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Sumário. Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 09B0672

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Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 09B0672

Relator: LÁZARO FARIA Sessão: 18 Junho 2009

Número: SJ20090618000672

Votação: MAIORIA COM * VOT VENC Meio Processual: AGRAVO

Decisão: NEGADO PROVIMENTO

OPOSIÇÃO DE JULGADOS PROCEDIMENTOS CAUTELARES

ARRESTO RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

VENDA JUDICIAL EMBARCAÇÃO

Sumário

I - A requerida/agravada dedica-se à venda de embarcações; foi decretado o arresto preventivo, para garantia da quantia de 1.417.485,39 €, acrescida de juros de mora, de quatro embarcações de recreio; a requerida procurou

substituir o arresto, oferecendo caução mediante garantia bancária, afirmando ter interessados na venda das embarcações; volvidos quase quatro anos desde que foram arrestadas, as embarcações sofreram já, pelo menos, uma

desvalorização de 20%, relativamente ao seu valor de mercado.

II - Para efeitos da consideração da oposição de julgados como fundamento de admissibilidade de recurso, o facto das embarcações arrestadas se destinarem à venda (objecto comercial da recorrente), neste caso, e o da embarcação arrestada no “acórdão-fundamento” se destinar ao uso comercial de

transporte de mercadorias, ao serviço do qual se encontrava, tal não se mostra relevante à invocada dissemelhança, sendo que, quanto ao “acórdão-

fundamento”, sustentando-se em que o arresto se esgota na apreensão, foi indeferida a aí requerida venda antecipada; e quanto ao aqui sob recurso, foi autorizada esta, aplicando-se, em ambos os casos, as mesmas normas legais.

É, pois, evidente a oposição de julgados, sendo, por isso, caso de admissibilidade de recurso.

III - Aquelas embarcações, no circunstancialismo em que se encontram, e para

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efeitos da conservação dessa garantia, não podem deixar de considerar-se

“perecíveis” porquanto - embora feitas de materiais mais ou menos duradouros - essa qualidade não pode aferir-se apenas na vertente de

“desaparecimento, apodrecimento” - v.g. frutas -, ou seja, apenas na sua vertente de durabilidade física, mas no sentido da real possibilidade de continuação de conservação da garantia que tem por fim prosseguir.

IV - E para a recorrente, inserindo-se a venda das embarcações no seu objecto comercial e porque a tal fim se destinavam, não se vê como, ainda que os bens estejam arrestados, justificar, nas circunstâncias presentes, e perante os

permanentes prejuízos que resultam da sua não venda, a oposição a esta;

aliás, a recorrente procurou substituir o arresto, oferecendo caução mediante garantia bancária, afirmando ter interessados na venda das embarcações - o que mostra que, se assim tivesse sido entendido e decidido, a sua disposição era a de fazer a venda das mesmas, já no decurso do processo.

V - Eis porque, admitindo-se, por norma juridicamente perceptível e

defensável, a tese de que o instituto do arresto se destina à apreensão de bens para que o credor que tenha justificado receio de perder a garantia

patrimonial do seu crédito a não perca - art.º 406.º, n.º 1, do CPC - e sendo certo que não havendo norma que expressamente permita a aplicação do art.

886.º do CPC ao arresto, também não há norma que expressamente a proíba, temos por certo que, ainda que em casos excepcionais como o dos autos, a venda se justifica, só assim se permitindo que este instituto, neste caso, prossiga o fim a que se destina.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

Relatório -

Em recurso de agravo interposto por AA - Sociedade de Gestão e Exploração Turística, SA para o Tribunal da Relação, sendo agravada BB- Comércio de Embarcações de Recreio, Lda, foi revogado o despacho recorrido e ordenada a venda antecipada dos bens arrestados nos autos, tendo em conta que os

valores não poderão ser inferiores aos que justificam o decretamento do presente procedimento.

Dos autos, os factos relevantes:

1. A requerida (agravada) dedica-se à venda de embarcações, sendo que as embarcações arrestadas se destinavam a ser vendidas ao público (facto nº 2 do despacho de 15 de Novembro de 2006 que decretou o arresto).

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2. Foi decretado o arresto preventivo, para garantia da quantia de € 1.417.485,39, acrescida de juros de mora, da embarcação de recreio

denominada dakar da embarcação denominada blue star da embarcação angel e da embarcação dany filis em 15 de Novembro de 2006

3. Já antes havia sido decretado um arresto com o mesmo objecto por despacho de 4 de Janeiro de 2005 proferido nos autos de procedimento cautelar nº 903/05.6tvlsb-a.

4. Essa decisão de 4 de Janeiro de 2005 fora posteriormente revogada por acórdão do supremo tribunal de justiça proferido em 9 de Maio de 2006.

5. A requerida procurou substituir o arresto, oferecendo caução mediante garantia bancária, afirmando ter interessados na venda das embarcações (fis.

717 e 718 do apenso a)

6. Em sede de incidente de prestação de caução - apenso d - foi realizada perícia que avaliou as embarcações (cfr. Fis. 103 a 124 do apenso d) de cujo relatório (datado de 2006) consta que, desde a data em que foram arrestadas, as embarcações haviam já sofrido uma desvalorização que se estimava em 5%, sendo que a embarcação dany filis que poderia ter um valor de mercado entre 340.000 euros e 390.000 euros, foi avaliada em apenas 320.000 euros; a

embarcação angel foi avaliada em €190.000, sendo que o seu valor de mercado auxiliaria entre € 200.000 e € 270.000; a embarcação dakar foi avaliada em € 620.000, quando o normal valor de mercado se situaria entre € 650.000 e €750.000;

7. Volvidos quase quatro anos desde que foram arrestadas, as embarcações sofreram já, pelo menos, uma desvalorização de 20%, relativamente ao seu valor de mercado;

8. As embarcações já foram vandalizadas (cfr. Fis. 677 e 678 do apenso -a);

9. As embarcações necessitam periodicamente de manutenção, cujos custos são suportados pela requerente (cfr. fls. 444 do apenso - a);

10. A ancoragem das embarcações na marina de Vilamoura, importa o pagamento anual dos respectivos custos de ancoragem que ascendem a € 8.221,00 (acrescidos de iv a) para a embarcação dakar; a € 5. 963,00

(acrescidos de iv a) para a embarcação angel; e a € 1. 096,00 (acrescidos de iv a) para a embarcação dany filis (cfr. Informação de fis. 725 do apenso - a), sendo esses custos anuais também suportados pela requerente/agravante.

11. A acção principal está há vários meses na sua fase de instrução, não tendo ainda sido agendado o julgamento, na medida em que o processo se encontra a aguardar o cumprimento de várias cartas rogatórias para inquirição de testemunhas arroladas pela r., aqui requerida/agravada.

Perante estes factos provados, e com os fundamentos de direito do acórdão constantes, o tribunal da relação revogou a decisão de indeferimento aí sob

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recurso, e autorizou a venda antecipada dos bens arrestados, embora limitada, quanto aos valores a obter, os quais “não poderão ser inferiores aos que

justificam o decretamento do presente procedimento”.

Deste acórdão interpôs recurso a agravada, “BB- comércio de embarcações de recreio, lda”, para este supremo tribunal.

Alegando, conclui:

1) O acórdão recorrido está em contradição com outro, proferido pelo tribunal da relação de Lisboa, em 13 de Dezembro de 2000, já transitado em julgado, que foi publicado nas bases de dados do itij na internet, em www.dqsi.pt.

Processo 0076817 (relatar: desembargador Martins de Sousa), de que se junta certidão de teor como documento n.o 1;

2) Verifica-se a contradição de dois acórdãos sobre a mesma questão

fundamental de direito, no sentido do n.o 4 do art.° 6780 do c.p.c., quando o núcleo da situação de facto, à luz da norma aplicável, é idêntico em ambos eles, tendo a questão, não obstante, sido resolvida de forma divergente;

3) A questão fundamental de direito sobre a qual recai a contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão-fundamento é a de saber se, no âmbito de uma providência cautelar especificada de arresto, a lei processual autoriza, ou não, a venda antecipada dos bens apreendidos, bens esses que, no caso concreto sobre que ambos os acórdãos se debruçaram, correspondem a embarcações;

4) A norma jurídica aplicável em ambos os acórdãos em confronto foi

materialmente a mesma, ou seja, a norma processual civil que regula a venda antecipada de bens penhorados;

5) Não obstante a diferente inserção sistemática, a norma aplicável por ambos os acórdãos em confronto foi, materialmente, a mesma, respeitante à

regulação da venda antecipada de bens penhorados (com a formulação

anterior do art.º 851º do c.p.c., no caso do acórdão - fundamento; com a actual formulação do art.º 886º - c do mesmo código, introduzida pelo decreto-lei n.o 38/2003, de 08.03, no caso do douto acórdão recorrido);

6) Os bens arrestados, relativamente aos quais se colocou a questão da respectiva venda antecipada, correspondem a embarcações, em ambos os acórdãos em confronto, pelo que o núcleo da situação de facto, à luz da norma aplicável, é exactamente o mesmo em ambos os referidos acórdãos;

7) A questão fundamental de direito colocada em ambos os acórdãos em

confronto, assente em idêntico núcleo da situação de facto, recortado à luz da norma aplicável, foi resolvida de forma divergente: no acórdão-fundamento foi negada a possibilidade de venda antecipada da embarcação arrestada, por se entender que ao caso não era aplicável a disciplina do art.º 851º do c.p.c., vigente à data da prolação desse mesmo acórdão; no douto acórdão recorrido, tal possibilidade foi permitida relativamente às embarcações arrestadas, por

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se entender aplicável ao caso o disposto no art.o 886°- c do c.p.c. (que contém regulamentação idêntica à que dantes constava do referido art.º 851º do

mesmo código);

8) O acórdão-fundamento é anterior ao acórdão recorrido e já transitou em julgado, o que sucedeu em 25/01/2001;

9) Do acórdão recorrido não caberia recurso ordinário para o supremo

tribunal de justiça por força do disposto no artº 387°-a do c.p.c., ou seja, por motivo estranho à alçada do tribunal, sendo certo que o valor do presente processo é superior à alçada da relação;

10) O supremo tribunal de justiça não fixou anteriormente jurisprudência conforme a orientação perfilhada no acórdão recorrido, pelo que se encontra também preenchido o quarto requisito de admissibilidade do presente recurso, referido na alínea d) supra.

11) Estão reunidos os pressupostos legais de admissibilidade do presente recurso, exigidos nos termos do artº 678°, nº 4, do c.p.c.;

12) o arresto constitui um meio de conservação da garantia patrimonial do credor, que pode ser requerido por todo aquele que tenha justo receio de perder essa mesma garantia, nos termos do artº 619°, nº 1, do código civil;

13) O arresto apenas garante que qualquer acto de disposição que os afecte é ineficaz relativamente ao mesmo credor e, sendo-lhe aplicáveis os demais efeitos da penhora, garantir-ihe-á preferência em relação aos demais credores, pelo que nada obsta a que sobre eles recaia execução, mesmo que, entretanto tenham saído do património do devedor (artºs 622°, 819° e 822° do código civil);

14) Extravasa da finalidade do arresto qualquer acto sobre os bens envolvidos que ultrapasse a sua função conservatória;

15) O destino normal do arresto consiste na sua conversão em penhora a efectuar na futura acção executiva (artº 846° do c.p.c.), retrotraindo a efectivação desta à data da realização daquele (artº 822°, nº 2, do código civil);

16) Esgotando-se o arresto em tal função, não se pode pretender que a decisão que o decretou se substitua à sentença de condenação a proferir na acção principal, como único título executivo que permite a cobrança coactiva desse mesmo crédito;

17) as disposições relativas à penhora, aplicáveis ao arresto por via do disposto no artº 406°, nº 2, do c.p.c., são as que determinam os bens

penhoráveis, regem a efectivação da penhora e estabelecem os seus efeitos, delas se excluindo as atinentes à venda dos bens, mesmo antecipada, ao menos enquanto o arresto se não converter em penhora;

18) Não se aplicam, por isso, ao arresto, as disposições respeitantes à venda

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antecipada dos bens penhorados, anteriormente previstas no artº 851° do c.p.c. e, após a reforma da acção executiva operada pelo decreto-lei nº 38/2003, de 08.03, actualmente inseridas no artº 886°-c do mesmo código;

19) O novo posicionamento da norma em apreço, agora no artº 886°-c do c.p.c., reforça o entendimento de que a mesma não é aplicável ao arresto por via do disposto no artº 406°, nº 2, do mesmo código, uma vez que se trata de disposição relativa, não à penhora, mas sim à venda;

20) A venda antecipada prevista no artº 886°-c do c.p.c. supõe-se ordenada em processo que tem por base um título executivo pelo qual se determinam os seus fins e limites (artº 45° do c.p.c.) e que incorpora a declaração ou acertamento do direito de crédito violado;

21) E se a penhora se supõe ordenada em processo onde existe título daquela natureza, compreende-se que a disposição do artº 886°-c do c.p.c., que é própria desse processo e encerra o acto que caracteriza por excelência a execução (a venda), se não aplique, em regra, fora de processo desse tipo;

22) A venda antecipada dos bens arrestados, imposta por circunstâncias de excepção, não se destina a evitar alguma desvalorização do objecto arrestado, mas sim a sua total desvalorização ou perecibilidade, neste último caso por se reportar a bens de muito curta duração (v.g. géneros alimentícios);

23) A não realização da venda antecipada de bens arrestados de natureza perecível conduz à perda total do objecto da providência de arresto, assim se frustrando a função conservatória da garantia patrimonial do credor, típica deste instituto;

24) A venda antecipada de bens arrestados apenas se justifica quando tais bens sejam de natureza perecível ou de muito curta duração, de forma a evitar a sua perda ou desvalorização total e a consequente eliminação do objecto da providência;

25) No caso concreto dos autos, não foram arrestados quaisquer bens de natureza perecível ou de muito curta duração, mas sim quatro embarcações;

26) No caso concreto dos autos, não se verifica qualquer risco de perda ou desvalorização total dos bens arrestados, pelo que não se justifica a venda antecipada dos mesmos, ao abrigo do disposto no art.o 886°-c do c.p.c.;

27) A venda antecipada dos bens arrestados, no âmbito da providência de arresto e em fase anterior à conversão do arresto em penhora, resulta em flagrante violação do direito de propriedade da recorrente sobre esses mesmos bens, previsto no art.º 1305° do código civil;

28) A recorrente é uma sociedade que se dedica à venda de embarcações, pelo que tem especial conhecimento deste específico sector do mercado e da

actividade de compra e venda de embarcações;

29) Contrariamente ao que sucede com a recorrente, o depositário não está

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especialmente habilitado a conduzir e realizar negociações para compra e venda de embarcações, sendo um dado da experiência que a venda no âmbito de processo judicial conduz frequentemente à alienação dos bens por preços muito inferiores aos de mercado;

30) O actual enquadramento de profunda crise económica e de recessão que o país atravessa contribuirá, de forma decisiva, para que tal aconteça

relativamente aos bens arrestados nos autos, caso a sua venda antecipada seja promovida, com grave prejuízo do direito de propriedade da recorrente e sem qualquer prévia declaração do direito de crédito da recorrida consubstanciada em título executivo;

31) As embarcações arrestadas nos autos são "navios", na acepção do art.° 1°, alínea a), do decreto-lei n.º 202/98, de 10.07, pelo que lhes é aplicável a

disciplina legal contida nesse mesmo diploma;

32) Apenas o regime especial da venda antecipada de navio abandonado, previsto no art.º 18° do referido diploma, permite a realização de tal venda fora da acção executiva, regime esse que não é aplicável às embarcações arrestadas nos autos, por não se encontrarem em situação de abandono;

33) O disposto no artº 886°- c do c.p.c. não tem aplicação no arresto porque a isso se opõem a natureza e fins puramente conservatórios desse instituto, sendo certo que o procedimento de arresto se esgota, em termos executórios, com a apreensão dos bens sobre que recai e não gera título executivo, mesmo provisório, que confira cobertura a tal venda antecipada;

34) O douto acórdão recorrido viola o disposto no artº 406°, nº 2, do c.p.c., e no artº 1305° do código civil;

35) O artº 886°- c do c.p.c. devia ter sido interpretado no sentido de não ser aplicável no âmbito da providência cautelar de arresto, antes da respectiva conversão em penhora.

Nestes termos, deve ser revogado o douto acórdão recorrido e substituído por outro que indefira o requerimento de venda antecipada das quatro

embarcações arrestadas nos presentes autos.

Em contra-alegações, conclui, em síntese, a recorrida AA - Sociedade de Gestão e Exploração Turística, SA :

- Se só, "quando o núcleo da situação de facto, à luz da norma aplicável, seja idêntico", é que é admissível recurso, resulta que não se encontra preenchido um dos requisitos cumulativos previstos para a admissibilidade do agravo interposto em 2a instância, por não identidade de situações, devendo, por isso, o recurso ser recusado.

É que, entre as situações em confronto, há diferença substancial; e é esta:

enquanto que na primeira situação se pretende a venda antecipada de um bem

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instrumental à actividade da requerida, no segundo caso, procura-se a venda antecipada de bens que a requerida tinha destinado a venda. Enquanto

naquele caso, a venda do bem impediria a prossecução da actividade da requerida através do bem vendido. Neste, a venda do bem consubstancia a realização da actividade da requerida.

E é essa distinção que explica os sentidos diversos (não contraditórios) das decisões.

A assim não ser entendido:

- A progressiva desvalorização dos bens arrestados, aliado ao aumento do crédito da recorrida, por força do contínuo vencimento de juros de mora, diminuem gradualmente a aptidão da apreensão judicial dos bens como garantia patrimonial do crédito da recorrida.

- De todos estes factos resulta inequivocamente que a venda antecipada das embarcações se apresenta como a melhor forma de "salvaguarda da justiça material e da utilidade e eficácia própria da medida cautelar e da futura decisão", na medida em, caso seja julgada procedente a acção, o montante da venda dos bens arrestados constituirá garantia patrimonial do crédito da recorrida bem mais sólida do que os próprios bens arrestados e que, sendo julgada improcedente a acção, a recorrente terá a vantagem de receber o produto da venda de bens, ocorrida num momento em que estes têm um valor de mercado superior ao valor que teriam no final do processo ..

- A venda antecipada dos bens arrestados é, pois, de toda a conveniência, quer para o requerente (ora recorrida), como para o requerido (ora recorrente), sendo, pelo contrário, ruinosa e objectivamente desvantajosa a persistência do arresto.

Além de que não procede o argumento de que a remissão prevista no artigo 406º nº 2 do cpc para as regras da penhora não abrangeria a norma constante do artigo 886º- c do cpc, que prevê a venda antecipada de bens, visto que não existe qualquer norma jurídica que, directa e imediatamente, preveja a venda antecipada de bens arrestados - tanto em sentido permissivo, como

impeditivo; sendo, aliás, por essa razão, que se torna necessário proceder à análise, caso a caso, da factualidade relevante e dos interesses materiais das partes, por forma a decidir se a venda antecipada dos bens arrestados é, ou não, justificável à luz do interesse superior da justiça material.

. Concluindo que deve negar-se provimento ao presente recurso de agravo, com a consequente confirmação da decisão recorrida que ordena a venda antecipada dos bens arrestados nos presentes autos.

Cumpre apreciar e decidir –

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Referidos atrás os factos relevantes, resta agora conhecer das questões de direito que nas conclusões se suscitam, iniciando-se estas pela

admissibilidade/recusa do interposto recurso.

Resulta destes que, apesar dos argumentos referidos nas conclusões da recorrida sobre o “núcleo-base” de facto no sentido da sua não identidade, entenda-se absoluta, o certo é que, para efeitos da consideração da oposição de julgados como fundamento de admissibilidade de recurso, o facto das embarcações arrestadas se destinarem à venda (objecto comercial da recorrente), neste caso, e o da embarcação arrestada no “acórdão-

fundamento” se destinar ao uso comercial de transporte de mercadorias, ao serviço do qual se encontrava, tal não se mostra relevante à invocada

dissemelhança, sendo que, quanto ao “acórdão-fundamento”, sustentando-se em que o arresto se esgota na apreensão, foi indeferida a aí requerida venda antecipada; e quanto ao aqui sob recurso, foi autorizada esta, aplicando-se, em ambos os casos, as mesmas normas legais.

É, pois, evidente a oposição de julgados, sendo, por isso, caso de admissibilidade de recurso.

Conhecendo agora da “questão-base” que se suscita nos autos, há que

conhecer e decidir se, tendo em conta os factos julgados provados e as normas aplicadas, e aplicáveis, referentes ao arresto, in casu, é de manter ou revogar a decisão recorrida, sendo que esta apenas condicionadamente, em sede de valor, autorizou a venda antecipada dos bens arrestados nos autos.

Quid júris?

Refere-se, desde já, que se concorda com a decisão e com os seus fundamentos de facto e de direito.

Vejamos:

Nos termos do artº 660º, nº 2, do c. P. Civil “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.

Ocorre que a decisão recorrida decide abrangentemente a questão de fundo aqui em causa, tudo se sintetizando em saber-se se - no caso “subjudice”, e estando as embarcações simplesmente arrestadas - pode ou não proceder-se delas à venda, antecipadamente; ou seja, em fase de arresto.

Qualquer outra questão colocada, conducente a decisão de sentido contrário, estaria prejudicada pelo entendimento que fundamenta a decisão quanto àquela questão.

Assim:

- Se, por um lado, como pretende a recorrente, a remissão prevista no artigo 406º, nº 2 do cpc para as regras da penhora, não abrangeria a norma

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constante do artigo 886º - c do c.p.c., que prevê a venda antecipada de bens, sendo o arresto apenas um meio de conservação da garantia patrimonial do credor, esgotando-se com a apreensão dos bens, por outro, entende - se não concretizar-se, in casu - a manter-se os bens indefinidamente arrestados, (note-se, já estão nessa situação há vários anos e a desvalorização é grande, e será cada vez maior (facto notório) à medida que o tempo passa (nº 7 dos factos fixados relevantes) - a legal “conservação da garantia patrimonial do credor”, antes o seu contrário, face à constante, rápida e elevada

desvalorização anual de que esses bens estão a sofrer, às constantes despesas de manutenção de que carecem, sob pena dessa desvalorização ser ainda maior, aos gastos de ancoragem na marina de Vilamoura, às verificadas vandalizações de que já foram alvo e (facto notório) às que, é legítimo

presumir-se, irão ou poderão continuar a acontecer com as embarcações na situação em que se encontram.

Sendo a quantia em causa de montante muito elevado, com é, e sem prazo previsível a solução final do caso em sede de acção principal, não restam dúvidas de que o meio de conservar a garantia patrimonial do credor não é de continuar a manter os bens arrestados, mas antes vendê-los; e, quanto antes, melhor.

Estes, no circunstancialismo em que se encontram, e para efeitos da

conservação dessa garantia, não podem deixar de considerar-se “perecíveis”

porquanto - embora feitos de materiais mais ou menos duradouros - essa qualidade não pode aferir-se apenas na vertente de “desaparecimento, apodrecimento”, ex. Frutas etc., ou seja, apenas na sua vertente de

durabilidade física, mas no sentido da real possibilidade de continuação de conservação da garantia que tem por fim prosseguir.

Mantê-los arrestados não prossegue, pois, o fim a que este instituto se destina, não porque noutras condições e com outros bens assim sempre igualmente seja, mas porque a natureza dos bens aqui arrestados, por novos, sujeitos à concorrência de outras marcas e ao nascer de novos modelos, com outras e melhores características, e porventura, com novos e melhores preços, todos estes elementos existentes, publicamente conhecidos, determinam

inexoravelmente uma cada vez sua menor procura, com a consequente e permanente desvalorização que, porventura, em poucos anos, pode conduzir ao, praticamente, desaparecimento da garantia que, afinal, se pretendia, com tal instituto e a sua apreensão, conservar.

Outro aspecto que se afigura relevante é o facto de com a venda antecipada, aliás, limitada em sede de valor fixado pela decisão recorrida – o que garante a sua não venda por qualquer preço - se garantir também melhor os interesses

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também do recorrente.

Com efeito, se os bens forem vendidos desde já, pelo preço devido, e o seu produto ficar depositado, por ex. À ordem do processo, no caso da acção improceder, esse produto seria do recorrente e, certamente, em maior

montante do que obteria se apenas depois pretendesse, e conseguisse, vender esses bens mais tarde. Por isso, esta venda antecipada sê-lo-ia também em seu benefício.

E acresce que também se mostra incompreensível a oposição do recorrente à sua venda antecipada, já que os bens arrestados eram destinados à venda e o comércio de embarcações de recreio é o móbil da recorrente.

Ou seja:

Com a venda destes bens, por um lado, prossegue-se o fim comercial da

recorrente – “trocar embarcações por dinheiro”; por outro, beneficiam ambas as partes porquanto, realizando-se aquela quanto antes, a possibilidade de conseguir-se melhor preço, ou seja, maiores montantes é maior, sendo que, neste caso, seja qual for o resultado da acção, todos beneficiam, como é bom de ver-se.

E para a recorrente, inserindo-se a venda das embarcações no seu objecto comercial e porque a tal fim se destinavam, não se vê como, ainda que os bens estejam arrestados, justificar, nas circunstâncias presentes, e perante os

permanentes prejuízos que resultam da sua não venda, a oposição a esta.

Aliás, como se contem no nº 5 do relatório, a recorrente “procurou substituir o arresto, oferecendo caução mediante garantia bancária, afirmando ter

interessados na venda das embarcações (fis. 717 e 718 do apenso a)”; o que mostra que, se assim tivesse sido entendido e decidido, a sua disposição era a de fazer venda dos mesmos, já no decurso do processo.

Eis porque, admitindo-se que seja, por norma, juridicamente perceptível e defensável a tese de que o instituto do arresto se destina à apreensão de bens para que o credor que tenha justificado receio de perder a garantia

patrimonial do seu crédito a não perca – artº 406º nº 1 do c. P. Civil – e sendo certo que não havendo norma que expressamente permita a aplicação do art 886º em causa ao arresto, também não há norma que expressamente a proíba, temos por certo que, ainda que em casos excepcionais como o dos autos, a venda se justifica, só assim se permitindo que este instituto, neste caso, prossiga o fim a que se destina.

Aliás, neste sentido, vide “temas da reforma do processo civil, iv volume, 3.a edição, p. 221”, de António Abrantes Geraldes: "em princípio, a venda

antecipada apenas deverá ser autorizada em sede de acção executiva, nos

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termos do artº 886º - c. Todavia, excepcionalmente, quando possa concluir-se, com razoável segurança, que as vantagens suprem largamente os

inconvenientes, designadamente quando os bens arrestados corram o risco de se desvalorizarem totalmente ou de perderem grande parte do seu valor, o factor segurança deve ceder lugar ao da eficácia, promovendo-se a sua liquidação imediata, de modo a obter o justo quantitativo que, depositado à ordem do tribunal, possa servir para suportar o pagamento do crédito, se este for confirmado, ou ser entregue ao requerido se, eventualmente, a pretensão decair".

É o caso dos autos.

Assim, pelo exposto, entende-se que a decisão recorrida não merece censura.

Pelo que, improcedendo os invocados fundamentos:

Acorda-se em confirmar a decisão, negando-se provimento ao agravo.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 18 de Junho de 2009

Lázaro Faria (Relator) Salvador da Costa (1) Ferreira de Sousa

(1) VOTO DE VENCIDO I

No dia 15 de Novembro de 2006, em procedimento cautelar de arresto

instaurado por AA - Sociedade de Gestão e Exploração Turística, SA contra BB - Comércio de Embarcações de Recreio, Ldª que se dedica à venda de

embarcações,foram arrestadas três embarcações pertença da última para garantia do pagamento de € 1 417 485,39, acrescidos de juros de mora,

considerada correspondente ao direito de crédito da titularidade da primeira.

A requerente do arresto pediu a venda antecipada das embarcações, o tribunal da primeira instância indeferiu essa pretensão, e a Relação, em recurso de agravo, deferiu-a, em contrário do entendimento veiculado em um outro acórdão da Relação sobre a mesma questão fundamental de direito.

É a referida contradição de acórdãos que justifica a admissibilidade do recurso de agravo para este Tribunal, que se pronuncia sobre tal tipo de questão pela primeira vez.

II

É a seguinte a dinâmica processual que especificamente releva no caso vertente:

(13)

1. As referidas embarcações destinavam-se à venda ao público, foram

avaliadas em € 320 000, € 190 000, € 620 000, respectivamente, o custo anual da sua ancoragem importa em € 8.221, € 5 963, e € 1 096, acrescidos de

imposto sobre o valor acrescentado.

2. Quase quatro anos depois do arresto, as embarcações sofreram, pelo menos, a desvalorização de 20% relativamente ao seu valor de mercado, já foram vandalizadas e necessitam periodicamente de manutenção, cujo custo é suportado pela requerente.

3. A acção principal está há vários meses na fase de instrução, aguardando-se o cumprimento de várias cartas rogatórias para inquirição de testemunhas arroladas pela requerida.

III

A questão de direito objecto do recurso é a de saber se deve ou não ser admitida a venda antecipada das embarcações arrestadas.

A resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:

- regime processual aplicável ao recurso e normas da execução a considerar;

- natureza dos bens arrestados;

- escopo finalístico do procedimento cautelar de arresto e da acção executiva;

- a estrutura do arresto, da penhora e da venda de bens penhorados;

- compatibilidade ou não do arresto com a venda antecipada dos bens arrestados.

Vejamos, de per se, cada uma das referidas subquestões.

1.

Comecemos por uma breve referência ao regime processual aplicável ao

recurso e às normas do processo de execução que devem ser convocadas para o caso em análise.

Como o procedimento de arresto foi instaurado antes de 1 de Janeiro de 2008, ao recurso são aplicáveis as normas anteriores às decorrentes do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto (artigos 11º, nº 1 e 12º, nº 1).

Considerando que o novo regime da acção executiva, decorrente do Decreto- Lei nº 226/2008, de 20 de Novembro, entrou em vigor depois da instauração do procedimento cautelar em causa, as normas do processo de execução que devem ser convocadas são as anteriores às postas em vigor por aquele

diploma, decorrentes da alteração da lei de processo operada pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março.

2.

Continuemos, ora com uma sucinta referência à natureza dos bens arrestados

(14)

em aproximação ao caso vertente.

Estamos perante o arresto de três embarcações de considerável envergadura, em suma, navios (artigo 1º, alínea a), do Decreto-Lei nº 202/98, de 10 de Julho).

São bens deterioráveis os que são susceptíveis de se deteriorar ou danificar ou estragar, susceptibilidade que envolve todas as coisas que existem no espaço universal e sob o efeito do tempo, incluindo as embarcações ou navios que sofrem o impacto do contacto com água.

A venda antecipada dos bens arrestados é uma solução legal de excepção que se não destina a obstar à normal desvalorização dos bens penhorados, mas sim a sua intensa ou absoluta desvalorização em razão da sua perecibilidade.

As embarcações que estão aqui em causa são bens duradouros, cuja

deterioração é a normal derivada do respectivo uso, maior ou menor conforme for pior ou menor a diligência da sua conservação, o que significa que, dada a sua estrutura compósita, não são bens propensos a deterioração anormal pelo decurso do tempo.

Não se trata, por isso, de bens que não possam ou não devam conservar-se por estarem sujeitos a deterioração ou depreciação nem que haja manifesta

vantagem na antecipação da venda a que se reporta o artigo 886º-C do Código de Processo Civil.

A contingência da normal e progressiva desvalorização das referidas

embarcações e as vicissitudes quantitativas dos direitos de crédito de quem sobre elas tenha ou pretenda ter garantia patrimonial não podem justificar a qualificação de deterioração agravada a que a lei, naquele normativo,

excepcionalmente se reporta.

De qualquer modo, conforme abaixo se justificará, a referida problemática em nada releva para a decisão que deve ser proferida no recurso.

3.

Prossigamos, agora com a referência ao escopo finalístico do procedimento cautelar de arresto e da acção executiva.

O arresto é um procedimento cautelar especificado em que o requerente, além de indicar os bens a arrestar, deduz os factos que revelem a probabilidade da existência de um seu direito de crédito e o fundado receio de perda da

garantia patrimonial (artigos 406º, nº 1 e 407º, nº 1, do Código de Processo Civil).

Visa obstar ao perigo da demora da decisão a proferir na acção declarativa de condenação baseada na existência do respectivo direito de crédito, assumindo, por isso, em relação a ela, uma função instrumental (artigo 389º, nºs 1, 2 e 4, do Código de Processo Civil).

(15)

Para o respectivo decretamento basta que o requerente demonstre a

probabilidade do seu direito de crédito, ou seja, a aparência da sua existência, e o receio da perda da sua garantia patrimonial se então não forem

apreendidos bens do requerido.

Arrestados os bens do devedor, eles ficam nessa situação de à ordem do tribunal até que o credor disponha de sentença condenatória em termos de poder instaurar a acção executiva e converter o arresto em penhora (artigo 846º do Código de Processo Civil).

O mero arresto, sem a sentença condenatória na acção declarativa de

condenação de aquele é instrumental, só pode servir para que a pessoa que dele aproveite intervenha no concurso de credores com vista a requerer a suspensão da graduação de créditos em relação aos bens arrestados até à obtenção do pertinente título executivo (artigos 865º, nºs 1 e 2 e 869º, nº 1, do Código de Processo Civil).

Derivemos, ora, a nossa atenção para a estrutura da acção executiva para pagamento de quantia certa.

Não sendo a obrigação voluntariamente cumprida, tem o credor o direito de exigir judicialmente, em acção de condenação, o respectivo cumprimento e de executar o património do devedor, nos termos da lei, ou seja, por via da acção executiva (artigo 817º do Código Civil).

A acção executiva é, pois, a que envolve o requerimento de providências adequadas à reparação efectiva do direito violado (artigo 4º, nº 3, do Código de Processo Civil).

O exequente, por via dela, independentemente da vontade do executado nesse sentido, através do património deste, exercita o seu direito de obter o que lhe é devido por equivalente pecuniário.

Para esse efeito, importa que ele disponha de um título, pelo qual se

determinam o fim e os limites da acção executiva (artigo 45º, nº 1, do Código de Processo Civil).

Os títulos executivos, base essencial das acções executivas, estão taxativamente indicados na lei, seja a sentença proferida em acção

condenatória, sejam os documentos a que se reporta (artigos 45º e 46º do Código de Processo Civil).

Deles depende, dada a declaração da existência dos direitos substantivos ou a agravada presunção dessa existência, a instauração das acções executivas, com a coercibilidade na afectação patrimonial que envolvem no confronto dos executados.

Perante este quadro, fica óbvia a diferença estrutural entre os procedimentos cautelares de arresto e as acções executivas, o que implica que só em

limitados casos seja admissível a aplicação ao procedimento cautelar de

(16)

arresto a aplicação de normas relativas às acções executivas.

4.

Vejamos agora algo relativo à própria estrutura do arresto, da penhora e da venda de bens penhorados.

Esta breve análise remete-nos para o regime substantivo do arresto e da penhora e para o regime adjectivo da venda dos bens penhorados.

A regra é no sentido de que o proprietário goza de modo pleno e exclusivo do direito de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, com o limites da lei e observância das restrições por ela impostas (artigo 1305° do Código Civil).

O credor que tenha justo receio de perder a garantia patrimonial do seu direito de crédito pode pedir o arresto dos bens do devedor, nos termos da lei de processo (artigo 619º, nº 1, do Código Civil).

O arresto é, pois, grosso modo, a providência cautelar especificada que

consiste na apreensão judicial de bens, fundada no receio do credor de perder a garantia patrimonial do seu direito de crédito.

Temos, assim, que o arresto é um meio de conservação da garantia patrimonial dos credores que tenham justo receio de perder a garantia

patrimonial do seu direito de crédito, que se traduz na apreensão de bens do devedor.

Os actos de disposição dos bens arrestados são ineficazes em relação ao

requerente do arresto, de harmonia com as regras da penhora (artigo 622º, nº 1, do Código Civil).

Acresce que ao arresto são extensivos, na parte aplicável, os demais efeitos da penhora (artigo 622º, nº 2, do Código Civil).

Como decorre do referido normativo a remissão para regras concernentes à penhora, importa verificar o seu conteúdo em tanto quanto releva no caso em análise.

A penhora inscreve-se no âmbito da acção executiva, meio comum de da satisfação coactiva do direito do credor, também consistindo na apreensão jurídica de bens, acto processual fulcral na execução do património do devedor ou de terceiro, com vista à realização dos fins daquela acção.

Consubstancia, pois, um direito real de garantia, a que é inerente a preferência de pagamento sobre outros credores que não disponham de melhor garantia anterior.

Sob influência da ideia de sequela, expressa a lei que, sem prejuízo das do registo, não são oponíveis a quem pediu e conseguiu a penhora os actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados (artigo 819º do Código Civil).

(17)

Salvaguardados os casos especialmente previstos na lei, o exequente adquire, em regra, pela penhora, o direito de ser pago com preferência a qualquer credor que não tenha garantia real anterior (artigo 822º, nº 1, do Código Civil).

O acto de penhora não garante ao exequente a preferência de pagamento, por virtude de normas especiais, por exemplo, quando o executado é declarado insolvente (artigo 140º, nº 3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).

Acresce que tendo os bens do executado sido previamente arrestados, a anterioridade da penhora reporta-se à data do arresto (artigo 822º, nº 2, do Código Civil).

Vejamos, então, o que resulta dos segmentos normativos que veiculam a remissão do regime do arresto de bens para o que é próprio da penhora.

As regras próprias da penhora a que alude o artigo 622º, nº 1, do Código Civil são as previstas no artigo 819º daquele diploma, segundo o qual, sem prejuízo das regras do registo, são ineficazes em relação a quem aproveita do arresto os actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens arrestados.

Resulta, por seu turno, do disposto no nº 2 do artigo 622º, nº 2, do Código Civil que, salvo os casos especialmente previstos na lei, a pessoa que obteve o arresto tem o direito de ser pago com preferência a qualquer credor que não tenha garantia real anterior.

A mencionada ressalva, em que não é reconhecida a preferência de pagamento, tem a ver com a situação de declaração de insolvência do arrestado (artigo 97º, nº 1, do Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas).

No caso de haver conflito de direitos de crédito garantidos por penhora e por arresto prevalece, no caso de sujeição a registo, o que primeiramente tiver sido registado e, no caso contrário, o que antes tiver sido constituído.

Decorre do exposto que o arresto e a penhora apenas têm de comum o facto de se consubstanciarem em garantia real de cumprimento de obrigações de origem processual, circunstância que implica a identidade de efeitos.

Derivemos agora a nossa atenção para o próprio regime da acção executiva para o pagamento de quantia certa em tanto quanto releva no caso em análise.

É o Título III, Subtítulo II, do Código de Processo Civil que se reporta à

execução para pagamento de quantia certa, sendo que a Secção VI, que prevê o acto de venda, em cujas disposições gerais se insere o artigo 886º-C, relativo à venda antecipada de bens.

Dele resulta, por um lado, poder o juiz autorizar a venda de bens quando estes não possam ou não devam conservar-se, por estarem sujeitos a deterioração ou depreciação ou quando haja manifesta vantagem na antecipação da venda

(18)

(nº 1).

A referida autorização pode ser requerida pelo exequente, pelo executado ou pelo depositário, são ouvidas as partes que não sejam requerentes, salvo se a urgência da venda impuser a decisão imediata (nº 2).

Salvo os casos em que os bens devam ser vendidos em bolsas ou entregues a determinadas entidades, a venda é efectuada pelo depositário nos termos da venda por negociação particular, ou pelo agente de execução, isto nos casos em que o executado ou o detentor tenha assumido as funções de depositário (nº 3).

Temos assim que o acto de venda de bens, designadamente o que foi antecipado, de natureza processual, só tem ver com o acto de penhora na medida em que este constitui um seu pressuposto prévio, nessa medida de natureza instrumental.

Conexo com a venda de bens na execução, importa também ter em conta as normas de direito substantivo constantes do artigo 824º do Código Civil.

Dele resulta, por um lado, que ela transfere para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida (nº 1).

E, por outro, que os bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerarem, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros

independentemente do registo ( nº 2).

E, finalmente, que os direitos de terceiro que caducarem nos termos do

número anterior se transferem para o produto da venda dos respectivos bens (nº 3).

Decorre, pois, do exposto, a diversidade de sustentação jurídica do arresto e da penhora e que esta só é instrumental em relação a venda de bens na execução, ao invés da providência do arresto no âmbito do respectivo procedimento.

5.

Atentemos agora na problemática da compatibilidade ou não do procedimento de arresto com a venda antecipada dos bens arrestados.

Analisado que foi regime substantivo do arresto e da penhora, bem como o adjectivo da venda dos bens na acção executiva, ao abrigo do conjunto normativo a que se fez referência, é altura de verificar se o nosso

ordenamento jurídico comporta ou não que no procedimento de arresto se autorize a venda antecipada dos bens arrestados.

A este propósito, resulta da lei de processo consistir o arresto na apreensão judicial de bens à qual são aplicáveis as disposições relativas à penhora, em

(19)

tudo o que não contrarie o preceituado nesta subsecção (artigo 406º, nº 2, do Código de Processo Civil).

Importa ter em conta que o nº 2 do artigo 406º do Código de Processo Civil apenas determina a aplicação de normas relativas à penhora à apreensão judicial de bens, e só nessa estrita matéria se refere a tudo o que não

contrariar as normas processuais constantes da Subsecção V da Secção I do Capítulo IV do Código, que integra o aludido artigo e ainda os artigos 407º a 411º.

Excluindo o que se prescreve no artigo 406º do Código de Processo Civil, esta subsecção tem essencialmente a ver, por um lado, com a articulação pelos requerentes dos factos reveladores da probabilidade da existência do crédito e do fundado receio da perda da garantia patrimonial, e com a indicação dos bens a arrestar, dos termos subsequentes da produção de prova, do

decretamento da arresto sem audiência da parte contrária verificados que sejam os respectivos pressupostos.

E, por outro, com a redução da garantia aos seus justos limites, à não privação ao arrestado e sua família dos rendimentos estritamente necessários aos

respectivos alimentos, ao arresto de navios e da sua carga, ao caso especial de caducidade do arresto por virtude da falta de diligência na instauração da acção executiva ou na promoção dos seus termos, e, finalmente, ao arresto especial contra tesoureiros.

As normas relativas à penhora a equacionar para verificar se são ou não susceptíveis de contrariar o disposto nesta subsecção são, por um lado, a que se referem à impenhorabilidade total ou parcial, a que aludem os artigos 822º, 823º, 824º, 824º-A, 827º, nº 1, 828º, todos do Código de Processo Civil.

E, por outro as normas que se referem à forma da apreensão dos bens, ou seja, ao respectivo modo de a fazer, constantes dos artigos 831º, 832º, 833º, 834º, 836º, 838º, 839º, 840º,842º, 843º, 844º, 845º, 848º, 848º-A, 849º, 850º, 851º, 852º, 853º, 854º, 855º, 856º, 857º, 858º, 859º, 860º, 860º-A, 862º, 862º- A e 863º, todos do Código de Processo Civil.

A questão que está em causa no recurso não tem obviamente a ver com a aplicação de qualquer das normas relativas à penhora acima referidas ao procedimento de arresto, porque só o tem com a admissibilidade ou não da aplicação no procedimento cautelar de arresto das normas relativas à venda de bens, incluindo a antecipada, relativas à acção executiva.

O intérprete da lei deve tentar reconstituir o pensamento legislativo a partir da sua letra, em termos de unidade de sistema jurídico, tendo em conta o tempo da sua formação e da respectiva aplicação, mas nunca à margem do referido elemento literal (artigo 9º, nº 2, do Código Civil).

Na dúvida deve o intérprete considerar a presunção de que o legislador

(20)

consagrou as soluções mais acertadas (artigo 9º, nº 3, do Código Civil).

Considerando os referidos princípios legais de interpretação da lei, o nº 2 do artigo 406º do Código não comporta minimamente a interpretação no sentido de aplicação no procedimento de arresto de qualquer das normas do processo executivo relativas à venda judicial de bens.

Se resultasse da lei a dúvida sobre o sentido determinante do nº 2 do artigo 406º do Código de Processo Civil, tendo em conta o que se prescreve no nº 3 do artigo 9º do Código Civil, haveria o intérprete de afastar o que foi

considerado no acórdão, dado o que prescreve o artigo 824º deste último diploma.

É que, se assim não fosse, importava que se admitisse a abertura do concurso de credores no procedimento cautelar de arresto, o que seria manifestamente incompatível com a sua estrutura.

A conclusão é, por isso, ao invés da solução que teve vencimento, no sentido da não compatibilidade do procedimento de arresto com a venda antecipada dos bens arrestados, salvo, naturalmente, no caso de conversão do arresto em penhora, o que não é aqui o caso.

6.

Finalmente, a síntese da solução para o caso objecto do recurso decorrente dos factos provados e da lei substantiva adjectiva aplicável.

As partes, ao indicarem para arresto determinados bens sujeitam-se às

contingências da demora da decisão a proferir na acção principal, da natureza daqueles bens, bem como ao regime legal que lhe é inerente.

O arresto é um meio de conservação da garantia patrimonial do credor, esgotando-se com a apreensão dos bens.

A circunstância de as embarcações em causa se destinarem à venda não pode justificar a sua alienação pelo tribunal à margem da lei processual e

substantiva.

A solução que prevaleceu no acórdão pode derivar apenas da inexistência de norma que expressamente proíba a venda judicial de bens no procedimento de arresto, porque a proibição pode resultar implicitamente do conjunto

normativo envolvente.

O circunstancialismo da desvalorização das embarcações que ficou provado é o normal em bens desse tipo, por isso insusceptível de se lhe aplicar o

disposto no artigo 886º-C do Código de Processo Civil.

Mas a referida circunstância não releva no caso vertente, porque só seria susceptível de relevar em caso de penhora de bens na acção executiva, mas não em mera situação de arresto.

A resolução da questão objecto do recurso não decorre da aplicabilidade ou

(21)

não de normas relativas à penhora constantes da lei de processo executivo no procedimento de arresto, mas da aplicabilidade ou não neste de normas

concernentes à venda judicial de bens.

As normas relativas à penhora a que se reporta o artigo 406º, nº 2, do Código de Processo Civil susceptíveis de aplicação no procedimento de arresto são as que se reportam à admissibilidade ou não da penhora de bens ou aos

respectivos limites para o efeito e à forma de realização do acto de penhora em relação à pluralidade de espécies de bens.

O referido normativo, por si ou conjugado com todos os outros que foram analisados, de natureza adjectiva ou substantiva, não permitem, antes excluem, a venda judicial de bens no procedimento cautelar de arresto, independentemente de serem ou não deterioráveis ou desvalorizáveis em geral ou no âmbito da particularidade da sua situação.

No acórdão recorrido, e no proferido por este Tribunal errou-se na aplicação da lei, ao invés do acórdão fundamento e do tribunal da primeira instância.

IV

Pelo exposto, revogaria o acórdão da Relação, para ficar a subsistir o despacho proferido pelo tribunal da primeira instância

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