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Ensino de artes: pensar o velho, pintar o novo

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Academic year: 2021

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MARLI SIMIONATO

ENSINO DE ARTES:

PENSAR O VELHO, PINTAR O NOVO

Ijuí (RS) 2010

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MARLI SIMIONATO

ENSINO DE ARTES:

PENSAR O VELHO, PINTAR O NOVO

Dissertação apresentada à Banca de Defesa Final do curso de Pós-Graduação Stricto Sensu – Mestrado em Educação nas Ciências, da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí), requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação nas Ciências.

Orientador: professor doutor Paulo Evaldo Fensterseifer

Ijuí (RS) 2010

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A comissão abaixo assinada aprova a presente dissertação:

ENSINO DE ARTES:

PENSAR O VELHO, PINTAR O NOVO

elaborada pela mestranda

MARLI SIMIONATO

como requisito parcial para obtenção do grau de MESTRE EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS

COMISSÃO EXAMINADORA:

_________________________________________________________ Professor doutor Paulo Evaldo Fensterseifer, orientador (Unijuí)

_______________________________________________________ Professora doutora Maria Simone Vione Schwengber (Unijuí)

______________________________________________________ Professora doutora Marilda Oliveira de Oliveira (UFSM)

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m homem da aldeia de Neguá, no litoral da Colômbia, conseguiu subir aos céus.

Quando voltou, contou. Disse que tinha contemplado, lá do alto, a vida humana. E disse que somos um mar de fogueirinhas.

− O mundo é isso – revelou − um montão de gente, um mar de fogueirinhas.

Cada pessoa brilha com luz própria entre todas as outras. Não existem duas fogueiras iguais. Existem fogueiras grandes e fogueiras pequenas e fogueiras de todas as cores. Existe gente de fogo sereno, que nem percebe o vento, e gente de fogo louco, que enche o ar de chispas. Alguns fogos são bobos, não alumiam nem queimam; mas outros incendeiam a vida com tamanha vontade que é impossível olhar para eles sem pestanejar, e quem chega perto pega fogo.

(Eduardo Galeano, 2005).

U

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Aos meus pais, por tanto amor;

aos meus irmãos, Marinês, Márcia e Jailso; aos cunhados, Amauri e Oldimar; e

aos sobrinhos, Mateus, Murilo, Raison e Maurício,

com a certeza de que este momento é nosso, pois sem o apoio e compreensão de todos, nada disso seria real.

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AGRADECIMENTOS

Ao professor doutor Paulo Evaldo Fensterseifer, por ter me acolhido como sua orientanda. Sua confiança foi fator determinante para a realização desta pesquisa. Obrigado por respeitar minhas idas e vindas.

À professora Maria Regina Johann, por emprestar seus ouvidos, sua casa, e suas referências.

À professora colaboradora, por acreditar em algo novo, por lutar pela mesma bandeira. Sem a sua contribuição esta pesquisa não seria possível.

Às professoras Maria Simone Vione Schwengber e Marilda Oliveira de Oliveira, pelas valiosas contribuições e por fazerem parte desta banca.

Aos professores do Programa, pelos momentos de aprendizagem, pelas conversas nos intervalos e, principalmente, pelas insistentes leituras.

Aos colegas do programa, pela paciência e cumplicidade que nos caracterizou no decorrer do curso.

Ao Instituto Federal Farroupilha – Campus Panambi, instituição na qual professo a docência.

Em especial, à minha família, constante e incansável.

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RESUMO

Este estudo parte do pressuposto de que o componente curricular do ensino de Arte vem sofrendo uma mudança no tocante à sua prática pedagógica. Tal mudança pode ser percebida como um processo que implica no abandono de práticas consideradas tradicionais (desenvolvidas como técnica ou livre-expressão) que não condizem com a atual compreensão do lugar do ensino da Arte na escola – tanto pelas formulações teóricas quanto pelos marcos legais, fazendo surgir, com isto, a aproximação de uma proposta pedagógica que auxilia na legitimidade do ensino de Arte como um componente curricular produtor de conhecimento, e que aqui denominamos inovadora. Os estudos de pesquisadores críticos da área, como Barbosa (1997), Dewey (2008), Read (1986), entre outros, têm balizado mudanças significativas em relação às práticas pedagógicas, sendo estes os principais autores que trago para teorizar e dialogar com os argumentos da professora entrevistada. Nessa perspectiva, este estudo pretende contribuir com as reflexões da área referente à constituição dessas novas propostas, “colocando-se na escuta” da professora que tenta e consegue se aproximar do movimento de renovação das propostas de ensino de Arte, procurando conhecer e analisar os elementos que, no seu olhar, foram/estão sendo significativos para a realização e sustentação de uma proposta que busca reconfigurar uma tradição pedagógica. Na perspectiva de valorizar e ouvir o que esta professora tem a dizer, este estudo se orienta pelo princípio da investigação qualitativa, consistindo metodologicamente num estudo de caso desenvolvido com uma professora (colaboradora) do ensino de Arte da rede estadual de educação do município de Três de Maio, RS. Possui como instrumentos de pesquisa a entrevista semi-estruturada e o questionário e, posteriormente, a análise por meio de mapas conceituais. Estes mesmos critérios metodológicos foram utilizados para escutar a direção da escola da professora entrevistada. O relato da professora colaboradora e posterior análise dos elementos por ela apontados como importantes para a constituição de sua prática pedagógica trazem, por um lado, o reforço da ideia de que para compreender alguns aspectos desse fenômeno não podemos estar alheios aos fatores intra e extra-escolares, tampouco abordar a problemática sem levar em consideração o percurso profissional da colaboradora. Particularmente, no caso da colaboradora desta pesquisa, os elementos propulsores e condicionantes que possibilitaram a busca da inovação no ensino de Arte ocorreram a partir do contato com a Proposta Triangular, da troca de experiência que acontece no grupo de estudo Arte na Escola e, posteriormente, com a especialização. Sendo assim, entendo que os elementos adotados pela colaboradora desta pesquisa são fundamentais para a constituição de sua prática pedagógica e, analisados nesta dissertação, podem ser aceitos como ponto de partida para estudos futuros acerca de prática inovadora no ensino de Arte.

Palavras-chave: Ensino de Arte. Prática Pedagógica. Inquietações. Formação Continuada.

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ABSTRACT

This study it leaves of the presupposition that this component curricular of the teaching of the Art is suffering a change concerning your pedagogic practice. Such change can be noticed as a process that implicates in the abandonment of practices considered traditional (developed as technique or free-expression) that don't match with the current understanding of the place of the teaching of the Art in the school – so much for the theoretical formulations as for the legal marks, making to appear with this, the approach of a pedagogic proposal that aids in the legitimacy of the teaching of Art as a component curricular producing of knowledge, and that here denominated innovative. The researchers critic’s of the area studies, like Barbosa (1997), Dewey (2008), Read (1986), among other, they have been beacon significant changes in relation to the pedagogic practices, being these the principal authors that I swallow to speculate and to dialogue with the interviewed teacher's arguments. In that perspective, this study intends to contribute with the reflections of the area regarding the constitution of those new ones proposed, “being placed in the he/she listens” of the teacher that tries and it gets if it approximates of the movement of renewal of the proposals of teaching of Art, trying to know and to analyze the elements that, in your glance, are being significant for the accomplishment and sustentation of a proposal that it challenges the reconstruction of a pedagogic tradition. In the perspective of to value and to hear what this teacher has to say, this study is guided by the beginning of the qualitative investigation, consisting methodological of a case study developed with a teacher (collaborator) of the teaching of Art of the state net of education, of the municipal district of Três de Maio, RS. It possesses as instrument of research the semi-structured interview and the questionnaire and, later, the analysis through conceptual maps. These same methodological criteria were used to listen the direction of the interviewed teacher's school. The collaborator teacher's report and subsequent analysis of the elements for her pointed as important for the constitution of your pedagogic practice, they bring, on one side, the reinforcement of the idea that to understand some aspects of that phenomenon cannot be strange to the factors intra and extra-school, either to approach the problem without taking in consideration the collaborator teacher's professional course. Particularly, in the case of the collaborator of this research, the elements propellers and condition that made possible the search of the innovation in the teaching of Art they happened starting from the Triangular Proposal, of the change of experience that happens in the group of study Art in the School and, later, with the specialization. Being like this, I understand that the elements adopted by the collaborator of this research they are fundamental for the constitution of your pedagogic practice and, analyzed in this dissertation, they can be accepted as starting point for future studies concerning innovative practice in the teaching of school Art.

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LISTA DOS MAPAS

Mapa 01: Conhecendo o universo das Artes... 61

Mapa 02: Lugar da Arte na vida... 64

Mapa 03: Escolha da profissão... 66

Mapa 04: Formação inicial e continuada... 68

Mapa 05: Escola... 74

Mapa 06: Aluno... 78

Mapa 07: Propostas inovadoras... 81

Mapa 08: Percepção da comunidade escolar... 90

Mapa 09: Mudanças... 94

Mapa 10: Dificuldades, enfrentamentos e resistências... 96

Mapa 11: Desistir ou persistir... 99

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LISTA DAS FOTOS

Foto 01: Festival Estadual Estudantil da Canção (FEEC)... 46

Foto 02: Dança dos Carteiros – Projeto Arte e Cultura... 47

Foto 03: Dança dos Carteiros – Projeto Arte e Cultura... 47

Foto 04: Dança dos Carteiros – Projeto Arte e Cultura... 48

Foto 05: Sala-ambiente de Artes Visuais... 49

Foto 06: Sala-ambiente de Artes Visuais. ... 49

Foto 07: Sala-ambiente de Artes Visuais... 50

Foto 08: Exposição em vitrine – Projeto “Linhas Poéticas”... 51

Foto 09: Seleção do material – início do processo... 87

Foto 10: Desenvolvimento da atividade – evolução do processo. ... 87

Foto 11: Acabamento da atividade – finalização do processo. ... 88

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...11

1 REFLEXÕES SOBRE ESCOLA E ENSINO DE ARTE ...18

1.1 ENSINO DE ARTE: UM POUCO DE HISTÓRIA...18

1.2 ESCOLA E SUA ESPECIFICIDADE ...20

1.3 O ENSINO DE ARTE: QUAL É O PROJETO PARA ESTA IDEIA DE ESCOLA?...24

1.4 A TRADIÇÃO PEDAGÓGICA NO ENSINO DE ARTE ...30

1.4.1 Princípios norteadores do ensino de Arte ...31

1.5 ALGUMAS RELAÇÕES EXISTENTES ENTRE A INOVAÇÃO PEDAGÓGICA E O ENSINO DE ARTE ...37

2 CARACTERIZAÇÃO DA INVESTIGAÇÃO ...43

2.1 CRITÉRIOS DE ESCOLHA DOS COLABORADORES ...44

2.2 OS COLABORADORES – CARACTERIZAÇÃO DA PROFESSORA E DA DIRETORA ...51

2.3 DESDOBRAMENTO DA QUESTÃO DA PESQUISA...56

2.3.1 Entrevista ...56

2.4 COLETA DAS EVIDÊNCIAS – INSTRUMENTOS DA COLETA DE INFORMAÇÕES...58

2.4.1 Estudo de caso...59

3 FORMAÇÃO E INTERVENÇÃO ...60

3.1 SIGNIFICANDO O UNIVERSO E O LUGAR DA ARTE NA VIDA...61

3.2 ESCOLHA PROFISSIONAL, FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA...65

3.3 ESCOLA E ALUNO ...73

3.4 PROPOSTAS INOVADORAS ...79

3.5 MUDANÇAS, ENFRENTAMENTOS, DIFICULDADES E ACERTOS ...93

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...101

REFERÊNCIAS...106

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INTRODUÇÃO

Há muito tempo que me faço essa pergunta, se tenho esperança de que as coisas deem certo. Encontro minha alegria em realizar a semeadura. O ato de semear, em si, é um ato de alegria. Isso me basta.

Rubem Alves (2008, p. 24).

Inicio este estudo remetendo-me ao sentido e significado da palavra “semear” que nos conduz a diferentes situações: deitar sementes, germinar, difundir, disseminar, espalhar, exalar. Acredito que nossas relações e ações nascem da esperança de a semeadura dar certo, de um germinar, situada no tempo, no espaço e no contexto que a configura. Por vezes, em nossas semeaduras, somos surpreendidos por “ervas daninhas” que nos tiram do eixo, nos levam a parar e refletir sobre o lugar onde semeamos, o que o circunscreve, quem por ele transita e como percorrê-lo. Penso que este trabalho nasce do ato de distribuir sementes sobre o ensino da Arte no contexto escolar.

Trago comigo um percurso de Arte-Educadora construído a partir de muitas semeaduras e algumas boas colheitas que me encaminharam ao desejo e necessidade de pesquisar e buscar respostas a algumas questões que em mim residiam. No entanto, descobri que junto às respostas, habitavam também angústias que falavam mais alto do que minhas perguntas. Diante disto, foi imprescindível aprender a perguntar, aguçar a curiosidade e saber escutar. Como nos ensina Larrosa (2001, p. 142), pesquisar não é encontrar as respostas, mas é melhorar as perguntas.

(13)

Do encontro das incertezas e angústias nasceu a necessidade de refletir acerca das propostas pedagógicas desenvolvidas no ensino de Arte. Na maioria das escolas, a maneira como se ensina arte na atualidade está condicionada à livre-expressão ou técnica. Observamos que estas são as crenças e valores do ensino de Arte encontrados na tradição deste componente. Não bastasse isso, a confirmação também se dá mediante a bibliografia sobre o ensino de Artes, em que este ensino esteve constantemente relegado à condição de “segunda categoria” na escola, em relação a outras áreas do conhecimento, como Português, Matemática, entre outras.

Estes argumentos juntam-se a outros que vêm reforçar as dificuldades que se tem em relação ao ensino de Artes nos currículos escolares, pois na grande maioria das vezes este componente está associado à condição de artigo de luxo e, assim, não precisa ser ensinado nas escolas. Também, tem-se a discussão em relação aos materiais necessários que são caros e indisponíveis, e/ou ainda, que a arte é uma atividade supérflua, desnecessária, que não prepara as crianças e adolescentes para o futuro, pois não se encontra no seu ensino uma “utilidade”.

Percebemos que grande parte desses argumentos não legitima a produção de conhecimento sobre a arte na escola. E, essa compreensão é extremamente importante, seja em termos de concepções, conteúdos, abordagens e experiências que orientam e implementam esse ensino, ou em termos de hierarquia e valorização dessa disciplina no currículo. O que questiono é: porque é tão difícil o ensino da Arte? Para Read (2001, p. 75),

nenhuma outra disciplina é capaz de dar à criança não apenas uma consciência de que a imagem e o conceito, a sensação e o pensamento são correlatos e unificados, mas também, ao mesmo tempo, um conhecimento instintivo da lei do universo, e um padrão de comportamento em harmonia com a natureza.

Neste sentido, observamos que há um equívoco quando se coloca o ensino da Arte de lado. Também é um equívoco confinar o seu ensino à apreciação artística, ou às práticas consideradas tradicionais, pois esta atitude compromete o seu ensino. A legitimidade da Arte pode ser conferida a partir do momento que esta passa a ser exercitada para ser apreciada, e ensinada em seu aprendizado íntimo. Read (1986, p. 15) acrescenta “que o mestre não deve ser menos ativo que o aluno. Pois, a arte não pode ser aprendida por preceito, por uma instrução verbal qualquer.

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Ela é como um contágio, e se transmite como fogo de espírito para espírito”. Não se pode transformá-la em um discurso “sobre”, mas em um conhecimento “com”. Do contrário, perde sua especificidade.

Sob estes aspectos, a partir de 1980, os pensadores críticos desta área (BARBOSA, 1997; DEWEY, 2008; READ, 1986, entre outros) vêm discutindo sobre as dificuldades e enfrentamentos de um fazer pedagógico diferente para o ensino de Arte escolar. No Brasil, tal movimento se configurou a partir da Proposta Triangular que apresentava uma proposição para uma prática inovadora na área. Porém, sabemos que tais aspectos têm demorado em ganhar espaço entre os professores da educação básica, especialmente nas escolas públicas.

Outro fenômeno que tem recebido igual atenção dos estudiosos é o desinvestimento pedagógico, gerado na maioria das vezes das “queixas” dos professores pela falta de estrutura física, baixos salários, ausência de reconhecimento pelo seu trabalho, entre outros. Tais fatores caracterizam dois extremos encontrados atualmente na prática pedagógica do ensino de Arte: os casos de abandono docente e os casos de desenvolvimento de propostas pedagógicas inovadoras. Certamente, a realidade da área não se constitui somente desses dois fins. Observamos, no entanto, que um interfere diretamente sobre o outro e a presença deles é reveladora de algo que merece ser investigado.

Neste contexto, a presente pesquisa, germinada de diferentes sementes, tem o propósito de realizar reflexões sobre estes desafios que cercam o Ensino de Arte, trazendo subsídios para evidenciar o quanto se faz necessária a reconstrução de um novo paradigma educacional em Arte. Centrada nas propostas inovadoras, a Arte é trabalhada por alguns profissionais que, insatisfeitos com as práticas tradicionais de ensino, movem-se para a mudança. Porém, ainda são poucos os casos de enfrentamento dessa tradição e, consequentemente, ainda são raros os relatos de experiências bem sucedidas. Justifico esta observação a partir do contexto em que vive a professora colaboradora da pesquisa, sendo que na cidade em que reside há em torno de 10 profissionais com formação e que atuam diretamente como docentes no ensino de Arte. No entanto, não se tem registro ou constatação de propostas pedagógicas diferenciadas para além do caso estudado. Vale destacar que ao abordar o conceito de inovação este será feito primeiramente a partir da ausência de

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um caráter disciplinar em relação à área de ensino de Arte (história da área) e, em segundo, em relação ao contexto rompendo com as atividades eventuais. Saliento que o que pode ser inovador para uma área pode não ser em relação à outra, pois esta depende dos limites que o contexto permite. Neste sentido, não se estaria negando a tradição, mas situando-a como parte de um planejamento e de uma ação contínua.

Sendo assim, refletir sobre a forma como se dá a mudança da prática pedagógica e sobre os subsídios considerados significativos nesse processo, parece-me pertinente no atual momento do ensino de Arte. A tradição do ensino de Arte não consegue mais justificar sua prática pedagógica, nem mobilizar argumentos que sustentam as ações de professores que ainda trabalham nesta perspectiva. Contudo, ao mesmo tempo em que a prática tradicional (técnicas, livre-expressão) não é mais desejada, ao menos “em teoria”, por profissionais do ensino de Arte, encontramos dificuldade na implantação de uma nova tradição pedagógica para a área.

É a partir dessa problemática do paradoxo vivido no contexto escolar pela Arte que pretendo sistematizar alguns elementos capazes de mostrar as limitações e/ou possibilidades de práticas inovadoras desenvolvidas com o ensino de Artes, por uma professora que atua há 20 anos na docência, sendo que destes, 16 anos no ensino de Arte. A referida professora atua em 18 diferentes turmas e níveis em uma escola estadual, no município de Três de Maio (RS). No ano de 2010 esta escola possuía 1.107 alunos provenientes da cidade, do interior e de outros municípios vizinhos. A escola conta com 81 professores nas mais diversas áreas do conhecimento. Vale ressaltar, no entanto, que para atender as diferentes linguagens artísticas (dança, música, teatro e artes visuais) a escola conta com três profissionais, sendo duas com formação na área de Artes e uma pedagoga.

Assim, como pesquisadora, após me colocar na escuta da professora, a tarefa foi transcrever as falas em categorias de análise por meio de mapas conceituais daquilo que apareceu com mais regularidade, insistência e repetição, e mesmo o que silenciou no campo observado, confrontando com autores como: Barbosa (1997), Dewey (2008), Frange (2008) Read (1986), Tourinho (2008), entre outros, que oferecem suporte teórico ao estudo. Para tanto, foi realizado um estudo

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qualitativo que me possibilitou entender as questões que não podem ser quantificadas. Nas palavras de Hanashiro et al. (2008, p. 361),

[...] os pesquisadores que adotam uma metodologia qualitativa em seus estudos não se preocupam em enumerar e/ou medir os eventos estudados [...] o pesquisador parte de questões ou focos de interesse amplos, que vão se definindo à medida que o estudo se desenvolve.

Como estratégia de pesquisa utilizei o estudo de caso, pois este possibilita ao investigador que o objeto central de análise de um determinado fenômeno (propostas inovadoras) seja investigado em profundidade. O estudo de caso éuma categoria de pesquisa cujo objeto é uma unidade que se analisa profundamente. Este caso está caracterizado como um estudo de uma professora e um programa (o ensino de Arte), visando conhecer o seu “como” e os seus “porquês”. O estudo de caso é definido por Yin (2005, p. 32) como “uma investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto de vida real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos”.

Já para a coleta dos dados utilizei a entrevista semi-estruturada e o questionário, sendo que as questões norteadoras foram previamente elaboradas. Numa pesquisa qualitativa, a entrevista torna-se fundamental, pois como apontam Hanashiro et al. (2008, p. 375), essa possibilita “compreender os significados que os entrevistados atribuem a questões e situações relativas ao tema de interesse”. A análise das falas ocorreu através da construção de mapas conceituais que consistem na estruturação esquemática para representar um conjunto de conceitos (falas da professora e da direção) imersos numa rede de proposições.

Nesta organização foi entrevistada a professora (colaboradora desta pesquisa) e a direção da escola, cuja escuta fez-se necessária para coletar as informações da percepção da comunidade escolar em relação às propostas desenvolvidas pela professora. As atividades demandaram três encontros com ambas (em diferentes momentos), sendo as entrevistas gravadas e posteriormente transcritas. O primeiro encontro deu-se pela necessidade de apresentar as questões e esclarecer a pesquisa; o segundo encontro ocorreu para o registro da entrevista; já o terceiro para clarear alguns aspectos que não haviam ficado evidentes. Para preservar a identidade os sujeitos foram identificados no texto como: colaboradora e direção.

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Tendo como norte as propostas inovadoras e para alcançar a devida dimensão que esta pesquisa assume, foi preciso construir no primeiro capítulo o entendimento a respeito de alguns conceitos imprescindíveis para discutir a inovação no ensino de Arte. Apresento um pouco da história do ensino de Arte a partir de Barbosa (1998a,b; 2008a,b,c), Frange (2008), Soucy (2005) e Tourinho (2008). Sua relação na instituição escolar a partir dos argumentos de Arendt (2007), Marques (2000) e Savater (1998). Também se fez necessário entender o projeto de ensino de Arte para a escola que existe hoje e que princípios norteiam este fazer. Para tais argumentos dialogo com Barbosa (1997), Eisner (1997), Gombrich (1997), Lanier (1997), Read (1986) e Dewey (2008). Ainda, reflito sobre as relações existentes entre a inovação e o ensino de Artes a partir do olhar de Flores e Flores (1998) e Hernández et al. (2000).

No segundo capítulo apresento a estruturação metodológica desta pesquisa, ou seja, os métodos e procedimentos utilizados para a pesquisa e posterior análise.

Já no terceiro capítulo o desafio foi trazer, por meio dos mapas conceituais, as evidências das práticas pedagógicas inovadoras, desvelando os indícios que as tornam inovadoras. Neste capítulo faço um esforço para compreender como se constituiu a professora, colaboradora; qual foi sua trajetória de formação inicial e continuada; como a professora percebe o universo da arte na vida; quais as percepções de sua prática que validam suas propostas como uma proximidade de um componente curricular legitimado e inovador; como enfrenta as dificuldades, enfrentamentos, resistências e desafios do ensino de Arte; e seus projetos em relação ao futuro. Para dialogar com as falas da professora e direção trago autores como: Barbosa (1989; 2008b), Vasconcelos (2006), Tardif (2000), Silva (2006), Oliveira (2005), entre outros.

Ouvir a professora sobre sua prática inovadora reforçou ainda mais a crítica em relação às propostas tradicionais trabalhadas por alguns professores do ensino de Arte, pois esta não estava na falta de teoria, mas na relação entre teoria e prática. Não se pode pensar que o ensino de Arte é tão somente pintura e/ou desenho (prática) e nem que todos os artistas estão mortos (teoria). Não é só conteúdo que se ensina, mas também como se ensina,

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porque cor não existe para ser fria ou quente, primária ou secundária, mas para expressar estados da alma, para construir sutis mutações ou explodir com sua materialidade [...]. Linha não existe para ser sinuosa, reta ou quebrada, mas para expressar tensão, fluência, devaneio, rigor [...]. (MARTINS, 2008, p. 54).

Note que essas são algumas das relações que se deve estabelecer para diferenciar o tradicional (o que se ensina) do inovador (o que se acredita que deve ser ensinado).

A partir deste olhar, o desejo que me impulsiona para realizar esta pesquisa é o de compreender em profundidade a complexidade que envolve as mudanças no campo educacional. Ao mesmo tempo busco contribuir com o semear de tantos outros professores que também são desejosos por inovações, que se implicam e ressignificam suas práticas. Desta maneira, entendo que ao oposto de configurar os resultados obtidos na pesquisa abre-se a necessidade da continuação, ainda que sob novas condições.

Nas considerações finais busco, a partir do mapa conceitual, pensar no futuro do ensino de Arte pelo olhar da professora entrevistada, bem como retomar e articular os diversos elementos conclusivos presentes no trabalho, em especial no capítulo três. Também, chamo a atenção para outras probabilidades de estudos que possam contribuir para o entendimento desta temática e, consequentemente, termos uma melhor qualidade de trabalho nas práticas pedagógicas do ensino de Arte.

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1 REFLEXÕES SOBRE ESCOLA E ENSINO DE ARTE

1.1 ENSINO DE ARTE: UM POUCO DE HISTÓRIA

A obra de arte ‘fixa e torna acessível’ o mundo em que vivemos e que percebemos sem nos darmos conta dele e de nós mesmos nele. A obra de arte nos dá a ver o que sempre vimos sem ver, a ouvir o que sempre ouvimos sem ouvir, a sentir o que sempre sentimos sem sentir, a pensar o que sempre pensamos sem pensar, a dizer o que sempre dissemos sem dizer. Por isso, nela e por ela, a realidade se revela como se jamais tivéssemos visto, ouvido, dito, sentido ou pensado. Eis por que o artista é o que passa pela experiência de nascer todo dia para a ‘eterna novidade do mundo’.

(CHAUÍ, 2008, p. 271).

O ensino de Arte enquanto disciplina escolar vem passando por um processo de mudanças nos últimos anos. Essas mudanças são de diferentes âmbitos: nas metodologias, na legislação escolar e, principalmente, nos fundamentos do ensino de Artes. No entanto, entendemos que não se tem prestado suficiente atenção a algumas dessas modificações.

Parece inevitável afirmar que o século XX presenciou a consolidação do ensino de Artes sustentado no conhecimento e desenvolvimento de meras atividades artísticas, tecnicistas e/ou livre expressão. Neste sentido, o que se estabelecia em relação às artes e seu ensino derivavam de certas interpretações dos filósofos John Dewey e Herbert Read, como o respeito para com a livre expressão1 da criança, seus gestos, suas brincadeiras, sua espontaneidade. A educação através da Arte, quando disseminada no Brasil, assumiu a base psicológica da pedagogia. Em sua forma institucionalizada, a livre expressão acabou sendo praticamente hegemônica nas aulas de Artes, a ponto de muitos professores acreditarem que eles deveriam deixar os alunos livremente, sob o forte argumento de ser o estado emocional que o aluno se encontrava no momento o influenciador

1

Livre expressão foi a pedagogia trabalhada no século XIX a partir da Tendência Pedagógica denominada Escola Nova ou Pedagogia Nova que teve sua origem nos Estados Unidos, sendo que no Brasil surgiu a partir de 1930, e se dissemina nas escolas experimentais nos anos de 50/60. Essa pedagogia dá ênfase à expressão como um dado subjetivo e individual em todas as atividades, que passam dos aspectos intelectuais para os afetivos.

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desse resultado. O que Soucy (2005, p. 41) argumenta é que “o que eles esquecem é que toda expressão tem conteúdo”.

Para contrapor, porém, com este processo, que ficou conhecido como livre-expressão no ensino de Arte escolar e que foi hegemônico durante várias décadas, surge na metade do século XX uma nova modalidade de pensar o ensino de Arte escolar a partir do “aprender a fazer2”, a qual preparava o aluno para o mercado de trabalho. Observamos que ainda hoje encontramos resquícios dessas pedagogias no ensino de Artes, mas é necessário considerar que estas foram tendências que passaram a ser questionadas a partir da década de 80 por meio da Proposta Triangular3 que impulsionou as mudanças nas mais diversas áreas das linguagens artísticas.

Particularmente, no campo educacional se questionou o paradigma da livre-expressão e das técnicas que amparavam de forma extensiva as práticas pedagógicas das aulas de Artes nas escolas. A Proposta Triangular entendeu, entre outras iniciativas, que o ensino de Arte deveria ser contextual e relacional, pois de acordo com Barbosa (2008a, p. 17), “só um saber consciente e informado torna possível a aprendizagem em Arte”. Perspectiva que poderia retirar este componente curricular da categoria de mera “atividade criativa”.

Em outras palavras, é a partir da Proposta Triangular que se colocou em “xeque” um conjunto de questões que não faziam parte das inquietações da tradição desta área, e que sustentavam as teorias pedagógicas a partir do momento que se buscou legitimar um componente curricular num projeto educacional. Para Frange (2008, p. 47), a “arte não é apenas uma questão, mas muitas questões; não um problema, mas inúmeros desafios, uma tensão instalando estados de tensividades entre olhares, buscas e encontros aprofundados [...]”. A partir desta reflexão poderíamos propor as questões que Martins (2008, p.53) faz suscitar sobre a arte no contexto escolar:

2

O “aprender a fazer” surgiu a partir da Tendência Pedagógica Tecnicista que visava preparar os alunos para o mercado de trabalho. Acreditava na neutralidade científica e enfatizava o uso de manuais, módulos, tecnologia educacional e a auto-instrução (IAVELBERG, 2003, p. 115).

3

A Proposta Triangular abrange três pontos fundamentais que devem ser trabalhados no ensino de arte: o fazer artístico, a leitura de imagem e a contextualização histórica. Esta abordagem aparece como o encaminhamento pedagógico-artístico proposto pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para a área de Arte.

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– a Arte entrou mesmo na escola?

– que Arte entrou na escola?

– qual o olhar sobre a Arte que está na escola?

A reflexão gerada a partir de tais questões ocasionou a necessidade de o ensino de Arte reinventar o seu espaço na escola. Nesta perspectiva, o professor começa a rever o seu papel de mero transmissor para o de mediador. O ensino de Arte passa a ser concebido como área de conhecimento, sendo que, segundo Barbosa (1991, p. 17), “começamos a entender o conceito de arte-educação como uma epistemologia da arte e/ou arte-educação como intermediário entre arte e público”. O ensino de Arte na forma de um componente curricular passa a ser responsável por um conhecimento específico que, nas palavras de Fensterseifer e González (2009, p. 12), está “subordinado a funções sociais de uma escola republicana, comprometida com a necessidade que as novas gerações têm de conhecimento, capaz de potencializá-los para enfrentar os desafios do mundo contemporâneo”.

Neste contexto, devemos entender o que Tourinho (2008, p. 33) argumenta em relação à Arte na educação: “o ensino da arte na escola não está na busca de soluções. Está em busca de provocações”. E estas provocações levam-nos a pensar no papel pedagógico do ensino de Arte na instituição denominada “escola”. Antes, porém, temos que entender que lugar é este que denominamos “escola”.

1.2 ESCOLA E SUA ESPECIFICIDADE

Entendemos que a educação é uma atividade básica de todas as sociedades humanas. Para Savater (1998, p. 47), “a genética nos predispõe a chegar a ser humanos, porém só por meio da educação e da convivência social conseguiremos sê-lo efetivamente”. Também, sabemos que a sobrevivência das sociedades depende da transmissão da herança cultural passada aos mais jovens por meio da educação. Esse processo nunca é uma simples “transmissão de conhecimentos objetivos ou de destrezas práticas, mas vem acompanhado de um ideal de vida e de um projeto de sociedade” (SAVATER, 1998, p. 171). Portanto, toda sociedade utiliza os meios que julga necessários para perpetuar sua herança cultural através de modos de ser e de pensar do grupo a que pertence.

(22)

A ação educativa, que podemos chamar de um processo complexo, acompanha o indivíduo ao longo de toda a sua vida, e está vinculada a inúmeros agentes, diversas experiências e incontáveis fontes de aprendizagem. Mesmo a nossa vida, sendo essencialmente educativa e particularizada nas histórias de vida de cada um, possui os rumos e os produtos de “sua pedagogia” absolutamente imprevisíveis. Para Marques (2000, p. 84),

a dimensão política da aprendizagem comporta lugares sociais, âmbitos linguísticos distintos, como são a família, os grupos de iguais, o Estado, os movimentos sociais, as instituições e organizações da sociedade civil diferençada e plural, as profissões com respectivas regiões de saberes especializados.

A escola, como parte integrante do processo educativo, mas formada por interesses diferenciados, parece ser uma alternativa para conduzir a formação humana sob modos de intervenção planejados à luz de princípios éticos, culturais, cognitivos, sociais e políticos. Podemos observar que é dada à mesma uma oportunidade privilegiada, tendo em vista o período de interferência e o período que se permanece na escola.

Cabe aqui questionar sobre a responsabilidade específica da educação escolar neste processo, pois, segundo Marques (2000, p. 84-85), “as aprendizagens de que todos necessitam para a vida com autonomia e dignidade passam a exigir peculiares formas de sistematização e organicidade, que só se podem cumprir num sistema formal de educação proposital [...]”. Neste sentido, Guillot (2008, p. 135) chama a atenção para a “condição fundamental de não mascarar agrupamentos comunitários de interesse”. Também alerta para o fato de a escola não poder resolver todos os problemas sociais e, apesar de não ignorá-los, não lhe cabem as responsabilidades que excedem sua competência.

Já Savater (1998, p. 192) chama a atenção para “o temor diante de um ensino sobrecarregado de conteúdos ideológicos, diante de uma escola mais ocupada em suscitar fervores e adesões inquebrantáveis do que em favorecer o pensamento crítico autônomo”. É bom deixar claro que a escola e seus instituintes não devem assumir uma neutralidade4, pois esta pode significar determinada forma política.

4

A neutralidade a que Savater (1998, p 194) se refere é o “repúdio à tortura, ao racismo, ao terrorismo, à pena de morte, à prevaricação dos juízes ou à impunidade da corrupção em cargos

(23)

O espaço escolar é um local de diálogo e interlocução de diferentes modos de ser, pensar e agir e é de responsabilidade de seus instituintes, o que inclui docentes, discentes e outros agentes envolvidos no processo ensino e aprendizagem. No entanto, o instituinte não pode fugir do seu compromisso e cabe ao adulto assumir a tutela da criança, primeiro na família e depois na escola. Na argumentação de Arendt (2007, p. 239),

[...] qualquer pessoa que se recuse a assumir a responsabilidade coletiva pelo mundo não deveria ter crianças, e é preciso proibi-la de tomar parte em sua educação.

Na educação, essa responsabilidade pelo mundo assume forma de autoridade. A autoridade do educador e as qualificações do professor não são a mesma coisa [...]. A qualificação do professor consiste em conhecer o mundo e ser capaz de introduzir os outros a cerca deste, porém sua autoridade se assenta na responsabilidade que ele assume por este mundo.

Arendt (2007, p. 240) observa que a responsabilidade pelo mundo na vida pública e privada está sendo rejeitada, seja a responsabilidade de dar ordem ou de obedecê-la. No entanto, na educação não pode ocorrer esta ambiguidade, pois é na relação desigual entre quem manda e quem obedece que reside a diferença fundamental das relações pedagógicas para as relações políticas.

A respeito disto, Arendt (2007, p. 240) argumenta:

As crianças não podem rechaçar a autoridade dos educadores como se fossem oprimidos por uma maioria composta de adultos, embora os métodos modernos de educação tenham tentado, de fato, pôr em prática o absurdo de tratar as crianças como uma minoria oprimida que necessita se libertar. A autoridade foi abolida pelos adultos, e isso só pode significar uma coisa: que os adultos se recusam a assumir a responsabilidade pelo mundo em que puseram seus filhos.

Ao longo da história, a escola foi consagrada como instituição especializada em ensinar, apesar de estar envolvida na polêmica relação entre o ensino e o processo educativo. Por um lado, é possível observar a “educação como um subproduto do ensino”, isto é, como uma consequência a partir da apropriação de certo estoque de conhecimento. Por outro, não parece equívoco a perspectiva do

públicos; nem no que diz respeito à defesa das proteções sociais à saúde ou à educação, à velhice ou à infância, nem quanto ao ideal de uma sociedade que corrija o mais possível o abismo entre opulência e miséria. Por quê? Porque não se trata de simples opções partidárias, mas de realizações da civilização humanizadora às quais já não podemos renunciar sem incorrer em concessão à barbárie”. E cabe ao espaço escolar ensinar com o “espírito de autonomia crítica”.

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“ensino como subproduto da educação”, um olhar que coloca a aprendizagem a serviço da formação do homem e, portanto, que ultrapassa a mera aquisição do saber. Arendt (2007, p. 246) aponta que

não se pode educar sem ao mesmo tempo ensinar; uma educação sem aprendizagem é vazia e, portanto, degenera, com muita facilidade, em retórica moral e emocional. É muito fácil, porém, ensinar sem educar, e pode-se aprender durante o dia todo sem por isso ser educado.

Na prática, ambos os exemplos correm riscos de implementação: iniciativas que, tão centradas nos princípios gerais de formação, acabam por cair no laisser faire pedagógico, prejudicando a democratização do saber e, consequentemente, comprometendo o que se tinha como tradição. Sendo assim, esse esforço de delimitar a especificidade da educação escolar tem nos fins da educação o que é apontado por Derval (apud SAVATER, 1998, p. 55) como “uma reflexão sobre o destino do homem, sobre o lugar que ele ocupa na natureza, sobre as relações entre os seres humanos” e, como bem aponta Savater (1998), isto faz parte irrevogável de nossa herança humana.

Podemos observar que isto tudo está vinculado à responsabilidade profissional, mesmo a escola vista como não sendo mais o único espaço que se aprende (temos instituídas as mídias, ONGs, EaD) este ainda é o local em que é possível defender e construir formas de olhar e sentir o mundo diferente daqueles que permitem outras instituições sociais. No entanto, Marques (2000, p. 88) adverte:

Para se chegar à instituição escolar, torna-se necessário partir de seus atos fundantes, numa hermenêutica do processo histórico que vincula as origens da escola, a trajetória por ela percorrida e os horizontes de futuro a que se abre. Mais ainda: não se trata apenas de partir do que pretenderam, pretendiam ou pretendem os instituidores da escola, com suas ideias e valores explícitos, com suas intenções declaradas e decisões. Ao discurso da elucidação do sentido e da tomada de decisões precede a dimensão operante da própria constituição de sentido no imaginário social.

Sendo assim, a escola tem entre suas funções a de inserir os alunos no mundo sociocultural que a humanidade tem formado, com o intuito de que ao se incluírem neste mundo, possam participar do seu projeto de renovação e reconstrução. Eles precisam aprender que é nesse processo de elucidação e decisão que a humanidade tem criado maneiras de representar o mundo, bem

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como, promovido formas de convívio social que permitem que as pessoas participem da tomada de decisões políticas, não se eximindo da responsabilidade sobre questões que dizem respeito a todos.

É relevante compreender a função da instituição escolar em uma sociedade democrática para podermos entender os projetos que nela estão inseridos. Cabe agora o desafio de traçar os desdobramentos desta compreensão para o universo do ensino de Artes enquanto componente curricular no interior desta instituição.

1.3 O ENSINO DE ARTE: QUAL É O PROJETO PARA ESTA IDEIA DE ESCOLA?

Poderíamos iniciar a discussão deste texto a partir das questões abordadas anteriormente por Martins (2008), sendo relevante o resgate das mesmas para uma melhor compreensão. São elas: a Arte entrou mesmo na escola? Que Arte entrou na escola? Qual o olhar sobre a Arte que está na escola? No entanto, cabe unir a elas alguns pontos que dizem mais diretamente sobre o ensino de Arte e a relação do mesmo no contexto escolar5. Afinal,

– não teríamos atividades práticas sem o ensino de Arte na escola?

– não poderíamos nos expressar sem o ensino de Arte na escola?

– não nos socializaríamos sem o ensino de Arte na escola?

– não teríamos aptidões manuais sem o ensino de Arte na escola?

– não haveria manifestações artísticas como: pintura, teatro, dança e música sem o ensino de Arte na escola?

– não teríamos criatividade sem o ensino de Arte na escola?

Não nos surpreendamos se para estas questões não teríamos respostas negativas. Sendo assim, cabe interrogar: o que significa a existência do ensino de Arte na escola para cada um desses pontos? Ou ainda, tendo ciência que os fenômenos elencados não são o ensino de Arte, cabe a pergunta: o que muda na nossa relação com eles ao conhecê-los/vivenciá-los como conteúdos do ensino de Arte na escola?

5

As questões abordadas foram inspiradas nas questões do texto “Entre o ‘não mais’ e o ‘ainda não’:

pensando saídas do não-lugar da EF escolar I”, elaboradas por Fensterseifer e González (2009, p.

(26)

Será que poderemos esperar resposta a esta interrogação, uma vez que nela residem nossos desencontros de ordem didático-pedagógica? O ensino da Arte é abordado, tradicionalmente, fora dos projetos educacionais, pois diversos estudos nesta área têm revelado que originalmente o ensino de Arte entra em muitas escolas com o claro propósito de servir de recreação, descontração ou decoração. Neste sentido, fica difícil considerá-la um componente curricular que possa fazer parte da matéria escolar.

Para melhor entender em que contexto o ensino das Artes torna-se conhecimento é necessário primeiro entender o que se define por Arte. Partamos da origem da palavra “Arte”, que no latim (ars) correspondente ao termo grego tékhne (técnica) que leva em consideração as regras para a fabricação de alguma coisa na atividade humana. Já a pessoa que executa tal atividade é conhecida como artesão, artífice ou artista que também provém do latim (artifex ou opficis), que exerce um ofício. Do resultado de sua ação se diz opus (singular) e ópera (plural) que, em português significa obra. A partir da origem dessas palavras observamos que a constituição da Arte se dá quando temos um artista que a partir de uma técnica executa uma atividade manual, considerando algumas regras, transformando a realidade em outra dimensão através de diferentes linguagens. Na percepção de Chauí (2008, p. 272),

o que há de espantoso nas artes é que elas desvendam ou descobrem o mundo recriando de outra maneira e em outra dimensão. Justamente porque criam o mundo com palavras, sons, traços, cores, gestos, movimentos, formas, massas, volumes a realidade criada não está aquém nem além da obra, assim como não está na obra, mas é a própria obra de arte.

Na visão de Pareyson (1989, p. 29) existem três definições tradicionais de arte: “a arte como fazer, como conhecer ou como exprimir”. Essas diferentes concepções ora se opõem e se excluem umas das outras; ora, pelo contrário, aliam-se e aliam-se combinam de várias maneiras, dependendo da situação em que aliam-se encontram. O autor ainda argumenta que a arte é expressão, “é expressiva enquanto é uma linguagem, [...], expressiva enquanto é forma, isto é, organismo que vive por conta própria e contém tudo quanto deve conter”. Desde então, as concepções de arte como expressão se multiplicaram e se aprimoraram, permanecendo na base das teorias que concebem a arte como uma linguagem.

(27)

Se a arte é esta linguagem que Pareyson (1989) comenta, acredita-se que não se pode pensar em dissociá-las umas das outras, pois uma depende da outra, não se produz nenhuma arte sem o conhecimento, a expressão e a técnica, não necessariamente nessa ordem. Sendo assim, o que podemos perceber é que ao longo dos anos há diferentes produções artísticas nas diversas linguagens e que estas foram construídas a partir das mais diferentes técnicas e relações sociais. De certa forma, essas criações artísticas revelam a história sociocultural da humanidade, também contribuem para que o homem possa expressar, refletir e interpretar a realidade a partir de seu trabalho criativo, expondo as diversas visões que tem do mundo. No argumento de Barbosa (2008a, p. 17),

não podemos entender a Cultura de um país sem conhecer sua Arte. A arte como linguagem aguçadora dos sentidos transmite significados que não podem ser transmitidos por intermédio de nenhum outro tipo de linguagem, tais como a discursiva e a científica.

Essa percepção faz com que historicamente se construa diferentes interpretações em relação à função social da arte. As funções que mais se destacam na contemporaneidade, segundo Denardi (2010), são: a arte como mercadoria, vinculada a atender interesses específicos de diferentes grupos sociais; a arte como criação, sendo como uma necessidade humana de perceber, expressar e objetivar significados e valores coletivos; e a arte como forma de conhecimento. Para Barbosa (2008a, p. 21),

se a arte não é tratada como conhecimento, mas somente como um ‘grito da alma’, não estaremos oferecendo uma educação nem no sentido cognitivo, nem no sentido emocional. Por ambas a escola deve se responsabilizar.

Sendo assim, é de fundamental importância entender a Arte como um dos meios de o indivíduo pertencer ao coletivo, onde o homem exprime a experiência daquilo que seu tempo histórico e que suas condições sociais permitem. A Arte é um dos fatores que torna o sujeito consciente de sua existência social, e nesta direção justifica-se o ensino das Artes nas escolas, sendo este o espaço responsável pelo desenvolvimento social e cognitivo do sujeito. Para Chauí (2008, p. 286),

aquele cujo espírito é educado e cultivado pelas artes é capaz não só de formular o juízo do gosto adequado, isto é, de compreender que a arte não está presa ao útil nem ao prazer e sim ao belo.

(28)

No entanto, é indispensável avaliar, criticamente, as razões pelas quais se encontra tantos mal-entendidos sobre o ensino dessa disciplina. Alguns pesquisadores como Barbosa (1998a,b; 2005, 2008a,b,c), Fusari e Ferraz (1993a, 1993b), Read (1986, 2001), Tourinho (2008), acreditam que a crise que se tem no ensino de Arte deve-se à defesa de argumentos não desprezíveis, mas quase todos alheios a uma compreensão dos elementos (significados, processos, funções e valores) que compõe efetivamente a Arte e seu ensino numa determinada sociedade. Para os mesmos, a justificativa de se conceber o ensino da Arte como forma de recreação, celebração cívica, memorização de outras disciplinas, ornamentação, livre-expressão, descanso, torna a defesa do ensino de Arte alheia às atividades que compreendem o processo artístico. Por este se entende as especificidades de cada linguagem, os procedimentos, a materialidade, as concepções, entre outros.

Nota-se que esses argumentos em defesa da Arte na Escola não foram suficientemente sólidos no sentido de produzirem uma especificidade educacional para o ensino dessa disciplina. Para Tourinho (2008, p. 32), “o divertimento, a sensibilidade, a participação em festas e rituais, o relaxamento, entre outros desejos e necessidades do dia-a-dia, são parte daqueles que trabalham no ‘mundo da arte’”. Uma questão a se observar, porém, nos argumentos acima descritos e reforçados pela autora “é de que recriamos uma espécie de dieta dicotômica que, de um lado, tenta amordaçar a mágica e, de outro, tenta escravizar o conhecimento e o ensino de Arte”.

Tal olhar sobre o ensino de Arte tem levado diversos arte-educadores a apresentarem estudos significativos no que diz respeito ao ensino de Arte e sua significância no contexto escolar. Podemos destacar aqui o “conceito do ensino de Arte como experiência” elaborada por John Dewey, em 1934. Mais tarde, no pós-modernismo, é incorporada a esse conceito a densidade cultural, em que a experiência se torna a base para o argumento cognitivo.

Junta-se à ideia da experiência como conhecimento, de Dewey, o educador Paulo Freire, sendo que para este, “é a consciência da experiência que podemos chamar de conhecimento” (BARBOSA, 2005, p. 12). E o filósofo Elliot Eisner, destacando que é a experiência do mundo empírico que potencializa a cognição, ou

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seja, “refinar os sentidos e alargar a imaginação é o trabalho que a arte faz para potencializar a cognição” (BARBOSA, 2005, p. 12). No entanto, é de se observar que isto vai depender de que ênfase é dada às funções da arte na educação.

Os três autores acima citados chamam a atenção “a cerca da importância da arte para permitir a tolerância à ambiguidade e à exploração de múltiplos sentidos e significados” (BARBOSA, 2005, p. 12). Para os mesmos, essa dubiedade da arte torna-se valiosa na educação. Com isto, Barbosa (2005) alerta de que a Arte na educação contrapõe-se às supostas verdades educacionais e às mais suspeitas ainda certezas da escola. Outro aspecto a se ressaltar é a trajetória pedagógica do ensino de Artes que encontramos no Brasil e o seu reflexo.

Os jesuítas viam o ensino de Arte no Brasil como sendo um ofício6. Estes alegavam que o ensino de Arte era dispensável ao currículo escolar. E, por ser dispensável, ocuparia uma posição subalterna em relação aos outros saberes, inclusive os artísticos ou artes liberais7. Notemos que ainda hoje encontramos em nossas escolas resquícios da catequização jesuítica nos fundamentos da instituição escolar, no que diz respeito ao modo de ver, dizer e fazer nas mais diferentes áreas do conhecimento. Nascimento (2008, p. 28) argumenta que

[...] em razão do eficiente trabalho de subjetivação jesuítica, essa hierarquização passou a fazer parte da ‘construção mental brasileira’. Muita gente comunga, ainda hoje, por exemplo, da ideia de que língua portuguesa e literatura são indispensáveis no currículo escolar enquanto que a arte na educação é facilmente descartável.

Ainda segundo Nascimento (2008, p. 38), a ênfase dada ao ensino dos componentes curriculares de português e literatura (atualmente, encontramos outros componentes curriculares que fazem parte do currículo escolar e que também são considerados indispensáveis) é atribuída ao menosprezo que ainda hoje perdura em relação à Arte na educação devido aos títulos e prêmios concedidos pelo jesuitismo. No entanto, é manifestado por muitos professores o desejo, ou melhor, a

6

Eram considerados ofícios os trabalhos mecânicos advindos dos artesãos, também peculiares às atividades “servis”. Acredita-se que a denominação advém da escolástica ibérica (NASCIMENTO in: BARBOSA, 2008b, p. 32).

7

“As artes liberais – entre as quais se incluíam a pintura, escultura, arquitetura e engenharia – eram inerente aos ‘homens livres’ [...]. Por entenderem que dependiam de uma elaboração mental e por serem consideradas fundamento para a contemplação, as artes liberais eram tidas como superiores”. (NASCIMENTO, 2008, p. 32).

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necessidade de se ter o ensino de Artes desde as séries iniciais, acreditando que a sequência da disciplina daria aos alunos um conhecimento maior do seu ensino, como ocorre nas outras disciplinas.

Sabemos que em muitos países, como EUA, os alunos no ensino médio optam pela disciplina de Artes para melhorarem seu desempenho escolar. No entanto, não cabe caracterizar nosso ensino de Artes como subdesenvolvido, sendo que o que temos aqui é um pensamento próprio construído no decorrer do tempo pelos arte-educadores brasileiros que acreditam num ensino de Arte a partir do diálogo. Barbosa (2005, p. 14) argumenta que este diálogo ocorre “com o pós-modernismo ou o ultrapós-modernismo e sistematizamos nosso próprio esquema com a proposta triangular, inspirada em múltiplas experiências estudadas em diferentes lugares”.

Ainda para Barbosa (2005), compreender a Arte como uma área de conhecimento, como uma construção social, histórica e cultural é trazê-la para o domínio da cognição. No Brasil, a abordagem do ensino de Artes relacionada ao desenvolvimento cognitivo, vem se impondo cada vez mais entre os arte-educadores brasileiros. Essa concepção leva a pensar de maneira diferente o ensino de Arte na educação escolar, alterando a questão de “como se ensina arte” para “como se aprende arte”. Na visão de Ferraz e Fusari (1993b, p. 35):

Uma das ações que está em processo, hoje, e que vem se firmando por sua maior abrangência cultural refere-se a um posicionamento teórico-metodológico, conhecido entre nós por ‘Metodologia Triangular’. Esta proposta difundida por Ana Mae Barbosa, e que está sem dúvida interferindo qualitativamente no processo e melhoria do ensino de arte, tem por base um trabalho pedagógico integrador de três facetas do conhecimento em arte: o ‘fazer artístico’, a análise de obras artísticas’ e a ‘história da arte’.

O trabalho pedagógico desenvolvido pela professora entrevistada (colaboradora) tem por base os princípios da Proposta Triangular sugerida por Ana Mae Barbosa. Observamos, no entanto, pela fala da professora, que a mesma não sabia se o que fazia era o ideal. Lembramos que a Proposta Triangular não é prescritiva e por isto precisa da ação, do fazer pedagógico do professor e do contexto no qual será trabalhado. Estes princípios defendidos para o ensino de Arte estão relacionados à aprendizagem dos conhecimentos artísticos, a partir da

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inter-relação entre o fazer, o ler e o contextualizar arte, designados por Barbosa (2008a) como ações necessárias à compreensão da Arte como epistemologia.

Percebemos, na grande maioria das escolas, em especial nas públicas, que o ensino de Artes dentro do contexto escolar está sempre vinculado e/ou subordinado a diferentes interesses (governos, sociedade). Sendo assim, justificar a presença do ensino de Artes na escola tem sido uma constante por parte de professores que acreditam que o papel da Arte na educação está relacionado aos aspectos artísticos e estéticos do conhecimento.

A proposta de se trabalhar a disciplina de Artes como epistemologia foi difundida no Brasil a partir das ideias do filósofo inglês Herbert Read, em 1948, e apoiada por profissionais de outras áreas como os educadores, artistas, filósofos e psicólogos. Read (1986, p. 12) considerava as palavras “arte” e “educação” ambíguas e que a associação das duas poderia contribuir na “mente do público”:

O que tenho em minha mente é uma fusão completa dos dois conceitos, de forma que quando falo em arte quero dizer um processo educacional, um processo de crescimento; e quando falo em educação, quero designar um processo artístico, um processo de auto-criação.

Também, tem-se a contribuição de Ferraz e Fusari (1993, p. 15), para quem “a educação através da arte é, na verdade, um movimento educativo e cultural que busca a constituição de um ser humano completo”. Percebe-se que as autoras, ao descreverem o movimento educativo “através da arte”, abordam que a valorização do aluno perpassa por questões intelectuais, morais e estéticas. Isso faz com que o aluno desperte sua “consciência individual, harmonizada ao grupo social ao qual pertence”, ou seja, inserção do mesmo na sociedade.

1.4 A TRADIÇÃO PEDAGÓGICA NO ENSINO DE ARTE

A partir do que foi exposto até aqui em relação à especificidade da escola e suas possibilidades de ressignificação através do ensino de Arte, pretendo tecer reflexões, bem como identificar e avaliar as características gerais do movimento de ensino de Arte que compõe a tradição pedagógica desse componente curricular no espaço escolar. Em outras palavras, procuro entender como, a partir das diferentes concepções de práticas pedagógicas, o ensino de Arte constituiu sua imagem na sociedade.

(32)

Inicialmente, trato de analisar os movimentos que se configuraram como propagadores de ideais europeus e norte-americanos no que se refere a metodologias do seu ensino, desenvolvidas em condições históricas específicas. Penso que a partir do entendimento acerca das origens de uma tradição pedagógica é possível refletir sobre suas possibilidades de mudança.

1.4.1 Princípios norteadores do ensino de Arte

A busca dos princípios norteadores do ensino de Arte vem sendo uma das principais preocupações dos pesquisadores desta área, como também daqueles que se envolvem nas questões relacionadas ao ensino e aprendizagem, no interior da instituição escolar formal. Encontramos diferentes perspectivas e fundamentos de ordem epistemológica sobre o ensino de Arte, a partir das idéias de Eisner (1997), Gombrich (1997), Lanier (1997), Read (1986), Dewey (2008), que compõem a espinha dorsal deste movimento.

Apesar de estes autores adotarem diferentes posições, todos concordam em um aspecto: o ensino de Arte é uma questão complexa e, como tal, não se fundamenta exclusivamente numa ou noutra teoria. Neste sentido, os referenciais não se esboçam como de caráter exclusivo, sendo necessário através de pontos de vista contraditórios, apresentarem relações de complementaridade e, por vezes, assumirem um caráter de reinterpretação e renovação. Percebemos que estes “princípios” norteiam de maneira geral as práticas pedagógicas dos professores de Artes, levando em conta que nem sempre estes são seguidos na sua totalidade ou isolados. Sendo assim, ao avaliarmos o que queremos “ensinar” aos nossos alunos, assumimos diferentes posturas, pois necessitamos primeiramente entender o que é esse processo de ensino. No entanto, quando se fala no ensino de Arte parece-nos que a questão é mais complexa ainda.

Há uma constante preocupação com as funções da Arte na educação, uma vez que seus princípios e métodos de ensino têm levantado o questionamento do que se tem feito em sala de aula. Em primeiro lugar, um número considerado de professores acredita que um dos poucos métodos de se ensinar na escola é a manipulação de diferentes materiais artísticos, bem como o desenvolvimento de maior número possível de técnicas. Uma segunda visão é de que a função principal

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do professor é a de fornecer o material e raramente o conteúdo. Acreditamos que estas percepções ocorrem com os professores que ainda estão apoiados nas tendências pedagógicas tradicionais ou tecnicistas que, até a década de 70, tiveram grande influência na educação, em especial no ensino de Arte.

No entanto, encontramos outras percepções em relação ao ensino de Artes e que devem ser discutidas frente às fortes posições assumidas por seus defensores. Gombrich (1997), respeitado historiador e crítico de Arte, acredita que a crise que a arte vem passando desde a década 1870, tem gerado grande efeito no ensino de Arte. Nos argumentos do autor,

[...] não há mais moldura teórica porque desde aproximadamente a década de 1870, perdeu-se a coragem. Desde que as pessoas riram dos impressionistas e o Impressionismo provou ser bem-sucedido e importante, não temos críticos que ousem dizer que isto é mau. Não temos teoria da arte. (GOMBRICH, 1997, p. 36).

Gombrich (1997, p. 36) ainda observa que “se você não sabe onde quer que seus alunos cheguem, você não pode ensinar”. Percebemos que o que Gombrich (1997) quer deixar claro é que uma coisa é arte e outra coisa é o ensino de Arte numa escola formal. Para o autor,

Há uma confusão quanto ao que é chamado de auto-expressão na criança, que é algo bom, muito proveitoso e admirável, mas que é muito dificilmente aplicável à arte! Quero dizer: a partir do momento em que as pessoas pensam que tudo que fizeram será arte, porque quando estavam na escola tudo o que faziam era considerado adorável por seus professores, aí então não se tem mais uma teoria da arte. Não há tendência, não há objetivos e não havendo objetivos não há como saber contra a que se opor. [...] Ocorre aqui um nivelamento em que qualquer amador pode ser um “artista” já que, não há padrão de referência. (GOMBRICH, 1997, p. 37).

Talvez aqui encontremos um dos equívocos no ensino de Arte quando o professor em suas aulas chama de “arte” os trabalhos de expressão artística dos alunos. É relevante salientar, como bem argumenta Gombrich (1997), que este é um processo artístico e não pode configurar-se como arte, pois para tal necessita de outros princípios que incluem a estética.

Se para Gombrich a falta de teoria tem complicado o ensino da Arte, para Lanier (1997, p. 43) é a necessidade de um “forte conceito central” que está faltando, pois encontramos atualmente um “conjunto” de ideias defendidas por

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diferentes educadores, o que não é mau, no entanto, nem todas levam à aprendizagem em Arte. O autor chama a atenção para o que fazemos em sala de aula, sendo que, para o mesmo, a função do ensino de Arte deveria estar mais para a aprendizagem em Arte do que para o desenvolvimento pessoal do aluno, não sendo necessariamente relacionado à Arte. Este deve ocorrer de maneira natural e não ser um compromisso do ensino de Arte. Para Lanier (1997, p. 45),

Talvez a arte possa tornar alguém mais criativo em geral (o que quer que isso queira dizer). Talvez possa fazê-lo perceber seu contexto físico ou social mais objetivamente. Talvez possa ajudá-lo a resolver suas inquietações emocionais, aumentar seu QI, enriquecer sua aposentadoria ou promover a paz mundial e a boa vontade entre os homens. O ponto sobre o qual queremos insistir é que todos esses outros aspectos do crescimento individual não são ou não deveriam ser o principal foco para o professor de artes plásticas: que a sua principal referência deveria ser o progresso do domínio dos procedimentos estético-visuais. Se outros benefícios colaterais resultarem das atividades de artes, tanto melhor. Se, no entanto, eles não ocorrem, o papel educacional da arte não terá sido traído – contanto que o crescimento das capacidades estético-visuais tenha se efetuado.

O que fica claro nas colocações de Lanier (1997) é de que o ensino de Arte deveria ser pautado em ampliar o âmbito e a qualidade da experiência estética visual. Para que isto ocorra, o autor sugere em quatro hipóteses as possibilidades de se efetuar este ensino. Como não poderia deixar de ser, a experiência estética é abordada como primeira hipótese, o autor acredita que o indivíduo já usufrui desta experiência antes de entrar para a escola, usa como exemplos, entre outros, a apreciação do pôr-do-sol ou algum artesanato popular. Nesta hipótese, o autor ressalta em tom de reprovação a abordagem de algumas literaturas que usam a expressão de que o ensino de Arte “deve propiciar experiência estética” como se alguém nunca teve ou que só terá com o auxílio do professor de Artes. “Não introduzimos para nossos alunos, mas a incrementamos a partir de algo que já está lá” (LANIER, 1997, p. 45).

A segunda hipótese para o ensino de Arte deve ocorrer a partir de estímulos que não se limitam apenas à apreciação de pinturas ou esculturas, este deveria abranger entre outros, o artesanato, a arte popular e as mídias. O terceiro aspecto refere-se à produção de ateliê como método que não promove o crescimento em extensão e qualidade da experiência em estética visual, o que pode ocorrer se o professor de Artes está mais voltado à preocupação do aluno “experimentar” do que

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