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O ensino de língua em acontecimento : limites e possibilidades para o ensino de Português, no ciclo 3, na rede pública municipal de Campinas/SP

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

DANIELA MANINI

O ENSINO DE LÍNGUA EM ACONTECIMENTO:

LIMITES E POSSIBILIDADES PARA O ENSINO DE PORTUGUÊS,

NO CICLO 3, NA REDE PÚBLICA MUNICIPAL DE CAMPINAS/SP

CAMPINAS

2015

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DANIELA MANINI

O ENSINO DE LÍNGUA EM ACONTECIMENTO:

LIMITES E POSSIBILIDADES PARA O ENSINO DE PORTUGUÊS,

NO CICLO 3, NA REDE PÚBLICA MUNICIPAL DE CAMPINAS/SP

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Doutora em Educação, na área de Psicologia Educacional.

Orientadora: Profa. Dra. Ana Luíza Bustamante Smolka

O ARQUIVO DIGITAL CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA DANIELA MANINI E ORIENTADA PELA PROFA. DRA ANA LUÍZA BUSTAMANTE SMOLKA

CAMPINAS 2015

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Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas Biblioteca da Faculdade de Educação

Rosemary Passos - CRB 8/5751

Manini, Daniela,

M314e ManO ensino de língua em acontecimento : limites e possibilidades para o ensino de Português, no ciclo 3, na rede pública municipal de Campinas/SP / Daniela Manini. – Campinas, SP : [s.n.], 2015.

ManOrientador: Ana Luíza Bustamante Smolka.

ManTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação.

Man1. Estudo e ensino - Português. 2. Professor pesquisador. 3. Ciclos de aprendizagem. 4. Diretrizes curriculares. I. Smolka, Ana Luíza

Bustamante,1948-. II. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educação. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Language teaching in moviment : the limits and possibilities for teaching Portuguese, in the third cycle, in the municipal public school network in

Campinas/SP Palavras-chave em inglês: Portuguese teaching Investigator professor Cycle teaching Curriculum guidelines

Área de concentração: Psicologia Educacional Titulação: Doutora em Educação

Banca examinadora:

Ana Luíza Bustamante Smolka [Orientador] Júlio Antônio Moreto

Raquel Salek Fiad

Sérgio Antônio da Silva Leite Luzia Bueno

Data de defesa: 11-12-2015

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

TESE DE DOUTORADO

O ENSINO DE LÍNGUA EM ACONTECIMENTO:

LIMITES E POSSIBILIDADES PARA O ENSINO DE PORTUGUÊS,

NO CICLO 3, NA REDE PÚBLICA MUNICIPAL DE CAMPINAS/SP

Autora: Daniela Manini

COMISSÃO JULGADORA:

Ana Luíza Bustamante Smolka

Luzia Bueno

Júlio Antônio Moreto

Raquel Salek Fiad

Sérgio Antônio da Silva Leite

A Ata da Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno.

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A todos e todas que me ensinaram e ensinam sempre, especialmente à minha avó Hortência Cerezolli (in memoriam) que sempre me acompanhou e incentivou nos estudos, à Dona Cida Faggioni, professora inesquecível que me inspirou no caminho das Letras, aos queridos alunos e alunas que me acompanharam nesta empreitada, tornando este trabalho possível.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à vida e suas surpresas, com muitas e boas possibilidades de encontro.

Encontro com a Ana, professora-pesquisadora-orientadora brilhante, intensa, inesquecível; obrigada por me mostrar caminhos mais amplos, belos e desafiadores ao olhar para a sala de aula. Encontro com a EMEF pesquisada, com a diretora Mariana Volpato Mariutti e com os alunos e alunas do ciclo 3, lugar e pessoas que me constituíram como professora, consciente do quanto tenho sempre e muito que aprender. Encontro com colegas que se tornaram amigos especiais: Adriana Corrêa, Eduardo Scrich, Harian Braga e Maria Tereza Daroz.

Encontro com o revigorante, afetuoso e dinâmico GPPL (Grupo de Pesquisa Pensamento e Linguagem), com pesquisadores sempre dispostos a pensar as relações de ensino com esperança e paixão, que tanto e tão pacientemente me ajudaram nos caminhos desta pesquisa.

Encontro com a FE/UNICAMP e a excelência de seu corpo docente que ampliou sobremaneira meu olhar sobre a Educação. Agradecimento especial a Angel Piño (in

memoriam), Eloísa Höfling, José Roberto Rus Perez, Luci Banks Leite, Luiz Carlos

de Freitas e Sérgio Leite.

Encontro com amigos queridos que, com sua constância e carinho, tornaram esta caminhada mais leve. Obrigada: Ana Cláudia Suriani, Ana Maria Formoso, Andréa Morales, Cláudio Borges, Cláudia Fabrício, Cristina Bernardes, Domênico Gallicchio, Dulcinéia Ribeiro, Elaine Toldo Pazello, Eliana Montanini, Evandro Minelli, Fernanda Valério, Fernando Ribeiro, Gabriela Abreu Guedes, Janaína Carrico, Joana Cunha de Holanda, Lígia Belém, Marcelo Flores, Marcelo Sena, Maria Aparecida Lopes, Maria Carmen Bahia, Maria Claudia Bonadio, Regina Araújo, Renata Nunciato, Rosemary Longo, Samira El Saifi, Sílvio Ribeiro da Silva, Patrícia Aquino, Uliana Ferlim, Vilma Conceição de Souza.

Encontro com profissionais que cuidaram de mim com tanta amorosidade, fazendo com que eu buscasse esse sentimento em mim mesma nos momentos de maior rigidez: Carmen Monari, Ednalva Vidoto, Nayá Saad e Roger Naji El Khouri.

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Encontro com minha amada família e a dádiva de suas mulheres guerreiras e inspiradoras: Aneris, Cris, Leda, Marcinha, Marina, Miriam e Susana, a musicalidade do meu primo-padrinho Nenê que compôs meu gosto musical, a alegria, a humildade e a generosidade da minha madrinha Fátima, a vida que segue com os primos Juninho e Pedro.

Encontro com o Denis, companheiro amado que tanto contribuiu para minha dedicação a este trabalho: “seus olhos meu clarão, me guiam dentro da escuridão”!

Encontro com autores que jamais conheceria se os caminhos não me tivessem levado à pesquisa. Autores que me ajudaram na busca por encontrar a mim mesma.

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“Como poderia não me reconhecer em Nietzche quando diz mais ou menos, em Ecce Homo, que nunca se dedicou senão a coisas que conhecia profundamente, que ele mesmo tinha vivido e que, até certo ponto, ele mesmo tinha sido?”. Pierre Bourdieu. Esboço para uma autoanálise. 2004, p. 109.

“Nada me tornaria mais feliz do que ter conseguido que alguns dos meus leitores e leitoras reconhecessem as suas experiências, as suas dificuldades, as suas interrogações, os seus sofrimentos, etc, nos meus e que desta identificação realista, que é completamente distinta de uma projeção exaltada, todos retirassem meios para fazer e viver um pouco melhor tanto aquilo que vivem como aquilo que fazem”. Pierre Bourdieu.

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RESUMO

O principal objetivo desta tese é analisar os limites e as possibilidades do ensino de Português, na rede pública municipal de Campinas, considerando a implantação do sistema de ensino por ciclos (2006) e a divulgação das diretrizes curriculares municipais (2010). Transcrições e descrições analíticas dos contextos da sala de aula, espaços nos quais a pesquisadora atua como professora, em três turmas do ciclo 3, são tomadas como material empírico a ser analisado. Teoria e prática, contexto escolar e políticas públicas articulam-se em função do trabalho de ensino e pesquisa da professora-pesquisadora. Conhecimentos das áreas de Política, Sociologia, Economia, Psicologia, História, Antropologia e Filosofia da Linguagem serviram de aporte teórico para refletir sobre o objetivo geral da pesquisa. Além disso, a perspectiva histórico-cultural foi a base teórico-metodológica para a construção e a análise dos dados, a partir das várias formas de registro da vivência. O foco analítico está colocado nas interações em aula, sendo que esta é considerada em seu acontecimento. As análises dão visibilidade às relações professora ↔ alunos ↔ alunos, via objetos de conhecimento, pondo em relevo a diversidade dos grupos de alunos, a instituição escolar e sua cultura, a profusão de discursos e normatizações sobre o ensino de língua.

Palavras-chave: Ensino de Português; Professora Pesquisadora; Ensino por Ciclos; Diretrizes Curriculares.

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ABSTRACT

The main objective of this thesis is to analyze the conditions of Portuguese teaching in the municipal public education network of Campinas, Brazil, taking into account the cycle teaching system (2006) implementation and the disclosure of municipal curriculum guidelines (2010). Analytical transcriptions and descriptions of classroom contexts, spaces where the investigator works as a teacher in three cycle-3-classes, are taken as empirical material to be analyzed. Theory and practice, school context and public policies, are associated due to the teaching and researching work done by the investigator professor. The historical-cultural perspective is the theoretical-methodological basis for data development and analysis from several forms of experience register. The analytical focus is placed on class interactions, which is considered in its occurrence. The analyses provide visibility to the relations between professor ↔ students ↔ students through knowledge objects, highlighting the diversity of student groups, the school institution and its culture, the profusion of speeches, and the language teaching normalizations.

Keywords: Portuguese Teaching; Investigator Professor; Cycle Teaching; Curriculum Guidelines.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

1. Das trajetórias acadêmica e profissional ao objeto de pesquisa 13 2. Considerações sobre o objeto, a construção dos dados e o campo de pesquisa 26

3. Organização dos capítulos 29

CAPÍTULO 1: “O que seria de nós sem as coisas que não existem” ou Dos sentidos e significados para teoria, objeto e método

1.1 A pesquisa como um ofício 31

1.2 O ofício desta pesquisa 35

1.3 A perspectiva histórico-cultural como base para pensar o ofício didático 45

CAPÍTULO 2: “Antes de se chegar a uma organização há o caos” ou Do ensino de Português, para o ciclo 3, na EMEF, em 2011-12

2.1 Do ensino de Português na atualidade 54

2.2 Do meu modo de ensinar de Português 57

2.3 Dos ciclos, da EMEF, em 2011-12 63

2.4 Do ensino de Português na EMEF, para o ciclo 3, em 2011-12 72

CAPÍTULO 3: “Normatividades persuasivas” ou Das diretrizes curriculares municipais

3.1 Diretrizes curriculares e ensino por ciclos: visão panorâmica 91

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CAPÍTULO 4: O que nos é dado? 4.1 Sobre os registros 111 4.2 Filmagens 113 4.2.1 No 7ºC 116 4.2.2 No 7º A 142 4.2.3 No 7º B 166 4.3 Encerrando o capítulo 174 CONSIDERAÇÕES FINAIS 182 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 188 DOCUMENTOS CONSULTADOS 194

ANEXO I (Planos de ensino para 2011 e 2012) 195

ANEXO II (Objetivos gerais e específicos para o ciclo 3) 200

ANEXO III (Termo de consentimento para a pesquisa) 202

ANEXO IV (PROVÃO - Avaliação trimestral) 203

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INTRODUÇÃO

1. Das trajetórias acadêmica e profissional ao objeto de pesquisa

Apresentar o principal objeto de investigação desta pesquisa, o contexto em que surge, as questões que levanta, as perspectivas teóricas em que se ancora, a metodologia de análise dos dados gerados, entre outras implicações próprias de um trabalho científico demanda, antes de tudo, narrar as trajetórias acadêmica e profissional da pesquisadora na tentativa de mostrar as indagações que levaram ao caminho para esta tese, uma vez que partimos do pressuposto de que a história do sujeito é entretecida na história social1.

Apesar de negar a noção de neutralidade no fazer científico, pois entendo que “todo conhecimento em Ciências Sociais e Humanas é uma forma de conhecer a nós mesmos e criar possibilidades para compreender a vida social e outras alternativas sociais” (MOITA LOPES, 2006, p. 104), de início assusta-me esse tipo de exposição. Mesmo sabendo que tais trajetórias carregam muitas particularidades dos sujeitos, multifacetados que somos em nossa identidade, em minha formação como aluna, desde o ginásio ao Mestrado, tive como forte a ideia de impessoalidade nos textos que defendem uma tese.

Paradoxalmente, essa formação construiu em minha subjetividade uma predileção pela Língua Portuguesa. O objetivismo abstrato das aulas de gramática me encantou para a reflexão que eu poderia fazer sobre a estrutura da língua e seu funcionamento. Ainda que a metodologia fosse a da transmissão da regra, a norma gramatical apresentava-se para mim como um estudo sobre a minha língua. Um estudo que me fascinava. Era a minha língua com seus arranjos e nomenclaturas, radicais, prefixos, sufixos, flexões, conjugações e muito mais que eu estudava e me ajudava a entender a escola, as pessoas, as músicas, os filmes, os programas de TV, minha família, meus amigos, minha cidade... enfim, meu mundo em Ribeirão Preto, num bairro entre o centro e a periferia.

A professora foi fundamental nesse processo. Dona Cida (Maria Aparecida Fagionni – professora na EEPG Dr. Guimarães Júnior, em Ribeirão Preto/SP), professora

1 Este é um dos fundamentos da perspectiva histórico-cultural, a qual tem Vigotiski como sua maior

referência. Para melhor fundamentá-la, trago as considerações de Smolka (2009, p. 10) ao apresentar uma das obras desse autor: “Esse é um de seus argumentos principais: é na trama social, com base no trabalho e nas ideias dos outros, nomeados ou anônimos, que se pode criar e produzir o novo. Não se cria do nada. A particularidade da criação no âmbito individual implica, sempre, um modo de apropriação e participação na cultura e na história”.

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inesquecível. Lembro-me de ter começado as aulas de Português2 na quinta série vendo os três tipos de discurso e fazendo exercícios de transformação do direto para o indireto e o indireto livre. Lembro-me também de ter estudado muito morfologia junto com sintaxe desde o início e das várias conjugações verbais, em todos os tempos e modos, escritas no caderno e ditas em coro pela turma.

Havia também a leitura obrigatória para avaliações mensais. Na quinta e sexta séries, tiveram força as obras da série Vaga Lume: A ilha perdida, a saga do Cachorrinho

Samba, A montanha mágica, A montanha encantada, Pai, me compra um amigo. Outros

destaques foram: Um dono para Buscapé, Sobradinho dos pardais, A bolsa amarela, O

gênio do crime, Sangue fresco, A droga da obediência, A marca de uma lágrima, com a

incrível ida de Pedro Bandeira ao anfiteatro da escola para uma sessão de autógrafos.

Sem essas leituras não chegaríamos aos clássicos lidos na sétima e na oitava séries, sempre com a Dona Cida: O alienista, Vidas secas, São Bernardo, Inocência, Menino de

engenho, Bangüe, Fogo morto, Moleque Ricardo, O anunciado do vento, A morte e a morte de Quincas Berro d’água, Mar morto, O Ateneu, vários contos de Sagarana e Primeiras histórias, entre outros.

Havia uma imensa biblioteca na escola, onde podíamos passar a tarde estudando e de cujo acervo retirávamos livros para o nosso deleite e também os exigidos para as avaliações. Estes últimos eram lidos individualmente, não na aula de Português, mas a Dona Cida sempre lia, de modo empolgante, passagens dessas obras. Outras leituras que fazia eram de poemas de Drummond, Manuel Bandeira, Fernando Pessoa e heterônimos, Vinícius de Moraes, Cecília Meireles, ao que ouvíamos atentos, embevecidos. Pelo menos era como eu me sentia e imaginava que todos se sentissem.

Havia também a prática de “redação”. Tínhamos um caderno específico para produções a serem feitas em casa, a partir de temas sugeridos pela professora, bem ao estilo da clássica “composição escolar”. A cada mês a professora elencava uma lista de temas sobre os quais deveríamos escrever e recolhia os cadernos aos poucos, para corrigi-los em casa. Quando os devolvia, fazia a leitura de textos que se destacavam e, desse modo, as produções circulavam entre os alunos.

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Eu tinha a Dona Cida como uma referência muito forte e isso me levou a querer ser professora de Português. No colegial, esse desejo se acentuou, sempre tendo como inspiração a Dona Cida.

Inscrevi-me para o vestibular de Letras na Unicamp e fui aprovada.

Já na universidade, o curso desenvolveu-se como algo distante do que eu imaginava em relação às preocupações com o ensino. Somente as poucas disciplinas da Linguística Aplicada tinham esse viés.

Na metade do curso, deveríamos fazer a opção por bacharelado ou licenciatura. Muitos foram para a licenciatura com desdém. Os próprios professores não nos incentivavam a enveredar por esse caminho.

Apesar disso, fui com boas expectativas e gostei muito do que estudei, a começar pela postura das professoras3 que não guardavam o distanciamento da maioria dos professores com quem eu estava tendo minha principal formação. Mostravam-se preocupadas com os alunos, com sua compreensão e procuravam promover nossa participação e interação nas aulas.

Situações desse tipo levaram-me a ter um interesse pela Faculdade de Educação4. Não cheguei a cursar nenhuma disciplina extracurricular lá, mesmo porque, desde o segundo ano de Letras, passei a conciliar, até o final da graduação, as atividades de aulas e estudos com vinte horas semanais de bolsa de iniciação científica que funcionava como uma modalidade de bolsa trabalho5.

O interesse se intensificou nos dois semestres em que cursei as disciplinas de Estágio, nas quais estudamos propostas curriculares, materiais didáticos, elaboramos planos de aulas e através das quais pude acompanhar por um ano o excelente e inspirador trabalho de uma professora da rede estadual de ensino.

3 Todas as disciplinas da licenciatura que cursei foram ministradas por mulheres.

4Apoiando-me em Bourdieu (2004, p. 15), entendo que “compreender é, em primeiro lugar, compreender o campo em que nos fizemos e contra o qual nos fizemos”.

5 Eram disponibilizadas bolsas do CNPq para professores responsáveis por projetos de organização de

acervos em um arquivo da Unicamp. Cabia ao arquivo e aos professores selecionar e treinar os bolsistas, que vinham de diferentes institutos, com diferentes formações.

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Iniciei com um estágio de observação de suas aulas em diferentes turmas do Ensino Fundamental ao Médio e terminei com algumas intervenções, dando aulas para várias turmas, assumindo-as no caso de falta da professora, o que era avisado e planejado com antecedência, e assumindo uma semana de aulas no terceiro colegial como parte do processo de estágio durante a qual me propus a trabalhar o estilo de provas de redação do Vestibular Unicamp.

No final de 1996, terminei a graduação em licenciatura. Depois, passei mais um semestre na Unicamp para concluir o bacharelado, mantendo-me com a bolsa de iniciação científica e morando na Moradia Estudantil. Ambos os privilégios acabariam assim que acabasse o semestre e eu recebesse meu novo diploma. Por isso e também porque ansiava por uma experiência profissional como professora, inscrevi-me em escolas estaduais de Barão Geraldo para atuar como professora substituta de Português. Vivi essa experiência na escola onde fiz o estágio, tendo sido convocada para substituir a professora que acompanhei e outra professora de Português, o que equivaleu a quase um mês de trabalho.

Não foi um início difícil. Apesar de não ser a professora das turmas, de não saber o material que estavam usando, foi uma aventura preparar as aulas e desenvolvê-las. Senti-me bem recebida pelos alunos e pelos profissionais da escola, achei-a bonita, agradável, ampla, bem parecida com aquela onde eu fizera o ginásio.

Pouco depois dessa experiência, uma amiga que dava aulas em uma escola estadual de Paulínia me indicou para assumir por seis meses as turmas de uma professora de Português que entrara em licença. Eram trinta aulas, todas para o Ensino Médio, sendo a maior parte delas para o noturno.

Assumi essa jornada por dois meses. O que de início me pareceu leve foi se revelando um trabalho intenso. Eu demorava um bom tempo preparando aulas e avaliações, corrigindo produções de texto, lendo livros literários que trabalharia. Além disso, dependia de transporte público para me locomover até a escola. Por isso, antes do recesso que haveria no meio do ano letivo, solicitei à direção da escola uma redução da jornada. Disse que gostaria de permanecer com as aulas do noturno. E assim foi.

O ambiente dessa escola era muito bom. Lá havia sala de vídeo, sala de leitura e eu aproveitava esses espaços além da sala de aula. Lembro-me também de ter uma boa relação com os alunos. Na maioria eram adolescentes que trabalhavam durante o dia.

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O que me marcou nessa escola foi a ênfase de professores mais antigos, em vias de se aposentar, dizendo que eu não deveria seguir como professora, pois eu era jovem e era possível iniciar uma outra carreira já que nossa profissão estava sendo cada vez mais desvalorizada e os alunos estavam cada vez mais difíceis. Minha resposta era o silêncio e um sorriso, afinal eu estava começando, gostando e não me via em outra profissão.

Situações desse tipo começavam a me indicar que nem tudo era tão bonito como eu imaginava.

O momento de atribuição de aulas para o próximo ano letivo, que seria 1998, mostrou-me que o cenário poderia ser pior. Os professores da rede estadual, divididos em várias categorias, chegamos às 12h no colégio Culto à Ciência (Campinas/SP), conforme havia sido marcado. Éramos centenas, alguns com crianças de colo, outros mais idosos, outros eram casais de professores. A ordem para o atendimento era a de tempo de serviço. Era somente uma sala com algumas supervisoras de ensino para realizar o processo. Saí de lá somente no dia seguinte, às nove da manhã, tendo atribuídas apenas oito aulas semanais.

Quando ia embora, ainda havia professores esperando. Todos esgotados. Eu era jovem e no caminho para casa fui pensando que não quereria passar novamente por uma situação como aquela. O discurso dos professores sugerindo que eu mudasse de profissão fazia todo sentido naquele momento.

As oito aulas que me foram atribuídas eram de manhã, em uma escola no bairro Costa e Silva, em Campinas. Eram duas turmas de Ensino Médio, um 2º e um 3º colegial. Adorei a escola: prédio amplo, cantina, sala dos professores organizada, professores, funcionários e gestores muito bacanas, alunos receptivos, mas comecei a perceber os contrastes comparando-a à escola de Paulínia: havia alunos bem mais velhos nas turmas, os livros didáticos deveriam ser comprados pelos alunos, a escola não oferecia merenda, não havia salas extras, como de leitura e de vídeo, a biblioteca não funcionava. Meu espaço de trabalho restringia-se à sala de aula.

Imagino que nesse período começavam a entrar em vigor as mudanças na rede estadual paulista (redefinição de propostas curriculares, progressão continuada definida como sistema de ensino por ciclos), pois nas reuniões pedagógicas eram-nos apresentados decretos e sugestões de conteúdos específicos a serem ensinados, os quais eram mínimos,

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conforme a opinião dos professores mais experientes. Isso gerava acaloradas discussões com a equipe gestora, num questionamento sobre como e para que se pretendia formar os alunos.

Eu via em meus alunos de 3º colegial um interesse grande em cursar universidades públicas. A maioria era dedicada aos estudos, à leitura das listas de livros e à produção de redações dos vestibulares. Trabalhei bastante os temas e estilos das provas da PUC-Campinas e da Unicamp. Lembro-me de que duas alunas foram aprovadas na Unicamp e isso foi muito comemorado pela escola.

Alguns dos não-aprovados foram cursar o pré-vestibular em um cursinho onde eu era responsável pelas aulas de redação. Paralelamente às aulas na escola estadual, em 1998 eu começara a dar aulas de redação em dois cursinhos pré-vestibulares: um em Campinas, outro em Amparo. Além disso, eu também assumi uma bolsa de aperfeiçoamento, no lugar de uma amiga que cursava História e me indicara para sua vaga. Nessa última experiência na UNICAMP, que durou um ano, aprendi sobre como fazer pesquisa acadêmica, produzir textos no gênero “relatório científico” e vivenciei uma relação de estudos em grupo com colegas de diferentes áreas: Sociologia, Filosofia, História, Medicina, Antropologia e uma orientadora extremamente atenciosa, competente e incentivadora para que seguíssemos no campo da pesquisa, tanto que lamentou minha opção pelo trabalho, campo que me absorvera com força total no ano seguinte.

Em 1999, além dos cursinhos pré-vestibulares, sugiram várias propostas de trabalho em escolas particulares. Através de indicação dos coordenadores das instituições onde eu trabalhava, assumi aulas das diferentes frentes da disciplina (redação, literatura e gramática) para diferentes níveis de ensino (Fundamental, Médio e pré-vestibular) em diferentes cidades (Campinas, Paulínia, Americana, Santa Bárbara d’Oeste, Amparo e Jaguariúna), o que contribuiu para que eu não continuasse com aulas na rede estadual.

Eu tinha em média sessenta aulas semanais. Eram materiais didáticos diferentes, diferentes concepções pedagógicas, diferentes equipes de professores, diferentes perfis de alunos e eu tentando me encontrar nesse processo. Logo no primeiro semestre, tive consciência de que não era o tipo de vida que pretendia para mim.

Escolhi abandonar as aulas de Literatura. Já havia falado à coordenação de onde eu trabalhava que não eram o meu forte, que eu não havia lido todos os livros sobre os

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quais deveria falar, que era uma enganação guiar-me somente pelo material apostilado, pois era o que deveria ser seguido e, em função da quantidade de obras e autores a serem estudados e do número de aulas semanais que eu dava, era inviável preparar as aulas a partir de outros materiais, bem como estudar autores e obras que eu desconhecia. O coordenador tentava me tranquilizar, dizendo que eu “dominava a classe”, como se isso fosse o suficiente.

Mantive-me nos cursinhos pré-vestibular de Campinas e Amparo e no colégio de Jaguariúna, onde dava aulas de Português para o Ensino Fundamental e Redação e Gramática para o Ensino Médio. Nessas instituições, as condições físicas para o trabalho eram boas: prédios novos, limpos, materiais à disposição (livros, xerox, retroprojetor, aparelho de som, TV, vídeo).

Em relação à parte pedagógica, não havia reuniões e os professores se encontravam basicamente no momento de dar aulas, o que não facilitava uma troca entre o grupo ou mesmo trabalhos interdisciplinares. Além disso, não era necessário fazer plano de ensino, deveríamos seguir os apostilados, afinal alguns desses materiais elaboravam provas que, de certa forma, avaliavam o que o professor havia trabalhado.

Lembro-me de ter participado de eventos maiores envolvendo várias escolas que usavam o mesmo apostilado. Merece destaque um treinamento onde o responsável pela divulgação disse que a cada aula do professor corresponderia uma aula da apostila; um dos papéis do coordenador deveria ser passar a cada aula e anotar o número da aula que estava sendo dada (deveríamos anotá-lo no canto da lousa, junto à data), numa espécie de “controle de qualidade”.

Nesse contexto, estudava bastante os materiais didáticos e pautava minhas aulas por eles. Eu tinha mais liberdade nas aulas de redação e nas aulas para o Ensino Fundamental, nas quais complementava o material apostilado com ponto na lousa sobre definições gramaticais, com leitura de paradidáticos e aplicava atividades extras sugeridas pelo apostilado.

Os níveis Fundamental e Médio da escola particular revelavam-se para mim, a partir da pouca experiência que eu tive na rede estadual, como sendo bastante tradicionais, com foco em conteúdos e avaliações, havendo pouca heterogeneidade entre os alunos. Os cursos pré-vestibulares tinham esse mesmo perfil, com a diferença de apresentarem

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turmas heterogêneas. Entretanto, não havia qualquer questionamento, fosse meu, fosse da coordenação de cada instituição, sobre como e se os alunos estavam aprendendo.

Ambos os cursinhos onde eu lecionava encerraram suas atividades no final de 1999, o que contribuiu para que eu aumentasse minha jornada na única escola particular onde havia permanecido e assumisse o cargo de revisora de textos em uma empresa de tradução. A carga horária na empresa era maior que a da escola e a remuneração menor, mas o trabalho e as possibilidades de aprendizagem eram interessantes. Além disso, havia uma integração entre os funcionários que não acontecia na escola. O trabalho, porém, era pouco dinâmico.

Com o passar do tempo e durante as dinâmicas promovidas pelo setor de RH, convenci-me de que a sala de aula era o meu espaço de trabalho predileto. Trabalhei nessa empresa do início de 2000 ao final de 2001, quando ela fechou.

Em 2002, através de concurso público, ingressei na rede municipal de Campinas. Trabalhava de manhã no colégio particular e algumas tardes e noites na rede pública. Passei a ter quarenta horas/aula semanais, mais os horários de reunião coletiva, formação em exercício e atendimento extra aos alunos da rede municipal.

Descobri uma liberdade para pensar, planejar, criar o meu trabalho que eu desconhecia na rede particular. Tínhamos reuniões semanais para refletirmos sobre a escola e nossa prática. Nesses momentos, também tivemos acesso às principais ideias de alguns teóricos da Educação, estudamos os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), lemos determinações oficiais sobre o ensino da rede municipal de Campinas, elaboramos por área o plano de ensino, tivemos a possibilidade de analisar e escolher o material didático, elaboramos coletivamente avaliações e também materiais para a EJA (Educação de Jovens e Adultos). Além disso, decidíamos coletivamente como realizar eventos envolvendo a comunidade, como proceder em determinados casos de indisciplina e em casos de dificuldades de aprendizagem.

Havia também eventos fora da escola, como formação remunerada em exercício, palestras com renomados professores ligados a diferentes universidades; houve um Seminário Internacional e um Congresso Municipal que reuniram todas as escolas da rede para ler, refletir e reorganizar documentos referentes à carreira e à profissão docente. A possibilidade dos docentes redigirem versões do documento, reivindicando valorização

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profissional, tempo para estudo e formação em exercício foi um diferencial de liberdade e reivindicação que eu jamais imaginaria nas redes particulares onde trabalhei. Foram situações que apontavam para a conscientização do que era ser professor, para além de ministrar aulas e reproduzir materiais apostilados.

Outro destaque foi a valorização do profissional da Educação através da aprovação de um plano de cargos e carreira que elevou substancialmente nosso salário, além de incentivar a progressão funcional aos que cursassem especializações e pós-graduações, o que não ocorria na rede particular onde eu trabalhava.

Essa nova possibilidade de trabalho foi uma injeção de ânimo num momento em que eu estava começando a achar enfadonho o trabalho na rede particular, pois era o quarto ano que eu estava usando os mesmos apostilados e o local onde eu trabalhava não me apresentava novidades em termos de conhecimento e valorização profissional.

Por essa razão e também por ter ampliado minha jornada da rede municipal, pedi demissão do colégio onde lecionava. A carga excessiva de trabalho e o contraste entre os dois tipos de instituição tornaram-se impraticáveis. A partir do segundo semestre de 2003, passei a me dedicar exclusivamente à rede municipal.

Aprender a trabalhar na EJA, a lidar com a heterogeneidade das turmas do ensino regular, a organizar a cerimônia de formatura, a realizar estudos do meio, a elaborar provas e planos de ensino, a reconfigurar o livro didático6, a acompanhar as turmas nos momentos de lanche, a organizar e utilizar uma biblioteca com variados e excelentes livros, a lidar com alunos interessados e também com alguns casos sérios de indisciplina e dificuldade de aprendizagem, a conviver com professores mais críticos, ter a possibilidade de fazer vários cursos oferecidos pela Secretaria Municipal de Educação de Campinas (SME), alguns em parceria com a Unicamp, tudo isso me enredou de uma maneira desafiadora e interessante.

Começava a me sentir de fato autora da minha própria prática e a me construir como “professora-pesquisadora”, tendo como base os Portos de passagem, nos quais

6 Era difícil sua compreensão para a maioria dos alunos; comparava-os às apostilas que usara e julgava-os

muito mais difíceis de serem assimilados por boa parte dos alunos e, infelizmente, dos professores. Por outro lado, via-os como uma possibilidade de formação do professor em exercício, especialmente no que diz respeito ao viés teórico que apresentavam no Manual do Professor e ao longo das explicações sobre as atividades didáticas.

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Geraldi (1991) defende a tese de que o professor deve ter um olhar científico sobre as atividades desenvolvidas em sala de aula. Segundo o autor, nos séculos IV e V, o professor também era produtor de conhecimento, mas com a expansão do capitalismo isso mudou, pois foram criadas escolas e as demandas passaram a ser maiores, porém é necessário resgatar a função social do professor “articulador dos eixos epistemológicos e das necessidades didático-pedagógicas” (GERALDI, 1991, p. 92).

No ano de 2005, atuei como assistente de pesquisa em um projeto organizado e financiado pela UNESCO. Para esse trabalho, estudei vários textos que explicavam sobre diferentes metodologias de pesquisa e formas de construir os dados. Eu deveria aplicar questionários já prontos a alunos de diferentes escolas municipais de Campinas, realizar entrevistas estruturadas e semiestruturadas com professores e gestores desses espaços, elaborar diários de campo a cada vez que lá fosse e, por fim, elaborar um relatório sobre o que havia sido feito e revisar os relatórios produzidos pelos demais integrantes do grupo.

Essa experiência estimulou-me a redigir um projeto de pesquisa para Mestrado. Logo nos primeiros anos de rede municipal, o processo de escolha e uso do livro didático de Português (doravante, LDP) apresentava-se para mim como algo que trazia muitas perguntas de ordem prática, principalmente em função da diferença entre esses materiais didáticos e os apostilados que eu havia utilizado. Como são elaborados os LDP? Que base curricular os orienta? Que critérios o professor deve utilizar para escolhê-los? Como os professores os utilizam? E os alunos? Tais perguntas me levaram a pesquisar, ainda nos primeiros anos de rede municipal, um pouco sobre o Programa Nacional do Livro Didático (doravante, PNLD), os PCN e os próprios LDP que utilizava.

O projeto foi submetido à Faculdade de Educação da USP e ao departamento de Linguística Aplicada do IEL/UNICAMP. Meu interesse pela Faculdade de Educação da UNICAMP era grande, mas no ano em que decidi prestar o exame de Mestrado a FE não abriu processo seletivo. Fui aprovada para a segunda fase da FE/USP, mas como havia sido aprovada já na fase final da LA/IEL optei por não ir à entrevista em São Paulo.

O Mestrado foi uma experiência bastante positiva. Estudei muito. Aprendi muito. Conheci um IEL com um olhar privilegiado para práticas sociais como objetos de pesquisa. Tive que modificar o projeto em função do tempo e do recorte necessários para o nível de estudo. A escolha e os usos do LDP não mais seriam objetos, mas sim o modo como LDP produzidos pós-PCN e pós-PNLD apresentam o ensino de gramática, frente

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que sempre me fascinou como aluna e que há tempos gera várias polêmicas nas esferas acadêmica e didática a respeito de que gramática(s) ensinar e sob qual(is) metodologia(s). Nessa investigação, eu deveria atuar fundamentalmente como pesquisadora, procurando desvencilhar-me de meu papel de professora.

Findo o Mestrado no início de 2009 e sem interesse em cursar Doutorado, optei por ampliar meu número de aulas. Com 24 horas/aulas semanais, além das 7 horas/aulas referentes a reuniões pedagógicas e acompanhamento de alunos, dividia-me entre duas EMEF (Escola Municipal de Ensino Fundamental). Continuava a trabalhar com turmas de EJA e voltava a trabalhar com turmas de 6º a 9º anos, após um jejum de três anos.

Na nova escola, eu tinha apenas uma turma. Senti uma empatia grande por ela e pelos novos colegas. Percebia que me dividir tinha desvantagens: tempo maior de deslocamento, diferentes concepções pedagógicas, diferentes calendários, diferentes perfis de professores e alunos, mas, contraditoriamente, havia o lado bom dessa divisão: na escola onde eu concentrava menos aulas, não era necessário que eu participasse de todas as reuniões pedagógicas. Esse pouco envolvimento foi positivo, pois eu não presenciava embates que toda EMEF tem.

Consequentemente, as comparações foram inevitáveis. Por isso e também porque para 2010 não haveria o mínimo de aulas suficientes para que eu me mantivesse na escola onde eu concentrava mais aulas, removi-me para a EMEF onde anteriormente eu possuía apenas uma turma.

Comecei 2010 tendo três sextos anos à tarde e dois nonos anos no período vespertino. Os bons sentimentos e a boa impressão mantiveram-se, mas os problemas começaram a se mostrar. Iniciamos o ano com o cargo de direção vago, assim como alguns cargos de professores, o que gerou muitas aulas vagas, muito barulho durante as aulas regulares e uma tendência nas turmas a acharem estranho ter aula, o “normal” seria ter pelo menos uma aula vaga por dia.

Das cinco turmas, as que demandaram um grande trabalho foram os três sextos anos. Cada uma tinha por volta de trinta e cinco alunos, com uma heterogeneidade grande em relação aos saberes, proporcional ao nível de agitação, tanto que me impressionou o fato de vários alunos circularem pela sala, não se concentrarem em atividades de leitura

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individualizada e muitas vezes terem dificuldade em entender propostas de interpretação e produção escrita apresentadas por mim ou pelo livro didático.

Adotei, então, a prática de eu ler em voz alta textos da coletânea do livro ou textos extras. Nesses momentos, era garantida a atenção da turma, mas me incomodava o fato de não seguirem o texto escrito e prestarem atenção apenas em mim. Meu medo era de eu preencher os entendimentos sobre os textos, pois poucos respondiam as várias perguntas que eu fazia em relação ao conteúdo e ao aspecto formal dos textos. Além disso, vários não tinham autonomia para o uso do livro, pois não conseguiam localizar página, seção, capítulo, parágrafo. Por essas dificuldades, pouco trabalhei com as atividades de reflexão e análise linguística. Era necessário um trabalho forte com leitura, escrita e reescrita. Foi o que procurei fazer com os sextos anos de 2010.

Em cada turma havia pelo menos um terço de alunos com muitas dificuldades, fato destacado por todos os professores que nelas trabalhavam, os quais foram unânimes em dizer que a maioria dos alunos queria copiar da lousa, do livro e ter as respostas prontas. Ou seja, não tinham a análise, a reflexão e a criação como práticas incorporadas.

Essa situação gerava muita indisciplina, muitos debates entre os professores a ponto de irmos conversar com as professoras dos ciclos I e II que trabalharam com tais alunos. Levávamos produções escritas, queríamos saber a avaliação que faziam daqueles textos muitas vezes indecifráveis7. Além disso, também lemos as fichas descritivas do ano anterior (5º ano) e, pelos registros, evidenciou-se um descompasso entre os modos de olhar e avaliar. Exemplo disso foi o fato de o 6º A ter sido apontado como a melhor turma pelos professores dos ciclos I e II, mas para os que trabalharam com a turma era a mais difícil, tanto que quando houve o pedido para atender estagiárias de Português solicitei uma intervenção nessa turma.

O final da intervenção foi uma dinâmica que procurava ouvir mais os alunos. Foi uma atividade realizada na quadra. Houve muita dispersão e poucos estavam dispostos a falar sobre si ou sobre o colega, conforme a dinâmica pedia. A insistência das estagiárias em saber de dados pessoais dos alunos, em querer que opinassem sobre seus colegas,

7 No caso, nenhum dos professores éramos aptos para trabalhar com alfabetização, daí a escolha do termo

“indecifráveis”. Para um profissional mais especializado, tais textos poderiam indicar um processo inicial de aquisição da escrita, o que, de qualquer forma, não deveria ocorrer após pelo menos seis anos de escolaridade.

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sobre si ou sobre a escola e, em contrapartida, o desvio do olhar, o interesse maior pelas brincadeiras que começavam a ocorrer foram extremamente reveladores. Era difícil atingi-los fosse com atividades didáticas, fosse com reflexões sobre si e a escola.

Outro dado que também me chamou atenção nas turmas foi o fato de haver vários alunos com defasagem em relação à idade-ano escolar; havia alunos com 13, 14, 15 anos, quando o esperado para o sexto ano são alunos entre 10-12 anos.

Alguns professores da rede têm em sua jornada um horário extraclasse para atender alunos com dificuldades em Português e Matemática. Lembro-me de que eu atendia o 6º B, a professora de História, o 6º A e a professora de Ciências, o 6º C. Trocávamos materiais e informações sobre os alunos atendidos, mas muitos dos convocados não compareciam. O foco de nosso trabalho era a escrita e a reescrita. Terminamos o ano com a sensação verbalizada de que não conseguimos avançar o mínimo esperado. A impressão era a de que o nosso trabalho havia sido em vão8.

Paralelamente a essa realidade vivenciada na EMEF, a Secretaria Municipal de Educação de Campinas (SME/Campinas) estava elaborando as diretrizes curriculares para os ciclos 3 e 4. Participei de dois seminários promovidos pela SME e muitas indagações me surgiram, pois constatava que o que o documento apresentava como modelo de organização adotado pela rede não ocorria na minha prática e na unidade escolar onde eu trabalhava. Isso, somado à situação que eu vivenciava com os sextos anos e à possibilidade de refletir sobre a passagem do quinto para o sexto ano (segundo para terceiro ciclo), levou-me a querer estudar o tema através de uma pesquisa de Doutorado.

Essa decisão veio na última semana de inscrição para o exame da FE/UNICAMP, de modo que a elaboração do projeto e do curriculum vitae, assim como a inscrição,

8Em 2012, assumi uma turma de 8º ano que concentrava alguns dos alunos dos 6ºs anos de 2010. Minha surpresa foi um dos alunos se lembrar de parte do que trabalhávamos nas aulas de reforço. Quando determinado aluno perguntou o que era moral de uma fábula, esse aluno disse, mais ou menos: “a gente viu isso no reforço da Dona, não lembra não?! É a lição que a história te dá. Eu cansava de ler e escrever fábula de novo... mudar personagem, mudar final, eu aprendi tudo isso aí...”. Essa situação remete a uma importante consideração de Banks-Leite (2007, p. 125-126) sobre uma aula de História, a qual eu retomo para relacionar a um tempo mais amplo como um ano letivo (ou dois ou três ou outros tantos!): “No espaço de uma aula, em alguns minutos, dificilmente se consegue apreender/captar novos significados já estabilizados [...]. Os efeitos desses novos sentidos não se restringem a um momento preciso e devem atuar em outros, posteriores ao término da aula, em condições que escapam, na maioria das vezes, ao controle do professor”.

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ocorreram nesse prazo apertado. Fui aprovada e novos desafios se apresentavam: conciliar a jornada de trabalho com os estudos e reelaborar o projeto de pesquisa.

2. Considerações sobre o objeto, a construção dos dados e o campo de pesquisa A ideia inicial era realizar um estudo de caso sobre como vem sendo implantado o sistema de ensino por ciclos, no Ensino Fundamental II, na rede municipal de Campinas/SP, com enfoque específico nas diretrizes curriculares elaboradas pela SME

versus a prática do ensino de Português.

O ingresso no Grupo de Pesquisa Pensamento e Linguagem (GPPL) apontou para um redirecionamento do olhar e, de certa forma, um redimensionamento das perguntas de pesquisa: em vez de partir do macro (políticas públicas) para o micro (escola), o ponto de partida passou a ser a observação da microesfera da sala de aula e do espaço da unidade escolar para, então, problematizar aspectos da macroesfera na qual se desenham as políticas públicas.

Nesse sentido, para desenvolver o objetivo geral desta pesquisa, a saber: os limites e as possibilidades do ensino de Português no ciclo 3, na rede municipal de Campinas/SP, foram desenvolvidos os seguintes objetivos específicos, os quais já apontam para os dados construídos9 e analisados:

· Descrição das trajetórias acadêmica e profissional da professora, bem como de sua inserção na EMEF pesquisada, destacando: i) planos de ensino; ii) recursos didáticos utilizados; iii) organização estrutural e funcionamento da escola; iv) configurações e transformações das turmas do ciclo 3 (6ºs ABC em 2011 e 7ºs ABC em 2012); v) discussões a respeito do sistema de ensino por ciclos.

· Descrição analítica das diretrizes curriculares lançadas pela SME/Campinas em 2010, considerando o histórico da rede no que diz respeito à elaboração de uma proposta curricular unificada, os atores envolvidos nesse processo, a fundamentação teórica do documento e o que propõe sobre o ensino por ciclos e o ensino de Português no ciclo 3.

9 Conforme Bourdieu (1987), os dados são sempre construídos, não existem a priori. Ou ainda Geertz

(2008, p. 07): “o que chamamos de nossos dados são realmente nossa própria construção das construções de outras pessoas, do que elas e seus compatriotas propõem”.

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· Análise de atividades de aula gravadas em vídeo, feitas em 2012, e que podem ser consideradas prototípicas do modo de abordar objetos de ensino de língua, das especificidades de cada turma, da interação professora ↔ alunos ↔ alunos ↔ recursos didáticos ↔ professora.

A opção por observar as três turmas se deve ao fato de serem as que compuseram o ciclo 3 no período aqui considerado e também porque a intenção inicial era investigar a dinâmica desse sistema de ensino; escolher uma turma para análise, a nosso ver, seria fragmentar. Além disso, tal observação contribui para mostrar a realidade prática do professor de Português na rede municipal de Campinas10, que trabalha com no mínimo três turmas para compor sua jornada. Também considerando a realidade prática e optando pela não-fragmentação, mostramos o trabalho didático com os quatro eixos do ensino de língua. Esse conjunto de dados procura evidenciar a complexidade do ensino de Português.

A perspectiva histórico-cultural será a base para analisar os dados desta pesquisa, uma vez que serão considerados: os contextos da sala de aula, da escola e das políticas públicas; a interação de cada turma entre si e com a professora; suas criações e elaborações em relação aos objetos de ensino de língua; o modo como os currículos oficiais consideram e afetam a realidade prática. A intenção é refletir sobre como essas práticas discursivas/espaços de ação social se desenvolvem, produzem significados, constituem e impactam os sujeitos aí envolvidos, no caso: alunos, professores e gestores da rede municipal de ensino de Campinas.

É possível definir esta pesquisa como sendo qualitativa de interesse interpretativista, pois serão feitas descrições e interpretações de maneira dialógica. Nesse tipo de pesquisa, a interdiscursividade, ou seja, a interlocução entre o pesquisador, o campo, os dados gerados e a fundamentação teórica que a sustenta, é algo bastante forte, o que quer dizer que para construirmos o nosso discurso e apresentarmos nossas conclusões serão considerados o interdiscurso e as condições histórico-culturais que

10É válido esclarecer que Campinas é uma cidade do interior de São Paulo, distante 100km da capital e

com aproximadamente 1.200.000 habitantes. É a décima cidade mais rica do Brasil, sendo considerada um polo industrial regional e o terceiro maior polo de pesquisa e desenvolvimento brasileiro (Dados extraídos do Wikipédia, acessado em 12/03/2015). O bairro onde se localiza a EMEF objeto desta pesquisa fica relativamente próximo às duas principais universidades da cidade. É um bairro da periferia com condições relativamente precárias, conforme mostraremos ao longo deste trabalho.

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envolvem o que está sendo pesquisado. Valemo-nos desta definição de Amorim (2004, p. 210) sobre sua própria pesquisa para delimitar a nossa:

O trabalho que segue não tem por pretensão a prova ou a demonstração dos argumentos e hipóteses já formulados. Ao invés disso, reivindica a dupla condição que é própria de toda presença do concreto e do singular no interior de uma pesquisa: a condição que dá forma ao debate e que ao mesmo tempo o mantém aberto e inacabado.

É possível também afirmar, com base em André (1995), que há características da pesquisa do tipo etnográfica neste trabalho, na medida em que: i) há um contato direto da pesquisadora com a situação pesquisada; ii) trazemos descrições sobre situações, pessoas, ambientes, diálogos; iii) enfatizamos o processo e não o produto; iv) procuramos mostrar a complexidade da prática educativa do ensino de Português, trazendo os vários sujeitos e fatores aí envolvidos, pois entendemos que “qualquer análise da escola centrada num único elemento do todo pedagógico vai se apresentar inevitavelmente incompleta, faltosa” (ANDRÉ, 1995, p. 77).

Além disso, com base em Charlot (2006, p. 9) e procurando delimitar a comunidade científica na qual se insere este trabalho, defino-me como uma pesquisadora “de educação”:

O pesquisador que se defina “de educação”, qualquer que seja sua origem acadêmica, se interessa fundamentalmente pela questão da educação; é isso que o leva a dar a importância, de um lado, à própria educação, naquilo que ela tem de específico, e, de outro lado, aos efeitos da pesquisa sobre a educação.

Conforme o autor, o pesquisador das Ciências da Educação deve se interessar tanto por questões políticas relacionadas à Educação quanto por questões práticas, pois esta é uma área de saber onde se imbricam conhecimentos de diferentes origens (o que a caracteriza como um campo inter- ou transdisciplinar) a fim de refletir sobre e considerar questões práticas e políticas.

Entendo que as questões de pesquisa apresentadas na seção anterior apontam para essa inevitável associação entre teoria e prática na tentativa não de respostas prontas, obviamente, mas de reflexões que ajudem a uma melhor compreensão sobre o quê/como/por quê determinadas configurações se dão na sala de aula de Português e,

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quiçá, acenem para sugestões de mudança, seja na microesfera da sala de aula e da escola, seja na macroesfera das políticas públicas.

Entendo também que teoria e prática estão imbricadas em função de meu lugar de professora das turmas em análise, o que me fez ser pesquisadora e também sujeito histórico de minha própria investigação, na qual minha identidade de pesquisadora esteve em constante construção. O que antes eu entendia como uma distinção necessária: “ação x pesquisa”, agora vejo como uma possibilidade de expansão das identidades: a professora afetando a pesquisadora e vice-versa. Para isso, as disciplinas cursadas na FE/Unicamp contribuíram muito ao possibilitar o acesso a conhecimentos das áreas de Política, Sociologia, Economia, Psicologia, História, Antropologia, Filosofia da Linguagem.

A seguir, apresentamos a organização que se fez dos capítulos desta tese a fim de que fosse possível o seu desenvolvimento, trazendo algumas certezas temporárias, as quais certamente não serão definitivas, mas trarão novas possibilidades de investigação/ interpretação, ou seja, novas atitudes responsivas.

3. Organização dos capítulos

O primeiro capítulo traz a fundamentação teórica para a definição de objetos e métodos desta pesquisa. Nele, inicialmente são apresentadas as ideias de Bourdieu (1987, 2004, 2008) sobre o fazer pesquisa sob o método rigoroso, pautado na reflexividade e na auto objetivação do pesquisador em relação ao campo no qual se insere e ao seu fazer científico, bem como na combinação de vários instrumentos para se gerar e analisar dados. Em seguida, são circunscritos os objetivos, objetos e sujeitos desta pesquisa, tendo como base: i) os pressupostos bourdiesianos; ii) a descrição densa, interpretativa e em busca de significados situados problematizada por Geertz (2008) e Malinowski (1976); iii) o fazer pesquisa em Ciências Humanas numa perspectiva dialógica, abordado principalmente a partir das obras de Amorim (2004) e Bakhtin (2003; 2004). Por fim, vêm apresentados pressupostos da perspectiva histórico-cultural, os quais serão a base para analisar as relações de ensino-aprendizagem aqui abordadas.

O segundo capítulo traz considerações sobre o ensino de Português na atualidade, sobre o meu modo de ensinar Português, além de uma descrição da EMEF objeto desta

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pesquisa, dos ciclos dentro da escola, do ensino de Português no ciclo 3 em 2011-12 e das especificidades de cada uma das três turmas para as quais lecionei. Será uma descrição analítica, uma vez que participo não apenas como pesquisadora dos ambientes e temas aqui problematizados. A intenção é pensar relacionalmente (BOURDIEU, 1987) os sujeitos e objetos de pesquisa. Além disso, refletir sobre a proposta para o ensino de Português, no ciclo 3, na EMEF será uma forma de objetivar modos de pensar sobre o quê/ como efetivar na/ a prática. Do mesmo modo que traçar considerações sobre a organização da escola permitirá refletir sobre os impactos dessa estrutura em relação à prática de ensino observada.

O terceiro capítulo traz um breve histórico sobre diretrizes curriculares e ensino por ciclos, seguido de uma análise sobre o que propõem as diretrizes curriculares divulgadas em 2010 pela SME/Campinas para o Ensino Fundamental II com foco no ensino por ciclos e no ensino de Português, tendo em vista o que consideram da realidade prática já existente e o que apresentam de novo, bem como o modo como trouxeram os professores para o diálogo durante sua elaboração.

O quarto capítulo traz a análise de dados gerados em sala de aula de Português, os quais vêm como uma forma de objetivação da prática didática da professora/ pesquisadora, privilegiam processos de interação da professora com cada turma e dos alunos entre si na apreensão dos objetos de ensino focalizados e possibilitam reflexões sobre a construção da prática didática, a organização das turmas e da escola, os materiais didáticos utilizados, a tensão entre as exigências curriculares externas e as possibilidades internas.

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Capítulo 1

“O que seria de nós sem as coisas que não existem” ou

Dos sentidos e significados para teoria, objeto e método

Neste capítulo, trazemos considerações sobre esta pesquisa, estendendo-nos em considerações a respeito do fazer pesquisa em Ciências Humanas e sobre as bases da perspectiva histórico-cultural. Tanto o fazer científico como as atividades didático-pedagógicas vêm definidos como “ofícios”.

1.1 A pesquisa como um ofício

O título parcial deste capítulo remete à peça de teatro criada pelo grupo Lume (http://www.youtube.com/watch?v=UrHvD2U49ug) que, baseando-se em depoimentos reais de antigos trabalhadores da fábrica de chapéus Cury de Campinas, conta a fantasia de três ex-chapeleiros e um jovem aprendiz que se reúnem com o objetivo de criar o

chapéu perfeito. Essa busca é entrecortada por depoimentos recolhidos de trabalhadores

aposentados e que ganham voz nas narrativas dos personagens em cena. A cada história contada, um chapéu vai sendo confeccionado. O resultado final de cada produção sempre acaba por agradar uns e desagradar outros, de modo que mantêm o já feito, mas envolvem-se numa nova, animada e dedicada busca pelo chapéu perfeito; assim envolvem-seguem até o final do espetáculo.

O paralelo dessa narrativa com o fazer desta tese (em especial deste capítulo, que busca delimitar objeto, fundamentação teórica e método) se dá por tomarmos a pesquisa como uma busca intensa, que demanda esforço, dedicação, refeituras, desajustes, onde se manifestam diferentes vozes, diferentes pontos de vista, diferentes apreciações valorativas (muitas vezes experimentadas pela própria pesquisadora) sobre um mesmo objeto e onde o sentido de acabado, conforme Bakhtin (2003), é dado pelo tratamento exaustivo dado ao tema e por uma finalização que abre possibilidades para atitudes responsivas dos interlocutores. Essa finalização é formal e temporária, pois o querer-dizer do locutor-pesquisador é amplo, não se esgota em um trabalho científico; por outro lado, há as especificidades do gênero em que se inscreve e é necessário delimitar, circunscrever, controlar objetos e perguntas de pesquisa.

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O fazer dos chapeleiros acima mencionado nos remete à definição de Bourdieu (1987), com a qual concordamos, da pesquisa como uma elaboração artesanal, um ofício nem um pouco místico, pois demanda esforço, minúcia e exige uma postura realista, racional. Um ofício no qual o temor e a angústia se fazem presentes, no qual se correm riscos, o pesquisador se expõe e deve evitar a armadilha do objeto pré-construído, pois o objeto de estudo se constrói no percurso de uma pesquisa; é ele quem demanda teorias e métodos para sua análise e compreensão. Conforme o autor:

A divisão “teoria”/ “metodologia” constitui em oposição epistemológica uma oposição constitutiva da divisão social do trabalho científico num dado momento (como a oposição entre professores e investigadores de gabinetes de estudos). Penso que se deve recusar completamente essa divisão em duas instâncias separadas, pois estou convencido de que não se pode reencontrar o concreto combinando duas abstrações.

Com efeito, as opções técnicas mais “empíricas” são inseparáveis das opções mais “teóricas” de construção do objeto (BOURDIEU, 1987, p. 24).

Essa ideia de que “o caminho se faz ao caminhar” vem como contraponto ao

modus operandi da perspectiva sistêmica/formalista/positivista de se fazer pesquisa nas

Ciências Humanas, cujos resultados apontam para uma aparente linearidade,

tranquilidade, facilidade, garantindo ao pesquisador o controle da situação e seu status.

Laymert Garcia dos Santos, em Desregulagens (1981) –obra fascinante, instigante, envolvente, cujo foco é a implantação de um projeto educacional no Rio Grande do Norte envolvendo o ITA, a NASA, o INPE e profissionais da Educação no desenvolvimento de sistemas de satélites que viabilizariam a divulgação de tele aulas a fim de formar professores e alunos, a qual acaba “abalando as estruturas” (no sentido dado por Thomas Kuhn, 2003) e tematizando, entre tantas outras coisas, o fazer científico, a ideia de desenvolvimento à época do regime militar no Brasil, nossa organização como nação e as imensas desigualdades que grassam a sociedade brasileira e que são desconsideradas pelo modelo de escola e projetos educacionais aqui implantados– faz uma severa crítica a esse tipo de pesquisa bem-sucedida demais para ser verdadeira, “onde um certo sujeito constrói um certo objeto a partir de um certo quadro teórico e de fatos observáveis, tenta situar os pontos cardeais, os núcleos” (SANTOS, 1981, p. 16). Segundo o autor, que é do campo da Sociologia, o motor de uma pesquisa são as hesitações, a inquietação, a dificuldade, sobretudo em se tratando de pensar a complexidade de temas sociais.

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Nesse mesmo sentido, Bourdieu (1987, p.18) afirma que “nada é mais universal e universalizável que as dificuldades. Cada um achará uma certa consolação no fato de descobrir que grande número das dificuldades imputadas em especial à sua falta de habilidade ou à sua incompetência, são universalmente partilhadas”. Sua crítica dirige-se também à prática do que define como homo academicus, aquele que gosta do trabalho

acabado, sem que sejam mostrados os percalços do processo de pesquisa e que se coloca

num pedestal, seja por fazer parte do universo universitário, seja pelo tema que estuda. É procurando subverter esse processo que Bourdieu (1987) propõe um modus

operandi (ou uma pedagogia de pesquisa, como ele chama) que inverta o modo de

abordar o objeto e, portanto, inverta o processo de pesquisa: em vez de partir do teórico para o concreto, o ponto de partida devem ser situações práticas. Sua intenção é desvencilhar-se da teoria pura e trazer o foco para a prática. Entretanto, nessa “ruptura epistemológica”, o pesquisador não pode desconsiderar totalmente o que se produziu antes e nem prescindir dos chamados “instrumentos da tradição douta”, caso contrário não passará de um simples amador que não conseguiu romper com o senso comum e “construir um objeto científico é romper com o senso comum” (BOURDIEU, 1987, p. 34).

Em Esboço para uma autoanálise (2004, p. 72-73), Bourdieu afirma que, para combater a ortodoxia nas Ciências Sociais, era necessário o empenho em investigações empíricas teoricamente inspiradas; sobre o campo contra o qual se insurge, diz: “a recusa da definição cientista da sociologia me levou a interessar-me pelos mundos sociais mais diversos”. Por isso, defende que, em vez da tradicional rigidez científico-positivista, deve se fazer presente, em íntima relação com o objeto de pesquisa, o rigor teórico e metodológico. “E o sacrifício que o método rigoroso exige é ainda maior...” (BOURDIEU, 1987, p. 48).

Sob tal método, o pesquisador deve assumir uma postura reflexiva que o leve a considerar sua história com o campo de pesquisa, bem como a história dos sujeitos que compõem o campo; essa prática é também denominada como sócio análise e deve ser constante, pois permite ao pesquisador uma tomada de consciência que pode ajudá-lo a controlar suas atitudes menos favoráveis. A ideia do autor é a de que o sujeito é o que é, para o bem e para o mal, em função de suas características sociais, escolares ou sexuais, mas, uma vez que tem consciência do que seja, é mais fácil controlar-se, isto é, controlar suas pulsões.

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Além disso, deve pensar relacionalmente, o que significa colocar os rótulos em suspensão, esquecer-se de definições apriorísticas para se pesquisar, tais como: “os negros”, “a escola”, “os jovens” e pensar os sujeitos de pesquisa em termos de agentes

sociais que trazem suas histórias, seu capital econômico, seus costumes,

inter-relacionam-se e, por isso, possibilitam a combinação de diferentes ferramentas para analisar os dados gerados. Em “Efeitos de lugar” (BOURDIEU, 2008, p. 160), o autor aprofunda essa definição quando afirma que “o espaço social se retraduz no espaço físico” e isso é marcado por práticas valoradas na relação do indivíduo com o todo. A relação é dada como uma categoria fundante e não como uma circunstância empírica, por isso deve estar sempre presente.

Por fim, no trabalho sob o método rigoroso, Bourdieu (1987, p.52) postula que, em vez de o pesquisador realizar a observação participante, colocando-se como um observador imparcial do contexto de pesquisa, sendo “ao mesmo tempo onipresente e ausente”, deve realizar a objetivação participante, a qual implica dar-se conta do lugar da pesquisa, do seu lugar na pesquisa, dos modos como a desenvolve e, portanto, das circunstâncias objetivas e subjetivas que permeiam tal prática.

Entretanto, como o homem que faz a pesquisa é movido pelo interesse, o que cria uma linha tênue entre a construção do objeto e a armadilha do objeto pré-construído, é necessário precaver-se para não sucumbir à parcialidade. Conforme Bourdieu (1987, p. 58), o sujeito pesquisador deve renunciar

à tentação de se servir da ciência para intervir no objeto, para se estar em estado de operar uma objetivação que não seja a simples visão redutora e parcial que se pode ter, no interior do jogo, de outro jogador, mas sim a visão global que se tem de um jogo passível de ser apreendido como tal porque se saiu dele.

É necessário, portanto, objetivar-se e objetivar os objetos, os dados, as categorias de análise. Tais procedimentos levariam ao “cume da arte sociológica”.

Em Esboço para uma autoanálise, obra que personifica o exercício da objetivação participante uma vez que, através da auto-objetivação, o autor procura explicar, compreender, aprofundar e sistematizar seu fazer científico, Bourdieu (2004, p. 50) critica o objetivismo distanciado, dizendo:

[eu] iria descobrir muito rapidamente que a etnologia, ou, pelo menos, a maneira específica de a conceber encarnada por Lévi-Strauss e que a sua metáfora do “olhar distanciado” sintetiza, permite também, de maneira bastante paradoxal, manter à

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distância o mundo social e mesmo “denegá-lo”, no sentido de Freud, e, deste modo, estetizá-lo.

Sua defesa é a de uma reflexividade permanente e prática, que se constitua em objetivação científica.

Procuramos nos orientar por esses conceitos para desenvolver esta pesquisa; arriscado será dizer que nos valemos do método rigoroso para desenvolvê-la, mesmo porque estamos na tentativa de romper com a rigidez de definir um método. Por isso, apropriamo-nos também de outros conceitos e orientações sobre o fazer pesquisa em Ciências Humanas, os quais vêm apresentados a seguir. A nosso ver, são conceitos e concepções teóricas que se aproximam em vários aspectos, ajudando-nos a compor este discurso, afinal, conforme Bakhtin (2003, p. 307), as Ciências Humanas “são pensamentos sobre pensamentos, vivências das vivências, palavras sobre palavras, textos sobre textos”. E mais:

A interpretação como correlacionamento com outros textos e reapreciação em um novo contexto (no meu, no atual, no futuro). [...] O texto só tem vida contando com outro texto (contexto). Só no ponto de contato de textos eclode a luz que ilumina retrospectiva e prospectivamente, iniciando dado texto no diálogo (BAKHTIN, 2003, p. 401).

1.2 O ofício desta pesquisa

O motor desta tese foi a tensão entre os fatos de eu ser professora e também pesquisadora n/das turmas, n/da EMEF, n/da rede de ensino em análise. Como já foi dito na Introdução, o desenho inicial da pesquisa, ainda que partisse de um problema situado em uma prática social concreta: o modo como se configurava a escola a partir da implantação do sistema de ciclos, reproduzia uma pesquisa mais alinhada a um modus

operandi que me distanciaria das angústias vivenciadas em sala de aula – as quais de fato

me impulsionaram ao retorno aos estudos acadêmicos – pois teria o foco em prescrições curriculares oficiais recém lançadas e entrevistas com professores e gestores da escola e coordenadores pedagógicos da SME/ Campinas a respeito do modo como entendiam e agiam nesse novo contexto.

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