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A incidência e mecanismos de combate ao trabalho em condições análogas à de escravo no Brasil

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Academic year: 2021

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SUYANNE GOULARTE DUARTE

A INCINDÊNCIA E MECANISMOS DE COMBATE AO TRABALHO EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS À DE ESCRAVO NO BRASIL

Araranguá 2019

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A INCINDÊNCIA E MECANISMOS DE COMBATE AO TRABALHO EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS À DE ESCRAVO NO BRASIL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. José Adilson Candido, Esp.

Araranguá 2019

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Dedico este trabalho de Conclusão de Curso aos meus pais, Paulo e Sônia, à minha irmã Pauliane e ao meu amor, Maurício, os quais me apoiaram com carinho nesta jornada acadêmica.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeço a Deus meu melhor amigo, que me guia e se faz presente em meu em meu coração, guiando-me em todas minhas escolhas.

Agradeço a minha irmã Pauliane, que desde a infância foi meu referencial na vida e a todo o momento me estimula a alcançar meus objetivos. Ao meu amor e companheiro Maurício, que é meu grande incentivador aos desafios que vida me proporciona, e me ensina todos os dias a fazer tudo com amor. À minha companheira Cindy, de noites em claro redigindo este, que apesar de não possuir o dom da fala, expressava em seus olhos o grande afeto que sente por mim.

Agradeço imensamente ao meu orientador, José Adilson Candido, grande mestre que aceitou conduzir o meu Trabalho de Conclusão de Curso, dirigindo-me com excelência a exercer o meu melhor. Aos demais professores que Universidade do Sul de Santa Catarina presenteou em minha jornada acadêmica, gratidão aos meus colegas que tornaram-se amigos, em especial Katrine que se tornou uma grande amiga e confidente.

Sobretudo, agradeço aos meus pais, Paulo e Sônia, os quais são meu alicerce, que realizaram o meu sonho em cursar Direito, e durante a minha vida fizeram o que puderam para que eu realizasse as oportunidades das quais sempre almejei, e me ensinam todos os dias com amor, a ser uma pessoa melhor.

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“A escravidão animal deveria ser enterrada, juntamente com a escravidão humana, no cemitério do passado”. (Peter Singer)

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RESUMO

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi conduzido por meio de pesquisa bibliográfica e documental, com foco no tema em do trabalho em condições análogas à de escravo no Brasil. O questionamento base para o desenvolvimento do estudo foi relativo à incidência do mesmo e os meios para erradicar essa espécie de criminalidade ainda existente no país. O objetivo geral referiu-se a aludir aos meios de combate ao crime previsto no artigo 149 do Código Penal Brasileiro. A presente pesquisa apresentou um breve histórico que permitiu a comparação com a situação atual do neoescravo. Foram apresentadas providências tomadas por entidades governamentais e não governamentais para desenraizar o crime de submeter alguém à condição análoga à de escravo em nosso país. Como conclusão, torna-se triste constatar que o país não possui entidade estatal para prestar assistência ao escravizado contemporâneo após a libertação do regime escravocrata. Isso gera um ciclo, uma vez que o escravo, por ser de classe baixa ou de escolaridade incompleta, não possui as oportunidades almejadas, necessitando subsistir. Portanto, a pesquisa possibilitou concluir que, muito embora existam várias iniciativas direcionadas à prevenção e à repressão ao trabalho escravo, elas ainda são insuficientes, sendo necessário o seu aprimoramento.

Palavras-chave: Neoescravização. Trabalho Escravo. Condições Análogas à de Escravo. Erradicação.

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ABSTRACT

This Course Conclusion Paper was conducted through bibliographic and documentary research, focusing on the theme of working in slave-like conditions in Brazil. The basic question for the development of the study was related to its incidence and the means to eradicate this kind of crime still existing in the country. The general objective was to refer to the means of combating crime provided for in Article 149 of the Brazilian Penal Code. This research presented a brief history that allowed the comparison with the current situation of the neo-slave. Steps have been taken by governmental and non-governmental entities to uproot the crime of subjecting someone to slave-like status in our country. In conclusion, it is sad to see that the country has no state entity to assist the contemporary enslaved after the liberation of the slave regime. This generates a cycle, since the slave, being of low class or incomplete education, does not have the desired opportunities, needing to subsist. Therefore, the research made it possible to conclude that, although there are several initiatives directed at the prevention and repression of slave labor, they are still insufficient and need to be improved. Keywords: Slavery. Brazil. Contemporary. Eradicate. Crime. Analogue.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Trabalhadores escravizados em fazenda de cana-de-açúcar no Mato Grosso do Sul

recebem suas refeições ... 15

Figura 2 – Neoescrava boliviana no ambiente de trabalho com sua filha ... 16

Figura 3- Fornos de carvão usam a mão-de-obra escrava infantil. ... 37

Figura 4 – Ranking do trabalho escravo por região do Brasil ... 42

Figura 6 – Ambiente de trabalho dos neoescravos contratados pela empresa Zara ... 47

Figura 7 - Ambiente de trabalho dos neoescravos contratados pela empresa Zara ... 47

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO... 11

2 TRABALHO EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS À DE ESCRAVOS E OS PRINCÍPIOS À LUZ DA DIGNIDADE HUMANA ... 13

2.1 BREVE HISTÓRICO DA ESCRAVIDÃO PÁTRIO. ... 13

2.2 TRABALHOS EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS ÀS DE ESCRAVO NO BRASIL ... 14

2.3 TRABALHO ESCRAVO CONTEPORÂNEO E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ... 20

3 MODOS DE EXECUÇÃO E AUMENTO DA PENA ... 24

3.1 ASPECTOS PENAIS DO TRABALHO EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS À DE ESCRAVO ... 24

3.2 BENS JURÍDICOS TUTELADOS PELO ARTIGO 149 DO CÓDIGO PENAL ... 25

3.3 TRABALHO ESCRAVO: MODOS DE CONSUMAÇÃO TÍPICOS ... 26

3.3.1 Trabalho forçado ... 26

3.3.2 Jornada exaustiva ... 28

3.3.3 Condições degradantes de trabalho ... 31

3.3.4 Restrição de locomoção por dívida contraída... 32

3.4 TRABALHO ESCRAVO: MODOS DE CONSUMAÇÃO POR EQUIPARAÇÃO ... 34

3.5 AUMENTO DE PENA ... 36

4 MECANISMOS DE COMBATE AO TRABALHO EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS À ESCRAVIDÃO MODERNA NO BRASIL ... 40

4.1 AÇÕES DE COMBATE AO TRABALHO ESCRAVO ... 40

4.2 REPRESSÃO AO TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL ... 43

4.2.1 Comissão Pastoral da Terra – CPT ... 44

4.2.2 Repórter Brasil ... 45

4.2.3 Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo ... 48

4.2.4 SINAIT - Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho ... 49

4.2.5 MHuD - Movimento Humanos Direitos ... 50

4.2.6 Grupo Especial de Fiscalização Móvel - GEFM ... 51

4.3 O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO NO ÂMBITO DO COMBATE AO TRABALHO ESCRAVO ... 52

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1 INTRODUÇÃO

O tema deste trabalho de conclusão de curso é trabalho em condições análogas à de escravo. Trata-se de um objeto de suma importância, visto as consequências que a submissão de outrem, em tais condições, acarreta à sociedade e à história. Trata-se de um fenômeno mundialmente reconhecido, e não se torna difícil identificá-lo após compreender acerca do assunto.

Essa prática, por muitos anos, era considerada justificável e eficiente, mas, com a abolição da mesma, ela se tornou um crime. Segundo a Organização Internacional do Trabalho, mais de quarenta milhões de indivíduos foram resgatados dessa situação degradante que é o trabalho escravo contemporâneo até o ano de 2016.

Este crime está tipificado no artigo 149 do Código Penal Brasileiro, caracterizando o trabalho em condições análogas à de escravo a partir de diversos elementos: trabalho forçado; jornada exaustiva; condição degradante de trabalho; restrição, por qualquer meio, de locomoção ou em razão de dívida contraída e, ainda, retenção no local de trabalho em razão de cerceamento do uso de qualquer meio de transporte, vigilância ostensiva ou apoderamento de documentos ou objetos pessoais. Portanto, trata-se de conduta que fere gravemente o princípio da dignidade da pessoa humana, o qual é assegurado por lei a todos que no país residem.

Brito Filho mostra-se entristecido, ao argumentar, afirmando que “não me parece natural, após toda a evolução da humanidade, em pleno século XXI, ainda haver trabalho escravo no Brasil [...]”. Isso porque, apesar da herança histórica da escravidão no Brasil, este não versa, em sua legislação ou na prática, condutas eficazes para que o escravizado contemporâneo, após liberto, adentre na sociedade civil.

Desse modo, esta pesquisa possui, como tema central, a ocorrência do trabalho em condições análogas à de escravo e os desafios para a erradicação do mesmo. Como questionamentos, consolidaram-se os seguintes: Como caracterizar o crime de condições análogas a de escravo? Como combater o trabalho escravo contemporâneo no Brasil?

Diante do exposto, a presente pesquisa realizou-se através de estudo bibliográfico, apoiado em textos de diferentes autores, acrescentando conhecimentos sobre o tema de bases teóricas seguras, além de pesquisa documental, utilizando-se de fontes legais.

Este trabalho foi estruturado em três capítulos. O primeiro discorre sobre o histórico da escravidão no Brasil, uma apresentação do que significa o trabalho em condições análogas à de escravo no país, tipificado no Código Penal Brasileiro, e a consequências do

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mesmo, ao infringir gravemente o princípio da dignidade humana. O segundo capítulo versa sobre os modos de execução do trabalho escravo contemporâneo, bem como os aspectos penais do trabalho em condições análogas à de escravo, apresentando os bens jurídicos tutelados pelo artigo 149 do Código Penal Brasileiro e, ainda, as especificações de aumento da pena. Por fim, o terceiro capítulo, aborda os mecanismos de combate ao trabalho em condições análogas à de escravidão no Brasil, assim como as ações de combate ao mesmo, e, ainda, o papel do ministério Público do Trabalho no âmbito de erradicação ao trabalho em condições análogas à de escravo no Brasil

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2 TRABALHO EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS À DE ESCRAVOS E OS PRINCÍPIOS À LUZ DA DIGNIDADE HUMANA

2.1 BREVE HISTÓRICO DA ESCRAVIDÃO PÁTRIO.

A escravidão no Brasil, também conhecida como escravismo ou escravatura, ocorreu no início do século XVI, no período colonial, inicialmente, com os nativos da região, os indígenas, no entanto, foi brevemente sendo substituída pela escravização de africanos.

Portugueses e brasileiros transportavam homens e mulheres de suas colônias na África com destino ao Brasil, no intuito de utilizá-los como mão de obra escrava em engenhos de fazendeiros. O transporte era feito através de navios negreiros. Os escravos vinham nos porões desses navios, amontoados, sem condições mínimas de vida e sofrendo graves violências. Muitos faleciam durante o percurso, tendo os seus corpos lançados ao mar por seus algozes.

Os comerciantes vendiam os escravos como mercadorias, sendo que aqueles que eram notoriamente mais saudáveis que outros custavam o dobro. Ao se tornarem propriedades do seu senhor de engenho, os escravizados realizavam trabalhos braçais, recebendo apenas um amontoado de roupas e alimentação de baixa qualidade. Viviam em senzalas, na maioria das vezes acorrentados, e eram constantemente penalizados, tendo sua integridade física ferida. Proibidos de praticarem seus rituais religiosos e sua cultura, eram-lhes impostos, por seus senhorios, os costumes a serem seguidos.

As escravas, que também eram chamadas de mucamas, realizavam os trabalhos domésticos, eram babás dos filhos de sua dona e, até mesmo, tinham a função de amas de leite. Por muitas vezes, sofriam ameaças e assédios sexuais de seu senhor, o que, em muitos casos, resultava em uma gravidez.

Segundo Lovejoy,

Suas características específicas incluíam a ideia de que os escravos eram uma propriedade; que eles eram estrangeiros, alienados pela origem ou dos quais, por sanções judiciais ou outras, se retirara a herança social que lhes coubera ao nascer; que a coerção podia ser usada à vontade; que a sua força de trabalho estava à completa disposição de um senhor; que eles não tinham o direito à sua própria sexualidade e, por extensão, às suas próprias capacidades reprodutivas; e que a condição de escravo era herdada, a não ser que fosse tomada alguma medida para modificar a situação (2002, p. 1).

A partir do século XVIII, denominado de século do ouro, os escravos conquistaram a oportunidade de sua liberdade, através da chamada Carta de Alforria. Esta era

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um documento dado ou vendido ao escravizado por seu proprietário, em que constava a declaração de que o mesmo abdicava de seus direitos sobre o escravo, consequentemente, tornando-o livre.

No entanto, somente ao final do século XIX, a escravidão foi mundialmente abolida. No Brasil, através da Lei Áurea, sancionada pela Princesa Dona Izabel, no dia 13 de maio de 1888. Esta Lei assegurou liberdade total aos escravizados existentes no país.

A Princesa Imperial Regente, em nome de Sua Majestade o Imperador, o Senhor D. Pedro II, faz saber a todos os súditos do Império que a Assembléia [sic] Geral decretou e ela sancionou a lei seguinte:

Art. 1°: É declarada extincta [sic] desde a data desta lei a escravidão no Brasil. Art. 2°: Revogam-se as disposições em contrário (BRASIL, Lei Áurea, 1888).

2.2 TRABALHOS EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS ÀS DE ESCRAVO NO BRASIL Apesar de estabelecida e reconhecida a lei que pôs fim ao período de escravidão no Brasil, os que foram favorecidos por ela não obtiveram as oportunidades almejadas perante a sociedade, em razão da cor de sua pele e de seu passado.

Ainda que, “Áurea” signifique ouro, expressão utilizada em razão do fato grandioso que representou a Lei Áurea, à época, para os trabalhadores que viviam de forma degradante, esta não previu a transição adequada para apoiar a população negra como trabalhadores livres, nem anteviu a forma como esse povo liberto iria adentrar em uma sociedade repleta de preconceitos, por essa razão, milhares de ex-escravos migraram para morros retirados do meio urbano ou continuaram a exercer sua função para seus ex-senhores em troca de moradia e comida.

Por consequência desses fatores históricos, o regime escravocrata oportunizou uma infeliz herança, não só aos brasileiros, mas ao mundo. A expressão “análogo ao trabalho escravo” advém do fato de que a escravidão tornou-se vedada desde o século XIX, porém, ela está presente, hodiernamente, com uma nova roupagem, mas guardando a mesma essência.

Embora condenada e abolida em tratados e declarações formais, a escravidão ainda não foi de todo eliminada em nosso tempo e continua encontradiça em várias partes do mundo, sob formas parciais ou disfarçadas, a escravidão não deixou de existir, apresentando-se com uma gama variada de práticas (GORENDER, 2004, p.1). A expressão em comento passou a ser usada por prudência, visto que, a prática do trabalhador em condições nas quais ele se assemelha a um escravo tornou-se um ato juridicamente proibido. Hungria esclarece tal assertiva, afirmando que “refere-se o texto legal à ‘condição análoga à de escravo’ deixando bem claro que não se cogita de redução à

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escravidão, que é um conceito jurídico, isto é, pressupondo a possibilidade legal do domínio de um homem sobre outro” (HUNGRIA, 1958, p. 199, grifo do autor).

É de suma importância diferenciar a neoescravidão da escravização do século XVI, em que os vassalos eram predominantemente negros e de extrema importância para o setor econômico do país. Hoje, o neo-escravo, como é denominado o escravo contemporâneo, tornou-se um indivíduo descartável diante de seu chefe ou de quem o empregou, sendo que estes passaram a serem reconhecidos popularmente como “gatos”, os quais são os responsáveis pela busca de cidadãos, em todo o Brasil, para ingresso no regime de neoescravidão. Eles também são responsáveis por auxiliar no disfarce da situação, acobertando o proprietário do local onde se realiza tal crime.

Ao término do exercício de suas tarefas, os escravizados contemporâneos são brevemente dispensados sem o cumprimento de seus direitos. Vale ressaltar, que a neo-escravização é conveniente e propícia ao empregador, uma vez que não se tem a propriedade do neo-escravo, porém ele é conduzido como mercadoria, sem salário ou com pagamento de um valor mínimo referente ao seu ofício. Visto pelo lado econômico e operacional, o escravo contemporâneo possui mão de obra extremamente inferior à qual deveria corresponder, representando assim, um rendimento e um lucro notoriamente altos para o empresário.

Contudo, embora com poucas diferenciações, encontram-se semelhanças entre o regime antigo da escravidão e o da neo-escravização. De acordo com Gorender, o trabalho em condições análogas à de escravo permanece a rodear àqueles menos favorecidos, isso porque, com a dificuldade em amparar as necessidades do lar e de sua família, estes são instigados a acatarem outros meios para suprirem a carência da mesma, e é nestas situações que o particular se deslumbra com as falsas promessas do seu ludibriador. Segundo o autor, o termo

migrantes refere-se àqueles internos que abandonam suas casas e cidades em busca do

sustento para seus familiares em território nacional, enquanto o termo imigrantes àqueles que desabitam seus países em razão de palavra fraudulentas, ou por se verem obrigados pela questão econômica precária de seu país (GORENDER, 2004, p. 1), tendo como exemplos os imigrantes haitianos ou bolivianos no Brasil.

Figura 1 - Trabalhadores escravizados em fazenda de cana-de-açúcar no Mato Grosso do Sul recebem suas refeições

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Fonte: imagem de Joao Roberto Ripper (2010) in NINJA (2019, p. 1).

Em áreas rurais brasileiras o maior número de escravizados diz respeito a homens jovens, que são escolhidos, por seus aliciadores, por se tratarem de funções que exigem força. Assim, em sua maior parte, esse grupo é formado por migrantes internos que buscam oportunidades nas atividades agrícolas e rurais, tais como a produção de carvão, o cultivo de cana-de-açúcar, de soja, de algodão, dentre outros. O depoimento de um trabalhador que vivenciou essa situação, de nome Francisco das Chagas Bastos, de 41 anos, expõe essa situação:

"O mato não era baixo, como tinham prometido. Era um juquirão (mato que cresce no campo) alto, coisa para trator fazer. O capim era maior que nós, e era tão quente que chegava a dar agonia. Um dos rapazes que estava com a gente fez a conta: cada um de nós ganhava R$0,75 por dia” (BASTOS, 2019, p. 1).

Por sua vez, em territórios urbanos o número de mulheres e de crianças alienadas a esse regime escravocrata é de extrema preocupação, estes estão contidos em setores como as facções têxteis, na construção civil, na exploração sexual, em trabalhos domésticos, em casamentos forçados, dentre outros, e concentram-se, principalmente, na cidade de São Paulo. Nesses casos, a grande maioria são de imigrantes internacionais, provenientes, principalmente, de países da América Latina, tais como Peru, Bolívia e Paraguai

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Fonte: Maciel (2015, p. 1)

O chefe da oficina me ameaçava, não deixava eu sair. Como eu não tinha visto, ele dizia que a Polícia Federal estava caçando bolivianos e que eu seria presa" (MACHADO, 2018, p. 1). Esse é um depoimento da boliviana Virginia Paulina, residente no Brasil, no município de São Paulo, que, atualmente, encontra-se em uma moradia pública designada aos moradores de rua, após ter sido expulsa do prédio em que morava, no qual também exercia sua função de costureira, mais especificamente, como neoescrava de uma empresa têxtil. A mesma relata que cumpriu seu trabalho durante um ano e, no mesmo período, não auferiu nenhum provento em troca de seu serviço (MACHADO, 2018, p. 1).

O sociólogo norte-americano Kevin Bales, especialista no tema, em entrevista à Folha de São Paulo, afirmou

Folha - No Brasil, qual é a diferença entre a escravidão atual e a do tempo colonial? Bales - A diferença fundamental hoje é o baixo custo de um escravo. No passado, um escravo no Brasil era uma mercadoria muito cara, o equivalente a milhares de reais. Hoje, pode-se levar uma pessoa à escravidão por meio de trapaça, prometendo emprego e a levando para a área rural por uma quantia bem pequena, poucas centenas de reais. Esse fator é muito perigoso. A partir do momento em que as pessoas são tão baratas, elas não representam um investimento. Para pessoas inescrupulosas, há poucos motivos para não matá-los caso decidam ser essa a forma mais fácil para lidar com eles (MAISONNAVE, 2004, p. 1).

Seguindo a linha de raciocínio de Bales, José Claudio Monteiro de Brito Filho explica de forma simplificada, em seu livro “Trabalho Decente”, o que torna um trabalho análogo à escravidão, afirmando que

Podemos definir trabalho em condições análogas à condição de escravo como o exercício do trabalho humano em que há restrição, em qualquer forma, à liberdade

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do trabalhador, e/ou quando não são respeitados os direitos mínimos para o resguardo da dignidade do trabalhador. Repetimos, de forma mais clara, ainda: é a dignidade da pessoa humana que é violada, principalmente, quando da redução do trabalhador à condição análoga à de escravo. Tanto no trabalho forçado, como no trabalho em condições degradantes, o que se faz é negar ao homem direitos básicos que o distinguem dos demais seres vivos; o que se faz é coisificá-lo; dar-lhe preço, e o menor possível (BRITO FILHO, 2004, p. 14).

A legislação brasileira, no art. 149 do Código Penal, descreve a condição análoga à de escravo como sendo aquela em que o trabalhador é submetido, por coação ou violência, a exercer trabalho forçado, jornada exaustiva, condição degradante do mesmo, restrição por qualquer meio de locomoção em razão de dívida contraída com o empregador, retenção ao local de serviço, manutenção de vigilância ostensiva, apoderamento de documentos e exploração sexual (BRASIL, CP, 2019). In verbis:

Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

§ 1o Nas mesmas penas incorre quem: (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003) I - cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

II - mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

§ 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

I - contra criança ou adolescente; (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003) II - por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

Tráfico de Pessoas (Incluído pela Lei nº 13.344, de 2016) (Vigência)

Art. 149-A. Agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de: (Incluído pela Lei nº 13.344, de 2016) (Vigência)

I - remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo; (Incluído pela Lei nº 13.344, de 2016) (Vigência)

II - submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo; (Incluído pela Lei nº 13.344, de 2016) (Vigência)

III - submetê-la a qualquer tipo de servidão; (Incluído pela Lei nº 13.344, de 2016) (Vigência)

IV - adoção ilegal; ou (Incluído pela Lei nº 13.344, de 2016) (Vigência) V - exploração sexual. (Incluído pela Lei nº 13.344, de 2016) (Vigência)

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 13.344, de 2016) (Vigência)

§ 1o A pena é aumentada de um terço até a metade se: (Incluído pela Lei nº 13.344, de 2016) (Vigência)

I - o crime for cometido por funcionário público no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las; (Incluído pela Lei nº 13.344, de 2016) (Vigência)

II - o crime for cometido contra criança, adolescente ou pessoa idosa ou com deficiência; (Incluído pela Lei nº 13.344, de 2016) (Vigência)

III - o agente se prevalecer de relações de parentesco, domésticas, de coabitação, de hospitalidade, de dependência econômica, de autoridade ou de superioridade

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hierárquica inerente ao exercício de emprego, cargo ou função; ou (Incluído pela Lei nº 13.344, de 2016) (Vigência)

IV - a vítima do tráfico de pessoas for retirada do território nacional. (Incluído pela Lei nº 13.344, de 2016) (Vigência)

§ 2o A pena é reduzida de um a dois terços se o agente for primário e não integrar organização criminosa. (Incluído pela Lei nº 13.344, de 2016) (Vigência) (BRASIL, CP, 2019).

Apesar do fato de que o Brasil se tornou referência mundial em combate ao trabalho escravo, no país, a afluência de indivíduos nessa condição precária ainda é assombrosamente alta. Conforme o relatório Índice Global de Escravidão 2018, publicado pela Fundação Walk Free, o Brasil possui aproximadamente 370 (trezentos e setenta) mil pessoas em condições análogas à de escravo (VARDÉRLIO, 2016, p. 1).

No ano de 2019, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) completou vinte e quatro anos de história. Presente em todo o território nacional, o grupo já realizou 4,5 mil ações de combate ao trabalho em condições análogas à de escravo, que resultaram em mais de 53 mil libertos dessa situação e em R$ 100 milhões de rescisões trabalhistas. Segundo o chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (DETRAE) e auditor-fiscal do Trabalho Maurício Krepsky, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel é modelo perante o mundo. Eis o que ele afirma em notícia divulgada no site de notícias do Ministério da Economia:

“No final de 2018 a Argentina manifestou interesse em participar de uma operação do GEFM no Brasil e conhecer o modelo de trabalho de perto. Também no âmbito da Cooperação Sul-Sul, a inspeção do trabalho no Peru criou este ano um grupo especial nos mesmo moldes do GEFM brasileiro, após ter participado de uma operação do Brasil e após várias reuniões trilaterais com a Inspeção do Trabalho no Brasil (SIT) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT)” (SANTOS apud KREPSKY, 2019, p. 1).

O governo federal brasileiro assumiu, em 1995 a existência da escravização moderna perante a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e assim, tornou-se uma das primeiras nações a reconhecerem tal problema como presente no país. A OIT desempenha um papel de fiscalização mundial diante das diversas formas de prática do trabalho escravo. No Brasil, há alguns anos, a organização trabalha em parceria com o Ministério do Trabalho e do Emprego (TEM), a Polícia Federal (PF), Comissão Pastoral da Terra (CPT) dentre outras instituições que operam em defesa da justiça social no trabalho, monitorando e resgatando cidadãos que estão sujeitos às diversas formas de trabalho escravo e trazendo-os de volta à sociedade como um trabalhadores livres.

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2.3 TRABALHO ESCRAVO CONTEPORÂNEO E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Quando se trata de analisar a escravidão contemporânea tendo por base um trabalho decente, não se pode simplesmente realizar uma análise perfunctória da aplicação dos direitos trabalhistas, tais como o direito ao salário e demais verbas que são devidas aos trabalhadores, à anotação em carteira de trabalho e previdência social, ao direito de se ter um ambiente de labor adequado às suas necessidades, dentre outros. O tema requer uma análise mais aprofundada, no que diz respeito aos direitos humanos e sociais do indivíduo que são atingidos, podendo ocasionar, até mesmo, perecimentos em determinados casos. Há de se refletir sobre o significado da dignidade humana e do valor social da lide, pois tanto nas relações de trabalho como nas relações sociais, onde existe subordinação, não se pode admitir escravidão contemporânea, ferindo de morte esse princípio constitucional, baseado na ordem e no respeito.

O artigo 149 do Código Penal brasileiro traz, detalhadamente, numerosos elementos que caracterizam os requisitos necessários para que a prática seja considerada um trabalho em condições análogas à de escravo. Os exemplos mais corriqueiros e utilizados, referentes à neoescravidão, são a jornada de trabalho exaustiva e o exercício forçado do mesmo. No que se refere ao primeiro exemplo, o neoescravo exerce seu ofício de forma desgastante, pois sua jornada vai além do horário que é lícito por lei, sendo que, em um maior número de casos, o intervalo semanal e diário não é obedecido conforme o exigido. Já no que se refere ao segundo exemplo, o escravo contemporâneo é submetido forçosamente, por intermédio de ameaças ou de violência, a realizar sua atividade de forma humilhante por aquele que fiscaliza seu trabalho, muitas vezes mediante exploração econômica tanto quanto sexual. Nessa situação, o escravizado tolera tais constrangimentos pela condição de encontrar-se sob o domínio de encontrar-seu chefe, uma vez que, muitas vezes, há apreensão de documentos do escravizado, ele fica sujeito a dívidas contraídas perante o seu mandante, e, também, como em numerosos casos, há a ocorrência de isolamento geográfico do mesmo.

Veja-se o depoimento de Luís Cincinato, trabalhador rural de 64 anos:

Passei 12 anos no mundo até chegar à (fazenda) Brasil Verde. Lá a gente ficava nas mãos do capataz (fiscal). Ele fazia com a gente o que queria. Não podia sair de lá. Eles ameaçam: 'quem fugir vai chegar em casa com um braço só'. Um cabra como eu, que dá produção no serviço... era para cuidar mais de mim. Sabe o que é acordar todo dia de madrugada e vestir uma roupa molhada para ir para o serviço? As botas molhadas... Era serviço ruim, comida ruim. Então não é escravo? É escravo, sim” (CINCINATO, 2019, p. 1).

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Nesse depoimento de um antigo escravo contemporâneo, pode-se compreender que, à sombra de vigilância autoritária, os prisioneiros realizam suas tarefas como meio de sobrevivência e não mais com o anseio de dignificá-lo juntamente com sua família. Leite alude que, desde o Tratado de Versalhes, o trabalho humano não poderia ser objeto de mercancia (2013, p. 1). A partir do momento em que o neoescravo adentra ao ciclo de escravidão moderna, esta não exerce a função social dos direitos humanos, e sim uma grave violação ao Código Penal brasileiro.

Tais aspectos, como os citados acima, somam-se à baixa qualidade de vida de um ser humano nesse contexto, pois sua alimentação é precária, não tem direito a saneamento básico, falta assistência médica, etc. Ora, todo esse quadro fere violentamente dois preceitos básicos que devem ser resguardados a todos os indivíduos residentes no país diante da Constituição pátria: a dignidade e a liberdade.

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

[...]

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; [...]

XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade;

[...]

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; (BRASIL, CRFB, 2019).

Abordando-se a escravização moderna, diante da previsão do art. 1º da Carta Magna, vê-se que não se pode restringi-la somente à análise dos efeitos referentes ao direito trabalhista, mas, singularmente e obrigatoriamente, devem-se respeitar e cumprir os direitos relacionados ao princípio da dignidade humana, além dos direitos sociais assegurados por lei.

Neste contexto, Brito Filho afirma que

Aquele em que há falta de garantias mínimas de saúde e segurança, além da falta de condições mínimas de trabalho, de moradia, higiene, respeito e alimentação. Tudo devendo ser garantido em conjunto, ou seja, a falta de um desses elementos impõe o reconhecimento do trabalho em condições degradantes (2005, p. 27).

Esses compreendem um complexo de direitos institucionais que visam garantir o respeito à dignidade humana, resguardando sua liberdade e igualdade (SILVA, 2006, p. 1). Vale ressaltar que tais direitos não são aplicáveis somente aos brasilienses, mas também aos estrangeiros que no País residem, como prevê a Constituição Federal quando afirma:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade

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do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; [...]

XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; (BRASIL, CRFB, 2019). O princípio da dignidade humana é a base legal do ordenamento jurídico brasileiro, tendo, como um de seus alicerces, a valorização do trabalho digno ao ser humano, àquele protegido pela instituição, preservando seus direitos como trabalhadores livres e tendo sua dignidade conservada.

Piovesan esclarece acerca da dignidade da pessoa humana, afirmando que

[...] está erigida como princípio matriz da Constituição, imprimindo-lhe unidade de sentido, condicionando a interpretação das suas normas e revelando-se, ao lado dos Direitos e Garantias Fundamentais, como cânone constitucional que incorpora “as exigências de justiça e dos valores éticos, conferindo suporte axiológico a todo o sistema jurídico brasileiro” (2000, p. 54).

Porém, mesmo após duas décadas de vigência da Constituição Federal brasileira, ainda persiste o desrespeito aos preceitos por ela adotados, tendo como exemplo as situações de neoescravização de crianças. Conforme dados da pesquisa realizada pela Fundação Abrinq, o Brasil possui 2,6 milhões de crianças e de jovens em situações degradantes de trabalho escravo contemporâneo (REPÓRTER BRASIL, 2015, p. 1).

O art. 227 da Constituição Federal Brasileira expressa as garantias de que necessitam a criança e o adolescente perante a sociedade. In verbis:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, CRFB, 2019).

A violação prevista no art. 149 do Código Penal brasileiro, que trata da redução de alguém à condição análoga à de escravo, onde o trabalhador é submisso e tratado como objeto por seu fiscal, configura uma grave violação à dignidade do indivíduo, princípio que é fundamento constitucional de um Estado Democrático de Direito.

Entretanto, essa calamidade está presente na maior parte dos estados brasileiros. Embora o Brasil esteja progredindo em sua trajetória de combate ao trabalho análogo à escravidão, cremos ser de extrema relevância a exposição do assunto diante da sociedade, a fim de buscar meios de informatização dos recursos de denúncias ou, ainda, mostrando à população que é possível tornar-se integrante de Organizações Não Governamentais (ONGs)

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que auxiliam os neoescravizados após seus resgates, que lhes dão a assistência necessária para reintegração ao mercado de trabalho e provendo-lhes, também, ajuda psicológica.

Temos, como exemplo de ONG, a Repórter Brasil, que foi instituída em 2001, por jornalistas, educadores e cientistas sociais, cujo objetivo é apurar e organizar informações para implantar a reflexão acerca da violação aos direitos humanos tutelados em relação aos escravizados contemporâneos. Estas pesquisas jornalísticas têm sido utilizadas pelo poder público, e até organizações internacionais e da sociedade civil, como instrumento para combater a escravidão moderna. (SENADO FEDERAL, 2019, p. 1).

A escravização é uma ferida ainda existente no mundo, assim como no território nacional. Apesar de toda evolução sociocultural, ainda encontram-se situações de pura degradação humana, em nome do progresso, da produtividade, do ganho econômico. Apesar dos inúmeros esforços efetuados pelas autoridades, ainda muito há que ser feito para que o Estado cumpra o seu dever de promoção e de proteção dos direitos humanos, principalmente no que diz respeito à total erradicação do trabalho escravo contemporâneo e à promoção da dignidade da pessoa humana e à valorização do trabalho.

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3 MODOS DE EXECUÇÃO E AUMENTO DA PENA

3.1 ASPECTOS PENAIS DO TRABALHO EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS À DE ESCRAVO

No artigo 149 do Código Penal brasileiro, a menção ao termo análogo1 refere-se à situação de escravidão, abolida pela Lei Áurea em 13 de maio de 1888. Nele estão presentes os requisitos que descrevem o trabalho em condições análogas à de escravo, caracterizando-o como um trabalho forçado e em condições degradantes do mesmo. Porém, vale salientar que esse crime, na definição jurídica, não se limita apenas à restrição de liberdade, mas também à vedação e à censura de condutas físicas e psicológicas que lesem, principalmente, a dignidade do ser humano (ARAÚJO JÚNIOR, 2006, p. 15).

Por sua classificação doutrinária, Greco considera esse crime como próprio, pois usufrui de um sujeito ativo (empregador) e de um passivo (trabalhador), tendo em vista que é preciso haver uma relação de serviço prestado entre a vítima e o agente (2008, p. 545).

Porém, quando se trata da neoescravidão há um desequilíbrio que ultrapassa a subordinação adequada, prevista em lei, pois trata-se de uma exploração abusiva e de uma privação de liberdade que ferem os principais princípios assegurados ao empregado perante seu empregador, conforme dispõe a Constituição Federal brasileira.

Conforme Hungria,

As diversas liberdades asseguradas ao homem e cidadão não são mais que faces de um mesmo poliedro: a liberdade individual. A primeira e mais genérica expressão desta é a liberdade pessoal, assim chamada porque diz mais diretamente com a afirmação da personalidade humana. Compreende o interesse jurídico do indivíduo à imperturbada formação e atuação de sua vontade, à sua tranquila [sic] possibilidade de ir e vir, à livre disposição de si mesmo ou ao seu status libertatis, nos limites traçados pela lei. Trata-se, em suma, do direito à independência de injusto poder estranho sobre a nossa pessoa (1995, p. 138).

Britto Filho complementa, afirmando que

Verificando a nova redação do artigo 149, do Código Penal, observa-se que o trabalho em condições análogas à de escravo deve ser considerado gênero, do qual o trabalho forçado e o trabalho em condições degradantes são espécies. Não é somente a falta de liberdade de ir e vir, o trabalho forçado, então, que agora caracteriza o trabalho em condições análogas à de escravo, mas também o trabalho sem as mínimas condições de dignidade. [...] Dignidade é a palavra-chave para a identificação do trabalho em que há a redução do homem à condição análoga à de escravo (2004, p. 10).

1 Análogo significa: “parecido; o que é semelhante ou se parece com; o que contém ou se baseia numa analogia”

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Vale destacar que, para a consumação do crime previsto no art. 149 do Código Penal, pode haver a ocorrência de cada requisito descrito isoladamente ou em conjunto. Capez esclarece, ao afirmar que “basta a caracterização de uma dessas situações para que o crime se configure, não sendo necessária a coexistência de todas elas” (2009, p. 346).

A Organização Internacional do Trabalho esclarece, reiterando que “[...] a definição de trabalho escravo contida na lei não requer a combinação desses fatores para caracterizar o crime, a presença de um desses fatores isoladamente já se caracteriza o crime” (2010, p. 42).

Em concordância, Ribeiro elenca duas hipóteses de tipificação para o crime em comento: a) trabalho escravo típico, que configura trabalho forçado; trabalho em jornada exaustiva; trabalho em condições degradantes; trabalho com restrição de locomoção, em razão de servidão por dívida e b) trabalho escravo por equiparação, o qual se define a partir da retenção no local de trabalho; por cerceamento do uso de qualquer meio de transporte; manutenção de vigilância ostensiva ou retenção de documentos ou de objetos de uso pessoal do trabalhador, sendo todos estes violadores do princípio da dignidade humana (2011, p. 377). O art. 149 do Código Penal brasileiro traz as seguintes penas: à configuração simples, que está descrita no caput e nas figuras equiparadas pelo cerceamento de transporte ou pela vigilância ostensiva, presentes no parágrafo 1º, a pena é de reclusão de 2 a 8 anos e multa; incidindo o aumento de pena em razão de o crime ser praticado contra criança ou contra adolescente, ou por motivo de preconceito. Já no parágrafo do mesmo artigo, a pena é aumentada pela metade.

Vale aqui salientar que, igualmente, aos outros temas mencionados pode-se denominar de modos de consumação por equiparação de forma autônoma, no sentido de que a ocorrência de um fato isolado já configura o crime previsto no mesmo artigo. No que tange ao âmbito penal, reconhecer tais crimes conjuntamente agrava o crime previsto no art. 149 do Código Penal.

A ação penal é pública incondicionada em todas as figuras, apesar de o delito encontrar-se incluído no Capítulo Dos Crimes contra a Liberdade Individual. A competência para o julgamento do crime de redução à condição análoga à de escravo

3.2 BENS JURÍDICOS TUTELADOS PELO ARTIGO 149 DO CÓDIGO PENAL

Inicialmente, cabe esclarecer o que são bens jurídicos tutelados. São aqueles que a sociedade elege como princípios fundamentais e que decorrem de inúmeros fatores, tais como

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a satisfação de necessidades ideológicas, realizações de desejos, dentre outras. Assim, quando algo se torna valorizado e almejado, isso se torna um bem e, com ele, a necessidade de tutela, que vem a ser a sua proteção através da normatização, isto é, passando a ser preservado pela legalidade, e tornando-se, portanto, um bem jurídico. Pelo legislador penal, a doutrina o considera como um bem jurídico penalmente tutelado. Apesar disto, no que se refere o art. 149 do Código Penal, os bens jurídicos não possuem forma exatamente uniforme.

Para Greco os bens jurídicos visam à proteção de valores imprescindíveis à sociedade (2012, p. 4), conforme a doutrina penal pode-se afirmar que os bens jurídicos tutelados pelo art. 149 do Código Penal brasileiro versam sobre valores, bens e direitos que são necessários e assegurados ao ser humano.

Ademais, Bitencourt elucida que o bem jurídico tutelado está correlacionado ao status libertatis, ou seja, à liberdade individual e, especialmente, à dignidade da pessoa humana. Assim, submeter um indivíduo a esse crime é torná-lo completamente submisso a outrem (2009 p. 398-399).

Haddad reconhece que o bem jurídico manifesta-se através da liberdade “que nada mais é do que a capacidade de o empregado autodeterminar-se e poder validamente decidir sobre as condições em que desenvolverá a prestação de serviço”. E, ainda, afirma que essa violação ao ser humano, através de sua liberdade, torna indiscutível considerar que há um trabalho em condições análogas à de escravo (2013, p. 85).

É notório que o fundamento da liberdade deve sobressair-se sobre os demais bens jurídicos tutelados, no entanto, este não se torna o principal elemento, em razão de a dignidade da pessoa humana ser o princípio mínimo que deve ser assegurado ao indivíduo. Este rege a fim de certificar que o trabalhador terá condições de realizar suas funções com êxito, não lhe ferindo sua saúde física e mental.

3.3 TRABALHO ESCRAVO: MODOS DE CONSUMAÇÃO TÍPICOS

3.3.1 Trabalho forçado

A Organização Internacional do Trabalho reconheceu e elaborou, em 1930, a Convenção nº 29 (CO29), a qual versava sobre o trabalho forçado ou obrigatório, porém, somente em 1957, a mesma foi ratificada no Brasil. Segundo o documento, o trabalho forçado é conceituado da seguinte maneira: “todo trabalho ou serviço exigido de um indivíduo sob

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ameaça de qualquer penalidade e para qual ele não se ofereceu de espontânea vontade” (OIT, CO29, 2019).

Esse primeiro requisito, mencionado pelo art. 149 do Código Penal, ocorre no momento em que o sujeito é compelido a realizar sua laboração de forma demasiada e sem o seu consentimento, através de ameaças e/ou violências, lesando o seu direito de ir e vir e lhe ferindo tanto sua saúde física quanto mental.

Neves afirma, sobre o tema, que

[...] aquele em que há o cerceamento da liberdade de locomoção do trabalhador, impelindo sua autodeterminação e ignorando sua vontade. É quando o trabalhador se vê impelido de deixar o local de trabalho e de encerrar o contrato de trabalho, tudo com o objetivo de manter o trabalhador naquele local, trabalhando de forma forçada, ou seja, obrigatória, sem ter meios de sair (2012, p. 49).

Pierangeli reconhece que há uma sujeição da vítima (trabalhador) ao seu empregador. O autor ainda adota o entendimento de que a caracterização dá-se pelo fato de o indivíduo “submeter-se a uma coação que se apresenta como ato de força, em razão da qual a vítima sujeita-se à execução de trabalhos forçados. A submissão pode decorrer de coação física ou moral” (2007, p. 160).

Veja-se o depoimento de José Leandro da Silva ao Repórter Brasil:

“Esse trabalho que a gente faz é pesado, acaba com o corpo. O cansaço pesa demais. E para ganhar dinheiro você precisa ter força, porque pagam por produção. Ganhava o dobro quando era jovem. É justo? Não, mas é assim que funciona. Na (fazenda) Brasil Verde, eu trabalhava roçando. A água que eu levava para o serviço de manhã, uma água suja de córrego, ia esquentando com o sol. Não tinha alternativa: ou tomava água quente ou morria de sede. A gente ficava se retorcendo com dor o dia inteiro” (SILVA, 2019, p. 1).

Este é um depoimento de um trabalhador rural que foi libertado do regime da neoescravização, nele pode-se perceber que há certa correlação entre trabalho forçado e a forma degradante do mesmo, pois o agente ao impor tal sistema ao seu funcionário, não demonstra preocupação com as condições que oferece aos trabalhadores, nem mesmo os malfeitos à saúde do escravizado.

Veja-se a decisão a seguir:

EMENTA PENAL. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA A DE ESCRAVO. ESCRAVIDÃO MODERNA. DESNECESSIDADE DE COAÇÃO DIRETA CONTRA A LIBERDADE DE IR E VIR. DENÚNCIA RECEBIDA. Para configuração do crime do art. 149 do Código Penal, não é necessário que se prove a coação física da liberdade de ir e vir ou mesmo o cerceamento da liberdade de locomoção, bastando a submissão da vítima “a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva” ou “a condições degradantes de trabalho”, condutas alternativas previstas no tipo penal. A “escravidão moderna” é mais sutil do que a do século XIX e o cerceamento da liberdade pode decorrer de diversos constrangimentos econômicos e não necessariamente físicos. Priva-se alguém de sua liberdade e de sua dignidade tratando-o como coisa e não como pessoa humana, o que pode ser feito não só

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mediante coação, mas também pela violação intensa e persistente de seus direitos básicos, inclusive do direito ao trabalho digno. A violação do direito ao trabalho digno impacta a capacidade da vítima de realizar escolhas segundo a sua livre determinação. Isso também significa “reduzir alguém a condição análoga à de escravo”. Não é qualquer violação dos direitos trabalhistas que configura trabalho escravo. Se a violação aos direitos do trabalho é intensa e persistente, se atinge níveis gritantes e se os trabalhadores são submetidos a trabalhos forçados, jornadas exaustivas ou a condições degradantes de trabalho, é possível, em tese, o enquadramento no crime do art. 149 do Código Penal, pois os trabalhadores estão recebendo o tratamento análogo ao de escravos, sendo privados de sua liberdade e de sua dignidade. Denúncia recebida pela presença dos requisitos legais. (Inq 3412 / AL - ALAGOAS INQUÉRITO; Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. ROSA WEBER; Julgamento: 29/03/2012; Órgão Julgador: Tribunal Pleno) (BRASIL, STF, 2012).

Brito Filho entende que o trabalho forçado deve ser caracterizado através da existência de uma relação de labor entre o sujeito ativo e o sujeito passivo, de uma forma ilícita, e, ainda, o ato deve apresentar condições compulsórias, independentemente do consentimento do neoescravo ou pela extinção da vontade do mesmo (BRITO FILHO, 2017, p. 82).

Nesse contexto, entende-se como trabalho forçado àquele serviço que advém de condição obrigatória, ou seja, não decorre da espontânea vontade do trabalhador, independentemente das circunstâncias, que podem variar entre agressão física, ameaças, servidão por dívidas ou, ainda, retenção de documentos.

3.3.2 Jornada exaustiva

Nucci, acerca da jornada exaustiva, menciona que é o “trabalho diário que foge às regras trabalhistas, exaurindo o trabalhador”. Porém, o autor alerta que, para que se configure o crime, o superintendente deverá impor através de violência física ou coações que o neoescravo realize seu ofício de maneira laboriosa (2008, p. 50).

Os trabalhadores sob este regime estão submetidos a uma serventia árdua. Normalmente, o mandante utiliza de tal regime de trabalho para obter maior lucratividade final, ou seja, aplica essas diretrizes por acreditar que quanto maior for a produtividade, melhor será o rendimento final.

Cícero (2007, p. 59) afirma: “expõe o trabalhador a falta de segurança e riscos para sua saúde”. E o autor complementa, afirmando que “o trabalho em longas jornadas deixa o ser humano com os reflexos e raciocínio mais lentos, submetendo o obreiro a riscos de acidentes e problemas de saúde relacionados à fadiga”.

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DIREITO PROCESSUAL PENAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. CRIMES DE REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO, DE EXPOSIÇÃO DA VIDA E SAÚDE DESTES TRABALHADORES A PERIGO, DE FRUSTRAÇÃO DE DIREITOS TRABALHISTAS E OMISSÃO DE DADOS NA CARTEIRA DE TRABALHO E PREVIDÊNCIA SOCIAL. SUPOSTOS CRIMES CONEXOS. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA PARTE, PROVIDO. 1. O recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público Federal abrange a questão da competência da justiça federal para os crimes de redução de trabalhadores à condição análoga à de escravo, de exposição da vida e saúde dos referidos trabalhadores a perigo, da frustração de seus direitos trabalhistas e de omissão de dados nas suas carteiras de trabalho e previdência social, e outros crimes supostamente conexos. 2. Relativamente aos pressupostos de admissibilidade do extraordinário, na parte referente à alegada competência da justiça federal para conhecer e julgar os crimes supostamente conexos às infrações de interesse da União, bem como o crime contra a Previdência Social (CP, art. 337-A), as questões suscitadas pelo recorrente demandariam o exame da normativa infraconstitucional (CPP, arts. 76, 78 e 79; CP, art. 337-A). 3. Desse modo, não há possibilidade de conhecimento de parte do recurso extraordinário interposto devido à natureza infraconstitucional das questões. 4. O acórdão recorrido manteve a decisão do juiz federal que declarou a incompetência da justiça federal para processar e julgar o crime de redução à condição análoga à de escravo, o crime de frustração de direito assegurado por lei trabalhista, o crime de omissão de dados da Carteira de Trabalho e Previdência Social e o crime de exposição da vida e saúde de trabalhadores a perigo. No caso, entendeu-se que não se trata de crimes contra a organização do trabalho, mas contra determinados trabalhadores, o que não atrai a competência da Justiça federal. 5. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 398.041 (rel. Min. Joaquim Barbosa, sessão de 30.11.2006), fixou a competência da Justiça federal para julgar os crimes de redução à condição análoga à de escravo, por entender "que quaisquer condutas que violem não só o sistema de órgãos e instituições que preservam, coletivamente, os direitos e deveres dos trabalhadores, mas também o homem trabalhador, atingindo-o nas esferas em que a Constituição lhe confere proteção máxima, enquadram-se na categoria dos crimes contra a organização do trabalho, se praticadas no contexto de relações de trabalho" (Informativo no 450). 6. As condutas atribuídas aos recorridos, em tese, violam bens jurídicos que extrapolam os limites da liberdade individual e da saúde dos trabalhadores reduzidos à condição análoga à de escravos, malferindo o princípio da dignidade da pessoa humana e da liberdade do trabalho. Entre os precedentes nesse sentido, refiro-me ao RE 480.138/RR, rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 24.04.2008; RE 508.717/PA, rel. Min. Cármen Lúcia, DJ 11.04.2007. 7. Recurso extraordinário parcialmente conhecido e, nessa parte, provido. (RE 541627 / PA - PARÁ; RECURSO EXTRAORDINÁRIO; Relator(a): Min. ELLEN GRACIE; Julgamento: 14/10/2008 Órgão Julgador: Segunda Turma) (BRASIL, STF, 2008).

Na Constituição Brasileira, como regra, está previsto que o subordinado irá desempenhar seu encargo em, no máximo, oito horas por dia, podendo-se alongar para duas horas extras. Porém, como mencionado anteriormente, o trabalhador, sob este regime, exerce sua função de forma ilícita, porém, não somente por infringir tais horários trabalhistas.

O Tribunal Superior do Trabalho - TST possui o entendimento de que a jornada exaustiva configura a existência de um dano moral, uma vez que o empregado é impedido de conviver em sociedade devido à sua eficiência ao exercer seu trabalho, deteriorando o descanso físico e mental dele, portanto. (BRITO FILHO, 2017 p.20)

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A nota típica desse modo é o excesso de jornada que é imposto ao trabalhador, mas não necessariamente porque a jornada é mais longa, e sim porque, independentemente do tempo de jornada, ela é capaz de exaurir o trabalhador, causando prejuízos à sua saúde, podendo leva-lo à morte (2017, p. 83).

Esse regime, reconhecido no Brasil, é o principal causador de doenças e de acidentes de trabalho, tendo como consequência que a saúde do trabalhador fica prejudicada. Por decorrência da exaustão no labor, o psicológico do indivíduo fica gravemente afetado, ocasionando danos à saúde mental, assim, interferindo no seu desempenho profissional, além de lhe causar transtornos como síndromes, depressões, dentre outros.

Na mesma linha de raciocínio, Ribeiro ressalva que “tão importante quanto a quantidade de horas efetivamente trabalhadas é a verificação das condições em que esse trabalho é prestado e a ausência de intervalos para descanso, o que causa exaurimento das forças física e mental de qualquer ser humano” (2012, p. 51).

Pode-se entender, então, que o art. 149 do Código Penal brasileiro, que arrola a execução de jornada exaustiva de trabalho, tem como objetivo reprimir a exigência de prestação de serviços de maneira intensa, além do que está previsto em lei, contendo severos riscos à saúde e à vida do neoescravo.

Cabe ressalvar que, para fins de fiscalização do trabalho, conforme expresso no art. 3º parágrafo 1º, letra “b”, da Instrução Normativa n. 91, de 05 de outubro de 2011, da Secretaria de Inspeção do Trabalho, a jornada de trabalho é definida a partir de sua natureza física e mental tanto por sua extensão de horas quanto por sua intensidade laboral, causando esgotamento das capacidades corpóreas e de produtividade do agente, podendo ser transitória e temporalmente, tendo riscos a sua segurança e/ou integridade física e mental (BRASIL, Secretaria de Inspeção do Trabalho, SIT nº 91, 2019).

É possível elencar três características marcantes desse regime: a primeira exige o uma relação de trabalho entre o empregador e o agente que presta tal serviço; a segunda característica é a jornada excessiva, mas só ela não caracteriza tal crime, sendo necessário haver prejuízo à vida ou à saúde física e psicológica do neoescravo; a terceira característica é a imposição de tal regime ao trabalhador, com anulação de sua vontade, quaisquer que sejam as circunstâncias.

Por fim, unindo tais propriedades, tem-se a definição de jornada exaustiva, que é aquela imposta a alguém por outrem, em relação de labor, causando-lhe prejuízos e tornando-se uma grave violação à legislação e que tem, por tornando-seu fundamento principal, à dignidade da pessoa humana, caracterizando o crime previsto no art. 149 do Código Penal brasileiro de condições análogas à de escravo.

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3.3.3 Condições degradantes de trabalho

No que diz respeito à subjetividade do tema, vale salientar, primeiramente, que este conceito gera divergências jurisprudenciais.

Nucci expressa seu entendimento sobre este regime, afirmando que “é preciso que o trabalhador seja submetido a um cenário humilhante de trabalho, mais compatível a um escravo do que a um ser humano livre e digno” (2008, p. 691).

Tal cenário está correlacionado, principalmente, ao ambiente de trabalho em que o neo-escravo é subordinado a desempenhar sua função, sendo caracterizado pela maneira desumana e precária a que o mesmo é submetido. Melo menciona alguns exemplos simples, para uma fácil compreensão, tais como: fornecimento inadequado de alimentação e água potável, alojamentos sem condições mínimas de moradia, o não fornecimento de equipamentos adequados para o exercício de seu ofício, o não cumprimento da legislação que rege o trabalho humano, dentre outros. (2003 p. 15)

Nessas condições o trabalhador é igualmente tratado como objeto e não mais somo ser humano, o que fica muito aquém do que lhe é assegurado pela Constituição, excluindo o bem jurídico fundamental da dignidade da pessoa humana.

Os indivíduos submetidos a esse regime estão sujeitos a um cenário de humilhação e de exploração, já que os mesmos somente visam à sobrevivência neste âmbito. Os empregadores não os consideram como indivíduos dotados de valores, uma vez que, para eles, tais trabalhadores possuem uma única finalidade: a produção acelerada para um lucro alto e rápido.

A primeira turma do Tribunal Regional da 8ª Região conduziu decisão no sentido de ressalvar que o trabalho em condições degradantes é um desrespeito ao princípio da dignidade da pessoa humana. In verbis:

INDENIZAÇÃO COMPENSATÓRIA POR DANO MORAL. TRABALHO DEGRADANTE. Ao não proporcionar ao obreiro instalações sanitárias, a reclamada violou o princípio da proteção à dignidade da pessoa humana, estando sujeita a pagar ao reclamante indenização por danos morais. (…) Verifico que o preposto da primeira reclamada, em depoimento, confessou que o reclamante trabalhava em condições degradantes, pois, disse que o autor fazia suas necessidades fisiológicas em praças.(...) Os problemas no local de trabalho apontados pelo autor e confirmados pelo preposto da primeira reclamada, demonstraram que as condições de trabalho eram degradantes; condições estas, muito aquém do patamar civilizatório mínimo escolhido pela moderna sociedade democrática de direito, com o qual tem compromisso a Justiça do Trabalho e deveriam ter também o mesmo compromisso os reclamados, por força do art. 5º, XXIII, da Constituição da República, sobre a qual pesam uma hipoteca social. Assim, as condições de trabalho a que foi submetido o reclamante afrontam o princípio comezinho da dignidade da pessoa humana, constituindo-se em ato ilícito (art. 186 do CCB) praticado por ambos os

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reclamados, passível de condenação pelo pagamento de indenização por dano moral (art. 5º, inciso X, da CF/88), ante afronta ao patrimônio imaterial do empregado, haja vista que as condições precárias a que foi submetido na prestação de seu labor, por certo, causaram-lhe diversos constrangimentos físicos e psicológicos. (BRASIL, TRT-8, 2015).

Como previsto na Consolidação das Leis Trabalhistas, é de responsabilidade do empregador oferecer condições mínimas ao seu empregado (BRASIL, CLT, 2019). Ao infringir tal incumbência, portanto, estará sendo ferida a dignidade do trabalhador, consolidada na Constituição brasileira, constituindo uma grande afronta aos avanços jurídicos acerca das tutelas aos direitos trabalhistas

Além do mais, vale destacar que a Organização Internacional do Trabalho elenca como trabalho decente todo aquele que abrange “a promoção de oportunidades para mulheres e homens do mundo para conseguir um trabalho produtivo, adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança e capaz de garantir uma vida digna” (FILHO, 2017 P.20).

Contudo, pode-se destacar que existem condições degradantes de trabalho sobre três paradigmas. São eles: a existência de sujeição do trabalhador ao seu empregador de forma ilícita; a violação do empregador ao não oferecer condições mínimas à dignidade do ser humano ao seu trabalhador; e por último, a imposição deste ao seu subjugado, o qual é valorado por ele como semelhante a um objeto (FILHO, 2017 p.30)

Importante salientar que não há um rol detalhado que possa indicar tais aspectos, mas um conjunto de violações que produzem termos que agridem à dignidade da pessoa humana e, por consequência, enquadrando-se no ilícito penal. Valente concorda que “é recomendável que a expressão ‘degradante’ não receba uma moldura rigorosa. A análise do que seja, ou não, condição degradante de trabalho, deverá ser feita, caso a caso, levando-se em consideração todos os elementos presentes no caso em exame” (2012, p. 65-66). Brito Filho complementa, afirmando que se deve começar pelos direitos básicos aos trabalhadores, o qual não configura um trabalho decente (2017, p. 88).

3.3.4 Restrição de locomoção por dívida contraída

A última prática de consumação típica do crime de redução à condição análoga à de escravo é a restrição de locomoção do trabalhador em razão de dívida contraída com o seu empregador, também conhecida como servidão por dívida.

Segundo Brito Filho, esse método, juntamente com o trabalho em condições degradantes, resultantes de trabalho em condições análogas à de escravo foi até então o mais

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presente no Brasil, especialmente no sul e no sudeste do Pará e, ainda, norte do Mato Grosso (2017, p. 97).

Júlia de Paula ressalva que “pode-se dizer que a escravização sob pretexto de dívida é a forma mais intensa de exploração dos trabalhadores nas unidades produtivas que beneficiam grandes empresas capitalistas” (2013, p. 52).

A referida servidão por dívida é detalhada na Convenção Suplementar Relativa à Abolição da Escravatura, e das instituições Análogas à Escravatura, de 1956 da Organização das Nações Unidas, como:

[...] o estado ou a condição resultante do fato de que um devedor se haja comprometido a fornecer, em garantia de uma dívida, seus serviços pessoais ou os de alguém sobre o qual tenha autoridade, se o valor desses serviços não for equitativamente avaliado no ato da liquidação de dívida ou se a duração desses serviços não for limitada nem sua natureza definida (art. 1º, letra “a”) (BRASIL, Decreto, nº 58.563, 2019).

Brito Filho elucida, ainda, que há como explicar este método, traçando uma analogia com o modelo de servidão da Idade Média. Nota-se então, a herança da escravidão antiga nos territórios nacionais, a qual já mencionada foi nos capítulos anteriores (2017, p. 90).

Para Capez, “a vítima se encontra obrigada a trabalhar sem permissão para deixar o local até a quitação total da dívida contraída com o patrão. Neste caso não há pagamento em dinheiro, mas mediante compensação de débito, quase sempre de difícil quitação” (2009, p. 346). Dívidas estas que raramente serão saldadas e que, mensalmente, são acrescentadas, pois estas são obtidas através das despesas contraídas pelo neoescravo, tendo como exemplo: para alimentação e para o custeio do transporte pelo qual chegou ao local de trabalho e, até mesmo, para o aluguel do seu alojamento, mesmo sendo de natureza precária.

Mesmo com a ilicitude do ato, há situações em que o próprio escravizado a desconhece, acreditando definitivamente ser o portador das dívidas por ele impostas, contando, por consequência, com a concordância da vítima. Em conformidade com o tema, Paula acrescenta que

Ao aceitar o argumento do empregador para sua retenção no local de trabalho, o trabalhador está legitimando as ideias dominantes de uma sociedade de classes e a validade de um contrato. Ele se submete às regras do empregador e aceita o compromisso de honrar a dívida, que, naturaliza pelos próprios trabalhadores, impossibilita a visibilidade de como se realiza o sistema de exploração a que está submetido (2013 p. 66).

Referências

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