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ESCOLHA PROFISSIONAL, FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA

Foto 12: Exposição dos trabalhos

3.2 ESCOLHA PROFISSIONAL, FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA

Podemos dizer que são diferentes os caminhos que conduzem à escolha de uma profissão, do mesmo modo como são diferentes os motivos que determinam a

trajetória profissional. Muitas vezes, as decisões que parecem ter sido tomadas ao acaso são resultado de uma avaliação sobre as possibilidades futuras, o que estas implicam ou implicaram no decorrer da caminhada; qual é a opção mais rentável no conseguimento dos objetivos pretendidos (salário), ou qual horizonte é mais provável de ser alcançado (reconhecimento, aposentadoria). No entanto, observamos que as escolhas não são apenas individuais, mas fruto de um conjunto de fatores coletivos externos que, aliados às condições subjetivas de cada um, compõem as conjunturas de vida, nas quais se desdobram os momentos de escolha. Observamos no Mapa 3 os fatores que influenciaram e foram significativos para a escolha da profissão da professora colaboradora da pesquisa.

Mapa 3: Escolha da profissão. Fonte: dados da pesquisa (2010).

Percebemos que em relação ao desenvolvimento profissional, a professora- sujeito desta pesquisa não tinha a intenção de ingressar no magistério, tampouco no ensino de Arte. Entretanto, por diversas razões pessoais, e por conviver com este universo na relação familiar, sua escolha deu-se por este caminho, marcando este percurso de maneira muito particular. A sua opção em ingressar no magistério se deu primeiramente pela influência da família e, em seguida, por considerá-la uma

“Sempre convivi muito no universo da escola, meu pai era professor, diretor

de escola, a minha mãe era funcionária de limpeza da escola”.

(professora).

“Testes vocacionais”

.(professora).

“Fiz o magistério por influência dos meus pais”. (professora).

“O lugar que eu mais gostava na escola era a biblioteca, eu

sempre queria ter feito biblioteconomia”. (professora).

“Eu estava sempre na escola e achava esse universo maravilhoso, interessante”.

(professora).

“Poderia ser um hobby e na verdade virou profissão”.

(professora).

“Era uma profissão bem valorizada”. (professora).

“Tenho uma irmã mais velha que também é professora e sempre ouvia a

frase ‘a melhor profissão para uma mulher era o magistério’.” (professora).

ESCOLHA DA PROFISSÃO

“boa” profissão para o universo feminino. Outro fator relevante a ser observado na escolha da profissão foi o financeiro que, na época de seu ingresso, era valorizado15.

Também, observamos que o grande desejo da professora era a formação superior em Biblioteconomia. Porém, este era um curso que se encontrava muito distante geográfica e economicamente, já que sua família não possuía condição financeira para mantê-la fora de casa. Com isto, buscou apoio de um “método” (teste vocacional) para verificar se poderia “investir” na profissão de docente e, consequentemente, na docência do ensino de Arte. Chamo a atenção para o fato de que tal experiência se deu na condição de aluna que tinha habilidade em desenvolver desenhos e pinturas. A escolha da professora-colaboradora da pesqui- sa pela profissão não parece diferir muito da situação da grande parte dos profes- sores da área no Brasil, ou seja, como aponta seu relato, tem origem na experiência que tivera com o desenho e a pintura nas aulas de Artes na escola e em ateliês.

Ao se escolher a profissão de professor em primeiro lugar deve-se pensar na dinâmica cotidiana que move a escola, dificuldades, obstáculos e, sobretudo, suas possibilidades. O professor, diferentemente das pessoas que formam a comunidade, reside e transpira o cotidiano escolar, tem o compromisso necessário para implementar projetos, dialogar com seus pares, fazer parte da construção do currículo e ser o ator das relações de ensino e aprendizagem de seus alunos. Talvez, inconscientemente, estes eram elementos que faziam parte do cotidiano da família e que impulsionaram a busca por tal profissão.

Algumas pesquisas referentes à criação de cursos universitários que dizem respeito ao ensino de Arte apresentada por Barbosa (2008b, p. 10) argumentam que estes “foram criados para preparar professores aligeirados16, que ensinassem todas as artes ao mesmo tempo, tornando a Arte na escola uma ineficiência a mais no currículo”. Também tem demonstrado que um dos grandes desafios que se tem atualmente é o de diagnosticar os aspectos positivos nos cursos de formação inicial, em especial os que dizem respeito à formação dos professores de Artes, pois estes

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A valorização da profissão, segundo a professora entrevistada, dava-se pela condição de que as mulheres (professoras) podiam trabalhar 20 horas na docência e as outras 20 horas cuidavam dos filhos e da casa.

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Para Barbosa (2008b, p. 10), o conceito de “aligeirados” refere-se aos cursos universitários de dois anos. Neste sentido, não são os professores “ligeiros” e sim os processos.

desde sua origem apresentam sérias deficiências, o que gerou muitos mal- entendidos a respeito deste ensino.

Ao se buscar identificar, na opinião da professora entrevistada, os aspectos mais significativos da sua formação inicial e, dentre estes os mais frequentes, foram mencionados apenas os pontos deficientes e negativos, sendo eles: a ausência da prática da sala de aula (metodologia) que se reflete tanto na habilidade de comando da sala quanto na adequação de conteúdos a partir do contexto escolar em que o aluno está inserido; a insuficiente compreensão e domínio das leituras realizadas; o raro atrelamento entre teoria e prática; a falta de entendimento existente entre professor e aluno que se faz representar pela concorrência por desenvolver uma habilidade artística igual ou superior a seu professor formador.

Cabe observar, também, que entre os pontos deficientes levantados, a professora destaca a falta de experiência dos professores em relação à condução das aulas, o que fazia com que os estudantes se sentissem “cobaias”. Observemos tais afirmações no Mapa 4.

Mapa 4: Formação inicial e continuada. Fonte: dados da pesquisa (2010).

“Meu processo de formação superior foi regular, [...] algumas disciplinas

muito fracas”. (professora).

“A gente se sentia cobaia”. (professora).

“Não tinha o embasamento teórico (durante a faculdade) que é o

importante”. (professora).

“Trocava muito de professores assim, um iniciava um conteúdo e o

outro não acabava na verdade”.

(professora).

“Na especialização aprendi a ‘ler’ e ‘pesquisar’”.

(professora).

“A gente não teve Metodologia do Ensino de Artes, um planejamento bom do ensino

de Artes, na verdade”. (professora).

“As aulas de História da Arte que tive com a professora Rosana (na especialização) de certa maneira mudou minha prática”. (professora).

“Eles (professores da graduação) não pediam

leituras”. (professora). “A pós-graduação que

ajudou”. (professora). “Parecia que eles tinha medo que

a gente soubesse mais do que eles que também eram professores recém-formados nas

universidades”. (professora).

FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA

A respeito destas questões, a professora-colaboradora da pesquisa observa que durante sua formação inicial teve poucos professores com que aprendeu, sendo que considerava a maioria negligente e despreparada. Além disso, o foco do curso de graduação estava centrado nas aulas práticas, no qual se aprendia diferentes técnicas. Sabemos que na área de Artes os conhecimentos são teórico-práticos, que necessitam da criação para gerar a reflexão e retornar a uma criação. No entanto, para o que a professora chama a atenção é que não havia a teoria para se ter a reflexão. Para Oliveira (2005, p. 61), “a competência que o professor deve desenvolver ao longo da sua ação docente é exatamente saber medir uma e outra”.

No olhar de Tardif (2008, p. 7):

As experiências sociais/culturais do aluno agem/funcionam como um filtro através do qual ele seleciona/aceita/adere/rejeita os conhecimentos dos cursos de formação. Esses filtros cognitivos, sociais e afetivos, processado- res de informações, perduram ao longo dos tempos já que tem sua origem na história e na história de vida dos alunos.

Nessa perspectiva de pensamento, e em se tratando de futuros professores do ensino de Arte, é inevitável aceitar que, se o curso de formação inicial não alcançar êxito no que diz respeito à compreensão e ao reconhecimento por parte dos acadêmicos acerca da relevância do ensino de Arte como componente curricular, bem como se não muni-los com saberes e conhecimentos para que estes possam desenvolver estas concepções em suas futuras propostas pedagógicas, aumenta espantosamente a possibilidade de que estes profissionais venham a copiar apenas o que sabem, o que vivenciaram ao longo de sua trajetória como alunos. É evidente que se a professora se limitar a “copiar” o que aprendeu na sua formação inicial estará fadada ao fracasso antes mesmo de iniciar sua docência. Justifico esta afirmação a partir do argumento de que muitos cursos de formação pedagógica não correspondem às necessidades sentidas, sendo muitas vezes restritos e tecnicistas. Também argumento que aprendemos pela prática do cotidiano, pelas vivências. Neste sentido, para Cunha (2004, p. 91), a lição que os alunos de formação pedagógica levam para suas práticas “é a de não repetir com seus alunos aquilo que rejeitaram nos seus mestres”.

Nas palavras de Tardif (2008, p. 120), “conhecer bem a matéria que se deve ensinar é apenas uma condição necessária, e não uma condição suficiente do

trabalho pedagógico”. Para o autor, o conteúdo a ser ensinado na sala de aula deve sofrer uma transformação, adequando-o ao contexto social, cultural e cognitivo dos indivíduos, no caso os alunos a que se destina. Nesse aspecto, o processo de formação do professor deve caminhar junto à constituição da cultura escolar, revelando a relevância do desenvolvimento pessoal e profissional composto pela dimensão coletiva do ensinar e do aprender.

Essa definição da pedagogia permite, além do mais, que se pare de considerar o ensino como uma atividade totalmente singular, inefável, pertencente ao campo da arte no sentido romântico do termo, ou seja, dependente do talento ou de um dom pessoal. Ao contrário, ele dá uma nova perspectiva a essa atividade humana, integrando-a a esfera das outras formas de trabalho humano. (TARDIF, 2008, p. 121).

Devemos entender que o aluno pensa numa lógica pela qual a sua formação de Arte é confundida com aquela aula “tradicional” do ensino que ele fez na escola básica. Acredita que irá “reproduzir” desenhos, desenvolver alguma técnica etc., não compreende que no espaço da universidade a lógica é outra, ou seja, que ali é imprescindível refletir sobre algo, no caso aquela prática, e isso demanda uma teoria e assim sucessivamente. Também demonstra dificuldade em compreender que como futuro profissional da educação ele será responsável pelo ensino de conhecimentos que deverá construir com os alunos e que isto não pode ser atrelado apenas a práticas livres (somente desenhos). Nesta perspectiva, Barbosa (1988) chama a atenção para o ponto da crença de espontaneidade que sofreu interpretações simplistas como uma forma de autoproteção pelos professores de artes deficientemente preparados pelas universidades. Para Barbosa (1988, p. 11),

Os professores de arte conseguem seus diplomas, mas eles são incapazes de prover uma educação artística e estética que forneça informação histórica, compreensão de uma gramática visual e compreensão do fazer artístico como auto-expressão.

Na visão de Tardif (2008, p.13) é evidente que:

Os alunos passam pelos cursos de formação de professores sem modificar suas crenças anteriores sobre o ensino. E, quando começam a trabalhar como professores, são principalmente essas crenças que eles reativam para solucionar seus problemas profissionais.

Observamos que este contexto apresentado por Barbosa (1988) e Tardif (2008) confirmou-se nas argumentações apresentadas pela professora, pois foi

somente após sua atuação como profissional que surgiu a necessidade e o desejo de buscar algo a mais, o que se configurou primeiramente no grupo de formação continuada do Pólo Arte na Escola17 e consolidando na especialização em Metodologia do Ensino de Arte18 que fez posteriormente. Na fala da professora:

A pós-graduação que ajudou. As aulas de História da Arte que tive com a professora Rosana (na especialização) de certa maneira mudaram minha prática.

Fica evidente que após o contato com a disciplina de História da Arte, ministrada pela professora Rosana Berwanger Silva19 no curso de especialização (formação continuada), “caiu a ficha” da professora-colaboradora da pesquisa em relação as suas práticas. O que a professora aponta é que quando “ensinava” História da Arte aos seus alunos, o método utilizado era de apresentação dos períodos e artistas, obedecendo a uma linha cronológica. A partir da especialização, o diferencial se deu no evento de entender melhor o contexto histórico dos fatos, o que possibilitou que a mesma pudesse construir o seu próprio “método” não no sentido de inventar, mas de entender uma melhor aproximação dos fatos, das semelhanças e diferenças em relação a materiais, estilos, períodos, artistas, da aproximação com as tecnologias. Notemos que a interferência da professora Rosana na formação profissional da professora-colaboradora da pesquisa fez com que esta sentisse necessidade de mudar suas práticas. Poderíamos dizer que a

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O Instituto Arte na Escola resulta da institucionalização do Projeto Arte na Escola, criado em 1989 pela Fundação Iochpe. Tem como missão incentivar o ensino da Arte por meio de formação contínua do professor do ensino básico, investigando e qualificando processos de aprendizagem. Visa sensibilizar e engajar as universidades e redes públicas de ensino tendo como causa a educação com qualidade através da arte. Opera, junto às universidades conveniadas, programas de Pesquisa e Educação Continuada voltados para os professores da rede pública de ensino, por meio da Rede Arte na Escola. Hoje o Arte na Escola beneficia anualmente cerca de 12.000 professores/ano presencialmente e 28.000 virtualmente das redes de ensino brasileiras, que por sua ação atingem os alunos do ensino Básico e modalidade EJA. Possui uma midioteca que produz, distribui e comercializa materiais educacionais que subsidiam o professor na sua prática docente. Estes materiais podem ser encontrados nos Pólos da Rede Arte na Escola, no portal ou na Loja Virtual. Entre esses, destacamos: DVDteca Arte na Escola, acompanhada de Materiais Educacionais; Cadernos de apoio ao professor; Kits educacionais; Banco de Imagens e Ludotecas; Livros paradidáticos. São 50 pólos distribuídos em 46 cidades de 22 estados brasileiros. Sendo que a professora-colaboradora da pesquisa participa do Pólo Unijui – Ijuí- RS, que conta com a coordenação de Rosana Berwanger Silva. (ARTE NA ESCOLA, 2010) http://www.artenaescola.org.br/iae_quemsomos.php

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A especialização ocorreu em 2004/2005 na Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUI, tendo sua pesquisa direcionada para a leitura de imagens.

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Rosana Berwanger Silva é professora do curso de Artes Visuais da Universidade Regional do Noroeste no Estado do Rio Grande do Sul e ministrou a disciplina de História da Arte na especialização sobre “metodologia do Ensino de Arte” que ocorreu em 2004/2005.

postura da professora Rosana se configura como a de um profissional competente, ou seja, comprometida com sua profissão. No olhar de Oliveira (2005, p. 66), “um professor não é competente porque ‘dá uma boa aula’. Ele é competente quando consegue articular os diferentes saberes e dar significado ao que ensina”.

Esta articulação dos saberes também ocorreu em outros momentos da especialização e foi apontado pela professora no argumento de que “na especialização aprendi a ler e pesquisar”.

A professora, de certa maneira, se julgava “analfabeta”, não no sentido da alfabetização ortográfica, mas de que ao ler não tinha a “interpretação” do que o autor estava querendo dizer, que sua leitura era superficial, além de ser pouca (no máximo três livros ao ano). Comenta ainda que aprendeu a pesquisar a partir dos sumários dos livros, de buscar nas obras a semelhança de assuntos e autores, de fazer o fichamento dos mesmos para posterior pesquisa. Também, observou que era preocupação do corpo docente da especialização que os alunos (inclui toda a turma) se tornassem autônomos e críticos.

Estas novas leituras geraram outras necessidades, vindo a conhecer a metodologia para projetos que Fernando Hernández (autor que apresenta vasta pesquisa sobre formação de professores e metodologia de projetos) propõe, passando a incorporá-la em seu planejamento. Para a professora-colaboradora da pesquisa:

Foi na pós-graduação em 2004/2005 que conheci mais o trabalho de Fernando Hernández, em especial seus estudos sobre projetos. Nas suas falas dizia que é necessário que se tenha um problema para iniciar uma pesquisa. Foi ai que comecei a pensar sobre isso e então a partir de algum problema ou dúvida que vinham dos meus alunos ou das minhas aulas, colocava no papel e pesquisava sobre o assunto, tendo como roteiro: uma apresentação na qual escrevo sobre o que realizar nas aulas, o objetivo geral e os específicos, a descrição das ações, os conteúdos que serão trabalhados, a proposição sobre a pesquisa plástica, a justificativa, uma fundamentação teórica, a metodologia e as atividades de cada aula, sempre registro com fotos os processos desenvolvidos pelos alunos, também descrevo os recursos. Para a avaliação procuro ter uma parte escrita de alguma pesquisa referente ao tema, ou um resumo a partir dos textos trabalhados em aula e/ou apontamentos que os alunos fazem no decorrer do projeto.

A partir destes fatos, a percepção da ressignificação quanto às práticas pedagógicas desenvolvidas pela professora-colaboradora da pesquisa é evidente

para a comunidade escolar e está na fala da direção da escola. Ao abordar as propostas, esta supera a dimensão procedimental (saber fazer), assim como no que se refere ao envolvimento na dimensão conceitual (saber conhecer fatos e conceitos) e na atitudinal (saber ser), refletindo no seu fazer pedagógico.

Creio que é possível aceitar, a partir das reflexões acima, que a trajetória de formação básica ocupa um espaço distinto na escolha pela profissão de professora. Evidentemente, esta mesma prática tende a ser “potencialmente” propulsora de algumas deliberações pedagógicas da futura professora. Porém, ao se confrontar com os avanços epistemológicos e teóricos da área, e então inovar em sua prática, aquela experiência vivenciada no ensino básico, na formação inicial e continuada, pode estabelecer um limite para a inovação. Por outro viés, pode ser entendida como algo que enriqueça sua trajetória profissional.