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O limiar entre o corpo humano e o corpo robótico: transumanismo e pós-humanismo nas obras Deuses de Pedra, de Jeanette Winterson e Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?, de Philip K. Dick

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Academic year: 2021

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS - MESTRADO

Dissertação

O limiar entre o corpo humano e o corpo robótico: transumanismo e pós-humanismo nas obras Deuses de Pedra, de Jeanette Winterson e Androides

Sonham com Ovelhas Elétricas?, de Philip K. Dick

Luana de Carvalho Krüger

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O limiar entre o corpo humano e o corpo robótico: transumanismo e pós-humanismo nas obras Deuses de Pedra, de Jeanette Winterson e Androides

Sonham com Ovelhas Elétricas?, de Philip K. Dick

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras do Centro de Letras e Comunicação da Universidade Federal de Pelotas, como parcial à obtenção do título de Mestre em Letras. Área de Concentração: Literatura Comparada.

Orientador: Prof. Dr. Eduardo Marks de Marques

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Antes mesmo de terminar a graduação, eu tinha certeza de que gostaria de realizar o mestrado. Esta decisão foi fácil pelo amor pela pesquisa e difícil por tudo que abri mão para chegar até aqui. Ao contrário do que eu imaginei, o mestrado foi uma experiência nada dolorosa, escrevi todas páginas com prazer, adorei passar dois anos envolvida com um tema que me é tão caro. Lembro até hoje do meu orientador, Prof. Dr. Eduardo Marks de Marques, na época ainda meu professor da graduação, dizer que o mestrado era um processo de escrita solitário e o que era importante ter certeza de que eu conseguiria pesquisar sobre um mesmo assunto durante dois anos. Ele estava certo, foram os dois anos mais solitários da minha vida, mas também foi um período de muitas descobertas pessoais e acadêmicas.

Seria impossível não agradecer ao Professor Eduardo. Desde a graduação, eu admiro o trabalho dele. Sempre disse para minha família e amigos que o profissionalismo dele me deixava segura para seguir escrevendo. Um orientador presente em todos os momentos e que sempre fez com que eu me sentisse segura. Se todos alunos de mestrado tivessem oportunidade de trabalhar com um professor como o Eduardo, tenho certeza que não se arrependeriam. Se um dia eu conseguir ser um pouquinho como ele, eu já estou satisfeita.

Agradeço também aos meus pais, Lauri e Graça, por todos os momentos que abriram mão de ficar comigo ou que me viam dormir no sofá ao invés de ficar com eles. Eles foram as pessoas que me deram suporte para chegar aqui e que lutaram para que eu tivesse o que eles não puderam ter. Aproveito para me desculpar pela ausência nesses anos. Minha avó Laura também foi muito importante neste processo, especialmente pelos mates servidos, enquanto eu lia na sala e revisava meus textos. Eu quero ser para alguém o que vocês são para mim e isso não será uma tarefa fácil.

Não posso deixar de agradecer ao Fernando, que ouviu todas as minhas análises antes mesmo delas irem para o papel, que me levava para o Laranjal para eu estudar com outra paisagem e que, junto com os meus pais, foi o meu suporte emocional. Espero que o meu futuro seja repleto de “Laranjais” contigo.

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escrevendo e que me fez entender que é preciso descansar também. Ao Catsby, o gato literário, que deixou as minhas noites de inverno mais quentinhas e “ronronadas”.

Aos meus irmãos de coração Felipe e Ewerton que, desde a graduação, fazem bolo de fubá e me alimentam, além de garantirem todo o amor necessário. Vocês sempre foram a minha companhia nas horas boas e ruins. Seja longe ou perto, eu amo vocês. Minha admiração por vocês é imensa.

Aos que me incentivaram, Letícia, Maiara, Cleiton, Camila, Jéssica, entre outros. Pessoas que ouviram sobre a vida, sobre a pesquisa e que eu sei que torcem por mim tanto quanto eu torço por eles. Ainda que nossa convivência não seja diária, eu me orgulho de vocês.

Ao Cidi, por fazer a minha infância e adolescência menos dura. Eu espero que ele esteja em um lugar bem melhor.

Por fim, agradeço à CAPES/FAPERGS. Uma bolsa de estudos neste momento importante da minha vida acadêmica foi fundamental para que o meu trabalho fosse desenvolvido.

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Resumo

KRÜGER, Luana de Carvalho. O limiar entre o corpo humano e o corpo robótico: transumanismo e pós-humanismo nas obras Deuses de Pedra, de Jeanette Winterson e Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?, de Philip K. Dick. 2019, 149f. Dissertação (Mestrado em Letras), Programa de Pós-Graduação em Letras, Centro de Letras e Comunicação, Universidade Federal de Pelotas, 2019.

Na contemporaneidade, corpo e tecnologia estão cada vez mais conectados ao discurso da saúde perfeita e da aparência ideal. Indústrias de cosméticos, cirurgias plásticas e estudos sobre genética e desempenho físico procuram melhorar as capacidades dos corpos, alterando suas características naturais e colocando o domínio do corpo aos humanos e aos recursos tecnológicos e estudos desenvolvidos. Essas discussões são parte das teorias transumanista e pós-humanista, que procuram encontrar meios de melhorar os humanos, seja pelo viés corpóreo ou mental, e deixá-los com maior autonomia e controle de si, a partir do uso de recursos tecnológicos. Nessa mesma perspectiva, corpos robóticos estão aproximando-se das características físicas dos corpos humanos e os aspectos funcionais da máquina passam a ser atrelados à aceitação de um corpo semelhante e, ao passo que um corpo não-humano é humanizado, o corpo humano é maquinizado, como os androides e os ciborgues, respectivamente. A presente dissertação visa discutir acerca dos limites entre o corpo humano e o corpo robótico, procurando compreender qual seria o limiar entre humano e não-humano a partir da análise comparativa das obras Deuses de Pedra (2007), de Jeanette Winterson e Androides Sonham com Ovelhas Elétricas? (1968), de Philip K. Dick. Para tanto, propõe-se uma discussão teórica sobre os conceitos de transumanismo e pós-humanismo frente aos avanços tecnológicos, passando pelo conceito de biopolítica, bioética e vida artificial para a compreensão de como o robótico e o humano podem aproximar-se, procurando um conceito que admita a constante alteração nos corpos. Em seguida, é apresentada uma análise de alguns aspectos das obras que são relevantes para esta pesquisa, como a relação do corpo e da tecnologia, a influência tecnológica nas personagens (trans)humanas, os traços de pós-humanidade nas personagens não-humanas, as relações afetivas que são estabelecidas entre personagens humanas e não-humanas e o controle das personagens humanas e não-humanas a partir das alterações e padronizações dos corpos.

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Abstract

KRÜGER, Luana de Carvalho. The threshold between the human body and the robotic body: transhumanism and post-humanism in Stone Gods, by Jeanette Winterson e Do Androids Dream of Electric Sheep?, by Philip K. Dick. 2019, 149f. Dissertation (Master Degree in Letras), Programa de Pós-Graduação em Letras, Centro de Letras e Comunicação, Universidade Federal de Pelotas, 2019.

In the contemporaneity, body and technology are connected to the discourse of perfect health and ideal appearance. Cosmetic industries, plastic surgeries and studies on genetics and physical performance seek to improve the capabilities of bodies by changing their natural characteristics and placing the mastery of the body to the human being, and the technological resources and studies developed. These discussions are part of the transhumanist and post-humanist theories which seek to find ways to improve humans, either by corporeal or mental bias and leave them with greater autonomy and control of their bodies from the use of technological resources as an improvement of the bodies. In the same perspective, robotic bodies are approaching the physical characteristics of human bodies, and the functional aspects of the machine begin to be linked to the acceptance of a similar body, and whereas a nonhuman body is humanized, the human body is machinized, as the androids and the cyborgs, respectively. The present project aims to focus on the boundaries between the human body and the robotic body, trying to understand the threshold between humans and nonhumans from the comparative analysis of Stone Gods (2007), by Jeanette Winterson and Do Androids Dream of Electric Sheep? (1968), by Philip K. Dick. For that, a theoretical discussion about the concepts of transhumanism and post-humanism from the technological advances is presented, going through the concept of biopolitics, bioethics and artificial life for the understanding of how much the human being and robots can be closer, and of a concept that admits the constant change in bodies. Next, it is analyzed some aspects of the chosen literary texts, such as the discussion of the body, the influence of technology on the (trans)human characters, the traces of post humanity in non-human characters, the affective relationships that are established between human and non-human characters and the control of the human and non-human characters from the changes and standardization of their bodies.

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MARQUES DE MARKS, Eduardo; KRÜGER, Luana de Carvalho. Transumanos e pós-humanos em “Deuses de pedra”: a valorização do corpo padronizado na distopia de Jeanette Winterson. Anuário de Literatura, Florianópolis, vol.23, p. 154 – 173, 2018.

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1. Introdução ... 10

2. O limiar entre corpos humanos e não-humanos: perspectivas tecnológicas e filosóficas ... 15

2.1 O corpo na sociedade contemporânea: tecnologia, transumanismo e pós-humanismo ... 16

2.2 Ciborgues e corpos robóticos: discussões a partir das obras A Fábrica de Robôs de Tchápek e O Homem Bicentenário de Asimov ... 29

2.3 O conceito de Biopolítica de Foucault: relações de poder e corpo ... 54

2.4 Bioética e a definição de Pessoa Humana: os limites entre o humano e o não-humano e os avanços dessas definições a partir da tecnologia ... 60

2.5 Vida artificial: a ampliação do conceito de vida ... 65

3 Deuses de Pedra e Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?: corpo, transumanismo, pós-humanismo ... 72

3.1 Corpos humanos ou transumanos: as influências da tecnologia nas personagens humanas das obras ... 73

3.2 Corpos robóticos: traços de pós-humanidade nos androides ... 86

4 Relações afetivas entre corpos robóticos e corpos humanos em Deuses de Pedra e Androides Sonham com Ovelhas Elétricas? ... 104

4.1 Os limites da vida artificial e vida biológica ... 110

4.2 O controle dos corpos: a tecnologia em humanos e robôs ... 122

5. Considerações Finais ... 140

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10 1. Introdução

O estudo do corpo e da corporeidade está presente em diferentes áreas da ciência e é discutido também no âmbito religioso, tendo em vista a materialidade dos corpos. Temáticas sobre bem-estar e cuidado são cada vez mais discutidas cientificamente e apresentadas na mídia como uma forma de melhoria da vida humana, de modo que ao aprimorar certas capacidades físicas, há uma garantia de felicidade. O aperfeiçoamento dos corpos é um dos aspectos discutidos nas teorias transumanista e pós-humanista que visam modificá-los para que os humanos sejam mais independentes e tenham mais domínio de si, no entanto, juntamente com esta ideia de maior autonomia também é apresentado e vendido padrões de beleza e recursos estéticos que procuram rotular os indivíduos adeptos (ou não) de determinado ideal.

Inicia-se uma discussão sobre como o transumanismo e pós-humanismo podem, de fato, garantir mais autonomia aos humanos, tendo em vista que uma das fontes de investimento são grandes empresas que procuram, através da mídia, vender padrões como garantia de maior adaptação, ao invés de garantir qualidade de vida dos humanos. Procura-se compreender de que forma a filosofia transumanista e pós-humanista poderia permitir que tais mudanças estivessem a serviço de um aprimoramento do humano, ao invés de um controle dos corpos.

Tais adaptações e alterações nos corpos são apresentadas em obras de ficção científica e distopias, anunciando os riscos de um melhoramento sem o controle adequado das intenções e consequências da implantação de recursos estéticos. Outro ponto também discutido é a humanização de robôs, isto é, a presença e convívio social de corpos robóticos muito semelhantes aos corpos humanos que, além de essenciais para a vida humana, apresentam traços de inteligência e manifestação de emoções que podem ser relacionadas à espécie humana.

A aproximação entre corpos robóticos e corpos humanos ganha evidência no momento em que estudos sobre vida artificial começam a entender máquinas como também possíveis de vida, conceito restrito ao biológico. Para tanto, a base da criação de máquinas é direcionada para o modo como seres biológicos desenvolvem-se, com

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11 todas suas peculiaridades e imprevistos e a própria submissão da máquina ao seu criador humano é questionada, justamente por estar baseada em um processo evolutivo que não poderia ser previsto e/ou controlado previamente.

As obras Deuses de Pedra (2007), de Jeanette Winterson e Androides Sonham com Ovelhas Elétricas? (1968), de Philip K. Dick são duas distopias que discutem os corpos padronizados e discutem diferentes perspectivas de adaptação dos humanos que, no contexto de cada narrativa, precisam estar de acordo com os padrões sociais e acabam mascarando a realidade e os problemas sociais que existentes nas obras. A presença de robôs humanoides é um ponto determinante dessas duas narrativas, pois ao relacionar humanos com robôs, observa-se que a criação de robôs semelhantes aos humanos tem uma intenção de produção que está para além de criar máquinas funcionais, pois elas são mais inteligentes e adaptadas ao meio que estão inseridas do que os próprios humanos.

As narrativas possibilitam uma discussão sobre robôs com gênero predefinido, com corpos de acordo com o padrão de beleza midiático e inatingível por humanos, autônomos de sua central e que manifestam emoções que parecem competir com a vida humana, bem como sua implicação social. Além disso, questiona a submissão da máquina ao humano, ao mesmo tempo que não a apresenta como o inimigo da humanidade, mostrando que a verdadeira intenção dos robôs humanoides é conviver igualmente com os humanos, sem nenhum tipo de submissão de ambos lados e com a garantia de direitos e reconhecimento da importância das máquinas em um espaço em que a própria máquina possui maior autonomia e controle do seu corpo em relação aos humanos.

O objetivo dessa dissertação é a partir de um aporte teórico sobre transumanismo, pós-humanismo, biopolítica, bioética e vida artificial discutir como os corpos humanos estão cada vez mais próximos dos corpos robóticos, não como uma única via de mecanização do humano, mas também colocando o robô mais humanizado. O centro desta discussão são os corpos e suas manifestações que são apresentadas nas obras literárias propostas e que refletem aspectos do presente. As duas narrativas, apesar de distantes em suas publicações, acabam trazendo aspectos relevantes e semelhantes para a discussão das relações entre humanos e robôs, de modo que a escolha é interessante para observar como os mesmos alertas de caos e

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12 excesso de controle dos corpos são repetidos em obras distópicas e em momentos distintos.

Para realizar essas discussões, será apresentado o aporte teórico utilizado para tais discussões que seguirão no item 2. Foi fundamental no subcapítulo 2.1 abordar temas como o transumanismo e o pós-humanismo, procurando compreender quais são as semelhanças e diferenças que englobam essas duas teorias e como o corpo está presente nessas discussões. Para tanto, foi necessário refletir sobre o que o corpo representa na contemporaneidade e, em seguida, o quanto o uso de diferentes tecnologias no corpo pode ser associado às mudanças que já são mencionadas em diferentes obras literárias, pois os corpos alterados são, de certa forma, uma manutenção da vida humana. Utilizou-se pesquisadores que discutem a relação do corpo com a contemporaneidade, juntamente com o transumanismo e pós-humanismo, como Negrim (2008), Lima (2013), Trinca (2008), Haraway (2009), Rudiger (2008), More (2013), entre outros.

No item 2.2 é apresentada uma discussão acerca dos ciborgues, corpos que já receberam interferências tecnológicas e tornam-se mais que humanos, e os corpos robóticos que passaram de máquinas funcionais, para máquinas que se assemelham aos humanos e seu comportamento. A discussão parte de duas obras literárias que são relevantes não só na literatura, mas também para todo o campo científico da área de robótica, são elas: A Fábrica de Robôs (1920), de Tchápek, em que o termo robô foi primeiramente utilizado e que abriu espaço para refletir sobre o que é essa máquina e qual o objetivo de sua criação, principalmente uma máquina que além de substituir as atividades desempenhadas por humanos, também é fisicamente semelhante aos humanos. A obra de Tchápek é apresentada na dissertação para discutir como os robôs das narrativas propostas podem ser analisados e como, ainda que bastante semelhante ao humanos e mais inteligentes, eles sejam inferiorizados em comparação a espécie humana. A outra obra é O Homem Bicentenário (1976), de Asimov, que além de um escritor de ficção científica, foi um pesquisador da área da robótica, sendo as Três Leis da Robótica um dos seus marcos, que até hoje estão presentes no campo literário e científico. Nesta obra é possível analisar o processo de humanização de um robô em que o artificial ganha a característica de humano através da alteração do seu corpo e sua aceitação como humano só é admitida no momento em que a máquina se torna mortal. Essas duas obras, por toda representatividade no

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13 campo da ficção científica, assim como a obra Eu, robô (1950), de Asimov, também serão a base teórica da presente dissertação, pois trazem aspectos científicos relevantes para a compreensão do corpo robótico e dos limites e interferências humanas que um robô pode receber, bem como do humano em relação às interferências tecnológicas.

No item 2.3 foi realizada uma reflexão a partir dos textos de Michel Foucault sobre a relação de poder e corpo, iniciando pelo conceito de Biopolítica discutido pelo filósofo. Neste capítulo foi utilizado outros pesquisadores que discutem o conceito de biopolítica, corpo e poder a partir de das reflexões de Foucault, de modo a complementar a discussão acerca do corpo e de como ele é relevante às discussões do humano e interferências tecnológicas, como uma forma de melhoramento da espécie, tendo em vista que o cuidado com o corpo é uma forma de controle social.

No subcapítulo 2.4 é discutido alguns aspectos filosóficos do conceito de bioética, principalmente a partir de Fuentes (2006), Chaves (2010) e Fernandes (2009). Considerou-se importante trazer este conceito para compreender como os humanos podem ser definidos a partir da bioética e como o conceito de pessoa-humana pode ser excludente, inclusive para corpos biologicamente humanos. A discussão acerca da bioética direcionou esta pesquisa para um conceito mais amplo de vida, abordado no item 2.5 em que se iniciou a discussão sobre vida artificial, que garante mais abrangência para a compreensão de humano e também para pensar sobre algumas proximidades entre humano e máquina. Ainda que esta seja uma nova ciência, já é possível encontrar alguns teóricos como Bedau (2007), Oliveira (2006) e Hayles (1999) que discutem tal conceito aplicado aos estudos de corpo humano e corpo robótico. A discussão de vida artificial será retomada com mais detalhes na análise das obras propostas na dissertação.

A partir do terceiro capítulo começa a análise de Deuses de Pedra (2007), de Jeanette Winterson e Androides Sonham com Ovelhas Elétricas? (1968), de Philip K. Dick, primeiramente focando nas definições de transumanos e pós-humanos aplicadas nas personagens das obras. O item 3.1 trata sobre as influências tecnológicas nos corpos humanos das personagens das duas obras e as mudanças desses corpos para transumanos. Já no item 3.2 é proposta uma análise acerca das personagens não-humanas, procurando compreender como os seus corpos podem

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14 apresentar os traços de pós-humanidade discutidos pela teoria pós-humanista. Neste momento é retomada a teoria acerca da vida artificial, de modo que ao rever o conceito de vida, os robôs podem aproximar-se do conceito de humano.

No último capítulo analítico da dissertação são discutidas as relações afetivas entre personagens humanas e não-humanas, procurando observar de que modo se pode compreender essas relações entre espécies diferentes em sua concepção, no entanto, semelhantes nos outros aspectos. Para tanto, no item 4.1 é proposta uma análise acerca dos limites da vida biológica e da vida artificial a partir da maneira como tais obras apresentam as relações entre humanos e não-humanos, principalmente em relação a sexualidade e aos desejos sexuais. O item 4.2 aproxima mais uma vez os corpos robóticos dos corpos humanos para compreender como os corpos são controlados através dos recursos tecnológicos disponíveis nas narrativas, tanto para as personagens humanas, como também na produção de robôs que além de semelhantes aos humanos também possuem e seguem um padrão de beleza instaurado socialmente pelas empresas que controlam tais corpos.

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15 2. O limiar entre corpos humanos e não-humanos: perspectivas tecnológicas e filosóficas

“we're so advanced our species have learned to grow people we have built a binary eye to help the blind see we drive cars, we have thumbs we have reached the moon, little fish do you even know what that is?” (Humans, Meghann Plunkett)

Discussões acerca do corpo estão cada vez mais presentes na sociedade, principalmente em relação às tecnologias disponíveis para alterações nos corpos, sejam eles humanos ou robóticos. Juntamente com os avanços tecnológicos estão os debates filosóficos sobre o corpo que perpassam por aspectos acerca do controle, e de possíveis definições para o conceito de vida e humano. Neste capítulo, propõe-se uma reflexão sobre alguns conceitos que percorrem o campo tecnológico e filosófico e que apresentam pontos de contato relevantes tanto para os avanços e melhoramentos dos corpos humanos, como também para o aprimoramento da semelhança de corpos robóticos e corpos humanos. Optou-se por fazer um recorte que tem como discussão inicial os conceitos de transumanismo e pós-humanismo e a implicação desta base teórica para pensar nos pontos tangenciais entre humano e não-humano. Na sequência, são discutidos os corpos híbridos, ciborgues e humanoides, que apontam para os motivos da interferência tecnológica para o melhoramento de corpos humanos biologicamente imperfeitos. Em seguida, há uma discussão mais filosófica, que permite compreender a importância do corpo na sociedade, a partir do conceito de biopolítica de Michel Foucault (2004). Avança-se aos estudos de bioética para observar como são apresentadas as definições de humano e se elas ainda são relevantes depois de tantos avanços tecnológicos. O objetivo, neste momento, é identificar se a ideia de pessoa-humana, discutida na bioética, é suficiente para dar conta de corpos humanos que apresentam tantas diferenças e interferências, ao passo que corpos robóticos também ganham espaço na sociedade. Por fim, é discutido o conceito de vida artificial como uma proposta que englobe uma maior variedade de corpos a partir da reconceitualização de vida que, com a bioética, estava restrita a biologia.

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16 2.1 O corpo na sociedade contemporânea: tecnologia, transumanismo e pós-humanismo

Perguntas que procuram uma essência humana são frequentes no campo das ciências e tecnologias, em que o corpo é utilizado como produto e processo de mudança e melhoramento. Uma possível justificativa para existência destes questionamentos é a ausência de uma resposta irrefutável e aceita por toda humanidade. São assuntos filosóficos, religiosos, sociológicos que caminham não só dentro destas áreas de conhecimento, como também permeiam a arte, a literatura e o senso comum. Tais perguntas são complexas e quase irrespondíveis pois, de acordo com Orlan (2002), no artigo “The Virtual and/or the Real”, “[a]inda estamos ‘formatados’ pelo cristianismo, que sempre nos pede para escolher entre o bem ou o

mal; o ‘ou’ permite uma designação do culpado e uma demonização de um ou de

outro...” (ORLAN, 2002, p.168, grifos do autor, minha tradução).1 É, possivelmente,

essa procura por uma resposta única e irrefutável que faz com que não exista espaço para outras possibilidades e intercâmbios de informações. Como o autor sugere,

parece interessante agora começar a observar o “e” e não somente o “ou” dessas

condições (ORLAN, 2002, p.168). “Atualmente, o ‘e’ me parece ser a única escolha

honrosa e produtiva! Hoje, o ‘e’ evita os maniqueísmos muito difundidos [...] que

muitas vezes encontrei na escola de arte onde eu ensino e em muitos outros lugares.”

(ORLAN, 2002, p.168, grifos do autor, minha tradução).2

Procurando caminhar pelo “e” e entender a relação do corpo com o conceito de humano que se optou por começar a discussão acerca do corpo a partir da perspectiva de que os corpos biológicos são imperfeitos, porém relevantes para a construção da ideia de humano, bem como para muitos avanços tecnológicos. Sem, necessariamente, colocar o corpo como algo superior a mente, acredita-se que os grandes números de interferências corpóreas devem ser observados para compreender como se estabelece a relação de corpos modificados com a tecnologia

1 Do original: We are still 'formatted' by Christianity, which always asks us to choose between good or evil; the 'or' permits a designation of the guilty one and a demonization of the one or the other . . . 2 Do original: Currently the 'and' seems to me to be the only honourable and productive choice! Today the 'and' avoids the far too widespread Manicheanisms […] which I've often come across in the art school where I teach and in many other places.

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17 e os avanços a partir de teorias como o transumanismo e o pós-humanismo. Assim, se há necessidade de intervenção tecnológica para melhorar o desempenho de uma função do corpo humano, isso significa que esses corpos não são completamente autônomos e suficientes.

Há intervenções mínimas nos corpos que, no entanto, são fundamentais para que os indivíduos consigam desempenhar funções cotidianas, por exemplo, o uso de óculos de grau, aparelhos auditivos, marca-passo, entre outros, sendo tais interferências corriqueiras e aceitáveis socialmente. Observa-se que estes recursos foram desenvolvidos a partir da tecnologia, na qual quando detectada uma falha, corrige-se com algo externo ao corpo, externo ao biológico.

O corpo é parte das discussões acerca do humano e não se pode deixar de considerar as intervenções que ele sofre, à medida que os avanços tecnológicos também crescem. O que inicialmente pode ser algo que procura facilitar e corrigir alguma deficiência do corpo, passa a carregar também padrões estéticos que estão para além de uma simples funcionalidade corpórea. Atualmente, mais do que qualquer outro período histórico, os corpos humanos podem ser alterados, modificados sejam por questões de saúde ou estéticas. Acerca destas constantes alterações, Negrim (2008), no artigo “Cosmetic Surgery and the Eclipse of Identity”, diz que:

[e]mbora a ciência tenha nos fornecido os meios para transformar nossos corpos, não pode nos dar nenhuma orientação sobre como esses meios devem ser empregados [...] É por isso que, para muitos, a remodelação cirúrgica de seus corpos se torna um processo sem fim, pois eles se envolvem em uma busca impossível de uma identidade que está para sempre além do alcance. (NEGRIM, 2008, p.92, minha tradução)3

Não há limites para as transformações. Ainda que muitos avanços tecnológicos para os corpos tenham surgido por uma necessidade biológica, há também necessidades que são criadas a partir do desejo de possuir algo. Os óculos, por exemplo, não apenas desempenham a função de permitir que um indivíduo enxergue adequadamente, mas também estão relacionados a um padrão estético que faz com que as pessoas tenham mais de um par de óculos para diferentes situações e/ou óculos com valores diferentes, pois são mais belos ou mais adaptados aos desejos e

3 Do original: While science has provided us with the means by which to transform our bodies, it is

unable to give us any guidance as to how these means should be employed […] That is why, for many, the surgical refashioning of their bodies becomes a never-ending process as they engage in an impossible search for an identity that is forever beyond reach.

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18 a moda atual. O corpo, e suas imperfeições, sofre intervenções de diferentes formas e acaba sendo atingido diretamente através de recursos que o adaptam e melhoram. Segundo Lima (2013), no trabalho intitulado “Do corpo sob o olhar de Bourdieu ao corpo contemporâneo”,

[o] século XXI assistiu a uma crescente valorização do corpo suscitando uma série de reflexões acerca de aspectos epistemológicos inter-relacionais como: mente, saúde, aprendizagem cognitiva, corpo-comunicação, corpo-sujeito, corpo-consumo-mercadológico e corpo contemporâneo. Esse fenômeno emergente é atribuído à grande força da mídia e ao surgimento de uma cultura de consumo como característica da sociedade contemporânea. (LIMA, 2013, p.02)

Há, por exemplo, o uso do corpo na publicidade, em que se é instigado a pensar em um padrão de beleza e/ou um ideal a ser atingido com o uso de específicos recursos estéticos e/ou cosméticos. A padronização (e venda) de um corpo ideal (ainda que variável em diferentes culturas) é colocada em evidência, utilizando, em muitos casos, o discurso da saúde atrelado ao da boa aparência e da boa forma como condição para um sucesso pessoal, profissional e, inclusive, afetivo. Diante da posição da mídia em relação aos corpos, reflete-se sobre o papel do corpo nestas relações e como ele é importante para essa discussão, pois ainda que seja usado pela mídia como um produto, o corpo desempenha um papel social que não está somente atrelado à aparência, mas à performance que ele desempenha.

O corpo não é, pois, um objeto. Sua imagem é o conceito e a vivência que se constrói sobre o esquema corporal, trazendo consigo o mundo das significações, e na imagem estão presentes os afetos, os valores, a história pessoal, marcada nos gestos, no olhar, no corpo em movimento, que repousa e que simboliza. (LIMA, 2013, p.03)

Compreende-se o corpo como parte central para a discussão do humano na contemporaneidade, pois é através da sua performance que tal socialização torna-se possível. A publicidade e a sociedade de consumo estimulam o jogo de ilusão e desejo que promove um sistema materialista/capitalista de consumo, de modo que usam dessas performances para instituir seus padrões de beleza e/ou modelos a serem seguidos. “Um novo estilo de existência toma forma, novas tecnologias pululam aos olhos do sujeito-corpo que, na maioria das vezes, não possui o discernimento adequado para contrapor ao que está sendo posto pela moda publicitária.” (LIMA, 2013, p.02). O corpo é visto para além de matéria e pensar, nesta perspectiva, supera o conceito cartesiano que “[...] tem a função de mostrar sua existência [humana] em dependência apenas de seu pensamento” (RAMOZZI-CHIAROTTINO e FREIRE,

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19 2013, p.160). Associar a mente, como fonte única, à existência do humano perde sua força, o corpo também é parte dessa existência, pois ele é vetor das mudanças, transformações e modificações físicas do sujeito. A performatividade do sujeito acontece através de seu corpo, existir passa a ser algo tão corpóreo e material, quanto abstrato e intrínseco. Existir também é físico e corpóreo. O corpo é presente na publicidade porque é fonte de representatividade do sujeito e de manifestação identitária.

As discussões acerca da publicidade refletem o que pesquisadores das áreas de saúde e estética estudam em relação aos avanços e melhorias do corpo. Essas estratégias de venda são discutidas como uma forma de manipulação dos indivíduos que acabam comprando determinado produto como um meio de obter um resultado quase impossível e improvável de padronização física e estética. Aos que não se encaixam neste padrão ou que procuram subvertê-lo, cabe um arsenal de argumentos em que o objetivo principal é mostrar que tal discurso é, na maioria dos casos, um discurso do consumo que não leva o sujeito a ser melhor, mas a consumir um produto específico. Apesar de não ser um problema utilizar determinado produto, é importante ter consciência das estratégias de venda e do incentivo ao consumo desenfreado que as empresas e a publicidade promovem através do discurso da saúde perfeita e beleza ideal.

[N]ossa sociedade tanto cultua o corpo como não cessa de desprezá-lo, comercializá-lo e coisificá-lo. O corpo reina e padece diariamente. Propagam-se as “deficiências” e os limites corporais, desvalorizam-Propagam-se as singularidades e potencialidades dos sujeitos e os tornam desnecessários, descartáveis, sem sentido, e, simultaneamente, o aclamam, fazendo do corpo o mais sublime objeto de adoração. (TRINCA, 2008, p.03, grifos da autora)

A publicidade está atenta aos discursos em voga e discussões que movimentam mudanças não só em aspectos políticos, mas que também fomentam debates acerca da saúde, bem-estar pessoal, entre outros, e começa a usar tal discurso para manter o consumo ativo. Um exemplo são as marcas de cosméticos que cada vez mais apropriam-se do discurso do empoderamento feminino, bem como da deslegitimação do discurso heteronormativo para venda de seus produtos. Nessas propagandas são apresentados produtos diferentes do padrão da marca que, além de trazerem cores e modelos distintos do entendido/vendido socialmente como “normal” e/ou “clássico”, também usam modelos de diferentes biotipos para utilizar tais produtos que até poucos anos não tinham espaço expressivo na publicidade. O

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20 discurso é quase sempre o mesmo: “todos podem usar”, “sinta-se bem como você é”, no entanto, parece induzir o sujeito a procurar sempre se encaixar em um padrão em que sentir-se bem é usar tal produto, ou ainda, vendendo uma ideia de completude que só finaliza com a compra/uso do produto.

A reflexão em torno do corpo adquire maior relevância se contemplado os numerosos indícios disponíveis em toda parte de uma crescente preocupação e obsessão pelo corpo na contemporaneidade. Porém, não se trata de qualquer corpo, trata-se de um corpo manipulado, fabricado, reconstruído, que apresenta a “beleza e a saúde perfeita” como metas a serem alcançadas. (TRINCA, 2008, p.04, grifos da autora)

O corpo é constante discussão não só para o humano, mas também para a padronização do humano. A individualidade vendida é uma forma de aproximar e padronizar o “diferente”. Cabe pensar até que ponto a utilização de padrões deixariam

e caracterizariam os indivíduos como “mais perfeitamente humanos”. A questão

central é pensar qual seria o papel do corpo para a compreensão do ser humano e qual seria a relevância dos recursos midiáticos para a manutenção dos corpos.

Valorizar o corpo significou ampliar o seu conceito, compreendendo-o para além de um mero espaço físico ocupado por um conjunto de órgãos, pois passa a ser nele o lugar em que se dá, se realiza e se manifesta não só as suas aptidões e contingências físicas, mas também e sobretudo o conjunto complexo de reciprocidade e inter-relações entre as emoções, a sexualidade, sentimentos, os pensamentos e os desejos humanos, tornando assim a noção ou mesmo o conceito de “corpo” em algo eminentemente rico e complexo. (LIMA, 2013, p.03, grifos da autora)

A complexidade da ideia de corpo parece ir além de somente o que ele expressa fisicamente. Todos os desejos, sentimentos, emoções usam o corpo, esse espaço físico, como forma de manifestação. O corpo não é somente o que se vê, mas o que ele expressa. Essas demonstrações de emoções e desejos têm como vetor o corpo humano e toda sua complexidade parece sempre estar atrelada ao espaço que ele ocupa e a maneira como performatiza. Não se pode deixar de observar que a tecnologia desempenha um papel fundamental para a manutenção desses corpos considerados esteticamente imperfeitos, ou ainda, dos corpos que necessitam da intervenção tecnológica para obter um melhor desempenho, corpos que biologicamente precisam ser, em diferentes níveis, modificados para manter as relações sociais que cada um se submete ou que é imposta socialmente.

A ênfase na precariedade da carne, na imperfeição, na falta de resistência, no envelhecimento progressivo e na morte como ameaça constante alimentam o imaginário social referente ao descrédito para com o corpo real e amparam diversas pesquisas científicas e numerosas práticas cujo intuito é

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21 remediar as deficiências do orgânico por meio de procedimentos técnicos e métodos de gestão e controle. (TRINCA, 2008, p.03)

O que parece estar evoluindo rapidamente é uma padronização com um fim estético que permite fazer um jogo com os corpos, em que esses desempenham um papel fundamental para tais transformações, pois ao mesmo tempo em que é um espaço de alterações rumo ao efêmero em suas mudanças, é também carregado de uma materialidade que caminha para a imortalidade.

A valorização do corpo em um momento histórico no qual se apresenta um brutal investimento da tecnociência em direção à superação do limite da materialidade humana, aspirando a concretização do chamado homem-máquina parece indicar mais um dos paradoxos presentes na atualidade. A engenharia genética com DNAs, clones, órgãos artificiais objetivando a redução dos seres vivos à máquinas biológicas pode converter-se em ameaça à própria corporeidade que se cultua. (TRINCA, 2008, p.02)

Questiona-se se esses avanços de fato representam uma ameaça, pois todas alterações que visam uma mudança estética colocam os humanos em um espaço de melhoria e não de desumanização. Um corpo com intervenções de máquina não seria necessariamente desumanizado, ele poderia trazer novas perspectivas para uma definição de humano. A ideia de uma ameaça à corporeidade humana não parece algo possível, pois todas modificações ainda manteriam e se preocupariam com os

aspectos humanos. “A tecnologia molda todos os aspectos da vida humana e a

identidade humana torna-se fluida, porque está sempre sendo moldada por forças tecnoculturais e, portanto, não pode ser cortada da sua influência.” (GARNER, 2011,

p.89, minha tradução)4.

Volta-se ao que Trinca (2008) mencionou acima, a ideia do homem-máquina e clones levariam à manutenção dos corpos que está além dos limites morais e éticos da sociedade contemporânea que ainda considera aspectos religiosos para essas discussões, ou ainda, se assusta e/ou estranha o excesso dessas mudanças do corpo

e reprodução de um mesmo indivíduo. Uma sociedade ainda baseada no “ou” de Orlan

(2002) que, de certa forma, limita o corpo, bem como os indivíduos. No entanto, não há dúvidas de que a tecnologia está em vias de um serviço da manutenção eterna do humano. Os estudos prometem chegar à imortalidade, ou seja, no pós-humanismo que, ainda sendo uma utopia, já procura pensar neste processo como algo possível e avança os estudos começando pela dominação do próprio corpo, em que já se poderia

4 Do original: Technology shapes every aspect of human life, and human identity becomes fluid, because it is forever being shaped by technocultural forces, and thus one cannot be cut off from their influence.

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22 pensar em um grande avanço do humano. Ao que tudo indica, o humano é cada vez mais o que é denominado de ciborgue, ou “um ‘homem ampliado’, um homem melhor adaptado” (KUNZRU, 2009, p.121, grifos do autor).

Os ciborgues vivem de um lado e do outro da fronteira que separa (ainda) a máquina do organismo. Do lado do organismo: seres humanos que se tornam, em variados graus, “artificiais”. Do lado da máquina: seres artificiais que não apenas simulam características dos humanos, mas que se apresentam melhorados relativamente a esses últimos. (TADEU, 2009, p.11, grifos do autor)

Esse processo de aproximação entre máquina e organismo está cada vez mais presente, fazendo com que o corpo seja alterado e mecanizado. Quanto mais se permite que a tecnologia interfira nos corpos, mais se é ciborgue, mais diminui-se as fronteiras entre artificial e biológico. Teóricos como Donna J. Haraway (2009) no “Manifesto ciborgue: Ciência, tecnologia e feminismo-socialista no final do século XX” defende a ideia de que todos humanos são ciborgues, pois todos utilizam de recursos

tecnológicos, “[o] ciborgue é uma matéria de ficção e também de experiência vivida

[...].” (HARAWAY, 2009, p.36). Segundo a pesquisadora “[n]o final do século XX, neste

nosso tempo, um tempo mítico, somos todos quimeras, híbridos – teóricos e

fabricados – de máquina e organismo; somos, em suma, ciborgues.” (HARAWAY,

2009, p.37).

A partir da ideia de melhoramento das nossas capacidades biológicas que surgem as teorias transumanista e pós-humanista, sempre pensando no aprimoramento do humano. Compreende-se o transumanismo como o momento em que “[a] humanidade seria então capaz de evoluir a si mesma através da tecnologia, e tal evolução estaria a cargo de seu desejo e não de uma ordem divina ou de processos naturais aleatórios” (MARKS DE MARQUES; PEREIRA, 2017, p.122), e

chegando ao pós-humanismo em que haverá “[p]essoas com capacidade física,

intelectual e psicológica sem precedentes, auto programadas, indivíduos auto constituintes, potencialmente imortais e ilimitados” (BRODERICK, 2013, p. 430, minha

tradução)5. Tais conceitos estão diretamente conectados e, por vezes, acabam se

intercambiando, pois:

[....] o transhumanismo compartilha de alguns valores pós-modernistas, como a necessidade de mudanças, a reavaliação do conhecimento, o reconhecimento de identidades múltiplas e a oposição a classificações

5 Do original: Persons of unprecedented physical, intellectual, and psychological capacity, self-programming, self-constituting, potentially immortal, unlimited individuals.

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23 acentuadas do que os seres humanos e a humanidade deveriam ser. No entanto, o transumanismo não descarta a totalidade do passado por causa de algumas ideias equivocadas. O humanismo e o conhecimento científico provaram sua qualidade e valor. Deste modo, o transumanismo procura uma transmodernidade ou hipermodernismo em vez de argumentar explicitamente contra o modernismo. (MORE, 2013, p.02, minha tradução)6

Ao contrário do que se pensa, o transumanismo não descarta o passado da humanidade, ele reforça a ideia iluminista de que o homem é central às discussões da sociedade em que a razão e a ciência prevalecem em relação aos ideais divinos e Deus. Garner (2011), no artigo “The Hopeful Cyborg” diz que:

[a] visão transumanista é um produto final da crença de que a condição humana pode ser melhorada através da razão, da ciência e da tecnologia. Concentra-se predominantemente no indivíduo autônomo, afirmando o primado da razão como uma força para a transformação pessoal e, portanto, social. Através do uso da razão aplicada, o transumanismo afirma que valores como o pensamento racional, a liberdade, a tolerância e a preocupação com os outros são aumentados, o que, em última instância, leva à melhoria cada vez maior da condição humana. Deste modo, o transumanismo afirma oferecer a esperança de um mundo melhor. (GARNER, 2011, p.87, minha tradução)7

Logo, o transumanismo é parte de um processo, uma forma de ver a humanidade sem descartá-la e/ou rejeitá-la completamente, pois pretende melhorar o humano, não só fisicamente como também mentalmente. O transumanismo é o caminho, o direcionamento para o pós-humanismo que compreende o pós-humano como:

[...] a “pessoa” possuidora de capacidades físicas e intelectuais sem precedentes, a entidade possuidora dos princípios de sua autoformação e um caráter transcendente, porque potencialmente imortal, é pós-humana, seja ciborgue ou máquina de inteligência artificial. Quem atinge esse ponto não mais pode ser chamado de humano, e é para se chegar até ou mesmo converter-se em pós-humanos que muitos crentes na tecnologia vêm se organizando desde o final do século XX. (RÜDIGER, 2008, p.142, grifos do autor)

6 Do original: […] transhumanism shares some postmodernist values, such as a need for change, reevaluating knowledge, recognition of multiple identities, and opposition to sharp classifications of what humans and humanity ought to be. Nevertheless, transhumanism does not throw out the entirety of the past because of a few mistaken ideas. Humanism and scientific knowledge have proven their quality and value. In this way, transhumanism seeks a transmodernity or hypermodernism rather than arguing explicitly against modernism.

7 Do original: The transhumanist vision is an end product of the belief that the human condition can be improved through reason, science, and technology. It focuses predominantly upon the autonomous individual, asserting the primacy of reason as a force for personal and therefore societal transformation. Through the use of applied reason, transhumanism asserts that values such as rational thinking. freedom, tolerance, and concern for others are increased, which ultimately leads to an ever-increasing improvement of the human condition. In this way transhumanism claims to offer the hope of a better world.

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24 O pós-humanismo seria o patamar mais alto das possíveis transformações, o caráter divino passaria para o próprio homem que conseguiria controlar o seu corpo e sua mente, além de ter maior percepção e controle de tudo em sua volta, seja através dos recursos da robótica e/ou totalmente maquinizado. Parece natural, portanto, ao falar de transumanismo e pós-humanismo, pensar diretamente em filmes e literaturas de ficção científica e distópicas que colocam os indivíduos diante de tecnologias superdesenvolvidas. Nessas produções cinematográficas e/ou literárias o corpo humano biológico é reproduzido, no entanto, todas as conexões e estruturas internas não são feitas de “carne e osso”, mas com estruturas bastante avançadas nos estudos de robótica. Há também o corpo biológico que sofreu muitas alterações, tornando-se um super-humano, imortal ou com força maior que a capacidade humana, ou ainda, livre de emoções. Ao falar dos avanços da tecnologia e do pós-humanismo, Rüdiger (2008), no livro Cibercultura e Pós-humanismo: Exercícios de arqueologia e criticismo, diz que:

[...] a tecnologia nos permitirá parar de envelhecer, adquirir maior vitalidade e conquistarmos inteligência comparativamente superior à dos melhores que conhecemos, fará com que desenvolvamos artificialmente novas competências em todas as áreas e controlemos nossas emoções racionalmente, para dela tirarmos o melhor proveito possível e, finalmente, possibilitará que façamos o que desejarmos com nosso corpo [...]. (RÜDIGER, 2008, p.142)

Ainda que os avanços da robótica possam causar certo impacto, muitos recursos são criados pela humanidade para ajudar na manutenção dos corpos e no bem-estar individual. Estes são recursos tecnológicos que se tornaram corriqueiros e naturais, por exemplo: os aparelhos auditivos para pessoas com algum tipo de deficiência auditiva, ou ainda, recursos que se tornam parte do nosso corpo como o implante coclear, para significativas perdas auditivas, e o coração artificial. Hayles (1999), no livro How we became posthuman, ao falar do corpo humano e da sua modificação menciona que:

[...] o ser humano é, antes de tudo, um ser incorporado, e as complexidades desta encarnação significam que a humanidade se desdobra de maneiras muito diferentes das da inteligência incorporada em máquinas cibernéticas. [...] Este ponto cego é mais evidente, talvez, quando críticas literárias e culturais enfrentam os campos da biologia evolutiva. A partir do ponto de vista de um biólogo evolutivo, os seres humanos modernos, para todas as suas proezas tecnológicas, representam um piscar de olhos na história da vida, uma espécie distante, muito recente para ter um impacto evolutivo

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25 significativo no comportamento e estruturas biológicas dos seres humanos. (HAYLES, 1999, p.283/284, minha tradução)8

Ao comparar os avanços tecnológicos com a evolução da espécie, percebe-se que há diferenças. Embora os corpos e a tecnologia estejam caminhando juntos em muitos aspectos, ainda são espaços diferentes e que evoluem, transformam-se e adaptam-se de maneiras distintas. O que anteriormente passou por uma evolução biológica e pela seleção natural, agora é adaptado e pensado pelos humanos, com instrumentos de trabalho e recursos tecnológicos, anteriormente inimagináveis, que trazem mais rapidamente os resultados desejados. Cabe enfatizar que os pesquisadores transumanistas e pós-humanistas não estão procurando comparar os avanços da tecnologia com os da biologia, mas pensar no que a tecnologia pode proporcionar para os seres humanos.

Os transumanistas consideram a natureza humana não como um fim em si mesma, perfeita, e tendo qualquer reivindicação sobre nossa fidelidade. Em vez disso, é apenas um ponto ao longo de um caminho evolutivo e podemos aprender a remodelar nossa própria natureza de maneiras que consideramos desejáveis e valiosas. Pensando com cuidado, e aplicando a tecnologia com coragem para nós mesmos, podemos nos tornar algo que não é mais exatamente descrito como humano - podemos nos tornar pós-humanos. (MORE, 2013, p.04, minha tradução)9

Não há, portanto, uma competição entre o corpo biológico e a máquina, mas uma ideia de melhoramento e aprimoramento do corpo e da mente. O transumanismo é um processo natural, que caminha junto com a humanidade e que chegará no ponto mais alto quando atingir o pós-humanismo, pois se a tecnologia está evoluindo e os indivíduos estão utilizando dela para a correção das imperfeições do corpo biológico, logo estarão naturalizados ao processo de melhoramento. Desta maneira, a máquina nos corpos, antes rejeitada, agora é como um acessório de grande utilidade.

O sonho de melhorar as capacidades humanas por meio de uma reprodução seletiva tem constituído, desde muito, um item obrigatório do lado sombrio da literatura médica ocidental. Existe, agora, a possibilidade de se fabricar humanos melhores, ampliando suas capacidades por meio de dispositivos

8 Do original: […] human being is first of all embodied being, and the complexities of this embodiment mean that human awareness unfolds in ways very different from those of intelligence embodied in cybernetic machines. […] This blind spot is most evident, perhaps, when literary and cultural critics confront the fields of evolutionary biology. From an evolutionary biologist's point of view, modem humans, for all their technological prowess, represent an eye blink in the history of life, a species far too recent to have significant evolutionary impact on human biological behaviors and structures.

9 Do original: Transhumanists regard human nature not as an end in itself, not as perfect, and not as having any claim on our allegiance. Rather, it is just one point along an evolutionary pathway and we can learn to reshape our own nature in ways we deem desirable and valuable. By thoughtfully, carefully, and yet boldly applying technology to ourselves, we can become something no longer accurately described as human – we can become posthuman.

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26 artificiais. Doses de insulina têm sido utilizadas para controlar os metabolismos dos diabéticos desde os anos vinte. Uma máquina constituída de uma combinação de pulmão e coração foi utilizada para controlar a circulação sanguínea de uma moça de 18 anos durante uma operação em 1953. Um homem de 43 anos recebeu o primeiro implante de marca passo em 1958. (KUNZRU, 2009, p.122/123)

O artificial torna-se parte do biológico e, em muitos casos, essencial à funcionalidade do corpo. Tratando da relação entre corpos e tecnologia, as próteses são um exemplo relevante, pois o que em alguns anos atrás era pensado para ser similar ao corpo e a pele, hoje em dia é exposto como um recurso tecnológico em que não há intenção de esconder a máquina de um corpo desprovido de alguma função e/ou membro. “A civilização maquinística e o pensamento tecnológico não nasceram hoje, nem levaram ao surgimento de movimentos como os aqui estudados apenas contemporaneamente.” (RÜDIGER, 2008, p.143).

Nota-se que, até o presente momento, os humanos estão cada vez mais adaptados ao acesso tecnologicamente. O estranhamento acontece por aquilo que a tecnologia traz e que ainda não foi dominado, por isso causa espanto pensar no corpo totalmente mecânico, como o de um robô em um humano.

Noutros termos, as fantasias futuristas ensaiadas assim não devem ser tomadas pelo valor de face, mas pelo seu impacto ou sentido no presente. A reengenharia radical da condição humana por elas anunciada não depende apenas de recursos econômicos e vontade coletiva. O projeto também pressupõe um estágio de desenvolvimento do conhecimento científico e tecnológico que ainda está muito longe de ser alcançado [...]. (RÜDIGER, 2008, p.203)

O que o humano poderá criar através da tecnologia é o que assusta a humanidade, pois não se sabe até quando haverá ou não controle sobre esses recursos ainda incertos, como em Frankenstein, ou o Prometeu moderno, de Mary Shelley (1831), que ao criar um humano feito de pedaços, logo fica horrorizado com a sua própria criação (SHELLEY, 2014, p.61). No entanto, Rüdiger (2008) ainda diz que “recorrer a elas [tecnologias] concretamente, significa, antes de mais nada, engendrar publicidade e tentar mobilizar investimentos, significa operar no sentido de captar recursos, promover profissionais e criar um clima de opinião favorável” (RÜDIGER, 2008, p.203).

Acerca do que está atualmente disponível, não há um estranhamento por parte de uma consciência normativa do corpo, pois se aceita a maioria das interferências que é recebida e que proporcionam, não somente uma funcionalidade maior, mas

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27 também a estética que se procura. Em contrapartida, se não é possível imaginar o que está por vir, também não há como prever se será algo positivo. Ainda que seja importante estudos e aprovação social do que pode mudar e avançar tecnologicamente, não se pode garantir o que será seguido pelos estudiosos e cientistas. A insistência por estudos de constante adaptação do humano pode levar à extinção da humanidade, e a manutenção estética dos corpos, hoje em dia muito bem aceita socialmente, pode ser a porta de entrada para a modificação completa dos corpos.

Acredita-se que em um processo de constante modificação, as vantagens e desvantagens são inimagináveis. O corpo é de grande relevância, seja pela sua manutenção ou pela sua total modificação. A representação de um corpo não-humano (robótico, por exemplo) é quase sempre associada ao corpo humano, logo a corporeidade é, de certa forma, mantida e respeitada. O culto ao corpo permanece e tais formas de melhoramento do corpo já podem ser consideradas, pelo menos, uma porta de entrada para o transumanismo.

Cabe ressaltar que quanto maior é o uso da tecnologia, menor é a existência do corpo biológico, o que não necessariamente representa uma ameaça. O ciborgue é mais comum do que se imagina, esse corpo interferido pela tecnologia não está somente dentro do centro de estudos sobre robótica ou em filmes de ficção científica. Não desconsiderando os diferentes níveis de interferência tecnológica, acredita-se que, de certa forma, se está caminhando para pós-humanidade, pois a utilização de recursos para desempenhar atividades na sociedade é dependente da tecnologia, à medida que ela proporciona maior qualidade de vida.

Se o corpo é vetor de tantas modificações no humano, ele também deve ser fonte de manutenção para o transumano e pós-humano. O corpo é sujeito dessas representações e diante do transumanismo e pós-humanismo ainda se encontrará a representação de humano. Não há como garantir os rumos dessas mudanças e não há limites para o que ainda está por vir, portanto, se está jogando com as próprias apostas e mexendo com o que assusta socialmente: a imortalidade, que é discutida por Broderick (2013), no artigo “Trans and Post”, em que o pesquisador diz que:

[...] nenhum método recomendado pela ciência - ou pela magia, afirmação ou oração - nesse sentido - conseguiu até agora estender a vida humana além do limite naturalmente evoluído de cerca de 120 anos. Mas o que mudou

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28 ultimamente é que os geneticistas prolongaram a vida útil de pelo menos algumas criaturas vivas, como os nematódeos, permitindo viver até sete vezes mais do que seus parentes não modificados. Esta não é ainda a abolição da morte - mas parece muito com o primeiro passo em direção a esse objetivo. (BRODERICK, 2013, p.434, minha tradução)10

Se por um lado falta bastante para a imortalidade humana, também já há estudos sobre tal tópico, de modo que se está pensando sobre e procurando espaços para que isso esteja mais próximo da realidade. Sem descartar os estudos acerca da mente, acredita-se que o corpo ainda será mantido ou, ao menos, a representação desse corpo em uma máquina. O corpo robótico manterá suas características de corpo humano, mesmo não sendo constituído naturalmente. Esta é também uma representação identitária do humano, assim como as características mentais, que nos colocam dentro da mesma definição.

Os avanços dramáticos em ciência e tecnologia nas últimas décadas culminaram em especulações generalizadas de que o próprio corpo humano, incluindo a sua complexa neurofisiologia, pode logo estar aberto ao redesenho consciente. Em algum momento, podemos ser capazes de fazer modificações extensas no DNA humano, nos tecidos corporais ou no funcionamento neurofisiológico, ou para unir nossos corpos com sofisticados dispositivos cibernéticos. As tecnologias emergentes podem nos dar, por exemplo, níveis mais elevados de inteligência [...]; aumento da força física, resistência e resistência à doença; longevidade prolongada; e talvez uma maior capacidade de empatia ou outros traços psicológicos valiosos. À medida que a tecnologia avança, alterando o corpo humano, pode nos conceder habilidades inteiramente novas. (BLACKFORD, 2013, p.441/422, minha tradução)11

Os avanços tecnológicos estão à frente do que é disponibilizado para uso atualmente. Há estudos que visam a possibilidade do transplante cerebral para outros corpos, ou ainda que procuram formas de salvar a mente, estudos que visam a imortalidade do humano e que colocam o corpo como o primeiro espaço para a intervenção, como a criogenia. Mesmo não havendo nenhuma certeza, o corpo é

10 Do original: […] no method recommended by science – or by magic, affirmation, or prayer, for that matter – has managed so far to extend human life beyond the naturally evolved limit of about 120 years. But what has changed lately is that geneticists have extended the lifespan of at least some living creatures, such as nematode worms, allowing them to live as much as seven times longer than their unmodified kin. This is not yet the abolition of death – but it looks very much like the first step toward that goal.

11 Do original: Dramatic advances in science and technology over the past few decades have culminated in widespread speculation that the human body itself, including its complex neurophysiology, may soon be open to conscious redesign. At some point, we may be able to make extensive modifications to human DNA, body tissues, or neurophysiological functioning, or to merge our bodies with sophisticated cybernetic devices. Emerging technologies may give us, for example, higher levels of intelligence […]; increased physical strength, stamina, and resistance to disease; extended longevity; and perhaps an enhanced capacity for empathy or other valued psychological traits. As technology goes inwards, altering the human body, it may grant us entirely new abilities.

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29 mantido. Há uma aproximação entre corpos robóticos e corpos humanos que estão mexendo nas fronteiras entre eles e deixando-os cada vez mais similares, o que pode ser o caminho que levará ao pós-humanismo e à completude do ciborgue.

Compreende-se que se para o humano o corpo possui relevância, logo para o transumano e o pós-humano não poderia ser diferente. É certo afirmar que não há como prever os avanços da tecnologia para as discussões acerca do corpo, no entanto, muitos estudos científicos quando pensam no transumano e/ou no pós-humano, ainda estão pensando no melhoramento dos corpos. Ainda que utilizando da robótica, os corpos são mantidos, de modo que não é só a mente que é considerada relevante para o futuro. Tornar-se pós-humano é superar as capacidades de humano, no entanto, não há certeza de abolição total dos corpos, pelo que se percebe há, inclusive, uma intenção de semelhança entre os corpos robóticos e os corpos totalmente humanos. Sem desconsiderar o aprimoramento através das máquinas, e sem a intenção de escondê-las, percebe-se que características semelhantes com a estrutura dos corpos humanos são mantidas.

A manutenção de um corpo, ainda que este seja pós-humano será, possivelmente, considerada dentro dos padrões de corpo compreendidos como o corpo de um ser humano. A criação tende a ser de acordo com aquilo que se conhece, logo, ainda que superando nossas próprias capacidades físicas e mentais, a tendência é manter aquilo que é mais comum aos olhos. Ao falar de humanos, transumanos e pós-humanos há sempre uma ideia de humano que visualmente é prevista pela performance do corpo, logo ainda que os estudos da mente avancem e a imortalidade seja atingida, o corpo continuará desempenhando o papel de sujeito-performance.

2.2 Ciborgues e corpos robóticos: discussões a partir das obras A Fábrica

de Robôs de Tchápek e O Homem Bicentenário de Asimov

Como foi observado na subseção anterior, os corpos humanos são biologicamente imperfeitos e os avanços tecnológicos estéticos em relação ao corpo, de uma forma geral, acabam justificando-se como uma maneira de realizar a manutenção dos corpos. Ainda assim, a dicotomia corpo e mente não foi sanada e este é um dos pontos cruciais para a compreensão dos corpos robóticos como corpos

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30 possivelmente humanos e/ou humanizados, seja pelas alterações tecnológicas ou pelo aprimoramento dos próprios robôs. As religiões, por exemplo, procuram, em suas diferentes vertentes, associar a mente à ideia de alma, haveria algo para além do palpável e visível e que diferenciaria os humanos dos animais e também de qualquer inteligência artificial ou instrumento criado pelo homem. De acordo com Ronald Cole-Turner (2011), teólogo que coloca em discussão temas como cristianismo e transumanismo, no capítulo introdutório do livro Transhumanism and Transcendence: Christian Hope in an Age of Technological Enhancement:

O cerne do cristianismo é a dinâmica da redenção e transformação humana. A teologia cristã justifica essa transformação em sua visão distintiva de Deus, que entra na condição humana para transformá-la. Uma comparação interessante pode ser encontrada entre duas distinções, uma feita em teologia e outra em bioética. A distinção em teologia é entre redenção e glorificação, entre Deus redimindo a humanidade, restaurando-nos a um estado original do qual caímos e nos glorificando ou nos transformando muito acima de qualquer status original. A distinção de bioética que é semelhante, e talvez relacionada historicamente, é, naturalmente, a de terapia e aprimoramento. A redenção e a terapia são ambas destinadas a restaurar o que era (ou o que deveria ser considerado como um estado "normal", mesmo que nunca existisse), enquanto a glorificação e o aprimoramento nos levam muito além de algo completamente novo. Em ambos os casos, aqueles que

defendem a legitimidade da terapia/redenção (mas não o

aprimoramento/glorificação), sejam seculares ou religiosos, parecem pressupor uma definição de fundamentação normal, quer na teologia criacionista, quer em alguma alternativa secular que veja a espécie humana, se não como estático, então como tendo alcançado um status que ninguém deve se atrever a alterar sem ameaçar tudo que os seres humanos ocupam. (COLE-TURNER, 2011, p. 4/5, grifos do autor, minha tradução)12

Observa-se que, mesmo em campos distintos, há uma similaridade entre os conceitos que permeiam o campo religioso e o campo científico. Mais ainda, há uma possibilidade de relacionar teólogos aos espaços de discussões científicas que colocam os humanos também como criadores ou recriadores da espécie humana, mesmo que haja outras correntes que descartam essa afirmação. É claro que há

12 Do original: At the very core of Christianity is the dynamic of human redemption and transformation. Christian theology grounds this transformation in its distinctive view of God, who enters the human condition in order to transform it. An interesting comparison can be found between two distinctions, one made in theology and the other in bioethics. The distinction in theology is between redemption and glorification, between God redeeming humanity by restoring us to an original state from which we have fallen and glorifying or transforming us far above any original status. The bioethics distinction that is similar, and perhaps related historically, is of course the one between therapy and enhancement. Redemption and therapy are both aimed at restoring what was (or what should be regarded as a “normal” state, even if it never actually existed), whereas glorification and enhancement take us far beyond toward something completely new. In both cases, those who argue for the legitimacy of therapy/redemption (but not enhancement/glorification, whether secular or religious, seem to presuppose a definition of normal grounded either in a creationist theology or some secular alternative that views the human species, if not as static, then as having attained a status that no one should dare to alter without threatening all that humans hold dear.

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