para fazer as comunicações na Gália Romana. Conta-se que Agrippa foi um excelente militar, político e arquiteto, tendo sido também gover- nador da Gália Transalpina. Por Auxerre passava a via Agrippa, que ligava Lyon (Lugdunum) com Boulogne-sur-Mer (Bononia), no canal da Mancha.

A tranquilidade sob a paz romana terminou com a invasão dos Francos por volta de 275 d.C., obrigando a população a construir muralhas e for- talezas. Isso, contudo, não impediu novas invasões — os Germanos em 407 d.C., os Hunos em 451 d.C., os Normandos por volta de 900 d.C., e os Ingleses em 1358, na guerra dos 100 anos, em uma sequência de ocu- pações e liberações.

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Incêndios também eram frequentes, e mesmo violentas disputas inter- nas, como a que aconteceu por volta de 1590 entre os católicos e os protes- tantes; e também em outras épocas, entre facções de nobres franceses dis- putando o poder na região. Mais tarde sofreu a invasão austríaca em 1814 ao final da era napoleônica, e a dos alemães durante a Segunda Guerra Mundial.

A história de Auxerre indica que seus habitantes aprenderam, à for- ça, como resistir às asperezas da natureza local e aos percalços de povos invasores. Forjados nesse ambiente, seus descendentes têm a resiliência dos sobreviventes de uma epopeia. Hoje em dia, Auxerre tem uma popu- lação de cerca de trinta e seis mil habitantes, enquanto por volta de 1850 contava com apenas quinze mil.

A ORIGEM DO NOME GUISARD

O nome Guisard é associado a uma importante família de nobres franceses, a casa de Guise, não como parentes, mas sim como partidários de suas ideias, ou até mesmo como simples moradores de uma de suas inúmeras propriedades. Devemos registrar que encontramos, na literatura em português, o uso comum do nome casa de Guisa e do Duque de Gui- sa, em lugar do francês — Guise. Nos registros históricos, várias grafias podem ser encontradas, variantes da palavra Guisard, como Guizard ou Guisarde.

Guise, uma pequena cidade do norte da França, com pouco mais de cinco mil habitantes, quase na fronteira com a atual Bélgica, teve sua ori- gem em uma fortaleza construída no século X, a fim de dominar a navega- ção no rio Oise que, nascendo na Bélgica, desce na direção Sul até se tornar um afluente do rio Sena, perto de Paris. Muito apropriadamente uma pessoa natural dessa localidade é chamado de um guisard. Guise foi alçada ao nível de Condado no século XIII, e promovida a Ducado em 1528. Sua impor- tância na política da França não é devida à extensão territorial, que, aliás, é pequena, mas sim a dois outros fatores. O primeiro é a sua posição es- tratégica na fronteira e o segundo é o grande relacionamento familiar com

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José Eugenio Guisard Ferraz

várias Casas Reais da Europa. Seus senhores, inicialmente Condes de Guise, e posteriormente Duques de Guise, eram filhos cadetes da casa de Lorraine.

Como a tradição vigente na época era de que o filho primogênito herdava o título e as propriedades principais da família, os demais filhos, credenciados como cadetes, recebiam títulos e propriedades menores.

Essa Casa era chefiada pelo citado Duque de Guise, o primeiro deles tendo sido Claude de Lorraine (1496-1550), irmão mais jovem de Antônio, Duque de Lorena. Ainda com o título de Conde, Claude participou de diver- sas batalhas em defesa da França e foi nomeado Governador das regiões de Champagne e de Bourgogne. Seus feitos justificaram o Rei da França a elevar, em 1528, o Condado ao nível de Ducado, passando a considerá-lo um Par da França, ou seja, um nobre com posição de relevo na corte real.

Torre da fortaleza em Guise no norte da França. Por Clubduvieuxmanoir, [CC BY 3.0] via Wikimedia Commons.

Sua filha Maria de Guise casou-se com o Rei Jaime V da Escócia e foi mãe de Maria Stuart (1542-1587), rainha da Escócia e pretendente ao

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trono da Inglaterra. Católica fervorosa, Maria Stuart tornou-se uma líder, um dos símbolos dos movimentos católicos revoltados contra o reinado de Elisabeth I da Inglaterra, sua meia-irmã. Elisabeth I (1533-1603) era filha de Henrique VIII e de Ana Bolena, uma de suas seis esposas, e, estrate- gicamente, apesar de Anglicana, adotou um relacionamento de convívio pacífico com os católicos. Seu reinado foi um dos mais longos da história desse país, indo de 1558 até sua morte em 1603.

A CISÃO NO CRISTIANISMO — O PROTESTANTISMO

É bom recordar que, no início do século XVI, dois teólogos, Lutero (1483-1546) e Calvino (1509-1564), iniciaram o movimento reformista do Cristianismo, dando origem ao Protestantismo, na França, Alemanha e Suíça. Esses movimentos logo se espalharam pela Europa toda, provo- cando enorme reação por parte do Papa e de todo o seu clero. Foi a partir dessa cisão que a igreja, obediente ao Papa, passou a ser conhecida como Católica Apostólica Romana.

A disseminação das ideias de Lutero e Calvino explica-se como re- sultado da utilização da imprensa, pois a invenção de Gutenberg (1400- 1468) permitiu a multiplicação dos seus folhetos e, principalmente, da Bíblia traduzida para o alemão. O controle da Igreja Católica sobre a inter- pretação da Bíblia estava irremediavelmente quebrado.

Calvino, Henrique VIII, e Martinho Lutero.

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José Eugenio Guisard Ferraz

Na Grã-Bretanha, Henrique VIII (1491-1547) já tinha iniciado um continuado litigio com a autoridade papal durante seu reinado. Diversas leis por ele promulgadas, tais como a sua autoridade na nomeação de bispos, a aplicação de impostos sobre as atividades das igrejas, a anexa- ção de suas propriedades, e as decisões sobre os seus seis casamentos e muitos divórcios preparavam a chegada da Igreja Anglicana. Seu filho, Eduardo VI, que o sucedeu, foi o primeiro Rei da Inglaterra educado no protestantismo. Reinou de 1547 a 1553, ainda jovem e sem grande poder de mando. Foi sucedido pelo curto e tumultuado reinado de sua meia-irmã Mary I que, católica e casada com o rei da Espanha, perseguiu a comuni- dade protestante. Mary I reinou de 1553 a 1558. A seguir tivemos o longo reinado de sua meia-irmã Elisabeth I (1533-1603), que seguiu a religião anglicana fundada por seu pai.

A FAMÍLIA GUISE — DEFENSORA DO CATOLICISMO

Quando Claude faleceu, o título de Duque de Guise passou para seu filho primogênito, François de Lorraine, chamado de Balafré (1519-1563), que foi um dos mais famosos dessa linhagem. A palavra Balafré significa

“marcado” e remete a uma cicatriz na face de François, adquirida em uma de suas múltiplas participações em batalhas.

François I de Lorraine, duc de Guise, Le Balafré. Obra de François Clouet no

Museu do Louvre, (Domínio Público) via Wikimedia Commons.

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Militar e político, François foi o principal líder católico na grande e sangrenta disputa com os protestantes, chamados de hughenotes na França, no século XVI. Após sua morte, assumiu o Ducado seu filho Hen- ri (1550-1588), que prosseguiu na liderança dos movimentos católicos, sendo considerado o mentor da chacina da Noite de São Bartolomeu, em 1572, na qual milhares de protestantes foram assassinados.

Henri instituiu a Liga Católica, também denominada Santa Liga, em 1576, para opor-se aos protestantes e combatê-los. A Liga tinha entre seus componentes o Papa Sisto V, a rainha da França Catarina de Médici, o Rei Felipe II da Espanha e várias outras organizações religiosas da Igreja Cató- lica. Alexandre Dumas recriou esse período ao escrever, em 1845, um de seus mais importantes romances, “La Reine Margot”. A novela começa em 1572, com o casamento de Marguerite de Valois, Margot, católica, filha do rei da França Henri II e da rainha Catarina de Medici, com Henri de Bour- bon, protestante, rei de Navarra, na linha sucessória do trono francês. A trama envolve Henri, Duque de Guise e os combates religiosos, incluindo a terrível noite de São Bartolomeu.

Henri, Duque de Guise, assumiu tanto poder que acabou sendo as- sassinado na presença do rei Henri IV da França, nos próprios aposentos reais. Nesse mesmo período também seu irmão Luís, cardeal de Guise, foi morto. Durante todo esse período, o Cardeal Arcebispo de Reims per- tencia sempre à família dos Guise, normalmente um dos irmãos do Du- que. Essa associação entre o espírito guerreiro da família e a igreja é uma constante em toda a história dessa Casa.

DUAS RUAS FRANCESAS

Em andanças por Paris, encontramos a Rue Guisarde, no Sixième Arrondissement, perto da Igreja de Saint-Sulpice. Segundo consta nos relatos históricos sobre a Cidade Luz, esse nome advém exatamente da existência de partidários e apoiadores do Duque de Guise, que se reu- niam ou moravam nessa rua e arredores, sendo citadas a mansão de

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Jeanne de Navarre e a de Anne Marie d’Orleans, a Duquesa de Montpen- sier, que, entre outros títulos, era também a Condessa d’Eu e a Princesa de Joinville.

Rue Guisarde, em Paris.

Acervo da família.

Continuando nossas pesquisas, encontramos outra rua, na França, com o nome de nossa família. Curiosamente, no campo das coincidên- cias improváveis, a bisavó de Mireille, minha esposa, tinha um Bureau de Tabac, com um pequeno bazar anexo, na pequena cidade de Espalion, no Departamento de Aveyron, sul da França. Esse Bureau de Tabac de Marie Baduel, viúva de Jean Mirabel — chamada de bisavó Merotte pela família — estava situado em uma rua denominada Boulevard de Guizard, bem no centro de Espalion. Ainda hoje existe a tabacaria no mesmo local.

Esclarecemos que, na França, esse tipo de comércio é regulado pelo go- verno, sendo uma concessão estatal com condições de operação definidas incluindo a sua localização.

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Bureau de Tabac no Boulevard de Guizard, em Espalion.

Imagem do Google Maps — Street View — Copyright 2018 Google.

OS PARENTES PRÓXIMOS DE JEAN LOUIS GUISARD

Jean Louis, viúvo de Rose Madeleine Cumont, com quem se casara em 1819, falecida em fevereiro de 1827, era natural de Saint-Maurice- -Thizouaille tendo nascido em 22 de dezembro de 1776. Saint Maurice é um pequeno vilarejo, hoje com pouco mais de duzentos e sessenta habitantes, entre Cheny e Auxerre. Ele se casou com Colombe, em se- gundas núpcias, em 24 de outubro de 1827, em Brienon l’Archevêque, localidade que logo mudaria o nome para Brienon-sur-Armançon, onde

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a família Buzenet morava. Vale notar que, nesse tempo, era muito co- mum os viúvos e viúvas casarem novamente em pouco tempo após a morte do cônjuge anterior.

Seu pai Charles Joseph Guisard (1753-1838) estava com setenta e quatro anos à época do segundo casamento de Jean Louis. Charles era um agricultor — o que significava que provavelmente possuía algumas terras, morador de Poilly sur Tollon, tendo se casado com Reine Vaudenet (ou Vaudeney), em 1776. Reine nasceu em 1751 em Brienon e faleceu em 1818 em Gurgy, também no Departamento de Yonne. Gurgy, bem como Poilly sur Tollon, são pequenos vilarejos próximos de Cheny.

Alguns estudos da “Société Généalogique de l’Yonne”, registram que os pais de Charles Joseph foram Pierre Claude Charles François Guisard (1731-1755) e Geneviève Brigitte Fagotat (1728-1781) que, por sua vez, casaram-se em 1752. O mesmo documento registra que Pierre Claude era filho de Pierre Guisard (1669-1736) e Marie Dubois (1695-1760), que se uniram em matrimônio em 1730. E o último registro disponível é do casa- mento dos pais de Pierre, em primeiro de março de 1666, sendo seu pai também chamado Pierre Guisard e sua mãe Edmée Leurat. Todos esses registros referem-se a Poilly, que cremos ser a mesma Poilly sur Tholon.

Por sua vez, Colombe Buzenet nascera em 9 termidor, ano 4 da Revo- lução Francesa, que corresponde ao dia 27 de julho de 1796 no calendário gregoriano, natural de Brienon-sur-Armançon, também no Departamento de Yonne. Tinha trinta e um anos na época de seu casamento com Jean Louis Guisard; era filha de Jean Baptiste Buzenet, falecido em Samoine, De- partamento do Marne, em 1816 e de Marie Magdeleine Comble, falecida em Brienon, em 21 de abril de 1814. Em seu casamento, Colombe compareceu junto com dois irmãos, Jean Baptiste François Buzenet, de trinta e sete anos, e Louis Buzenet, de vinte e dois, ambos qualificados como jardineiros.

Brienon, uma localidade um pouco maior que Cheny, esteve sob o do- mínio dos Arcebispos de Sens por muitos séculos. Sabemos que a arquidio- cese de Sens foi, até 1622, a principal sede católica da França, controlando as dioceses de Paris, Chartres, Auxerre, Orleans e várias outras. Notamos que em 1561 o arcebispo de Sens era o Cardeal Louis I, da família dos Guise.

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E também que o massacre dos huguenotes, em Sens, em abril de 1564, foi um dos mais violentos de toda a França. A floresta ao lado da pequena cida- de foi explorada por décadas, para a retirada de madeira, que era enviada para Paris pelo rio Yonne e pelos canais do Nivernais. Brienon, além disso, era um centro de tecelagem de cânhamo, de veludo, tinha vários moinhos usados para a moenda do trigo e outros negócios de menor monta.

Brienon era, como Cheny, um vilarejo gravitando em torno de Au- xerre. Um pouco maior que Cheny, tinha na época cerca de dois mil e seiscentos moradores, e pouco deve ter mudado, pois hoje em dia está apenas com três mil e cem habitantes.

O DISTANTE BRASIL

Jean Louis e Colombe certamente não teriam em casa o primeiro tomo do livro do pintor Jean Baptiste Debret (1798-1848), “Voyage Pittoresque et Historique au Brésil” que, diga-se, acabara de ser publicado na França, nesse mesmo ano de 1834. O segundo e o terceiro tomos sairiam em sequência, em 1835 e 1839. Debret fizera uma longa viagem pelo Brasil, de 1815 a 1831, registrando cenas da vida cotidiana. Também nesse período, o cientista e botânico Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853) visitou as nossas terras, de 1816 a 1822, e publicou, em oito volumes, sua “Voyage dans l’intérieur du Brésil”, entre 1830 e 1851. Outro viajante francês, o historiador Ferdinand Denis (1798-1890), esteve por aqui de 1816 a 1819 e, em 1822 publicou na França o livro “Le Brésil, ou Histoire, moeurs, usages et coutumes des habitants de ce royaume”. Por sua vez, na Inglaterra, era publicado, em 1839, o relatório da viagem do HMS Beagle, que de 1831 a 1836 transportou Charles Darwin (1809-1882) numa viagem científica pela América do Sul. Neste documento o jovem Darwin descreve seus achados e suas impressões incluindo sua estada no Brasil por mais de quatro meses em 1832 quando visitou Salvador, Abrolhos, Rio de Janeiro e Cabo Frio.

Todos esses livros e publicações, e a intensificação das relações comerciais certamente deram projeção para essa terra tão interessante e tão distante.

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Autorretrato de Jean- Baptiste Debret na

edição original de

“Voyage Pittoresque et Historique au Brésil” em 1834, (Domínio Público) via Wikimedia Commons.

Também não devem ter lido nos jornais que, nesse mesmo ano de 1834, falecia em Portugal o Imperador do Brasil, Dom Pedro I, que em Portugal tinha o título de Dom Pedro IV. Ele abdicara ao trono do Brasil em 1831, para voltar a Portugal, com o intuito de intervir na disputa entre sua filha Dona Maria II (1819-1853), ainda infante, e seu irmão Dom Miguel I que, por meio de um golpe, passara de Regente a Rei, assumindo assim o poder em terras lusitanas. Após longa guerra civil, de 1832 a 1834, com Dom Miguel derrotado e exilado de Portugal, Dom Pedro restabeleceu o poder e entregou o trono a Dona Maria II. Ao renunciar ao posto no Brasil, Dom Pedro I deixara seu herdeiro, ainda infante, com apenas cinco anos, Pedro (1825-1891), sendo José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838) nomeado seu Tutor. Alguns anos depois, em 1841, ele seria coroado Dom Pedro II, Imperador do Brasil.

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A FRANÇA EM MEADOS DO SÉCULO XIX

A França era então governada por Louis Philippe I (1773-1850), o Duque de Orleans, que reinou de 1830 a 1848. Louis Philippe, na sua ju- ventude, apoiou a Revolução Francesa de 1789, tendo aderido às ideias liberais dos revolucionários.

Louis Philippe I, Rei da França e Duque de Orleans.

No início de seu governo, adotando o regime de Monarquia Cons- titucional, com participação da Assembleia Nacional e a atuação de um Primeiro Ministro, foi apoiado pela burguesia enriquecida, mas com ideias liberais. Importante lembrar que a Europa sofria intensa modificação em sua estrutura econômica, com a disseminação dos efeitos da Revolução Industrial iniciada na Inglaterra. Houve então um acentuado crescimento urbano, com aumento das viagens exploratórias e as de fins comerciais.

Além da produção do campo, a produção econômica, que antes era primordialmente manual, com a utilização da energia natural dos ventos,

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dos rios e de alguns poucos animais, para movimentarem pesados moi- nhos, tinha em algumas décadas mudado substancialmente sua estrutura.

Com a invenção das máquinas a vapor, usando principalmente o carvão como combustível, primeiramente de uma forma fixa e, logo a seguir, em forma móvel, o desenvolvimento acelerou-se enormemente. Uma das pri- meiras industrias a serem significativamente modificadas com essa nova tecnologia foi a tecelagem. A fabricação de fios e tecidos passou, de teares manuais ou com pouquíssima mecanização, para fábricas com centenas de teares mecanizados e movidos com o auxílio de máquinas a vapor.

Os teares mecânicos aparecem na Inglaterra. Por Clem Rutter de Rochester, Kent (CC BY 3.0) via Wikimedia Commons.

As tecelagens logo se tornaram comuns pela Europa Ocidental, juntamente com as ferrovias, onde os trens, movidos a vapor, transpor- tavam a crescente produção industrial e de produtos alimentícios, estes últimos agora produzidos no campo também com o auxílio de máqui-

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nas cada vez mais sofisticadas. Com a produção passando de pequenos artesãos para grandes industrias, tornaram-se comuns as reuniões de operários, principalmente nas maiores cidades. Operários que ficavam dependentes do capital dominado por burgueses que se enriqueciam com a exploração da mão de obra, sem nenhum direito assegurado e sempre vulnerável a perda de seus postos, no caso de um aumento da automação da produção. Em consequência da organização trabalhista, novas facções políticas foram se formando, com a participação crescen- te e atuante da classe operária.

Por esse tempo, as ideias de Karl Marx (1818-1883) estavam em franca disseminação nos meios políticos e entre os trabalhadores. No ano crítico de 1848 foi publicada uma de suas obras mais importantes, “O Manifesto Comunista”, escrito juntamente com Friedrich Engels. Sob o impacto dos avanços trabalhistas, aos poucos Louis Philippe foi modifican- do seu governo, que deixava de ser liberal para tornar-se cada vez mais conservador, não conseguindo manter o apoio das camadas dirigentes. Di- versas revoltas, quase sempre com os insurgentes fazendo barricadas nas ruas de Paris, ocorreram nos seus últimos anos, com tentativas de derru- bá-lo, até que, em 1848, a oposição teve sucesso. Louis Philippe foi, então, forçado a renunciar e, nesse momento, tentou deixar como sucessor seu neto, também chamado Louis Philippe, conde de Paris, e refugiou-se na Inglaterra, onde veio a falecer em 1850.

A JUVENTUDE DE LOUIS FELIX

Na província, longe das movimentações em Paris, Jean Louis Gui- sard trabalhava muito para dar aos filhos, Louis Felix e Henriette Hortense (nascida em 18 de agosto de 1831) a melhor educação possível nas con- dições permitidas por suas posses. Pouco conhecemos da vida de Jean Louis, constando somente que teria trabalhado no reparo e na constru- ção de carruagens, tendo falecido entre 1850 e 1855. Há evidências que permitem crer que, durante uma parte de sua juventude, Louis Felix viveu

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José Eugenio Guisard Ferraz

com seus tios maternos Suzanne e Darde Lejeune, em Auxerre, onde fez seus estudos principais.

Nesse período, entre 1850 e 1855, a família mudou-se para Paris, segundo as anotações familiares, para habitar no número vinte e um da Rua Marie Stuart. Louis Felix, além de aprender o ofício de seu pai, de marceneiro e escultor em madeira, continuou seus estudos, seja em Au- xerre, seja em Paris, conseguindo adquirir uma formação na área de cons- trução e de montagem de estruturas, que equivaleria a de um engenheiro ou de um técnico de alto nível. Infelizmente nossa busca de informação nos dados disponíveis das grandes escolas, que nesse período começaram a formatar a disciplina e o ensino da engenharia, como a École Royale des Ponts et Chaussées, de 1747, a École Polytechnique de 1794, e a École Centrale des Arts et Manufactures, de 1829, foi infrutífera. Os documentos familiares confirmam que ele fez também uma viagem pela França, como era tradicional na formação de um jovem daquela época. Nesse período, com a família em Paris, e já sem a presença do pai, que tinha falecido, sua irmã Henriette casou-se com Edmé Hunot (1828-1859) e passou a trabalhar com uma boulangerie (loja de doces). Com Edmé ela teve os filhos Angeline (1853-1886), Jules (1856-1900) e Edmé (1859-1891). Após a morte do marido, Henriette casou-se com Bernard Semmartin, também boulanger, em 14 de setembro de 1872. Ela faleceu no Hospital de la Sal- pêtrière, em Paris, em 2 de outubro de 1892. Louis Felix, nesse período, sofreu uma grande decepção, quando, jovem e ambicioso, pretendeu se-guir uma carreira militar e isso lhe foi negado pela Escola Militar de Saint-Cyr, por ser o único filho homem de uma viúva, arrimo de família, em carta recebida do Exército Nacional em dezembro de 1855.

Neste mesmo ano, Paris sediava uma grande Exposição Universal, com mais de vinte mil expositores de trinta e quatro países, com cinco milhões de visitantes. A exuberância dessa Feira e o desgosto pela recusa de Saint-Cyr devem tê-lo direcionado para uma nova oportunidade, um desafio internacional. Nesse momento tirou seu passaporte e abriu um novo horizonte para seus sonhos de realização pessoal.

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A AVENTURA NOS TRÓPICOS — A GRANDE VIAGEM

O certo é que, naquele ano de 1856, estando a mãe morando em Paris com sua irmã Henriette Hortense, Louis Felix foi convidado a traba- lhar para uma empresa que pretendia montar uma loja, uma joalheria, na longínqua América do Sul, mais precisamente na cidade do Rio de Janeiro, no Brasil.

A sua curiosidade, e talvez as imagens de Debret, devem ter des- pertado nele o desejo de viajar e conhecer esse novo mundo, seus na- tivos, a crescente sociedade que nascia voltada ao modelo europeu e suas riquezas. Sim, esses devem ter sido motivos suficientes para fazê-lo aceitar o desafio e preparar suas malas e ferramentas. Consta, nas reme- morações de minha família, que partiu no navio Winslow, em 1856, do porto de Marseille, com destino aos trópicos. Era então um jovem com apenas vinte e dois anos. Curioso saber que, apesar da valentia própria da juventude, ele vinha com a volta prevista para daí há um ano. Há notí- cia no periódico “Courrier du Brèsil”, editado no Rio de Janeiro, dizendo que o Winslow era um navio de registro Francês, um veleiro com três mastros, proveniente do porto de Le Havre. No “Jornal do Commercio”

dessa época, o Winslow foi reportado como uma galera, ou seja, além dos três mastros com velas, havia também a possibilidade de ser movi- mentado com remos, no caso de ter de enfrentar uma calmaria durante a longa travessia, evento que não era incomum nesse trajeto.

Desses relatos resta, portanto, a dúvida: se realmente saíram de Marseille, como se conta na família, ou se diretamente de Le Havre, porto muito mais próximo de Paris e, portanto, muito mais conveniente para um morador da capital da França. Porém, mais que a determinação exata do porto de origem na França, o importante é constatar a coragem e o arrojo de um jovem, aventurando-se em uma longa e arriscada viagem em busca de uma realização pessoal.

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“Bateaux quittant le port du Havre”. Fotografia de Gustave Le Gray (1820- 1884) de 1856/1857, (Domínio Público) via Wikimedia Commons.

A FRANÇA EM EBULIÇÃO — OS VENTOS DA POLÍTICA

Nesse mesmo tempo, a situação política em Paris estava em ebuli- ção, extremamente agitada. Com a queda do prestígio de Louis Philippe I, o Imperador Burguês, como era conhecido, houve uma grande disputa entre as alas dos comerciantes, a dos liberais moderados e a dos socialis- tas/trabalhadores, todos em busca de redefinição de seus papéis no poder.

No final de fevereiro de 1848, o Imperador, abdicando ao trono, indicou seu neto, Conde de Paris, como novo governante. A Assembleia Nacional recusou-se a legitimar o indicado e estabeleceu uma Junta Provisória, com personalidades políticas da época — Lamartine, Arago, Marie, de l’Eure, Ledru-Rollin e Garnier-Pagès, entre outros.

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Dupont de l’Eure e Arago, chefes do Conselho de Ministros.

A chefia do Conselho de Ministros neste período, em 1848, cargo que correspondia ao de Primeiro Ministro, foi ocupada por Jacques Charles Dupont de l’Eure de fevereiro a maio, e por François Jean Dominique Arago de maio a junho.

O primeiro ato do Conselho foi proclamar a República. O grande número de desempregados, com a pressão dos socialistas/trabalhadores, levara à criação das Oficinas Nacionais, um grande projeto de trabalho para todos, utilizando as principais obras do governo onde se abririam postos de serviços para essa parcela da população. Nesse movimento, mi- lhares de operários sem trabalho afluíram para Paris. Os deputados tam- bém aprovaram a liberdade de imprensa e direito de reunião. No mesmo conjunto, validou-se o voto universal, ainda que com algumas restrições econômicas e somente para os homens. Em tal contexto foi marcada uma eleição geral para formar uma nova Assembleia Constituinte.

Apesar de os socialistas/trabalhadores fazerem inúmeras manifestações contrárias à eleição, por entenderem que ela estaria polarizada contra eles, o pleito aconteceu em abril de 1848, com a vitória dos liberais moderados.

Nessa disputa, o pequeno Partido Bonapartista elegeu Charles-Louis Napoléon

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Bonaparte (1808-1873), sobrinho do falecido imperador Napoleão Bonaparte, para uma cadeira de Constituinte. Com a perda da disputa pelo poder, os so- cialistas saíram às ruas, lutando por um governo trabalhista. Em 15 de maio o prédio da Assembleia foi invadido pela multidão, porém a revolta foi contida rapidamente. Seus chefes foram presos e muitos condenados à morte.

Barricadas na Rua Saint-Maur, Paris, em junho de 1848. Daguerreotipo, Thibault (1830-1927). Original no Musée d’Orsay, Paris. Por Thibault (L’Histoire par l’image) (Domínio Público) via Wikimedia Commons.

Em junho as oficinas nacionais foram dissolvidas, fato que provocou nova insurreição dos operários desempregados, em Paris. A reação do go- verno liberal burguês foi colocar o poder nas mãos do General Cavaignac, que lançou o exército para debelar essa revolta nas ruas da capital. Louis Eugène Cavaignac (1802-1857) foi Presidente do Conselho de Ministros, nomeado pela Assembleia, de junho a dezembro de 1848.

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O General Cavaignac, Presidente do Conselho de

Ministros.

Nesse período, de poucos dias, os direitos individuais foram sus- pensos, mais de três mil pessoas foram fuziladas e cerca de quinze mil deportadas para as colônias. Em novembro, a conservadora Assembleia Nacional aprovava uma nova Constituição e, sob esse novo regime, a fun- ção executiva da nação ficava nas mãos de um Presidente, a ser eleito por sufrágio universal. Naquela época o sufrágio universal estava restrito aos homens, particularmente aos homens que tivessem certo nível econômi- co e destaque social. O universal não era mesmo para todos...

O DOMÍNIO DE LUÍS NAPOLEÃO — O NAPOLEÃO III

Em dezembro de 1848, a eleição aconteceu e Luís Napoleão, sobri- nho de Napoleão Bonaparte, foi eleito Presidente da França com um man- dato de 4 anos, sem direito à reeleição, com mais de 70% dos votos da população. Seu adversário, amplamente derrotado, foi o General Cavaig-

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nac. Nos primeiros três anos de seu mandato, Luís Napoleão dividiu seu governo com vários primeiros ministros nomeados pela Assembleia. Ao final de seu terceiro ano de mandato, carregando a bandeira da Glória Na- poleônica, ele manobrava para aprovar uma emenda constitucional para permitir sua reeleição, mas a Assembleia recusou. Assim, em outubro de 1851, Luís Napoleão dissolveu-a e, num golpe de estado, assumiu o poder absoluto do governo. Ao final de 1852, em novembro, ele convocou um plebiscito, que o elegeu Imperador com 95% dos votos da população. Foi então coroado com o nome de Napoleão III.

Napoleão III.

Napoleão III manteve-se como Imperador dos franceses até setembro de 1870, um dos reinados mais longos e produtivos da história da França.

Foi um período com política de incentivos à indústria e à agricultura, com a execução de inúmeras obras públicas no país. Mestre da propaganda, abai- xou o preço do pão e ganhou inicialmente um prestígio muito grande. Com a colaboração do Barão Haussmann remodelou a cidade de Paris, urbani- zando-a e abrindo grandes e largas avenidas. Também modernizou o siste- ma bancário e o setor agrícola do país. Implementou enorme crescimento

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de estradas de ferro. Sob tal influência, a cultura francesa se impunha ao mundo levando avante um projeto de dominação artística, intelectual e de grande prestígio. Era nesse contexto que a França mostrava-se como mode- lo e os franceses como representantes de uma civilização exemplar.

Essa pintura de Camille Pissarro mostra os grandes espaços cheios de luz pedidos por Napoleão III ao Barão Haussmann. É a Avenue de l’Opera.

Musee des Beaux-Arts, Reims. Por Camille Pissarro (Domínio Público) via Wikimedia Commons.

No campo internacional promoveu a importante e inovadora constru- ção do Canal de Suez, inaugurado ao final de 1869. Ainda no âmbito das políticas externas, praticamente dobrou o número de colônias francesas no resto do mundo, confirmando a vocação imperial francesa daquela época.

Participou ainda da Guerra da Criméia, de 1854 a 1856, em que foi ven-

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cedor juntamente com a Inglaterra, de quem se tornou importante aliado na busca da hegemonia na Europa, contra o Império Russo. Com o passar dos anos, porém, a economia interna da França começou a fraquejar, o que levou à construção de uma forte aliança de opositores formada pela classe média, os trabalhadores e até católicos.

Napoleão III procurou conceder mais benefícios ao povo, buscando controlar a situação, mas essas tentativas tiveram pouco resultado. Se- guindo no campo internacional, com o aumento do poder de uma Prússia unificada, sob o comando do Primeiro Ministro Otto von Bismarck (1815- 1898), Napoleão III acabou entrando sozinho, sem a companhia de qual- quer país aliado, num novo conflito, a Guerra Franco-Prussiana, em 1870.

Disso resultou um desastre total para ele pessoalmente, e para a França, pois o Exército francês foi rapidamente derrotado, e Napoleão III foi cap- turado na derradeira batalha em Sedan, no dia 1 de setembro de 1870.

Preso, foi deportado para a Inglaterra, onde faleceu em 1873.

Bismarck escolta o derrotado Napoleão III em Sedan. — Pintura de Wilhelm Camphausen, Deutsches Historisches Museum, Berlin. Em domínio público

via Wikimedia Commons.

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A AVENTURA DA FAMÍLIA CAILLAUD

No início daquele agitado período, mais precisamente em 1848, uma jovem professora, Elisabeth Mallet, assumiu uma posição de chefia na gestão das Oficinas Nacionais — foi nomeada delegada dos operários em uma das regiões de Paris. Exatamente nessas Oficinas Nacionais, que haviam sido fechadas, e com tantas pessoas punidas pelo governo. Tam- bém nesse período, François Caillaud, seu marido, envolveu-se em inten- sas discussões políticas opondo-se a Napoleão III.

No navio que o trouxe para o Brasil, Louis Felix Guisard encontrou uma família francesa, com quem fez amizade, e que tornou a longa via- gem mais agradável para todos. Eram os Caillaud fugindo da França. Fran- çois Caillaud (1804-1879) o chefe dessa família, sua esposa Elisabeth Mal- let (1804-1861), seus filhos Manoel, Gustave, George, Leonie, Marie, Celine e Amelie e seu pai, Joseph Caillaud, já com avançada idade. Em particular causou-lhe grande impressão a jovem Amelie Anaïs Emma (14 de setem- bro de 1842 — 4 de fevereiro de 1933), a filha caçula, nascida em Nantes.

Conta-se que um dia, no navio, a família Caillaud ficou desesperada, pois Amelie tinha desaparecido. Buscas foram feitas em toda a embarcação e, após um angustiante tempo, ela foi encontrada exatamente por Louis Felix.

As viagens transoceânicas naquela época, apesar do uso recente de embarcações a vapor a partir de 1851, podiam demorar cerca de sessenta dias se fossem feitas com navio à vela, dependendo das paradas interme- diárias e de possíveis períodos de calmaria. Sabemos que o Winslow era à vela, ou seja, houve tempo suficiente para se conhecerem muito bem.

Mais tarde Louis Felix os encontraria no Brasil em outras, e precárias cir- cunstancias.

A família Caillaud estava procurando alternativa para a turbulenta situação política da França. François Caillaud e sua esposa Elisabeth Mallet passaram por problemas com os novos governantes, quando os ventos da política mudaram de direção. E, nesse período de transição, os ventos sopraram muito fortes.

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A ORIGEM NOBRE DOS MALLET

Ficou registrado, nas memórias dos nossos antepassados, que Eli- sabeth Mallet acreditava ter uma descendência nobre, condição sempre afirmada por sua filha, minha bisavó Amelie Mallet Caillaud. Os Mallet possivelmente retraçam suas origens desde Guillaume de Mallet, um Ba- rão normando, Sire de Graville, uma localidade hoje distrito da cidade de Le Havre, famosa pela presença imponente da Abadia de Sainte-Honorine de Graville, construída pelos monges beneditinos no século XI. Mallet foi companheiro de Guilherme, o Conquistador, na invasão da Grã-Bretanha, por volta de 1100. Esclarecemos que a grafia desse nome é Guilherme em Português, William em Inglês e Guillaume em Francês, dependendo da fonte que pesquisamos.

Brasão dos Cury Mallet, na Igreja de St. James na pequena vila de Iddesleigh, em Devon, England. Por Richard Mallett e Nigel Barker

no site www.mallettfamilyhistory.org.

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Em termos da Heráldica, este brasão é descrito em francês como

“des gueules aux trois fermaux d’or”, que traduzimos para “num campo vermelho com três fivelas em ouro”. As cores vermelho e ouro eram restri- tas aos símbolos dos nobres mais poderosos e grandes guerreiros, os Sires ou Príncipes. As fivelas aparecem porque eram usadas para prender, ao peito do cavaleiro, o seu manto cerimonial.

Na história da França encontramos, constantemente, um Sire de Graville (também grafado Granville) participando em batalhas ou atuando em outras áreas relevantes, sempre com destaque, até mesmo ao lado de Jeanne d’Arc, em 1429, no cerco e liberação da cidade de Orleans. Volte- mos contudo no tempo, para incluirmos um pouco mais da história da França e, assim, localizarmos melhor a história dos Mallet.

UMA BREVE PASSAGEM PELA ORIGEM DA EUROPA

Acredita-se que por volta de 2000 a 1200 anos a.C., vindos da Ásia, ocorreu uma grande migração, para a Europa, de tribos de um povo com algumas características comuns, principalmente linguagens similares, os chamados Indo-Europeus. Esses compreendem os Gregos ou Helenos na Grécia e na região do Egeu; os Germanos, na Dinamarca e no sul da Su- écia; os Bálticos nas costas do Mar Báltico; os que desceram para a Pe- nínsula Itálica; os Celtas que, no centro da Europa, estavam movendo-se lentamente e ocuparam a região onde atualmente temos a Alemanha, a França, o norte da Espanha e a Bretanha.

Essas tribos de Celtas foram se estabelecendo pelo território, to- mando, na França, o nome de Gauleses e, na Grã-Bretanha e no oeste da França, de Bretões, sem formar um governo central, mantendo uma inde- pendência entre as tribos, com cultura própria e, frequentemente, guerre- ando entre si.

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José Eugenio Guisard Ferraz

Os povos Celtas na Europa cerca de 270 a.C.

Como se sabe, existem fortes vínculos históricos entre a atual Ingla- terra e a França, começando pela origem céltica de ambas as populações.

E também temos em comum, nessas duas regiões, as invasões pelo Ro- manos, ao tempo de Júlio Cesar e Claudio, entre 60 a 40 a.C. Os principais povoados dessas regiões foram fundados nessa época de domínio roma- no. As mais importantes estradas também foram traçadas e construídas pelas tropas de ocupação. Juntamente com as estradas inúmeras pontes foram construídas, e também grandes aquedutos, muitos dos quais ainda hoje podem ser vistos, marcando firmemente aqueles tempos. Muitas des- sas estradas romanas passavam por Lugudunum, o principal centro da Gá- lia Romana, que hoje é a grande cidade de Lyon. Aliando-se ao complexo de vias terrestres, a existência no território da Gália de uma notável rede de rios navegáveis, tinha-se assim um completo sistema de transporte na região.

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O Império Romano cerca de 120 d.C.

A Gália Romana ia da margem ocidental do rio Reno até os Alpes e os Pirineus, quase que exatamente o território da França de nossos dias.

Essa ocupação persistiu até o colapso de Roma e seu Império, por volta do século V depois de Cristo; mais precisamente em 406 d.C., quando os po- vos germanos, compostos por tribos de Vândalos, Visigodos, Burgúndios e Francos, atravessaram o rio Reno e invadiram o território. E logo atrás desses vieram os Hunos de Atila, e outros mais...

Finalmente Roma foi invadida e saqueada em 476 d.C. pelo líder germano Odoacro, marcando o encerramento de seu domínio na região ocidental. Permaneceu ainda, por mais mil anos, o Império Romano do Oriente, também denominado Império Bizantino, com sede em Bizâncio, que depois passou a chamar-se Constantinopla e é, hoje, a cidade de Istambul.

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José Eugenio Guisard Ferraz

A Europa por volta de 500 d.C. com os povos germanos.

Com isso a Pax Romana na Gália, que durara mais de quatrocentos anos, chegava ao fim, logo substituída pelo domínio de um desses grupos, os Francos.

O DOMÍNIO DOS FRANCOS

Conseguindo montar uma estrutura de comando, os Francos obtive- ram a supremacia na região continental. Eles estabeleceram uma dinastia de Reis, denominada Merovíngia, em homenagem ao primeiro líder dessa fa- mília, Meroveu. Seu principal líder foi Clóvis I, que em 486 conseguiu vencer não só os Romanos, mas também os Germanos e os Visigodos. Formou assim um império na Gália, em um território que hoje corresponde à Alemanha e à França, incluindo parte da Península Ibérica. A dinastia dos Merovíngios permaneceu no poder até 750, quando Carlos Magno (742-814) conseguiu

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dominar todo o território e expandiu-o ainda mais. Ele, aliás, unificou a Euro- pa e foi coroado Imperador pelo Papa Leão III em Roma.

Carlos Magno (742-813) Rei dos Francos. Sendo coroado no dia de Natal de 800, em Roma, pelo Papa Leão III. Obra de Friedrich Kaulbach no Maximilianeum, Munique. Em domínio público via Wikimedia Commons.

Essa nova dinastia, chamada de Carolíngia, estendeu-se até 987.

Seu primeiro líder foi Carlos Martel, que era o Mordomo do último Rei Merovíngio. Importante esclarecer que a posição de Mordomo do Rei, na- quele tempo, correspondia a algo próximo do que seria hoje um Primeiro Ministro, respondendo por toda a parte executiva do governo real, portan- to com grande poder de ação.

O feito mais relevante de Carlos Martel foi vencer a batalha de Poi- tiers, em Tours, no ano de 732, quando derrotou o Exército muçulmano e acabou definitivamente com as suas invasões na Europa. Por esse período

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ocorreram também as invasões dos povos germânicos na Grã-Bretanha

— os saxões, os anglos e os jutos — todos da região norte e noroeste da Alemanha e da atual Dinamarca. Diversas batalhas ocorreram entre os celtas britânicos e os anglo-saxões, com estes levando vantagem. Nos sé- culos seguintes, a atual Inglaterra se viu dividida em um grande número de reinos anglo-saxões, sem supremacia de nenhum deles.

QUANDO OS VIKINGS ENTRAM EM CENA

Um novo grupo entrou em cena a partir do final do século VIII, tanto na Ilhas Britânicas quanto na França: os Vikings. Por essa época, ocorre- ram invasões desses homens do Norte, denominados Nordmans ou Vi- kings, vindos da Noruega e da Dinamarca. Eles chegavam em suas longas embarcações com carrancas na proa, os drakkars, pilhando e saqueando.

Drakkar, a temível embarcação viking.

Em pouco tempo, não satisfeitos com simples excursões guerreiras, de pouca duração, passaram a colonizar as regiões dominadas.

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As invasões dos vikings e seus territórios.

Na Grã-Bretanha, rapidamente dominaram quase todos os reinos a partir do norte da ilha, até as fronteiras do reino de Wessex, onde o Rei saxão Alfred, o Grande (849-899), montou formidável barreira defensiva.

Na França, conquistaram diversas cidades na Normandia — que recebeu esse nome exatamente pela invasão dos Homens do Norte. Dessa posição passaram a avançar pelo rio Sena, com seus drakkars, para o interior da França, prosseguindo na direção de Paris. Acuado, o Rei franco, da dinastia Carolingia, Carlos III, dito O Simples (879-929), negociou um acordo com o líder dos vikings invasores, Rollo, também grafado como Rollon (846- 930), nome que corresponderia também a Rolf nas terras nórdicas. Em troca de parar com essa invasão e impedir futuras incursões vikings, Rollon passava a ser reconhecido como Duque e Senhor da Normandia e convertia-se ao Cristianismo. Com grande incerteza histórica, alguns cronistas da época adicionam um compromisso de casamento de Rollon com Gisele, uma possível filha de Carlos III. Esse tratado ficou conhecido como de Saint-Clair-sur-Epte, assinado em meados de 911.

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Estátua de Rollon, primeiro duque da Normandia, por Frédéric Bisson, em Rouen, France.

Assim ao final do século X, os vikings dominavam boa parte do oes- te europeu. Sueno I era rei da Dinamarca e de parte da atual Inglaterra.

Seu filho Canuto, o Grande, anexou também a Noruega a esse domínio.

Na França, o viking Rollon, seguido por seu filho, William Longsword, era o soberano da Normandia.

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Monumento a Guilherme o Conquistador —

Falaise, France.

Em Falaise, pequena cidade a quarenta quilômetros de Caen, e pouco distante de Rouen, Le Havre e Bayeux, encontra-se o castelo no qual teria nas- cido Guilherme, o Conquistador. Essa bela construção abriga também as es- tátuas de seis Duques da Normandia, incluindo a de Rollon, o primeiro deles.

Na Grã-Bretanha a turbulência imperava, com o Rei Eduardo de Wessex, com o apoio da linhagem normanda, em constante disputa com a linhagem escandinava de Canuto. Quando Eduardo de Wessex, dito o Confessor, faleceu em 1066 sem herdeiro direto, seu sucessor, por ele nomeado em seus últimos dias de vida, foi Harold Godwinson. Indicação

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essa que foi imediatamente contestada por Guilherme II da Normandia, Harald Hardrada da Noruega e Sueno II da Dinamarca, todos achando que tinham direito ao trono.

A INVASÃO DA GRÃ BRETANHA

Decidido a fazer valer seu direito na sucessão do trono de Wessex, Ha- rald, Rei nórdico, da atual Noruega, invade o norte da ilha em 8 de setembro de 1066, tendo como aliado Tostig, irmão de Harold Godwinson. Por sua vez Harold arregimentou seus soldados e foi ao encontro da força invasora.

No embate dos dois Exércitos, na Batalha de Stamford Bridge, em 25 de setembro, Harold obteve uma marcante vitória. Harald Hardrada e Tostig Godwinson, derrotados, foram mortos naquela ocasião. Quase ao mesmo tempo, Guilherme II da Normandia, invadia a Grã-Bretanha pelo Sul, de- sembarcando com seu Exército em 28 de setembro na região de Sussex.

Imediatamente pôs-se em marcha para o encontro do Exército de Harold, aproveitando-se do elemento surpresa, não o deixando recuperar suas for- ças. A batalha decisiva aconteceu no dia 14 de outubro, em Hastings, com a derrota de Harold Godwinson, que foi morto no decorrer do combate.

Referências

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