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Danos Morais no Brasil e Punitive Damages nos Estados Unidos e o Direito de Imprensa DOUTORADO EM DIREITO

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Wendell Lopes Barbosa de Souza

Danos Morais no Brasil e Punitive Damages nos Estados Unidos e o Direito de Imprensa

DOUTORADO EM DIREITO

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Wendell Lopes Barbosa de Souza

Danos Morais no Brasil e Punitive Damages nos Estados Unidos e o Direito de Imprensa

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Direito das Relações Sociais, área de concentração de Direito Civil Comparado, sob a orientação da Professora Doutora Odete Novais Carneiro Queiroz.

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Banca Examinadora

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SOUZA, Wendell Lopes Barbosa de. Danos Morais no Brasil e Punitive Damages

nos Estados Unidos e o Direito de Imprensa. São Paulo, 2013. 300 f. Tese de Doutorado - Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

RESUMO

Pode-se verificar verdadeira tendência da responsabilidade civil no direito brasileiro ao sistema americano dos precedentes do common law, guardadas as peculiaridades de cada sistema. De outro lado, examinando-se o direito americano, verifica-se a proliferação de leis escritas, que passam a serem parâmetros à produção jurisprudencial relativa aos casos de indenizações punitivas. Realmente, não obstante posicione-se o ordenamento jurídico brasileiro dentre aqueles assim considerados integrantes do sistema do civil law, amparados por robusta legislação positivada, no que toca à indenização por danos morais pode-se dizer tranquilamente que o caminhar da jurisprudência leva ao convencimento de que as questões indenitárias estejam hoje sendo resolvidas por decisões fincadas em bases eminentemente fáticas, que já contaram com pronunciamentos anteriores do Poder Judiciário. Resulta daí, por exemplo, que as lides judiciárias envolvendo o dano moral e seus consectários, como a tormentosa fixação do quantum indenitário, sejam resolvidas exclusivamente com base em precedentes jurisprudenciais relativos a fatos idênticos ou pelo menos semelhantes. Já nos Estados Unidos, país que adotou o sistema dos precedentes jurisprudenciais para a solução dos litígios forenses, integrando, em princípio, o grupo das nações adeptas do common law, hoje se vê na contingência da produção de leis escritas para a disciplina de temas relevantes, como a questão das indenizações punitivas, abrindo espaço para a positivação de normas jurídicas orientadoras das decisões judiciais. Daí se falar em interface entre civil law e common law no que toca à resolução das lides judiciárias que têm por objeto as questões indenitárias relativas aos danos morais no Brasil e aos punitive damages nos Estados Unidos no direito de imprensa, sobretudo quando se trata do conflito entre o direito de informar da empresa jornalística e o direito de privacidade do sujeito da notícia.

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SOUZA, Wendell Lopes Barbosa de. Non-economic damages in Brazil and punitive damages in United States and the press law. São Paulo, 2013. 300 f. Doctoral Thesis – Law School, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

ABSTRACT

It can be seen today the real tendency of the civil liability under Brazilian law to the American system of common law precedents, each one with its details. On the other hand, examining U.S. law, there is a proliferation of written statutes, which are parameters to the production of jurisprudence relating to the cases of compensation for punitive damages. In reality, despite being situated in the Brazilian legal system among those members of the labeled civil law, supported by robust written legislation, with regard to compensation for non-compensatory damages can be said without hesitation that the course of jurisprudence leads to the conviction that damage issues are today being resolved by decisions fixed to an eminently factual bases, which have relied on statements by the Judiciary. Consequently, the judicial cases, for example, involving the non-compensatory damage and its consequences, like the turbulent fixing quantum of money, are resolved exclusive under precedents for the fact identical or at least similar. In the United States, a country that adopted the system of precedents for the resolution of legal disputes, including, at first, the group of nations adept to common law, it is noticed today the contingency of the production of statutes for the discipline of relevant topics, as the issue of punitive damages, making room for the written law of legal rules guiding judicial decisions. Hence we speak in interface between civil law and common law regarding the judicial resolution of the cases that focus on issues relating to non-compensatory damages in Brazil and punitive damages in the United States in the press law, especially when the case is about the the press company’s right to inform and the right of privacy of the news’ subject.

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ADIN Ação Direta de Inconstitucionalidade

ADPF Ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental ADR Alternative Dispute Resolution

ATRA American Tort Reform Association

CC Código Civil

CDC Código de Defesa do Consumidor

CF Constituição Federal

CMN Conselho Monetário Nacional

CPC Código de Processo Civil

EIRE República da Irlanda

EUA Estados Unidos da América

FDA Food and Drug Administration

NHTSA National Highway Traffic Safety Administration

STF Supremo Tribunal Federal

STJ Superior Tribunal de Justiça

TJSP Tribunal de Justiça de São Paulo

REsp Recurso Especial

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 14

1 OS GRANDES SISTEMAS DE DIREITO ... 22

2 O CIVIL LAW– origens romanas e germânicas ... 25

3 O COMMON LAW ... 29

3.1 Surgimento e Evolução Histórica... 29

3.2 Diferenciação de Outras Expressões Aparentemente Sinônimas... 36

4 O BRASIL COMO INTEGRANTE DO CIVIL LAW... 40

4.1 A Força do Direito Positivado... 40

4.2 O Normativismo Jurídico de Kelsen... 43

5 OS EUA COMO INTEGRANTES DO COMMON LAW ... 45

5.1 A Doutrina do Stare Decisis... 45

5.2 A Presença da Lei Positivada nos EUA... 48

6 ALGUMAS TENDÊNCIAS DO SISTEMA PROCESSUAL CIVIL BRASILEIRO AO COMMON LAW... 51

6.1 Noções Gerais ... 51

6.2 Controle Concentrado de Constitucionalidade e de Inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal ... 57

6.3 Controle Incidental de Constitucionalidade nos Tribunais Estaduais e o Efeito Vinculante das Decisões do Órgão Especial ... 59

6.4 O Julgamento Monocrático nos Tribunais ... 60

6.5 Súmula Vinculante ... 61

6.6 Súmula Impeditiva de Recurso ... 63

6.7 Julgamento Liminar de Ação Idêntica ... 63

6.8 A Repercussão Geral no STF e os Recursos Repetitivos no STJ... 64

6.9 Outros Meios de Eficácia Erga Omnes do Provimento Judicial... 66

6.10 Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas no Projeto de Novo CPC... 67

7 O SISTEMA CIVIL BRASILEIRO DE TIPIFICAÇÃO ABERTA... 70

7.1 A Flexibilização das Normas Jurídicas ... 70

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7.3 Os Conceitos Jurídicos Indeterminados –um exemplo: o “destinatário

final” no Código de Defesa do Consumidor ... 75

8 O EQUÍVOCO LEGISLATIVO DEMANDANDO A APLICAÇÃO DO PRECEDENTE JUDICIAL ... 82

8.1 O Problema da Omissão Legislativa ... 82

8.2 O Problema da Incorreção Legislativa ... 86

8.3 O Problema da Imprecisão Legislativa ... 88

8.4 As Consequências do Mau Trabalho Legislativo ... 90

8.4.1 O eventual desapego à lei ... 90

8.4.2 O ativismo judicial ... 91

9 O DIREITO JURISPRUDENCIAL... 95

9.1 Posição da Jurisprudência na Teoria Geral do Direito no Civil Law.. 95

9.2 Uma Pequena Digressão sobre o Precedente no Common Law ... 96

9.3 Condições para Mudança da Jurisprudência no Civil Law e suas Consequências... ..101

10 O DANO MORAL... 107

10.1 Natureza Jurídica Perante o Civil Law Brasileiro... 107

10.2 Conceito... 108

10.3 A Denominada “Pena Privada” do Direito Europeu... 109

10.4 Meros Transtornos e Inadimplemento Contratual... 114

10.5 Uma Vexata Questio: Hipótese Jurisprudencial de Cabimento (ou não) da Indenização por Danos Morais – abandono afetivo...117

10.6 A Atual Tramitação Legislativa do “Estatuto do Dano Moral” ...120

11 PRECEDENTES DO STJ E TJ/SP SOBRE A LEGITIMIDADE ATIVA/PASSIVA E O VALOR DA INDENIZAÇÃO NO DANO MORAL.. 127

11.1 Sujeição Passiva ...128

11.1.1 Pessoa jurídica e protesto liminarmente sustado ...128

11.1.2 Nascituro ...131

11.1.3 Dano moral ricochete ...133

11.2 A Legitimidade Ativa ...137

11.2.1 Legitimidade ativa no caso de morte da vítima ...137

11.2.2 A questão da transmissibilidade mortis causa ...140

(12)

11.4 O Caso do Massacre Dentro do Cinema do Shopping Morumbi ...155

11.5 Da Cumulatividade da Reparação por Danos Morais, Materiais e Estéticos ...158

11.6 Dos Parâmetros de Fixação e da Correção das Verbas Indenitárias ...161

11.6.1 O arbitramento do valor devido pela lesão a direito da personalidade ...161

11.6.2 O princípio da equidade como critério para fixação da indenização por danos morais - art. 953, parágrafo único, do Código Civil ...168

11.6.3 Forma de incidência dos juros moratórios e correção monetária ...169

11.7 Uso Indevido da Imagem e o Arbitramento da Respectiva Indenização ...174

12 RELAÇÃO ENTRE A INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS NO BRASIL E OS PUNITIVE DAMAGES NOS EUA ...180

12.1 O Posicionamento da Doutrina Brasileira ...181

12.2 A Questão no Tribunal de Justiça de São Paulo ...186

12.3 A Questão no Superior Tribunal de Justiça ...187

12.4 A Questão no Supremo Tribunal Federal ...188

12.5 Nosso posicionamento... 189

13 PARTICULARIDADES DO SISTEMA JURÍDICO AMERICANO...191

13.1 Organização Judiciária Estadunidense ...191

13.2 A Autonomia dos Estados Federados a descentralização do poder...192

13.3 As Fontes do Direito Estadunidense ...194

13.4 Brevíssimas Noções Procedimentais do Direito Estadunidense ...197

14 OS PUNITIVE DAMAGES ...202

14.1 Conceito, Origem e Finalidade ...202

14.2 Classificação das Formas Indenizatórias nos EUA ...205

14.3 Teses Pró ...208

14.4 Teses Contra ...209

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14.6 Elementos para Valoração dos Punitive Damages (quantum debeatur) Segundo a Orientação da Suprema Corte Americana - o caso BMW of

North America v. Gore... 212

15 A TORT REFORM– UMA TENDÊNCIA NOS EUA AO CIVIL LAW ...215

15.1 Noções Gerais da Competência Legislativa nos Estados Unidos ...215

15.2 A Tort Reform nos Estados da Federação Americana ...216

15.2.1 Estados que admitem incondicionalmente os punitive damages ...217

15.2.2 Estados que proíbem os punitive damages ...218

15.2.3 Estados que limitam o valor dos punitive damages ...219

16 CASOS EMBLEMÁTICOS DE INDENIZAÇÕES PUNITIVAS NOS EUA ...225

16.1 O Denominado McDonald’s Coffee Case ...225

16.2 O Caso do Medicamento “MER” ...226

16.3 O Ford Pinto Case ...228

16.4 A fumante Bullock vs. Philip Morris....230

17 O DIREITO DE IMPRENSA BRASILEIRO... 236

17.1 Notas Introdutórias e Disciplina Constitucional ...236

17.2 Histórico... 237

17.3 A Não Recepção da Lei de Imprensa pela Constituição Federal ...241

17.4 O Direito de Resposta ...243

17.5 O Controle da Atividade da Imprensa: Preventivo x Repressivo ...244

17.6 Os Artigos 12 e 20 do Código Civil – Controle Preventivo ...245

17.7 Nosso posicionamento ...249

18 DANOS MORAIS E PUNITIVE DAMAGES NO CONFLITO ENTRE O DIREITO À PRIVACIDADE E O DIREITO DE IMPRENSA ...250

18.1 Noções Gerais ...250

18.1.1 Conceito e conteúdo do direito à privacidade ...251

18.1.2 Conteúdo e conceito do direito à palavra ...255

18.1.3 A colisão entre os direitos à privacidade e à palavra ...257

18.1.4 Exame do conflito à luz dos princípios da dignidade da pessoa humana e da proporcionalidade ...262

18.1.5 Nosso posicionamento sobre a referida colisão de direitos... 265

18.2 A Questão nos Tribunais Brasileiros ...266

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18.2.2 No Superior Tribunal de Justiça ...267

18.2.3 No Supremo Tribunal Federal ...270

18.2.4 Um resumo da questão na jurisprudência brasileira ...274

18.3 A Questão na Suprema Corte dos Estados Unidos...274

18.3.1 O caso New York Times Co. v. Sullivan ...274

18.3.2 O caso Curtis Publishing Co. v. Butts ...276

18.3.3 Um resumo da questão na jurisprudência da Suprema Corte ...280

CONCLUSÕES ...281

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...291

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INTRODUÇÃO

A responsabilidade civil foi galgada, ao longo do século XX, ao patamar de um verdadeiro novo ramo da ciência jurídica, considerando o vasto campo de incidência que abarcou. Prova disso é que o estudioso que se propõe ao exame da questão indenitária, mormente na tentativa de ensiná-la em cursos de graduação e pós-graduação nas faculdades de Direito, acaba por abordá-la no âmbito de vários subsistemas jurídicos, como no Direito Civil, no Direito Empresarial, no Direito do Consumidor, no Direito Administrativo, no Direito Ambiental, no Direito do Trabalho, no Direito Processual e até no Direito Criminal, quando se trata da relativa independência entre as responsabilidades civil e penal. Essa autonomia decorreu do fato de a responsabilidade civil ter sido, sem nenhuma dúvida, o instituto jurídico que mais se desenvolveu ao longo dos últimos tempos, sobretudo a partir da revolução industrial e tecnológica do século XX.

Algo foi decisivo para que se promovesse o presente estudo acerca dos punitive damages (indenização punitiva) no âmbito do sistema jurídico dos Estados Unidos: a pretensão de analisar as decisões judiciais americanas tocantes à questão indenitária para que se pudesse ratificar ou mesmo retificar alguns mitos que se formaram referentemente às quantias fixadas a título de indenizações por atos ilícitos naquele país, muitas delas, segundo se tem notícia, em valores milionários. Exemplo mais emblemático do que se está querendo referir colhe-se na famosa lide judiciária que se consagrou com o nome McDonald´s Coffee case, na qual a assim reconhecida vítima de um acidente de consumo, que derramou café quente em seu corpo porque colocou o copo cheio no meio de suas pernas com o veículo em movimento, foi contemplada, em primeira instância pelo júri popular, com indenização por danos materiais no valor de US$ 480 mil (quatrocentos e oitenta mil dólares) e indenização punitiva (punitive damages) no montante de 2,7 milhões de dólares.

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INJURED? Auto Accident, slip & fall, wrongful death, personal injury – Attorney at Law, Free Consultation, Available 24.7 (livremente traduzido como: Ferido? Acidente de automóvel, escorregão e queda, homicídio culposo, lesão corporal – Advogado – Consulta grátis – disponível 24 horas, sete dias por semana). Esse é o caso da

Jacoby & Meyers, uma famosa firma de advocacia americana que pretende expandir a sua “franquia” e abrir “lojas” em shopping centers.

Isso parece dar ao menos uma pequena noção da cultura americana acerca da busca pela reparação de danos advindos de atos ilícitos, gerando para o ofensor o dever de pagamento dos danos materiais e morais, além dos punitive damages (indenização punitiva), a depender da decisão do órgão judiciário competente – o júri popular, na maioria das lides judiciárias daquele país neste tema. Por conta disso, num dos mais recentes filmes hollywoodianos acerca das questões envolvendo a justiça americana, intitulado “A qualquer preço”, um advogado especialista em direito

indenizatório, interpretado por John Travolta, logo no início da película, numa

entrevista a uma rádio, afirma que nos Estados Unidos “o direito de lesões corporais

ganhou uma má reputação” e que os advogados desta especialidade são chamados de “caçadores de ambulância, mercenários, abutres que abusam do sofrimento alheio”.

Mas, mesmo neste campo do direito indenizatório, foi como que um susto saber que nos Estados Unidos apenas 10% dos litígios relativos à responsabilidade civil chegam às barras da Justiça e que o trabalho do juiz togado é, na maioria dos casos, apenas o de condução do processo, cabendo a decisão final ao júri popular.

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questão possa encontrar diversas soluções em cada uma das nada menos que 50 unidades federativas dos Estados Unidos. Daí, também, o fato de ter sido escolhido um único país para a consecução da presente pesquisa, sem a pretensão de exaurir os pronunciamentos judiciais sobre determinado tema em cada um dos Estados Membros daquela nação, mas com a certeza de trazer ao leitor um material mais abalizado para consulta sobre a justiça de um único e determinado país.

No que toca aos sistemas de Direito adotados aqui (no Brasil) e lá (nos Estados Unidos), verifica-se a ocorrência de um interessante fenômeno, sobretudo nas décadas mais recentes. O Brasil, tido como país integrante do civil law, sistema jurídico que dá primazia à lei, vem recorrendo cada dia mais à jurisprudência para a solução dos casos submetidos ao seu Poder Judiciário. De outro lado, os Estados Unidos, tido como país integrante do common law, sistema jurídico que dá primazia às decisões judiciais antecedentes – os precedentes – para a solução das lides judiciais, estão recorrendo cada vez mais frequentemente à legislação, sobretudo por meio do movimento denominado tort reform, que, numa tradução livre, significa uma reforma no sistema de indenizações, visando normatizar as situações passíveis de aplicação e até mesmo os limites de fixação dos punitive damages.

Na base desses dois movimentos contrários, encontram-se duas explicações lógicas e racionais. A legislação brasileira, resultado do sistema civil law, por mais que pretenda exaurir a disciplina dos direitos e deveres inerentes às pessoas, na vã tentativa de evitar ou minimizar as possibilidades de litígios judiciais, não pôde, não pode e não poderá, nunca, prever todas as situações fáticas possíveis, regulando-as definitivamente; daí a necessidade de se recorrer aos casos idênticos ou semelhantes já analisados pela Justiça para o julgamento dos futuros litígios, com base nos precedentes. Por outro lado, a decisão judicial baseada unicamente nas posturas assumidas anteriormente pelos juízes, primado máximo do common law, por vezes não consegue gerar a mesma segurança jurídica que se visa garantir com a edição de uma lei para a regência de determinada situação de fato.

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dispositivo legal não vai além de mencionar que o dano indenizável pode ser

material ou “moral”. Nada mais. Não há disciplina, a bem da verdade, para nenhuma

situação de fato. Apenas como exemplo, não se tem a menor ideia da orientação legislativa a respeito das quantias a serem fixadas a título de indenização; quais as possíveis vítimas de atos ilícitos que poderiam se beneficiar com tais indenizações ou se até mesmo o nascituro poderia usufruir desse tipo de verba indenizatória; a contagem dos juros e da correção monetária quando da fixação da indenização; como se resolvem problemas por difamações proferidas no ambiente virtual da internet, e se provedores como o Google respondem ou não por informações injuriosas postadas por terceiros; questões atinentes ao direito de imagem e outras.

Ao contrário, o legislador, quando chamado a enfrentar o problema, parece ter

“lavado as mãos”. Explica-se. No caput do artigo 953 do Código Civil, fez constar que a indenização por injúria, difamação ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resultar ao ofendido. E, no parágrafo único do mesmo dispositivo, quando se esperava que constasse o caminho pelo pedido de indenização por danos morais caso a vítima não consiga provar o prejuízo material, positivou-se que, nessa

hipótese, “caberá ao juiz fixar, equitativamente, o valor da indenização, na conformidade das circunstâncias do caso”. Bem, é óbvio que, não sendo provado o

prejuízo material, restará à vítima a busca pela reparação do dano moral, como, aliás, é rotineiro nesses ilícitos contra a honra. Mas o legislador pareceu, como se disse, despreocupado no trato da questão, já que poderia ter simplesmente feito constar aquilo que era esperado por toda a comunidade jurídica: com ou sem a prova do dano material, resta ao ofendido a indenização por danos morais. Mas não, ao que tudo indica, a preferência foi por reduzir o trabalho legislativo e aumentar o judicial, prevendo-se, para a hipótese de ausência de prova de dano material, uma

indenização “equitativamente” fixada pelo juiz, com base nas “circunstâncias do caso”, o que, na prática forense, quer dizer quase nada ou quase tudo, a depender

da cabeça sentenciante, possibilitando-se a negação de qualquer valor indenizatório ou mesmo a fixação de centenas de milhares de reais a título de reparação por eventual dano moral.

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Collor de Melo, por ter sido chamado pela Revista Veja de “corrupto desvairado”

(REsp 1.120.971/RJ). Ora, respeitado o entendimento rigorosamente técnico utilizado no julgado mencionado, ao menos se dá a possibilidade de se vislumbrar que a indenização neste caso poderia ser mais módica pelo fato de o ex-presidente ter renunciado ao mandato em meio a um processo de impeachment deflagrado por força de denúncias de corrupção que o envolviam diretamente. E, nesse sentido, realmente verificou-se divergência dentro da própria turma julgadora, votando os Ministros Sidney Beneti e Paulo de Tarso Sanseverino pela fixação da quantia de R$150.000,00, enquanto entenderam os Ministros Villas Bôas Cueva, Nancy Andrighi e Massami Uyeda pela fixação do referido valor de R$500.000,00. Ora, esta diferença de mais de três vezes entre o valor proposto por dois Ministros e o efetivamente adotado por outros três Ministros, integrantes da mesma turma julgadora do mesmo tribunal, demonstra, data venia, que o denominado princípio da equidade não tem o alcance que a ele se pretende conferir como critério seguro ao balizamento da indenização por danos morais.

Ademais, a referida decisão nos parece o exemplo mais claro de que o Brasil já adotou, por sua jurisprudência, a tese do caráter punitivo de que se reveste a indenização por danos extrapatrimoniais, já que, neste caso, de acordo com sua ementa, era “de rigor a elevação da indenização por dano moral, como desestímulo

ao cometimento da figura jurídica da injúria”, impondo-se à Editora Abril uma pena civil pelo ilícito que se reconheceu ter cometido, ao tachar de “corrupto desvairado” o

ex-presidente, não obstante tenha sido o único na história do país sujeito de um processo de impeachment.

Realmente, o que se verifica hoje pela experiência forense é a prolação de julgados, cada vez mais comuns em primeira instância, devidamente confirmados em segundo grau, na instância especial (Superior Tribunal de Justiça) e na extraordinária (Supremo Tribunal Federal), impondo indenizações que, camuflando a roupagem de compensação por danos morais, em verdade, têm como intuito inescondível a imposição de uma sanção civil ao agente ofensor, como na pena privada do direito europeu ou nos punitve damages americanos.

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esta temática sejam resolvidas exclusivamente com base em precedentes jurisprudenciais relativos a fatos idênticos ou pelo menos semelhantes aos postos para exame no processo a ser decidido. Urgia, então, nesse cenário, que o legislador do Código Civil de 2002 declinasse ao menos orientações básicas a respeito de tantas e tantas dúvidas que já se faziam pendentes, inclusive algumas delas já tranquilizadas pelas decisões judiciais de primeira e segunda instâncias do Poder Judiciário nacional, além das instâncias especiais ou extraordinárias. Isso viria a solucionar uma série de pontos que até hoje se fazem obscuros a respeito do tema da indenização por danos morais, reduzindo sensivelmente as dúvidas no momento dos pronunciamentos dos juízes de primeiro grau de jurisdição e até mesmo mitigando acentuadamente a interposição de recursos desnecessários.

Outra questão emblemática quanto à falta de sistematização e uniformidade no que respeita aos danos morais se traduz na acesa divergência havida dentro do próprio Superior Tribunal de Justiça quanto à possibilidade de indenização pedida em virtude do abandono do filho por um dos genitores, normalmente o pai. Das duas Turmas competentes pelo julgamento das causas relativas ao Direito Privado, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, desde o ano de 2005, tem entendimento consolidado de que a indenização por dano moral pressupõe a prática de ato ilícito, não rendendo ensejo à responsabilidade civil o abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária (REsp nº 757.411/MG, Rel. Ministro Fernando Gonçalves). Ocorre que, numa polêmica decisão de abril de 2012, tal orientação foi completamente afastada, também por unanimidade, pela 3ª Turma do mesmo Superior Tribunal de Justiça, impondo-se indenização de R$200.000,00 a um pai que se reconheceu ter abandonado sua filha durante toda a infância e juventude, obrigando-a ao ajuizamento de ação de investigação de paternidade, fundamentando-se que “amar é faculdade, cuidar é dever” (REsp nº 1.159.242/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi). Em outras palavras, o filho abandonado que tiver a sua ação indenizatória apreciada em grau de recurso por uma das Turmas de Direito Privado do Superior Tribunal de Justiça – a 3ª Turma – será compensado pelos danos morais que lhe foram ocasionados, enquanto se idêntica ação chegar à Corte Superior por meio do respectivo recurso e aportar na outra Turma de Direito Privado

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Não se nega que a possibilidade de formação de mais de um convencimento acerca de uma mesma questão seja consequência de um sistema jurídico calcado na democracia e, sobretudo, permeado por cláusulas gerais e conceitos legais indeterminados no âmbito de sua legislação de Direito Privado. Mas há aí um perigo iminente nesta formação de diversas interpretações acerca de um mesmo fato, já que, nestas condições, passa a prevalecer o convencimento que cada juiz tem a respeito do Direito, e não o mandamento da lei positivada, fator decisivo para o aumento das demandas e recursos judiciais, e gerador de nefasta insegurança jurídica.

O Congresso Nacional brasileiro parece querer dar sua contribuição para uma certa uniformização da questão indenitária, estando em trâmite perante a Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 523/11, que, segundo sua ementa, dispõe sobre o dano moral e sua reparação, trazendo, dentre outras disposições, uma absurda redução do prazo prescricional para tão somente 6 meses nos casos de reparação por ofensa extrapatrimonial, que será objeto de análise no momento oportuno.

Na busca por uma solução para o mesmo problema da falta de coesão das decisões judiciais e o aumento vertiginoso do número de processos, nos Estados Unidos pugna-se por uma reforma no sistema dos chamados punitive damages, ainda aplicados aos montes em valores milionários, visando à elaboração de diplomas legislativos para a disciplina dessa mencionada forma indenizatória, autorizando sua fixação apenas em determinadas situações ou pelo menos limitando os seus valores.

Então, com esses dois referenciais é que se busca demonstrar as bases em que está calcado o sistema jurídico brasileiro de primazia da lei, mas caminhando, a passos cada vez mais largos, na direção do respeito à anterior decisão judicial sobre um caso idêntico ou semelhante; enquanto isso, a autoridade do precedente judicial estadunidense vem cedendo espaço à legislação positivada, na busca de uma pretensa segurança jurídica, com superação da ideia comum que se dissemina sobre a existência exclusiva dos precedentes no direito daquela nação.

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passível de ser obtido por meio de um pronunciamento judicial? Indaga-se mais: isso já não acontece, ou seja, já não existe uma visível interface, uma mescla parcial, entre o civil law e o common law, tanto aqui no Brasil como lá nos Estados Unidos?

E todas estas indagações se põem frente a uma das mais complexas questões no âmbito do moderno Direito Civil-Constitucional, referente ao conflito cada dia mais violento entre o direito à privacidade das pessoas e o direito de informar da imprensa, implicando no reconhecimento ou não da indenização por danos morais no Brasil ou por punitive damages nos Estados Unidos, sobretudo após o advento dos modernos meios de comunicação, especialmente a internet.

Sem sucesso, a doutrina, tanto nacional quanto internacional, procura solucionar o conflito entre os mencionados direitos fundamentais à informação e à privacidade, propondo certa harmonização entre eles, observando no caso concreto a máxima efetivação e a mínima restrição possível de cada um, num tom pacificador que encontra vasto espaço no âmbito acadêmico, mas insuficiente para a solução das lides forenses que versam a questão.

A jurisprudência brasileira vacila no enfrentamento do tema, e nem a cúpula da Justiça nacional tem posicionamento fechado sobre a prevalência no caso concreto do direito à privacidade ou do direito de informar da imprensa, conforme noticia o Ministro Sepúlveda Pertence no relatório do processo que se tornou mais conhecido como o caso O Globo x Garotinho, afirmando que: “[...] a respeito da polêmica assim vislumbrada – que reflete a viva dissensão no direito comparado –

ainda não se pode divisar, no Brasil, uma orientação firme do Supremo Tribunal

Federal”. Já a Suprema Corte americana, como será visto no exame dos casos New

York Times v. Sullivan e Curtis Publishing v. Butts, apesar de alguma orientação genérica, como a natural restrição do direito à privacidade em consequência do exercício de função pública, também não apresenta solução uniforme para o problema.

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1 OS GRANDES SISTEMAS DE DIREITO

A fim de melhor discorrermos acerca do objeto do presente trabalho, qual seja, a interpenetração entre o common law e o civil law, é mister que se faça uma abordagem, ainda que panorâmica e resumida, a respeito dos grandes sistemas jurídicos existentes no mundo.

Assim, como de regra, o primeiro passo é classificar os grandes sistemas de Direito, utilizando-se, para tanto, a consagrada organização elaborada por René David1, nos seguintes termos: 1º) o sistema romano-germânico, denominado civil law, no qual se encontra o Direito brasileiro; 2º) o sistema do common law, que é abrigado, sobretudo, pelos países de origem anglo-saxã, inclusive os Estados Unidos; 3º) o sistema dos Direitos socialistas, que era adotado pela chamada Europa do Leste, capitaneada pela URSS até a queda do Muro de Berlim; 4º) outras concepções da ordem social e do Direito, tais como os Direitos muçulmano, indiano, do Extremo Oriente, judaico e da África, sistemas de forte componente ligado à religião, que em determinados países é a principal fonte das normas jurídicas (Irã, Iraque etc.), relevantes para determinados ramos do Direito Privado, em particular em matéria de família.

Podemos ver que a classificação supracitada agrupou os sistemas consoante as respectivas fontes principais de produção do Direito: para o sistema romano-germânico, a lei; para o sistema do common law, o precedente; para o sistema dos Direitos socialistas, o próprio socialismo; e para o derradeiro sistema referido, a teocracia.

Frisamos que a mencionada classificação se mostra mais acertada em face daquelas que pretendem a mera dicotomização dos sistemas de Direito, reduzindo-os areduzindo-os sistemas romano-germânico (ou civil law) e do common law, sendo dois os fundamentos de sua adoção. Por primeiro, não há que se falar em sistemas mais importantes em relação a outros, ainda que hodiernamente alguns sejam mais ocorrentes que os demais. E, em segundo plano, porque existem diversos países que adotam sistemas mistos, com regras e princípios tanto do sistema civil law como do common law, constituindo-se em verdadeiras novas organizações, dada a

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ausência de preponderância de um ou de outro. Veja-se, por exemplo, o caso do Canadá, colonizado simultaneamente por países adotantes dos sistemas jurídicos do common law e do civil law, e que acabou por receber forte influência desses sistemas sem que se possa dizer da prevalência de qualquer deles, conforme dá conta José Rogério Cruz e Tucci:

Desde o Colonial Laws Validity Act, de 1865, as normas da common law não incidem quando forem contrárias às leis ou aos costumes do povo canadense. Ressalte-se, por fim, que os dois sistemas jurídicos - codificado e casuístico - interagem e exercem recíproca influência: quando o juiz decide com base na lei escrita, na Província de Quebec, a sentença é considerada precedente vinculante.2

Conclui-se que, a se ter pela estanque dicotomização entre os sistemas de Direito do civil law e do common law, se está negando a existência de outros, que, por possuírem tão intensa interpenetração das regras e institutos jurídicos de ambos os sistemas, não se enquadram quer num quer noutro, e culminam, portanto, na formação de um novo.

Um outro interessante exemplo é o Japão, que, num período mais remoto, recebeu a influência do civil law, especialmente do Código Germânico, mas, num momento posterior, após a Segunda Guerra, passou a adotar peculiaridades do common law.3

Daí a importância de se adotar uma classificação não estanque e reduzida das grandes famílias de Direitos, mas sim a que permita a mistura entre os sistemas já existentes, bem como a conformação de novos ordenamentos.

Conquanto não se possa falar em qualquer preponderância ou redução dos sistemas de Direitos, para o presente trabalho importa que se analisem com mais vagar apenas dois deles, salientando, novamente, não serem os únicos ou mais importantes: o sistema do civil law e o sistema do common law.

Consoante lição de Luiz Guilherme Marinoni, “a contraposição entre common

law e civil law cedeu lugar à ideia de que esses sistemas constituem dois aspectos

de uma mesma e grande tradição jurídica ocidental”, e que os dois sistemas de

2TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 170.

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direito “tendo surgido em circunstâncias políticas e culturais diferentes, fizeram surgir

tradições jurídicas particulares, caracterizadas por institutos e conceitos próprios”.4 Nessa mesma ordem de pensamento, Phanor J. Eder afirmou que o mundo cristão é dividido entre dois grandes sistemas jurídicos – um derivado diretamente do Direito Romano (o civil law) e o outro do Direito Anglo-Americano (o common law).5

E, como será observado ao longo do presente trabalho, apesar da estanque diferenciação que se estabelece entre os dois sistemas jurídicos, notam-se importantes analogias entre o common law e o civil law, com alguma afinidade entre eles.6

Apenas ressalve-se que, enquanto os praticantes do civil law tendem a pensar em termos de normas que podem ser aplicadas ao caso concreto, os praticantes do common law pensam no caso em si e como as causas semelhantes foram decididas pelas cortes anteriormente.7

4MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 17.

5EDER, Phanor J. A comparative survey of Anglo-American and Latin-American law. Littleton: Rothman, 1981. p. 4.

6WALKER, James M. The theory of the common law. Littleton: Rothman, 1995. p. 127.

7MOUSOURAKIS, George. Perspectives on comparative law and jurisprudence. New Zealand: Pearson Prentice Hall, 2006. p. 46.

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2 O CIVIL LAW– origens romanas e germânicas

Para um melhor desenvolvimento do estudo comparativo entre os sistemas de Direito pinçados dentre os demais – o civil law e o common law – é imprescindível que se conheça a evolução histórica de cada um, para que, assim, se averigue o porquê da formação de sistemas de Direito tão díspares para regular realidades sociais contemporâneas ocidentais tão semelhantes.

Apenas para se ter uma ideia da importância do sistema de civil law no mundo, lembre-se da assertiva de John Henry Merryman, de que, das grandes tradições legais no mundo contemporâneo, o civil law, o common law e o Direito socialista, o civil law é o mais velho, o mais difundido e o mais influente deles.8

A gênese, não somente do sistema de Direito da família romano-germânica, está no Direito Romano, sem, contudo, que se possa afirmar ser uma simples reprodução deste, já que diversas instituições da família romano-germânica são oriundas de fontes outras que não o Direito Romano primitivo.9

A disseminação e o desenvolvimento do sistema romano-germânico se deram, obviamente, em decorrência das conquistas romanas no nascer da Era Cristã, pois, ao se assenhorearem de territórios, os romanos impunham suas formas de regulamentação social – à época o Direito dos pretores de Roma – visando à integração e à consequente submissão dos povos conquistados, com a diminuição das tensões sociais e dos riscos de insurreições locais. Conforme veremos, o sistema de Direito Romano-Germânico difundiu-se por todo o planeta, superando, inclusive, o esfacelamento da sociedade que o originou.

Nos primórdios, o domínio romano – impulsionado, sobretudo, pela necessidade de manter suas proporções continentais unidas e subjugadas –

elaborou um sistema jurídico capaz de atender à premente necessidade supramencionada de união da colônia, que, assim como o Império Romano, se constituiu num sistema sem precedentes.

Ocorre que o Império Romano Ocidental – já cambaleante há algum tempo –

deixou de existir por volta do século V d.C.. Tal fato se deu, sobretudo, em virtude da

8MERRYMAN, John Henry. The civil law tradition

– an introduction to the legal systems of Western Europe and Latin America. Stanford: Stanford University Press, 1969. p. 1.

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invasão de povos germanos que perambulavam pela Europa continental, sempre em busca de condições favoráveis ao seu desenvolvimento.

E a partir daí, foi o próprio feudalismo, talvez, o principal responsável pela manutenção do Direito Romano enquanto sistema regulador das relações sociais, agora não mais de um império continental, mas de múltiplos feudos que se instalaram nas terras outrora romanas. Assim, pode-se dizer que não se verificou a elaboração de outro sistema jurídico em substituição ao romano justamente porque não houve a formação de um novo império.

Ademais, era da essência dos feudos sua independência, de modo que o sistema romano de regulamentações sociais se manteve vivo. Entretanto, invariavelmente, sofria os influxos da cultura e dos costumes dos povos germanos, em virtude da miscigenação entre os grupos étnicos componentes do feudo.

Dessa feita, embora haja ausência de consenso sobre o fato, foi no século XIII que se verificou o nascimento, cientificamente, do sistema de Direito Romano-Germânico.10 Nesse sentido, pode-se observar que, historicamente, os séculos XII e XIII, no Ocidente Europeu, se caracterizaram pela reorganização da sociedade, vale dizer, uma superação dos limites dos feudos, em muito fomentada pelo comércio de escambo e o próprio crescimento das sociedades feudais.11

É claro que tais relações e aglomerações demandaram uma estruturação do agora denominado Direito Romano-Germânico, visando proporcionar ordem e segurança necessárias ao progresso.12

Insta, então, nesse ponto, salientar que o sistema romano-germânico difere do sistema do common law, que, conforme se verá no transcorrer deste estudo, visou à evolução do poder real inglês e sua intensa centralização – diga-se, num ambiente propício até mesmo pelas características geográficas da Inglaterra, toda circundada por água e praticamente destacada do restante do Continente Europeu.

Dentre outros motivos, na Europa continental o mesmo fenômeno centralizador não se observava. Ao revés, nos séculos em que eclodiu o sistema romano-germânico, a Europa continental não conhecia qualquer unidade

10DAVID, René. Os grandes sistemas do Direito Contemporâneo: Direito Comparado. Tradução de Hermínio A. de Carvalho. Lisboa: Meridiano, 1978. p. 29.

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territorial.13 Logo, o sistema romano-germânico fundou-se numa comunidade de cultura, o que permitiu sua subsistência no tempo, pois não estava atrelado a qualquer poder político centralizador e, portanto, não sucumbiria caso a organização política aglutinadora da sociedade fosse dissolvida.14

Outro fato marcante na gênese do sistema romano-germânico, segundo Guido Fernando Silva Soares:

[...] foi a compilação e codificação do Direito Romano, que cristalizou, em textos harmônicos, normas costumeiras, normas escritas esparsas, decisões jurisprudenciais e doutrinárias, juntamente com a obra dos glosadores que, aos poucos, foram, em particular nas universidades medievais (que vicejavam à sombra dos mosteiros e conventos, portanto bem próximas dos cultores do Direito Canônico, na época, escrito e extremamente bem-elaborado), dando uma feição racional às soluções casuísticas e assistemáticas dos jurisconsultos romanos.15

Nesse contexto de produção intelectual dentro das universidades, diversas escolas se sucederam no ensino do Direito. A escola dos denominados glosadores buscou o sentido originário das leis romanas, culminando com o abandono de alguns textos, seja porque se referiam a instituições desaparecidas, seja porque possuíam regramento afeto ao Direito Canônico.16 Entretanto, o trabalho desenvolvido pelos glosadores era limitado ao texto analisado, buscando alçá-lo à condição de instrumento de razão da verdade da autoridade, sem qualquer implicância prática.17

Diversamente se deu com a escola dos pós-glosadores, ou comentadores, que, nos idos do século XIV, submeteu o Direito Romano a experimentações, refinando-o e acabando por desenvolver institutos novos, apresentando-os de forma sistematizada e abolindo a casuística dos jurisconsultos romanos.18

Posteriormente, no século XV, sob a alcunha de usus modernus pandectarum, houve o ensino de um Direito Romano profundamente distorcido, sob a influência do Direito Canônico e das manifestações de alguns pós-glosadores.19

13DAVID, René. Os grandes sistemas do Direito Contemporâneo: Direito Comparado. Tradução de Hermínio A. de Carvalho. Lisboa: Meridiano, 1978. p. 32.

14Ibid., p. 32.

15SOARES, Guido Fernando Silva. Common law - Introdução ao Direito dos EUA. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 27.

16LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na história. São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 122. 17Ibid., p. 133.

18Ibid., p. 134; DAVID, op. cit., p. 35.

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Prosseguindo na evolução temporal, nos séculos XVII e XVIII surge a escola de Direito natural, com grande apelo valorativo, dicotomizando a aplicação do Direito em duas esferas distintas, a saber, a do Direito Público e a do Direito Privado.20

Desse modo, a sucessão de diversas escolas intelectuais com o passar dos séculos propiciou ao Direito Romano puro a atualização do alcance de suas normas e a busca pelas regras mais justas, concomitantemente a uma sistematização lógica no intuito de regrar a sociedade. A despeito disso, as universidades geradoras da evolução supramencionada não tinham competência para fixar as regras oriundas de sua produção intelectual, não as estendendo a todos os países, juízes e práticos.21

Para superar essa deficiência de propagação, foi utilizada a codificação como técnica que permitiu a realização dos objetivos supracitados, explanando de forma sistematizada o Direito necessário ao desenvolvimento da sociedade moderna e que, justamente por isso, devia ser aplicado pelas cortes dotadas de jurisdição.

Portanto, a escola de Direito natural arrematou a feição do sistema de Direito Romano-Germânico como o temos: fez estender o Direito às relações público-privadas e levou a cabo a codificação de toda a produção intelectual elaborada há séculos nas universidades.22

E, com a codificação das normas jurídicas, tem nascimento o sistema jurídico que se denominou civil law.

20DAVID, René. Os grandes sistemas do Direito Contemporâneo: Direito Comparado. Tradução de Hermínio A. de Carvalho. Lisboa: Meridiano, 1978. p. 35-37.

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3 O COMMON LAW

3.1 Surgimento e Evolução Histórica

Em sua evolução histórica, o common law sempre esteve atrelado à Inglaterra, pois esse sistema de Direito surgiu e se expandiu a partir da referida nação, chegando posteriormente aos Estados Unidos para ganhar contornos definitivos.

Nesse particular, vale a menção de Neil Andrews, traduzido por Teresa

Arruda Alvim Wambier, de que “o moderno e dinâmico sistema do Common Law, relativo ao processo civil e as demais formas de resolução de conflitos, reflete a importância comercial da Legislação Inglesa e, naturalmente, o domínio econômico

dos Estados Unidos da América”.23

Assim, tem-se que o sistema do common law superou os limites geográficos de seu nascedouro, sobretudo em virtude da expansão colonialista da Inglaterra, na qual preponderava um ordenamento de regras não escritas, nascido da prática negocial e aplicado por tribunais locais.24

Observa-se que, até os séculos XII e XIII, a história do Direito inglês guardou grande semelhança com a dos demais países do continente europeu, e, mesmo com o renascimento do Direito romano, os ingleses continuaram com sua tradição nativa.25

Segundo José Rogério Cruz e Tucci26:

O direito que começava a germinar na antiga Britania era essencialmente autóctone, fundado na regra conhecida e na prática quotidiana, e muito pouco influenciado pelo ius romanorum. Quando, no crepúsculo do século XII, o estudo científico do direito romano-canônico passa a ganhar autoridade na praxe dos tribunais canônicos, e, no curso do século XIII, a influir nos tribunais laicos, já era muito tarde para que o direito inglês fosse, de alguma forma, seduzido pelas reflexões jurídicas de cunho científico.

Desse modo, conclui-se que a adequação das regras embrionárias do sistema do common law às necessidades da sociedade inglesa da época era tão

23ANDREWS, Neil. O moderno processo civil: formas judiciais e alternativas de solução de conflitos na Inglaterra. Tradução de Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 27.

24TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 149.

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grande, ou seja, tão arraigada naquela realidade social, que o Direito Romano-Canônico e suas formas abstratas ideais não tiveram o condão de suplantá-lo.

Ilustrativo de tal força embrionária do sistema do common law é a exitosa oposição dos barões às exigências do clero na modificação das leis inglesas reguladoras do matrimônio, assim como a inexistência – à época – de qualquer romanista em território inglês, culminando na proibição, por Henrique III (1216-1272), do ensino do Direito Romano na Inglaterra.27

Quanto a isso, o professor José Rogério Cruz e Tucci28 pontifica que:

Enfim, a unidade jurídica, a configuração geográfica, a centralização judiciária e a homogeneidade da classe forense justificam a “recepção falhada” das fontes do direito romano-canônico na Inglaterra. Enquanto, por exemplo, na Itália e na Alemanha, a divisão territorial em comunas e pequenos reinos tornava indispensável recorrer ao direito romano como fonte jurídica mais aperfeiçoada, a Grã-Bretanha já tinha o seu próprio direito comum.

René David29, ao realizar o retrospecto histórico do Direito inglês destaca que:

Podem reconhecer-se quatro períodos principais na história do direito inglês. O primeiro é o período anterior à conquista normanda de 1066. O segundo, que vai de 1066 ao advento da dinastia dos Tudors (1485), é o da formação da Common Law, no qual um sistema de direito novo, comum a todo o reino, se desenvolve e substitui os costumes locais. O terceiro período, que vai de 1485 a 1832, é marcado pelo desenvolvimento, ao lado da Common Law, de um sistema complementar e às vezes rival, que se manifesta nas “regras de equidade”. O quarto período, que começa em 1832 e continua até os nossos dias, é o período moderno, no qual a Common Law deve fazer face a um desenvolvimento sem precedentes da lei e adaptar-se a uma sociedade dirigida cada vez mais pela administração.

Deflui do trecho supracitado, portanto, que o período que medeia os anos de 1066 a 1485 pode ser apontado como sendo a época de formação do sistema do common law na Inglaterra.

Nessa senda, diga-se que a conquista normanda ocorrida em meados do século XI, quando Guilherme I (1066-1087), Duque da Normandia, considera-se herdeiro dos reis saxões e, por isso, recepciona os seus costumes e decisões, foi fundamental para a consolidação do sistema do common law. Com efeito, tal fato fortaleceu o poder da Inglaterra e o sistema unitário que o formaria, suprimindo o sistema costumeiro-tribal e inserindo para dentro do território inglês os princípios

27Ibid., p. 150-151.

28Ibid., p. 151.

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norteadores do feudalismo, concomitantemente à experiência administrativa existente no Ducado da Normandia.30

Num primeiro momento de formação do common law, imediatamente posterior à conquista normanda, os juízes ingleses aplicavam regras de origem germânica, de molde a dizer-se que os princípios do Direito germânico serviram de alicerce ao sistema jurídico anglo-estadunidense. De acordo com René David31, apenas a legislação de Henrique II (1154-1189) é que proporcionou a ampliação do espectro de julgamento, incluindo no Direito da época normas consuetudinárias, anglo-saxônicas e normandas.

É imprescindível, outrossim, que se mencione o fato de que nesse período a interpretatio iuris não se submetia a qualquer critério mais rígido, sendo o rei o natural intérprete das normas e competindo aos juízes apenas a tarefa de moldá-las ao caso sub judice, inexistindo, pois, qualquer adstrição ou submissão a textos legais escritos.32

Também nessa época, “as decisões do rei e dos juízes, que continham o comando a seguir em um caso determinado, iam sendo catalogadas, ao longo dos anos, nos statute books” e, “assim, tais coletâneas encerravam os costumes da corte”.33

Tais decisões judiciais desse período eram obra exclusiva dos Tribunais Reais de Justiça, ditos Tribunais de Westminster, cortes constituídas pelo rei e a ele subordinadas diretamente.34

O processo desenvolvido nos Tribunais de Westminster, datado do século XIII, possuía múltiplas facetas externadas sob diversas formas de condução, de modo que a cada writ correspondia, de fato, determinado procedimento, o qual impunha uma sequência de atos a serem realizados, a maneira de prosseguimento de certos incidentes, as possibilidades de representação das partes, as condições de admissão de provas, as modalidades da sua administração e os meios de executar uma decisão.35

30Ibid., p. 315.

31TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 152.

32TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 152.

33Ibid., p. 152.

34SOARES, op. cit., p. 32.

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Fornecendo um belo panorama do sistema existente à época, veja-se a lição de Guido Fernando da Silva Soares36:

A idéia do writ era de que se constituía numa ordem dada pelo Rei às autoridades, a fim de respeitarem, em relação ao beneficiado que obtinha o remédio, sua situação jurídica, definida pelo julgamento a seu favor. Se não houvesse um writ determinado para a situação, não haveria possibilidade de dizer-se o direito (e, sendo assim, criava-se uma intolerável denegação da justiça e a impossibilidade de saber qual o direito aplicável). Concedido o writ, posteriormente, um jury composto de leigos, em certos casos, julgaria as pretensões da pessoa beneficiada pelo writ.

Deflui do trecho supramencionado que as Cortes Reais possuíam jurisdição de Direito comum, com competência universal. Entretanto, para que se tivesse franqueado o acesso a essa justiça, por primeiro, era imprescindível que ela mesma admitisse sua competência – sobretudo pela aceitação prévia da existência de um writ – para posterior submissão de um conflito fático e obtenção do provimento jurisdicional de mérito.

Esses entraves processuais, já à época representados pela expressão remedies precede rights37 (expressão inglesa que significa: em primeiro lugar o processo), cercearam o desenvolvimento do common law em sua característica essencial: a capacidade de oferecer, rapidamente, mecanismos aptos a solucionar os conflitos observados na sociedade em que estavam inseridos.

Então, ao longo do tempo, o rigorosíssimo formalismo procedimental houve de ser temperado, à vista das crescentes injustiças e tensões sociais que estava ocasionando. A primeira dessas moderações foi a concessão de determinados writs por analogia, sem que houvesse qualquer previsão a seu respeito. Cite-se o exemplo trazido pelo professor Guido Fernando Silva Soares:38

[...] inexistia um writ determinado para os contratos; contudo, através de um writ of detinue, originariamente destinado a beneficiar um possuidor de boa-fé, o mesmo passaria a servir para proteger quem detivesse, sem justo título, uma propriedade; portanto, quem detivesse a coisa sem ter um contrato que legitimasse a posse, ou ainda o writ of trespass, que originalmente servia para proteger um dano causado por um ato ilícito, seria aplicado, analogicamente, para proteger um contratante que tivesse sido prejudicado pela inadimplência.

36SOARES, Guido Fernando Silva. Common law - Introdução ao Direito dos EUA. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 32-33.

37DAVID, René. Os grandes sistemas do Direito Contemporâneo: Direito Comparado. Tradução de Hermínio A. de Carvalho. Lisboa: Meridiano, 1978. p. 290.

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Ocorre que mesmo a possibilidade de utilização analógica dos writs não foi capaz de trazer às Cortes Reais a necessária liberdade de atuação para diminuição das tensões sociais. Paralelamente, durante o século XIII, os juristas do sistema romano-germânico podiam avocar jurisdição com competência geral, podendo decidir sobre as mais diversas situações fáticas que se lhes apresentassem, sem que o processo pudesse caracterizar cerceamento em sua atuação.39

Desse modo, com vista à superação do formalismo existente no Direito comum aplicado pelas cortes de Westminster, iniciou-se o terceiro período de constituição do common law: o surgimento da Equity Law, enquanto Direito aplicado pelos Tribunais do Chanceler do Rei como forma de temperar o rigor do sistema anterior e de atender a questões de equidade.40

Nesse sentido, o Direito comum passou a ser tido por ultrapassado, descontentando sobremaneira os atores sociais da época. Estes, insurgindo-se contra as decisões prolatadas pelas Cortes de Westminster, recorriam à coroa real no intento de que ela aparasse os excessos e injustiças perpetrados pela excessiva preponderância procedimental.41

Por isso a lição de Guido Fernando Silva Soares42 de que:

É bem evidente que tal sistema, formalístico e rígido, logo deveria sofrer radicais modificações, premido pelos fatos das patentes injustiças; os recursos ao Rei, fora das regras processuais da Common Law, aos poucos, se tornam possíveis, sendo que o Rei os decidia, em matéria de consciência, e não mais por motivos estritamente jurídicos.

A reiterada prática de submeter as questões à Coroa acabou, ao longo dos anos, por sofrer uma mutação, passando de uma competência subsidiária – e portanto, revisora das decisões do Direito comum – para uma verdadeira competência originária, com a concessão de medidas de conhecimento originário das causas, não mais pelo Rei, mas pelo seu Confessor, o Chanceler.43

A seu turno, as próprias características das regras emanadas da Equity

brandas, concisas, precisas e não formalistas – aliadas à diuturnidade com que tais

39DAVID, René. Os grandes sistemas do Direito Contemporâneo: Direito Comparado. Tradução de Hermínio A. de Carvalho. Lisboa: Meridiano, 1978. p. 06.

40Ibid., p. 05.

41SÈROUSSI, Roland. Introdução ao Direito inglês e norte-americano. São Paulo: Landy, 2001. p. 21.

42SOARES, Guido Fernando Silva. Common law - Introdução ao Direito dos EUA. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 34.

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procedimentos excepcionais eram requestados em virtude da ausência de writs e consequente impossibilidade de atuação do common law, redundaram na existência de uma verdadeira justiça paralela às Cortes de Westminster, com preceitos, competência e precedentes próprios.44

Ao corpo de normas formulado pelos Tribunais do Chanceler – as Courts of Chancery – chamou-se Equity, normas oriundas do Direito Canônico e que, por serem mais evoluídas e racionais que o casuísmo dos procedimentos do período anterior, acabaram por desenvolver verdadeira rivalidade com as Cortes de Westminster e puseram em risco a própria existência do common law.45

Assim, o Direito existente na Inglaterra no século XVI quase cedeu passo ao sistema romano-germânico, seguindo o restante do continente europeu, justamente em virtude da prevalência da jurisdição de equidade das Courts of Chancery e da decadência do common law aplicado pelas Courts of Westminster.

Contudo, diversos fatores se consubstanciaram em verdadeiros impeditivos da consolidação da Equity e quiçá do sistema romano-germânico, em território inglês:

A resistência dos juristas precisou ser levada em consideração pelos soberanos, porque os tribunais de Common Law encontraram, para a defesa de sua posição e da sua obra, a aliança do parlamento, com eles coligado contra o absolutismo real. A má organização da jurisdição do Chanceler, a sua morosidade e a sua venalidade forneceram armas aos seus inimigos. A revolução que teria conduzido a Inglaterra para a família dos Direitos Romano-Germânicos não se realizou; foi concluído um compromisso para que subsistissem, lado a lado, em equilíbrio de forças, os tribunais de Common Law e a jurisdição do Chanceler.46

A cruzada do absolutismo real no intento de abolir o common law da Inglaterra era uma constante ameaça à existência do próprio parlamento, o que motivou referido órgão envidar esforços junto aos juristas ingleses para a manutenção da aplicação do Direito comum inglês nos tribunais, ainda que tal postura implicasse em uma limitação de seu poder, já que, em última análise, salvaguardaria sua própria existência.

E esse embate estatal contra o common law surge do fato de que o Direito oriundo das relações sociais e externado de forma jurisprudencial era, em muito,

44SOARES, Guido Fernando Silva. Common law - Introdução ao Direito dos EUA. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 34.

45Ibid., p. 34.

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limitador da atuação do Estado – à época constituído por monarquias efetivamente absolutistas – pelo que as tendências autoritárias tiveram na Inglaterra uma luta aberta no desiderato de abolir o Direito comum inglês, conforme anotado por Norberto Bobbio:47

Os soberanos absolutistas, como Jaime I e Carlos I, tentaram fazer valer a preeminência absoluta do direito estatutário, negando aos juízes o poder de resolver as controvérsias com base no direito comum; encontraram, porém, uma firme oposição, da qual o porta-voz e expoente máximo foi Sir Edward Coke (autor das instituições do direito inglês, trabalho considerado como a “summa” da common law).

Todavia, o common law sagrou-se vitorioso na luta contra o absolutismo real, salientando o filósofo supracitado que:

Na Inglaterra permaneceu sempre nominalmente em vigor o princípio segundo o qual o direito estatutário vale enquanto não contrariar o direito comum. O poder do Rei e do Parlamento devia ser limitado pela common law. Ora, o Rei, ao exercer a jurisdictio (através de seus juízes) era obrigado a aplicar a common law; esta última portanto limitava o poder do soberano. Isto explica por que a monarquia inglesa nunca detinha um poder ilimitado (diferentemente das monarquias absolutas continentais), porque na Inglaterra fora desenvolvida a separação dos poderes (transferida depois para a Europa graças à teorização executada por Montesquieu) e porque tal país é a pátria do liberalismo (entendido como a doutrina dos limites jurídicos do poder do Estado).48

Dessa sorte, juntamente com as regras do common law, oriundas das Cortes de Westminster, que acabaram por prevalecer, o Direito inglês foi na verdade acrescido com as soluções da Equity, estabelecendo-se uma relação de complementaridade e aperfeiçoamento das regras do Direito comum.49

Mesmo porque, com o passar dos séculos, as soluções da Equity contaminaram-se pelo mesmo formalismo do common law, ou seja, tornaram-se extremamente estritas e jurídicas, distanciando-se da relação de intimidade que outrora possuiu com a equidade, facilitando a fusão entre as regras supracitadas.50

A referida fusão foi levada a cabo pelos Judicature Acts ingleses de 1873 e 1875, que dissolveram as Courts of Chancery, estendendo a competência para

47BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 2006. p. 34.

48Ibid., p. 33.

49DAVID, René. Os grandes sistemas do Direito Contemporâneo: Direito Comparado. Tradução de Hermínio A. de Carvalho. Lisboa: Meridiano, 1978. p. 298.

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aplicação tanto do common law quanto da Equity Law a tribunais comuns da Inglaterra.51

A partir de então, ambos grupos de Direito que outrora rivalizavam em território inglês foram fundidos, para que se amalgamassem na busca da realização da Justiça. A partir de então, as regras de common law e as de Equity Law podiam ser veiculadas numa mesma ação, perante uma jurisdição una: a Supreme Court of Judicature.52

Diga-se, ademais, que a forma unitária de Estado, aliada à concepção de organização judiciária centralizada, viabilizou a todos os homens livres o acesso à Justiça, disseminando-se à sociedade o conhecimento do Direito então vigente, de forma que a expansão colonizadora inglesa, no final do século XIV, não se conformou em óbice à inserção do novo sistema, que à época já possuía diversos tribunais reais orientados pelas regras do common law, cuja prática já estava naturalmente espalhada pelas regiões conquistadas.53

Sintetizando e concluindo com primazia a evolução histórica acima explanada, finalmente cita-se a lição de Norberto Bobbio,54 para quem:

A common law não é o direito comum de origem romana, mas um direito consuetudinário tipicamente anglo-saxônico que surge diretamente das relações sociais e é acolhido pelos juízes nomeados pelo Rei; numa segunda fase, ele se torna um direito de elaboração judiciária, visto que é constituído por regras adotadas pelos juízes para resolver controvérsias individuais (regras que se tornam obrigatórias para os sucessivos, segundo o sistema do precedente obrigatório). O direito estatutário se contrapõe à common law, sendo ele posto pelo poder soberano (isto é, o Rei, e, num segundo momento, pelo Rei juntamente com o Parlamento).

3.2 Diferenciação de Outras Expressões Aparentemente Sinônimas

Com esse referencial quanto ao estudo histórico do sistema do common law, tem-se agora como importante tarefa a delimitação do âmbito de utilização da sobredita expressão de forma técnica, dissociando-a de outras, vale dizer, afastando uma suposta relação de sinonímia existente com outros vocábulos.

51SOARES, Guido Fernando Silva. Common law - Introdução ao Direito dos EUA. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 35.

52SÈROUSSI, Roland. Introdução ao Direito inglês e norte-americano. São Paulo: Landy, 2001. p. 23.

Referências

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