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Condições para Mudança da Jurisprudência no Civil Law e suas

9 O DIREITO JURISPRUDENCIAL

9.3 Condições para Mudança da Jurisprudência no Civil Law e suas

Diz Teresa Arruda Alvim Wambier que “a mudança da jurisprudência é um fato que dificilmente passa despercebido no Brasil”, e “uns veem esse fenômeno com entusiasmo, afirmando que este é o caminho para a evolução do direito”, enquanto “outros, com veemência, criticam essas alterações, afirmando, vigorosamente, que os precedentes devem ser obedecidos”.211

Assevera também que:

Parece que nós ainda carecemos de uma teoria adequada que nos ajude a explicitar em que circunstâncias as Cortes podem ser inovadoras, e quando devem ser conservadoras; quando devem passar por cima das velhas

206Ibid., p. 180.

207TUCCI, José Rogério Cruz e. Direito Jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 100.

208TUCCI, José Rogério Cruz e. Direito Jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 101.

209TUCCI, José Rogério Cruz e. Direito Jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 101.

210TUCCI, José Rogério Cruz e. Direito Jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 111-112.

211WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Direito Jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 12.

decisões e quando os juízes insistem em que esta mudança ou reforma deve ser feita pelo Poder Legislativo212.

Para ela, “uniformidade não significa uniformidade de um certo e determinado entendimento para sempre; e estabilidade não significa imutabilidade”.213

Pondera que “uma das mais relevantes funções do direito é a de, justamente, gerar previsibilidade”, todavia, “como o direito serve à sociedade e esta se modifica, é também necessário que, em alguma medida, o direito exerça a delicada função de adaptar-se”.214

Noticia Teresa Arruda Alvim Wambier que “muitas vezes, na Inglaterra, o overruling não se dá de modo expresso, explícito e direto, às vezes se estendendo por anos, por um longo período: a erosão de um precedente é gradual”, de forma a não gerar “um efeito abrupto no direito”.215

Tenha-se presente a advertência de José Rogério Cruz e Tucci que:

Deve ter-se presente que a abrupta alteração dos posicionamentos da jurisprudência acarreta, em regra, gravíssimas consequências no plano da dinâmica do direito, visto que: a) vulnera a previsibilidade dos pronunciamentos judiciais; e, por via de consequência, b) produz insegurança jurídica.216

E com esta advertência, encerrando o presente capítulo, tem vez o exame da questão que se refere à mudança da orientação judicial sobre determinado assunto e suas consequências imediatas para a sociedade submetida ao crivo das decisões do Poder Judiciário, num determinado caso concreto que, não obstante não toque a temática dos danos morais, tem seu relevo e merece ser examinado ante a oscilação valorativa que recebeu do sistema judicial brasileiro.

Para tanto, pinçou-se da literatura jurídica um ponto que, como se verá, vem sendo tratado da maneira mais variada possível pela jurisprudência, causando verdadeira balburdia no dia a dia dos chamados “loteamentos fechados” ou

212WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Direito Jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 13.

213WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Direito Jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 13.

214WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Direito Jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, 14.

215WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Direito Jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 42.

216TUCCI, José Rogério Cruz e. Direito Jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 110.

“condomínios de fato”, no que refere à questão da cobrança da taxa associativa, como passa a ser explanado.

Normalmente, a administração dos assim denominados “loteamentos fechados” ou “condomínios de fato” é feita por uma associação, oferecendo serviços para os moradores do local, como segurança privada, coleta de lixo, opções de lazer etc. A questão que vem sendo colocada para exame é a da cobrança da taxa associativa referente à prestação desses serviços.

Óbvio que os moradores que se associaram à entidade que presta os serviços devem pagar a taxa, pela simples razão de terem se associado. Nada mais se trata do que a cobrança fundada no ato de vontade do morador que livremente se associou, tendo de cumprir com as prestações deliberadas em assembleia.

O problema surge com aqueles moradores que, por qualquer motivo, não se associaram, seja porque não quiseram, seja porque simplesmente não souberam da existência da associação, o que não se mostra incomum. As duas alegações principais trazidas por esses moradores que não se associaram são as seguintes: primeira, que eles não têm obrigação de se associarem, daí que não têm obrigação de pagarem a taxa associativa; segunda, que o loteamento não se trata de um condomínio, daí que não devem o valor das despesas para a manutenção do local.

Posta a questão, demanda-se que se tragam as orientações jurisprudenciais sobre o tema.

Por um primeiro entendimento, mostra-se como correta a cobrança da taxa associativa, desde que devidamente comprovada a prestação dos mencionados serviços. Afirma-se que aqueles que não querem pagar a taxa associativa são donos de terrenos nos “loteamentos fechados” administrados pelas associações, usufruindo dos serviços que são disponibilizados à comunidade de proprietários e possuidores, tais como manutenção de ruas, lazer, segurança, coleta domiciliar de lixo etc. Para essa corrente não há motivo algum para que um pequeno grupo de pessoas pague por serviços que são colocados à disposição de toda uma comunidade. Caso fosse negada a possibilidade de cobrança da taxa associativa daqueles que não são associados, mas que têm terrenos no loteamento, se estaria coadunando com o enriquecimento sem causa de uns em detrimento de outros, pela valorização do imóvel daqueles que não querem pagar a taxa.

E essa orientação chegou a ser sufragada no Colendo Superior Tribunal de Justiça:

O proprietário de lote integrante de loteamento aberto ou fechado, sem condomínio formalmente constituído, cujos moradores constituíram sociedade para prestação de serviços de conservação, limpeza e manutenção, deve contribuir com o valor correspondente ao rateio das despesas daí decorrentes, pois não se afigura justo nem jurídico que se beneficie dos serviços prestados e das benfeitorias realizadas sem a devida contraprestação.217

Mas acabou vencida quando da reunião das duas Turmas da Segunda Seção do Colendo Superior Tribunal de Justiça, em 26 de outubro de 2005, ocasião em que, no exame dos Embargos de Divergência no REsp 444.931/SP, relator Ministro Humberto Gomes de Barros, por maioria de votos, julgado em 26/10/05, decidiu-se pela inadmissibilidade da cobrança em comento, sob os seguintes fundamentos:

As taxas de manutenção criadas por associação de moradores não podem ser impostas a proprietário de imóvel que não é associado, nem aderiu ao ato que instituiu o encargo. A questão é simples: o embargado não participou da constituição da associação embargante. Já era proprietário do imóvel, antes mesmo de criada a associação. As deliberações desta, ainda que revertam em prol de todos os moradores do loteamento, não podem ser impostas ao embargado. Ele tinha a faculdade – mais que isso, o direito constitucional – de associar-se ou não. E não o fez. Assim, não pode ser atingido no rateio das despesas de manutenção do loteamento, decididas e implementadas pela associação. No nosso ordenamento jurídico há somente três fontes de obrigações: a lei, o contrato ou o débito. No caso, não atuam qualquer dessas fontes.218

E essa vinha sendo a orientação predominante no mesmo Colendo Superior Tribunal de Justiça sobre o tema, como se verifica nos seguintes julgados: AgRg no EDcl no Ag nº 551.483-SP, REsp 778.145 e REsp 1.034.349/SP.

Todavia, não se pode deixar de mencionar que, em um julgado mais recente do próprio Colendo Superior Tribunal de Justiça, de agosto de 2009, por sua 4ª Turma, em votação unânime, o relator Ministro Luis Felipe Salomão, no AgRg nº 703.266-RJ, voltou a controverter a questão, afirmando categoricamente que, não obstante o reconhecimento anterior da impossibilidade da cobrança da taxa associativa, o tema deve ser examinado à luz de cada caso concreto, perquirindo-se se o proprietário do lote foi ou não beneficiado por serviços prestados pela associação. E ele concluiu que:

[...] conquanto a Segunda Seção desta Casa tenha traçado orientação no sentido de que “as taxas de manutenção criadas por associação de moradores, não podem ser impostas a proprietário de imóvel que não é

217AgRg no REsp 490.419/SP; Rel. Min. Nancy Andrighi; 3ª T. DJU, 30 jun. 2003, p. 248.

218REsp 444.931/SP; Relator Ministro Humberto Gomes de Barros; Julgado em 26/10/05; DJ, 01 fev. 2006, p. 427.

associado, nem aderiu ao ato que instituiu o encargo”, a questão deve ser examinada considerando a realidade de cada caso, não havendo como generalizar a tese. Não obstante a polêmica em torno da matéria, com jurisprudência oscilante desta Corte, a posição mais correta é a que

recomenda o exame do caso concreto, e, para ensejar a cobrança da cota-parte das despesas comuns, na hipótese de condomínio de fato, mister a comprovação de que os serviços são prestados e o réu deles se beneficia.

Nada obstante, em julgado mais recente ainda e agora prolatado pelo Excelso Supremo Tribunal Federal, em virtude da competência constitucional para exame do tema advindo da questão atinente à liberdade de associação, a orientação que prevaleceu foi contrária, no sentido de negar-se à associação a possibilidade da cobrança da taxa em referência. Com efeito, a E. 1ª Turma reformou acórdão que determinara ao recorrente satisfazer compulsoriamente a mensalidade à associação de moradores à qual não era vinculado. Ressaltou-se não se tratar de condomínio em edificações ou incorporações imobiliárias regido pela Lei nº 4.591/64. Consignou- se que, conforme dispõe a Constituição, ninguém estaria compelido a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei e, embora o preceito se referisse à obrigação de fazer, a concretude que lhe seria própria apanharia, também, a obrigação de dar. Esta, ou bem se submeteria à manifestação de vontade, ou à previsão em lei. Asseverou-se que o aresto recorrido teria esvaziado a regra do inciso XX, do artigo 5º, da Constituição Federal, a qual revelaria que ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado. Aduziu-se que essa garantia constitucional alcançaria não só a associação sob o ângulo formal, como também tudo que resultasse desse fenômeno e, iniludivelmente, a satisfação de mensalidades ou de outra parcela, seja qual for a periodicidade, à associação, pressuporia a vontade livre e espontânea do cidadão em associar-se.219

Como se viu, ao contrário do que se pode pensar, não se divisa, na jurisprudência, solução única para a problemática da cobrança da denominada taxa associativa. Note-se que, em poucos julgados e num curto período de tempo, a oscilação quanto à decisão da questão foi radical: num primeiro momento deferiu-se a cobrança da taxa contra o não associado; na sequência julgou-se improcedente tal cobrança; depois a cobrança foi novamente admitida; e, por fim, foi dada como indevida a taxa associativa no âmbito dos “condomínios de fato”.

219Recurso Extraordinário nº 432.106, julgado pela 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, em 20 de setembro de 2011, relatoria do Ministro Marco Aurélio Mello.

Tal confusão tem, dentre outras, uma causa, qual seja, a ausência total de legislação que discipline uma modalidade de ocupação do solo que se avulta a cada dia, isto é, o denominado “loteamento fechado”, que não se trata do loteamento regular da Lei nº 6.766/79, tampouco de um condomínio edilício previsto no Código Civil (artigos 1.331/1.358).

Tentando solucionar a questão e evitar maiores delongas processuais, nos autos do agravo de instrumento n°. 745831, o Ministro Dias Toffoli do Supremo Tribunal Federal, em novembro de 2011, reconheceu a repercussão geral da matéria, afirmando que “a questão posta apresenta densidade constitucional e extrapola os interesses subjetivos das partes”. O julgamento, dessa forma, é aguardado com expectativa pela comunidade jurídica.

Conclui-se, dessa sorte, que seria importante a edição de legislação federal contempladora de normas gerais sobre os “loteamentos fechados”, ou, na sua ausência, que a jurisprudência firmasse um precedente forte e com autoridade suficiente para ser seguido nas instâncias inferiores, conferindo segurança jurídica aos loteadores e aos proprietários de lotes, podendo ser, quem sabe, a própria decisão a ser proferida no futuro julgamento acima citado em que se reconheceu a repercussão geral da matéria. Com isso, se estaria fomentando cada vez mais a atividade econômica do país no plano imobiliário, além de proporcionar redução considerável dos litígios judiciais hoje enfrentados no dia a dia forense acerca do tema.