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Coordenação intragovernamental dos agentes fiscais na avaliação da qualidade do serviço de transporte aquaviário no Brasil

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

FACULDADE DE ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO,

CONTABILIDADE E GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS - FACE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO -

PPGA

COORDENAÇÃO INTRAGOVERNAMENTAL DOS AGENTES FISCAIS NA AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DO SERVIÇO DE TRANSPORTE

AQUAVIÁRIO NO BRASIL Rodolpho Vasconcellos

Orientadora: Profa. Dra. Suylan de Almeida Midlej e Silva

Brasília/DF

2019

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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

FACULDADE DE ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO, CONTABILIDADE E GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS - FACE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO - PPGA

COORDENAÇÃO INTRAGOVERNAMENTAL DOS AGENTES FISCAIS NA AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DO SERVIÇO DE TRANSPORTE

AQUAVIÁRIO NO BRASIL Rodolpho Vasconcellos

Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade de Brasília como requisito parcial à obtenção do grau de Doutor em Administração.

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FICHACATALOGRÁFICA

SV331c Silva de Vasconcellos, Rodolpho Emerson Coordenação intragovernamental dos agentes fiscais na avaliação da qualidade do serviço de transporte aquaviário no Brasil / Rodolpho Emerson Silva de Vasconcellos; orientador Suylan de Almeida Midlej e Silva. -- Brasília, 2019. 219 p.

Tese (Doutorado - Doutorado em Administração) -- Universidade de Brasília, 2019.

1. Serviços Públicos. 2. Papel Regulador do Estado. 3. Transporte. 4. Teoria da Agência. 5. Coordenação

Intragovernamental. I. de Almeida Midlej e Silva, Suylan, orient. II. Título.

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iv

AGRADECIMENTOS

Agradeço principalmente a três mulheres inspiradoras: a minha mãe, Maria José, cujo nome simples não a brecou de se tornar a mulher mais forte que conheço; a minha esposa, Renata, que me acompanha há mais de uma década com muito amor e carinho; e a minha orientadora nesse doutoramento, Suylan Midlej, que aceitou o desafio de orientar um forasteiro com algumas ideias embaralhadas no bolso e muita vontade de aprender.

Gostaria também de agradecer a alguns professores do PPGA muito importantes nessa jornada: aos professores Ricardo Gomes e Adalmir de Oliveira Gomes, pelo apoio ao meu projeto de realização de doutoramento sanduíche no exterior. Aprendi muito com todos os professores, porém, sinto-me no dever de destacar o acolhimento que recebi des-ses professores.

Aos integrantes da banca que qualificação também fica o meu muito obrigado. Cláudia Passador, Edson Guarido e Antônio Sérgio, as recomendações que vocês teceram naquela tarde ecoaram em meus ouvidos várias vezes durante a produção da tese e me ajudaram a me manter firme em meu propósito. Quão importantes para um doutorando são frases como “confie no que você observar em campo” ou “você tem um bom tema de pesquisa”!

Agradeço também à professora Cláudia Avellaneda, que me recebeu como pes-quisador visitante na Universidade de Indiana, Estados Unidos. Foram tempos de muito aprendizado e de reconstrução de ideias.

Preciso também agradecer aos participantes da pesquisa, que toparam gastar algu-mas horas de suas vidas com a construção do conhecimento no campo da Administração Pública.

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v

RESUMO

Aos fiscais do Estado regulador brasileiro cumpre o dever de avaliar a qualidade dos serviços de transportes interestaduais de passageiros pelas hidrovias brasileiras. Esses serviços são prestados pela inciativa privada, com regulamentação e supervisão exercida pelo órgão regulador federal. A legislação e os normativos em vigor que regulam o setor, em especial a Resolução nº 912-ANTAQ de 2007, dispõem que os usuários devem rece-ber um serviço adequado. No entanto, seja em lei, seja nos normativos regulamentadores do setor aquaviário, não são expressos os níveis de qualidade esperados das empresas brasileiras de navegação e das embarcações que transportam passageiros em rotas inte-restaduais ou internacionais pelas hidrovias amazônicas. Assim, o contexto de implemen-tação da política é de baixa definição formal ou, em relação a alguns atributos, de ausência de parâmetros objetivos de aferição da qualidade do serviço. Nesse sentido, a etapa de implementação dessa política é marcada por preferências problemáticas de que tratou Zahariadis (2014), conceito que se refere à dinamicidade dos interesses dos policy makers ou da falta de transparência ou clareza dessas preferências. Guardando-se as terminolo-gias basilares do marco teórico utilizado na pesquisa, a Teoria da Agência, pode-se afir-mar que as relações de agência estabelecidas entre os burocratas de médio escalão (ge-rentes lotados em Brasília e chefes de unidades regionais) e os burocratas de nível de rua (agentes fiscais) podem ser marcadas por informações incompletas (incomplete

informa-tion), além de interesses divergentes (divergent interests) e objetivos conflitantes (goal conflict). A pesquisa demonstrou que, apesar de a legislação e da Resolução nº

912-ANTAQ de 2007 serem lacunares em relação aos aspectos práticos da noção de serviço adequado, os outputs fiscalizatórios guardam entre si uma relativa coesão, que é produto da coordenação dos agentes. Essa coordenação ocorre tanto de forma tácita, entre agentes públicos em suas relações diárias, quanto deliberadamente, por meio da institucionaliza-ção de regras e procedimentos pela gerência de médio escalão da agência. Esta pesquisa apresentou quais instrumentos operam essa coordenação e demonstrou quão eficazes são esses instrumentos na homogeneização da agenda dos fiscais e seus gestores quanto ao que é importante de ser observado durante a avaliação da qualidade do serviço. A coleta de dados foi realizada por meio de pesquisa documental, observação participante, questi-onário e entrevistas. Triangularam-se dados qualitativos e quantitativos. Mais de 65% dos fiscais federais que atuam na Região Amazônica participaram da pesquisa. A análise dos dados coletados foi realizada utilizando o software livre R Project, por meio de estatística descritiva e análise de conteúdo.

Palavras-chave: Serviços Públicos. Papel Regulador do Estado. Transporte. Teoria da

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vi

ABSTRACT

The Brazilian law enforcement officers of the federal government are in charge of evaluating the quality of the interstate waterborne transport of passengers. These services are provided by the private sector, while regulated and supervised by the State. The leg-islation and regulations in force, in particular Resolution 912-ANTAQ of 2007, establish that users should receive an adequate service. However, neither the law nor the regula-tions of the waterway industry prescribe the expected quality levels of the service by shipping companies and their vessels transporting passengers on interstate or international routes along the Amazon basin. Thus, the context of implementation of the waterborne transport of passengers is of low formal definition or, regarding some attributes, of ab-sence of objective parameters of measurement of the quality of the service. In this sense, the implementation phase of this policy is marked by problematic preferences, as ad-dressed by Zahariadis (2014), who points out that this concept refer to the dynamicity of the interests of policy makers or the lack of transparency of these preferences. Keeping the basic terminology of the theoretical framework used in the research, the Agency The-ory, it can be said that the agency relations established between the mid-level bureaucrats (the managers settled in Brasilia and the heads of regional units) and the street level bu-reaucrats (law enforcement officers) may be marked by incomplete information, as well as divergent interests and goal conflict. However, the research showed that, although the legislation and the regulation of the sector present gaps on the practical aspects of the service quality audits, the inspections’ outputs are relatively cohesive due to coordination. This coordination occurs both tacitly, among public agents in their daily relations, and deliberately, by the mid-level management of the federal regulatory agency through the institutionalization of rules and procedures. This research presented which instruments operate this coordination and demonstrated how effective these instruments are in equal-izing the agenda of the law enforcement officers and their managers as to what is im-portant to be observed during the quality inspections. Data was collected by documentary research, participant observation, surveys and interviews. Qualitative and quantitative data were triangulated. More than 65% of federal law enforcement officers operating in the Amazon region participated in the survey. The collected data was examined using R Project, using inferential statistics and content analysis.

Keywords: Public Services. Regulatory Role of the State. Transport. Agency Theory.

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vii

FIGURAS

Figura 1 – Variável dependente e variáveis independentes... 21

Figura 2 – Quatro formas de avaliação conforme origens dos parâmetros... 24

Figura 3 – Descentralização de entidades do setor e poder normativo da Agência... 75

Figura 4 – Desconcentração administrativa da Antaq... 76

Figura 5 – Percepções quanto à clareza da Resolução nº 912-ANTAQ... 87

Figura 6 – Desconcentração administrativa da Superintendência de fiscalização... 95

Figura 7 – Fluxograma de uma atividade fiscalizatória... 100

Figura 8 – Fluxograma de um processo administrativo sancionador típico... 100

Figura 9 – Socialização como variável independente...104

Figura 10 – Quantidade de itens na agenda de observação dos fiscais... 105

Figura 11 – Quantidade de itens na agenda de observação dos gestores... 106

Figura 12 – Quantidade de itens na agenda de observação dos fiscais, por atributo... 106

Figura 13 – Quantidade de itens na agenda de observação dos gestores, por atributo... 107

Figura 14 – Ranking dos atributos do serviço adequado considerados mais importantes para os fiscais e gestores... 108

Figura 15 – Relações principal-agente – Higiene... 110

Figura 16 – Itens que configuram agressão ao atributo higiene... 112

Figura 17 – Relações principal-agente – Conforto... 113

Figura 18 – Itens que configuram agressão ao conforto do passageiro... 116

Figura 19 – Relações principal-agente – Habitabilidade... 118

Figura 20 – Itens que configuram agressão à habitabilidade da embarcação... 120

Figura 21 – Percepções quanto à necessidade de especificação de atributos do serviço adequado... 123

Figura 22 – Relações principal-agente – Segurança... 124

Figura 23 – Relações principal-agente – Atualidade... 128

Figura 24 – Relações principal-agente – Preservação do meio ambiente... 130

Figura 25 – Relações principal-agente – Cortesia... 133

Figura 26 – Relações principal-agente – Regularidade... 134

Figura 27 – Relações principal-agente – Modicidade tarifária... 135

Figura 28 – Relações principal-agente – Generalidade... 138

Figura 29 – Relações principal-agente – Eficiência... 142

Figura 30 – Relações principal-agente – Pontualidade e continuidade... 145

Figura 31 – Atrasos que configuram agressão à pontualidade da embarcação... 147

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viii

QUADROS

Quadro 1 – Treze atributos do serviço adequado em transporte aquaviário longitudinal de

passageiros e misto na navegação interior interestadual... 15

Quadro 2 – Infrações quanto à qualidade do serviço com baixo nível de objetividade... 16

Quadro 3 – Relações Agente-Principal exploradas na literatura acadêmica... 31

Quadro 4 – Revisão da metodologia aplicada na literatura sobre teoria agente-principal publicada em periódicos nacionais de primeira linha (≥ Qualis Capes B1)... 58

Quadro 5 – Roteiro das Entrevistas com os gestores de médio escalão... 70

Quadro 6 – Procedimentos metodológicos de acordo com os objetivos específicos...72

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ix

TABELAS

Tabela 1 – Artigos mais citados nos 83 periódicos nacionais e internacionais pesquisados

... 46

Tabela 2 – Livros mais citados nos 83 periódicos nacionais e internacionais pesquisa-dos... 47

Tabela 3 – Quantidade de servidores (ERSTAs, TRSTAs e Chefes da URE) lotados nas unidades administrativas relevantes... 62

Tabela 4 – Amostra de participantes da pesquisa... 67

Tabela 5 – Quantidade de itens constantes do questionário... 68

Tabela 6 – Tempo de lotação dos servidores... 77

Tabela 7 – Formação dos servidores... 77

Tabela 8 – Distribuição dos servidores por faixa etária... 78

Tabela 9 – Distribuição dos servidores por sexo... 78

Tabela 10 – Tempo dos servidores na Região Amazônica... 78

Tabela 11 – Uso pelo servidor de serviços de transportes aquaviários dentro do estado em que reside... 79

Tabela 12 – Uso pelo servidor de serviços de transportes aquaviários interestaduais... 79

Tabela 13 – Uso pelo servidor de serviços de transportes aquaviários para fora do país...79

Tabela 14 – Percentual de usuários por faixa etária... 80

Tabela 15 – Percentual de usuários por escolaridade... 80

Tabela 16 – Percentual de usuários em relação à renda familiar... 81

Tabela 17 – Percentual de frequência de viagem dos usuários... 81

Tabela 18 – Tolerância máxima, em horas, para caracterização de desvios em relação ao horário programado de saída e o horário praticado... 93

Tabela 19 – Frequência de percepções sobre o tema higiene... 112

Tabela 20 – Frequência de percepções sobre conforto... 117

Tabela 21 – Frequência de percepções sobre o tema habitabilidade e conforto... 122

Tabela 22 – Percepção dos servidores sobre o tema segurança... 127

Tabela 23 – Percepção dos servidores sobre o tema atualidade... 129

Tabela 24 – Percepção dos servidores sobre o tema preservação do meio ambiente... 131

Tabela 25 – Percepção dos servidores sobre o tema modicidade tarifária... 136

Tabela 26 – Percepção dos servidores sobre o tema generalidade... 140

Tabela 27 – Percepção dos servidores sobre o tema eficiência... 143

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LISTADEABREVIATURASESIGLAS

Anac Agência Nacional de Aviação Civil ANP Agência Nacional do Petróleo Ancine Agência Nacional do Cinema ANA Agência Nacional de Águas AA Analista administrativo

Antaq Agência Nacional de Serviços de Transportes Aquaviários Antt Agência Nacional de Serviços de Transportes Terrestres CEO Diretor executivo

CPH Companhia de Portos e Hidrovias do Estado do Pará DAC Departamento de Aviação Civil

Enap Escola Nacional de Administração Pública

ERSTA Especialista em regulação de serviços de transportes aquaviários GFN Gerência de Fiscalização da Navegação

GPF Gerência de Planejamento e Inteligência da Navegação Inmetro Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia Mdic Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior MMA Ministério do Meio Ambiente

Mapa Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento Normam Norma da Autoridade Marítima

PAF Plano Anual de Fiscalização

Ppga Programa de Pós-graduação em Administração RAM Modelo do ator racional

RDC Resolução de Diretoria Colegiada ROD Reunião Ordinária de Diretoria SFC Superintendência de Fiscalização TA Técnico administrativo

TCA Transaction Cost Analysis TCE Transaction Cost Economics TCU Tribunal de Contas da União

TRSTA Técnico em regulação de serviços de transportes aquaviários URE Unidade Regional

UREMN Unidade Regional de Manaus UREPV Unidade Regional de Porto Velho UREBL Unidade Regional de Belém

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO... 12

1.1 Noção legal e normativa de serviço adequado... 14

1.2 Avaliação da qualidade dos serviços de transportes como ação fiscalizatória... 18

1.3 Pressuposto de pesquisa... 21 1.4 Pergunta de pesquisa... 26 1.5 Objetivos de pesquisa... 27 1.6 Justificativas... 27 2 REFERENCIAL TEÓRICO... 29 2.1 Teoria agente-principal... 30

2.1.1 Estudos centrais da Teoria agente-principal... 46

2.2 Coordenação intragovernamental...49

3 MÉTODO... 55

3.1 População e amostra da pesquisa... 61

3.2 Procedimentos metodológicos... 63

3.2.1 Pesquisa documental... 63

3.2.2 Observação participante... 64

3.2.3 Questionário... 67

3.2.4 Entrevistas semi-estruturadas... 69

3.3 Tratamento e análise dos dados... 73

4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS... 73

4.1. Múltiplas relações agente-principal no setor de transportes aquaviários... 74

4.2. Perfil dos participantes – quem são os fiscais e gestores? ... 77

4.3. Mecanismos de coordenação intragovernamental previstos... 82

4.3.1 Discricionariedade dos agentes públicos na avaliação da qualidade dos serviços de transportes aquaviários... 82

4.3.2 Programação das atividades... 88

4.3.3 Sistemas de informação... 95

4.3.4 Sistemas de controle... 98

4.3.5 Socialização ... 101

4.4. Eficácia dos mecanismos de coordenação intragovernamental... 105

4.4.1 Agenda de observação do fiscal e agenda do gestor... 105

4.4.2 Higiene... 108

4.4.3 Conforto... 113

4.4.4 Habitabilidade... 117

4.4.5 Segurança... 124

4.4.6 Atualidade... 128

4.4.7 Preservação do meio ambiente... 130

4.4.8 Cortesia... 132 4.4.9 Regularidade... 134 4.4.10 Modicidade tarifária... 135 4.4.11 Generalidade... 137 4.4.12 Eficiência... 140 4.4.13 Continuidade e pontualidade... 144

5 SÍNTESE DOS RESULTADOS... 148

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS... 153

REFERÊNCIAS... 158

APÊNDICES... 173

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12 1 Introdução

Os Estados-Nação podem ser entendidos, sob uma perspectiva administrativa, como orga-nizações, que contêm personalidade jurídica, fins ou propósitos específicos e indivíduos ou equipes que, coordenados, realizam as atividades necessárias para atingir esses fins. Entre os fins de um Estado Nacional, tem-se a prestação dos serviços de transporte, para satisfazer as demandas de mobilidade de pessoas, mercadorias e outros serviços.

No caso do Estado Nacional brasileiro, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu que os serviços de transporte aquaviário interestadual e internacional de passageiros são competência da União, que pode explorá-los diretamente ou delegá-los ao setor privado (Brasil, 1988). A partir dos anos 1990, o poder público se afastou gradualmente da provisão direta dos serviços públicos, como o transporte e as telecomunicações, transferindo para a iniciativa privada atividades que, até então, o Estado desempenhava seja de forma exclusiva ou em regime de concorrência.

A partir desse movimento de afastamento relativo por parte do Estado da prestação de parte dos serviços públicos, surgiu o que se chama de Estado Regulador (Seidman & Gilmour, 1986). O Estado é considerado regulador ao se afastar da provisão direta dos serviços, mas segue com a competência de criar regras para o exercício dessas atividades públicas pelos entes não estatais. Assim, o Estado segue com o papel de promover políticas interventivas ou regulatórias — por meio de ações normatizadoras e indutoras do setor privado —, que visam à defesa do interesse público e à sustentabilidade do mercado regulado. Entre as atividades de defesa do interesse público, o legislador brasileiro (Brasil, 1995, 2001) encarregou ao Estado (Poder Concedente) o dever de zelar, nos termos da lei, pela qualidade dos serviços públicos de transportes.

No caso brasileiro, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários —Antaq, é poder con-cedente das outorgas de autorização da prestação de serviço de transporte aquaviário (Brasil, 2001). A essa agência cumpre o dever de "implementar, nas respectivas esferas de atuação, as políticas formuladas pelo Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte, pelo Ministério dos Transportes e pela Secretaria de Portos da Presidência da República, nas respectivas áreas de com-petência" (Brasil, 2001). Como uma agência reguladora federal, implementadora das políticas for-muladas pela administração direta, é seu papel propor e promover as políticas interventivas ou regulatórias, visando atingir os objetivos estabelecidos por aqueles entes.

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13 políticas por meio da provisão de dois tipos de serviços: serviços regulatórios e serviços fiscali-zatórios. Serviços regulatórios podem ser entendidos como as ações e atividades que envolvem a edição dos atos normativos, fundados em poder normativo conferido a essas agências. Nesses atos normativos, as agências definem, por exemplo, os requisitos técnicos, econômico-financeiros e jurídico-fiscais para que os interessados em atuar no setor regulado possam receber a outorga de autorização para fazê-lo. Também estão definidas nesses atos normativos certas condições para que esse ente continue operando no mercado, além do estabelecimento de sanções, inclusive pecu-niárias, para as desconformidades apresentadas durante a condução do serviço. Nesse cenário, entra o segundo serviço essencial de uma agência reguladora: o serviço fiscalizatório.

No caso da Antaq, segundo sua Carta de Serviços ao Cidadão (Agência Nacional de Trans-portes Aquaviários, 2015a, p.39), os serviços fiscalizatórios do transporte aquaviário interestadual regular de passageiros compreendem:

Verificar por meio de ação fiscalizatória, regular ou extraordinária, o fiel cumprimento das nor-mas e ao instrumento de autorização no que se refere:

(a) À manutenção das condições essenciais da outorga; (b) À prestação do serviço adequado; e

(c) Às normas de segurança e de proteção do meio ambiente.

A Carta de Serviços da Antaq reflete as competências legais e deveres conferidos pelo le-gislador brasileiro (Brasil, 1995, 2001) ao órgão. No que tange ao item b da carta acima exposto, que apresenta os serviços de fiscalização da qualidade dos serviços de transporte, a Antaq exerce o seu dever legal de tutelar o direito do usuário de receber serviços de transportes adequados.

Mas o que é um transporte público de qualidade? Essa pergunta direcionada para um grupo qualquer de usuários do serviço revelaria inúmeras e diferentes respostas. Natural que cada indiví-duo, por suas idiossincrasias ou subjetividades, apresente respostas diversas para essa pergunta. No entanto, quando se realiza o mesmo questionamento para os representantes do Estado responsáveis pelo planejamento ou pela implementação de políticas públicas de transporte, em tese, não há muito espaço para divergências patentes, uma vez que os agentes públicos agem e se pronunciam em nome do Estado (Meirelles, Burle Filho, & Burle, 2016; Mello, 2003).

A aferição da qualidade dos serviços de transportes aquaviários pela Antaq tem fundamen-talmente como referência legal o previsto na Lei nº 8.987/1995. A seção a seguir apresenta os atributos de um serviço adequado previstos nessa Lei, bem como os aspectos normativos em rela-ção a esses atributos.

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14

1.1 Noção legal e normativa de serviço adequado

A Lei federal nº 8.987/1995 dispõe que o serviço público executado pelo setor privado "pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabe-lecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato" (Brasil, 1995). Nela, o conceito de serviço adequado evoca a noção de que o serviço prestado deve garantir um nível mínimo de qualidade esperada. Segundo a Lei nº 8.987/1995 "serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua pres-tação e modicidade das tarifas" (Brasil, 1995, grifos nossos).

Nota-se, portanto, que a Lei nº 8.987/1995 elencou oito itens ou atributos para que um ser-viço público seja considerado adequado: ser um serser-viço regular, contínuo, eficiente, seguro, atual (com técnicas e equipamentos modernos), de assistência geral (atendimento sem discriminação a todos que se situem na área abrangida pelo serviço), com cortesia na sua prestação e tarifas módi-cas.

Além desses oito atributos, a lei de criação da Antaq, Lei nº 10.233/2001, elencou como objetos de atenção da Antaq, a garantia de que a movimentação de pessoas e bens nos transportes aquaviários se dê com conforto e pontualidade e, também, estabeleceu como um princípio geral que a prestação do serviço de transporte aquaviário deve ser compatibilizada com a preservação do meio ambiente (Brasil, 2001).

Além desses onze atributos expressamente estatuídos nas duas principais Leis que regem a noção de serviço adequado em transportes aquaviários, a Resolução nº 912-ANTAQ de 2007 (que trata especificamente do serviço de transporte de passageiros e misto1 na navegação interior de

percurso longitudinal2 interestadual e internacional) adicionou mais dois conceitos a esse rol: a

higiene, habitabilidade (Antaq, 2007). O Quadro 1 resume os treze atributos do serviço adequado em transportes aquaviários longitudinal de passageiros na navegação interior, de acordo com os três principais documentos de referência associados ao conceito de serviço adequado nesse mer-cado.

1 “O transporte misto é o transporte de passageiros e de cargas na mesma embarcação” (Antaq, 2007).

2 “Navegação interior de percurso longitudinal: a realizada ao longo de rios, lagos e canais, em percurso interestadual

ou internacional, entre portos dos Estados da Federação e entre o Brasil e países vizinhos, quando portos nacionais e internacionais integrem vias fluviais comuns” (Antaq, 2007).

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15 Quadro 1: Treze atributos do serviço adequado em transporte aquaviário

longitudinal de passageiros e misto na navegação interior interestadual

Atributo Principal Base Legal/Normativa

Regularidade Lei nº 8.987/1995, Art. 6º, § 1º

Continuidade Lei nº 8.987/1995, Art. 6º, § 1º e 3º

Eficiência Lei nº 8.987/1995, Art. 6º

Segurança Lei nº 8.987/1995, Art. 6º

Atualidade Lei nº 8.987/1995, Art. 6º, § 1º e 2º

Generalidade Lei nº 8.987/1995, Art. 6º

Cortesia Lei nº 8.987/1995, Art. 6º

Modicidade tarifária Lei nº 8.987/1995, Art. 6º

Preservação do meio ambiente Lei nº 10.233/2001, Art. 11º, V

Pontualidade Lei nº 10.233/2001, Art. 20º, II, a

Conforto Lei nº 10.233/2001, Art. 20º, II, a

Higiene Resolução nº 912-ANTAQ

Habitabilidade Resolução nº 912-ANTAQ

Fonte: Elaborado pelo autor

Exercendo seu papel normatizador e regulador, cabe à Antaq pormenorizar, o quanto pos-sível, cada um dos atributos do serviço adequado dispostos nas Leis nº 8.987/1995 e nº 10.233/2001, por meio da edição de Resoluções. Assim, a Antaq editou a Resolução nº 912-ANTAQ, de 2007 (Anexo A), que, como dito acima, trata do serviço de transporte de passageiros e de serviço de transporte misto na navegação interior de percurso longitudinal interestadual e in-ternacional. Nela, a agência dispõe sobre dos requisitos técnicos, econômico-financeiros e jurídico fiscais para que o interessado possa receber a outorga de autorização para operar em trechos hidro-viários que cruzem mais de um estado-membro da federação brasileira ou que atinjam os países limítrofes do Brasil, por meio necessariamente das hidrovias interiores do país.

Verificou-se, em pesquisa exploratória realizada na Resolução nº 912-ANTAQ de 2007, conjugada com as Leis nº 8.987/1995 e nº 10.233/2001, que os conceitos abstratos componentes da noção de serviço adequado foram pouco detalhados na Resolução nº 912-ANTAQ de 2007, apesar de alguns deles terem sido caracterizados na Lei de referência. É o caso da continuidade. Apesar de a Resolução nº 912-ANTAQ de 2007 não ter caracterizado em quais situações um ser-viço deve ser considerado como (des)contínuo, a Leis nº 8.987/1995 assim o fez:

Art. 6º. § 3º Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando:

I - motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações; e,

II - por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade (Brasil, 2001).

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16 do serviço adequado constantes na legislação de referência, a Resolução nº 912-ANTAQ de 2007 apresentou 34 ações ou omissões da empresa de navegação autorizada, que, caso ocorram no caso concreto, são caracterizadas como infrações, passíveis de sanções, inclusive pecuniárias.

Porém, o regramento é menos objetivo em relação a outras infrações. É o caso, por exemplo, do art. 20, inciso XVI da norma: “Deixar de manter as embarcações em tráfego em condições de habitabilidade e de adequado atendimento às necessidades de higiene e de conforto dos usuários”. Argumenta-se que o uso na norma de conceitos abstratos como habitabilidade, higiene e conforto seguidos de baixa definição formal em relação ao seu método de aferição (baixo nível de objetivi-dade), conferem ao fiscal elevado grau de arbítrio. O Quadro 2 apresenta as principais infrações nessa condição dispostas na Resolução nº 912-ANTAQ de 2007.

Quadro 2: Infrações quanto à qualidade do serviço com baixo nível de objetividade

Base

Normativa Infração Atributo Nível de Objetividade na Resolução nº

912-ANTAQ de 2007 Art. 20,

XVI

Deixar de manter as embarcações em tráfego em condições de ha-bitabilidade e de adequado atendimento às necessidades de higiene e de conforto dos usuários.

Habitabilidade, Higiene e Conforto Baixo Art. 20, XXI

Deixar de prestar o serviço autorizado em conformidade com os padrões estabelecidos de regularidade, eficiência, segurança, aten-dimento ao interesse público, generalidade, pontualidade, con-forto, cortesia na prestação dos serviços, modicidade nas tarifas e nos fretes e preservação do meio ambiente.

Todos Baixo

Fonte: Elaborado pelo autor, adaptado da Resolução no 912-ANTAQ, Capítulo V, Seção II - Das Infrações.

No Quadro 23, destaca-se o inciso XXI do artigo 20, uma vez que se trata de uma infração

tipificada na Resolução nº 912-ANTAQ de 2007 do tipo "guarda-chuva". Em consulta à norma, observou-se, por exemplo, que em nenhum outro inciso além do XXI do artigo 20 apresentou tipi-ficações acerca da atualidade da frota ou da preservação ao meio ambiente. Sendo assim, caso o fiscal entenda que a empresa de navegação empregou embarcações não atuais ou atentou contra o meio ambiente, esse será o inciso normativo utilizado para enquadrar a desconformidade.

Essa característica "guarda-chuva" do inciso XXI do artigo 20 também confere a possibili-dade de utilizá-lo em casos não expressamente tipificados. Um exemplo seria uma empresa de navegação com alto índice de reclamações na Ouvidoria da Agência ou no Procon. Uma vez que a eficiência se encontra mencionada nesse inciso, essa pode ser a tipificação de infração utilizada

3 O Quadro 2 é um extrato do Apêndice A, cujo procedimento metodológico de sua construção, durante pesquisa

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17 pelos fiscais. O mesmo ocorre, por exemplo, no caso de alto ruído das embarcações em rota — música alta durante a noite —, o que pode incomodar a parcela dos usuários e vir a ser objeto de denúncia à agência. Esse pode ser o inciso a ser utilizado para tipificar a infração.

No entanto, reitera-se que a Resolução nº 912-ANTAQ, em grande parte, foi silente em relação às métricas ou parâmetros de avaliação dos atributos do serviço adequado. Por exemplo, em relação à cortesia no atendimento da empresa, não foram criados indicadores da quantidade máxima de reclamações na Ouvidoria da Agência ou no Procon, tampouco níveis ou métricas acei-táveis de ruído das embarcações (em período diurno ou noturno). Em relação à atualidade da frota, não foi apontada, por exemplo, uma idade máxima das embarcações empregadas nas rotas. Tam-pouco restou normatizado, por exemplo, níveis objetivos de aferição da higiene ou habitabilidade das embarcações. Portanto, em muitos casos, a Resolução nº 912-ANTAQ de 2007 não apresentou indicadores objetivos para orientar os fiscais em atividade fiscalizatória.

Observa-se, por meio do Quadro 2, que a opção do órgão regulador, em relação a certos casos, foi de tipificar na Resolução nº 912-ANTAQ as condutas infracionais previstas principal-mente nas Leis nº 8.987/1995 e nº 10.233/2001, passando o juízo da adequação do serviço para a burocracia estatal.

Em Administração Pública, a discussão sobre juízo de valor dos agentes remete à discrici-onariedade do servidor público. Calvert, McCubbins e Weingast (1989) dispõem que a noção di-fundida de discricionariedade se refere à "desvinculação das decisões do agente das posições esta-belecidas entre o Executivo e Legislativo quando da delegação das atividades". Acrescenta, ainda, que "quando a informação disponível é ruim e os objetivos são pouco claros, há espaço para dis-cricionariedade do agente" (Calvert et al., 1989, p. 589, tradução nossa).

Desde já, destaca-se que não serão objeto desta pesquisa a verificação e o apontamento de desvios de conduta fiscalizatória, como a prevaricação ou a desídia administrativa, um problema de agência identificado na literatura especializada como aversão aos esforços (effort aversion) (Le-vinthal, 1988; Nilakant & Rao, 1994). O interesse de pesquisa reside na compreensão de outro problema de agência, que é a divergência de preferências entre membros das organizações (Eise-nhardt, 1985, 1989). Segundo Eisenhardt (1989, p. 58, tradução nossa) um dos problemas de agên-cia "surge quando a) os desejos e objetivos do principal e agente conflitam e b) é difícil ou caro para o principal verificar o que o agente está realmente fazendo".

Nesse sentido, esta pesquisa pretende analisar as possíveis diferenças de agenda entre os servidores fiscais e a gerência de médio escalão, bem como dos servidores fiscais entre si, no que

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18 tange à avaliação qualidade do serviço de transportes. Assim, o objeto desta pesquisa são os balu-artes da atividade de avaliação da qualidade do serviço realizada em ambiente regulatório estatal brasileiro.

A subseção seguinte explicita o alcance da expressão avaliação qualidade do serviço, quando atrelado ao contexto das rotinas fiscalizatórias em agências reguladoras.

1.2 Avaliação da qualidade dos serviços de transportes como ação fiscalizatória

As agências reguladoras são criadas para realizar diferentes atividades de interesse público. A Agência Nacional do Petróleo (ANP), por exemplo, foi criada para regular atividades econômi-cas sensíveis, relacionadas ao setor petrolífero. A Agência Nacional do Cinema (Ancine), por outro lado, tem por escopo fundamental o fomento das atividades audiovisuais no país. A Agência Naci-onal de Águas (ANA), por sua vez, tem como função precípua a regulação do uso de um bem público — a água.

Agências como Antaq, Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) e Antt (Agência Nacio-nal de Transportes Terrestres), têm como funções centrais a concessão, permissão e autorização de serviços públicos de transportes e a tutela desses mercados considerados sensíveis. A supervisão realizada por essas agências visa a corrigir ou amenizar as falhas inerentes a esses mercados, nor-malmente oligopolizados, por meio da implementação de ações regulatórias e fiscalizatórias.

A emergência das agências reguladoras no aparelho do Estado é consequência de seu afas-tamento da execução direta das atividades econômicas, liberando, de forma relativa, que a alocação dos recursos se dê sob o regime dos mecanismos de livre mercado, o que no Brasil ocorreu na década de 1990 (Bresser Pereira et al., 1995).

Cabe destacar, no entanto, que a implementação do ajuste neoliberal e o nível de interven-ção do Estado como agente normativo e regulador variam no tempo e no espaço. Na primeira me-tade do século XX, o Brasil adotava uma postura bastante intervencionista no setor de transportes. O maior exemplo foi a criação do DAC (Departamento de Aviação Civil) — nos anos 1930. No exercício de suas atividades regulatórias, o DAC estabelecia as localidades que cada empresa aérea poderia operar e os preços a serem cobrados pelos assentos comercializados (Malagutti, 2001).

Inaugurou-se nos anos 1990 o gradual afastamento da intervenção pesada no setor aéreo, movimento chamado de "desregulamentação" dos mercados. Nesse cenário, inaugurou-se na avia-ção civil brasileira a "liberdade de voo" e liberdade tarifária, que representaram, exatamente, a

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19 liberação que as companhias aéreas escolham as rotas que vão operar (atendidos certos requisitos) e também que definam as tarifas que cobrarão pelos seus serviços de transporte aéreo comercial. A ideia por traz desse modelo de menor intervenção é que o próprio mercado (mecanismos de oferta e demanda) orientaria os players na escolha das tarifas a serem cobradas e em que rotas devem operar (Malagutti, 2001). A Anac foi criada já no embalo da desregulamentação de 1990, mais precisamente foi concebida em 2005, para substituir o antigo DAC. Na própria Lei que cria a Anac já estão expressos os pilares da liberdade de voo e de tarifas (Brasil, 2005).

No caso dos serviços de transportes aquaviários, as Empresas Brasileiras de Navegação (EBN) também gozam de liberdade para estabelecerem as localidades em que querem operar (aten-didos certos requisitos) e para fixar os preços a serem cobrados pelas passagens e fretes (Brasil, 2001, art. 43-45). Devem, no entanto, receber outorga de autorização para ingressar no mercado, cumpridos os requisitos legais e normativos, além de manter os requisitos da outorga ao longo do período de operação no mercado, inclusive quanto à qualidade do serviço.

Os artigos 43 a 45 da Lei nº 10.233/2001, que foi a lei de criação da Antaq, expõem a opção do legislador por um regime de baixa intervenção do Estado nos serviços de transportes aquaviários autorizados.

Art. 43. A autorização, ressalvado o disposto em legislação específica, será outorgada segundo as diretrizes estabelecidas nos arts. 13 e 14 e apresenta as seguintes características:

I independe de licitação;

II é exercida em liberdade de preços dos serviços, tarifas e fretes, e em ambiente de livre e aberta competição;

III não prevê prazo de vigência ou termo final, extinguindo-se pela sua plena eficácia, por renún-cia, anulação ou cassação.

Art. 44. A autorização, ressalvado o disposto em legislação específica, será disciplinada em re-gulamento próprio e será outorgada mediante termo que indicará:

I o objeto da autorização;

II as condições para sua adequação às finalidades de atendimento ao interesse público, à segu-rança das populações e à preservação do meio ambiente;

III as condições para anulação ou cassação; V sanções pecuniárias.

Art. 45. Os preços dos serviços autorizados serão livres, reprimindo-se toda prática prejudicial à competição, bem como o abuso do poder econômico [...]. (Brasil, 2001)

Nota-se que, na legislação vigente, o ambiente configurado pelo legislador é de competição aberta entre os operadores. Assim, a legislação define que o Estado não restringe o número de

players, não licita os trechos operáveis e, em regra, não interfere no valor preços dos serviços,

tarifas e fretes cobrados. Mas, em relação aos preços, atua na prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica, reprimindo práticas prejudiciais à competição e o abuso do poder eco-nômico, o que confere possibilidade de atuação fiscalizatória em relação a preços abusivos (Brasil,

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20 2001).

Em suma, com base na Lei de criação da Antaq (Lei nº 10.233/2001), pode-se afirmar que os serviços de transportes aquaviários interestaduais operam em regime de livre mercado. Em re-gra, os preços dos serviços autorizados são livres, assim como a entrada e a permanência da em-presa brasileira de navegação no mercado. Também, a qualidade do serviço é regida por mecanis-mos de demanda e oferta, porém, neste caso, o Estado assumiu, por orientação legal (Lei federal nº 10.233/2001 e nº 8.987/1995), o poder-dever de assegurar que os serviços de transportes sejam de qualidade adequada.

No caso brasileiro, o Estado conferiu às agências reguladoras de transportes a competência de implementar a supervisão da qualidade desses serviços. Também é importante destacar que o aparelho estatal com tais atribuições poderia fazê-lo de diferentes formas. Utilizando-se a tipologia proposta por McCubbins e Schwartz (1984) e por Lupia e McCubbins (1994), apontam-se dois tipos de supervisão externa, visando detectar e remediar violações às prescrições do ente supervi-sor: a supervisão do tipo patrulha de polícia e a do tipo alarme de incêndio.

A supervisão do tipo patrulha de polícia caracteriza-se pela relativa centralização da ação do ente supervisor, que age de forma ativa e direta. Por exemplo, no contexto da supervisão de agências governamentais (órgãos do Poder Executivo) pelo Congresso (Poder Legislativo), McCu-bbins e Schwartz (1984) apontaram que esse tipo de supervisão ocorre quando o Congresso exa-mina uma amostra dessas agências buscando detectar e remediar possíveis desconformidades com os objetivos e metas legislativas. A vigilância ativa e direta é o que caracteriza esse tipo de super-visão, que, no Congresso, pode ocorrer por meio de análise de documentos, financiamento de pes-quisas científicas, pespes-quisas de campo, entre outros.

Já a supervisão do tipo alarme de incêndio, ainda segundo McCubbins e Schwartz (1984), é menos centralizada, envolve intervenções mais reativas que ativas e ocorre de forma mais indi-reta. Ao invés de atuar ativamente, o ente supervisor institui um sistema de regras, procedimentos e espaços que viabilizam a ação de terceiros interessados, sejam pessoas físicas, jurídicas ou grupos de pressão, no apontamento das desconformidades encontradas nas atividades dos entes supervisi-onados. O encorajamento da ação coletiva caracteriza esse tipo de supervisão. Ávila Gomide (2014), em análise do caso brasileiro, apontou as comissões do Congresso como exemplos de me-canismos de supervisão do tipo alarme de incêndio, uma vez que são o lócus prioritário da expres-são dos interesses em jogo no Legislativo.

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21 utiliza intensivamente os mecanismos de patrulha de polícia, preterindo os mecanismos de super-visão do tipo alarme de incêndio. Não é diferente na Antaq em sua atividade de supersuper-visão do mercado regulado de transportes aquaviários. Apesar de haver, na Antaq, também, mecanismos de supervisão do tipo alarme de incêndio, como a Ouvidoria da Agência. Ou seja, em regra, as avali-ações da qualidade do serviço prestado pelo setor privado são realizadas de forma ativa e direta, durante as atividades fiscalizatórias da agência.

1.3 Pressuposto de pesquisa

O pressuposto central desta tese é que, nas avaliações da qualidade de um serviço realizadas pelo Estado, mesmo que os objetivos e preferências do policy maker estejam pouco explícitos ou que inexistam parâmetros ou métricas de avaliação formalmente estabelecidos na legislação ou normas em vigor, o surgimento de instrumentos de coordenação estabelecidos pelos gestores de médio escalão atuam na homogeneização das avaliações dos fiscais em relação à qualidade do serviço.

Logo, propõe-se que, em ambientes do aparelho do Estado, onde se inserem elementos de coordenação, os agentes públicos deverão exibir baixo nível de divergências na agenda quanto aos itens que devem ser observados durante as fiscalizações. Isso é o que será avaliado, a partir de dados primários coletados na Antaq.

Nesse sentido, a variável dependente deste estudo é o nível de alinhamento dos parâmetros (itens) de observação entre os fiscais e os gestores de médio escalão no que diz respeito à avaliação da qualidade do serviço de transportes. Dito de outra forma, a variável dependente é a intensidade da convergência entre aquilo que o principal julga importante observar nas fiscalizações e aquilo que o fiscal observa. Já as variáveis independentes são os sistemas de informação existentes, a extensão dos controles e os mecanismos de programação das atividades dos fiscais. As variáveis independentes são oriundas da literatura sobre elementos de governança nas relações principal- agente e serão apresentadas na seção destinada ao referencial teórico desta tese.

Figura 1. Variável dependente e variáveis independentes

Fonte: Elaborado pelo autor.

Convergˆencia de agenda entre gestores e agentes Programac¸˜ao das tarefas

Sistemas de informac¸˜ao Extens˜ao dos controles

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22 A formulação do pressuposto da pesquisa, no lugar da hipótese, mais comumente utilizada em pesquisas quantitativas, sustentou-se em duas assunções. A primeira assunção é que que orga-nizações públicas têm objetivos ambíguos (Chun & Rainey, 2005) e preferências dinâmicas (Zaha-riadis, 2014). A outra assunção que sustenta a pesquisa é que julgamentos de performance de ser-viços são inexoravelmente multidimensionais (Andrews, Boyne, Moon, & Walker, 2010; Boyne, 2003b).

Uma vez que se assume que as avaliações são multidimensionais, depreende-se que são atribuídos pesos diferentes aos atributos do serviço adequado (atualidade da frota, conforto, conti-nuidade, cortesia, higiene, modicidade tarifária, pontualidade e regularidade etc.) e a determinados itens de possível observação, a depender dos contextos institucionais do agente avaliador externo à organização, que pode incluir a sua formação acadêmica, se é um usuário frequente do serviço em análise ou se congrega experiências em outros serviços correlatos, que viabilizam uma análise crítica comparada.

Uma primeira implicação dessa inflexão é que quanto menos parâmetros objetivos de afe-rição houver, estabelecidos por meio de regras formais, mais proeminentes se tornam as instituições informais, com destaque para o papel das crenças compartilhadas dos agentes públicos na atividade de avaliação da adequação da qualidade dos serviços de transportes prestados pelo setor privado.

A carência de parâmetros objetivos de aferição pode ser explicada pelas incertezas e ambi-guidades, que, segundo Zahariadis (2014) e Ouchi (1980), permeiam as organizações públicas e privadas. As incertezas podem ser explicadas à luz do conceito de racionalidade limitada (Simon, 1979). As discussões que precedem esta pesquisa apontam que os decision makers têm capacidade limitada de processar informação, na medida em que não possuem todas as informações possíveis a respeito de um problema. Dito de outra forma, guardando os termos usados por Zahariadis (2014), os decisores detêm informação incompleta ou imperfeita durante o processo de tomada de decisão.

Além das incertezas, para Zahariadis (2014), as ambiguidades também cercam o ambiente de tomada de decisões em políticas públicas. Para Zahariadis (2014), são indicadores dessa ambi-guidade no processo de formulação de políticas a participação fluida, a tecnologia obscura e as preferências problemáticas. Primeiramente, participação fluida refere-se ao turnover elevado na condução da coisa pública, seja dos governos representativos, seja dos burocratas formuladores ou implementadores de políticas.

Já a tecnologia obscura refere-se à falta de clareza nas organizações públicas em relação aos processos e objetivos da organização. O capital humano das organizações públicas conhece

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23 suas atribuições individuais, mas dificilmente reconhece qual o seu papel na missão global da or-ganização (Zahariadis, 2014).

Por fim, ainda segundo Zahariadis (2014), têm-se as preferências problemáticas, que se referem à dinamicidade dos interesses dos agentes públicos ou da falta de transparência ou clareza dessas preferências. O autor explica que os objetivos das organizações públicas nem sempre são tão claros quanto o das organizações privadas:

As pessoas muitas vezes não sabem o que querem. Dificilmente é uma novidade dizer que os policy makers quase nunca tornam claros os seus objetivos, mas é bem verdade que, muitas vezes, limitações de tempo forçam os políticos a tomar decisões sem ter suas preferências precisamente formuladas. As decisões são tomadas apesar da opacidade e podem até mesmo ser facilitadas por ela (Sharkansky, 2002). Esta situação está em gritante contraste com a da maioria das empresas privadas, onde o objetivo final é claro: gerar lucro (Zahariadis, 2014, p. 67, tradução nossa).

Diante da multidimensionalidade da avaliação e das ambiguidades dos objetivos dos servi-ços públicos, um aspecto a ser considerado é o que a organização entende por avaliação da quali-dade do serviço.

Aguilar et al. (1995) explicitaram que, aquilo que muitas vezes se nomeia avaliação de políticas, em verdade deveria receber outras nomenclaturas, como estimação, seguimento ou me-dição. Aguilar et al. (1995) propõem que uma avaliação (em sentido estrito) de políticas públicas deve ter os seguintes traços característicos, enquanto processo sistemático de valoração ou julga-mento:

A avaliação é uma forma de pesquisa social aplicada, sistemática, planejada e dirigida; destinada a identificar, obter e proporcionar de maneira válida e confiável dados e informação suficiente e relevante para apoiar um juízo sobre o mérito e o valor dos diferentes componentes de um pro-grama (tanto na fase de diagnóstico, propro-gramação ou execução), ou de um conjunto de atividades específicas que se realizam, foram realizadas ou se realizarão, com o propósito de produzir efeitos e resultados concretos; comprovando a extensão e o grau em que se deram essas conquistas, de forma tal que sirva de base ou guia para uma tomada de decisões racional e inteligente entre cursos de ação, ou para solucionar problemas e promover o conhecimento e a compreensão dos fatores associados ao êxito ou ao fracasso de seus resultados (Aguilar et al., 1995, pp. 31-32).

Aguilar et al. (1995) nomeiam “estimação” o tipo de procedimento avaliativo, que, a rigor, segundo eles, nem mesmo deve ser considerada uma avaliação. Segundo Aguilar et al. (1995, p. 19, grifos nossos) "enquanto a avaliação envolve ou pretende a maior objetividade e precisão pos-síveis, a estimação tem um caráter aproximado (apreço e valor que se atribuem a uma coisa) que, com frequência, está carregado de subjetividade".

Ainda à luz de Aguilar et al. (1995, p. 20), há uma distinção entre avaliação e seguimento, para os quais o seguimento "é um processo analítico que, mediante um conjunto de atividades,

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24 permite registrar, compilar, medir, processar e analisar uma série de informações que revelam o curso ou desenvolvimento de uma atividade programada". As atividades de seguimento também poderiam ser compreendidas como monitoramento da política, uma vez que o termo é traduzido literalmente do inglês monitoring (Aguilar et al., 1995).

Além disso, lembraram Aguilar et al. (1995) que, embora se tratem de conceitos ligados um ao outro, medição e avaliação não são a mesma coisa. Para Aguilar et al. (1995, p. 19) "medição é o ato ou processo de determinar a extensão e/ou quantificação de alguma coisa". Explicam os au-tores que a medição implica determinar a extensão ou quantificar algo. Já a avaliação implica de-terminar o valor do objeto da análise. Lembraram, ainda, que embora a medição facilite a atividade de avaliação (emitir o juízo sobre o objeto avaliado), é possível avaliar sem, necessariamente, rea-lizar qualquer medição. Obviamente, os autores sustentam que a atividade medição é necessária ou, pelo menos, útil para as avaliações sistemáticas de políticas públicas (estas, sim, consideradas avaliação em sentido estrito).

Por oportuno, destaca-se que Aguilar et al. (1995), apesar de operarem a expressa distinção entre os termos, utilizaram o termo “avaliação em sentido lato” para tratar dos conceitos de esti-mação, seguimento e medição.

Com base nessas dissociações terminológicas estabelecidas por Aguilar et al. (1995), tem-se que as avaliações da qualidade dos tem-serviços aquaviários podem ocorrer de diferentes formas, no contexto de implementação desses serviços.

A partir da literatura especializada (Aguilar, AnderEgg, & Clasen, 1995), podem-se identi-ficar quatro formas de avaliação, em função da origem desses parâmetros. Uma perspectiva geral dessas quatro formas pode ser percebida na Figura 2.

Figura 2. Quatro formas de avaliação conforme origens dos parâmetros

Fonte: Elaborado pelo autor, adaptado de Aguilar et al. (1995).

Origem Externa (par ˆametros oriundos de inputs ambientais) Origem Interna (par ˆametros oriundos de inputs or ganizacionais) Avaliac¸˜ao por percepc¸˜ao (Estimac¸˜ao) Avaliac¸˜ao strictu sensu (Avaliac¸˜ao sistem´atica) Avaliac¸˜ao por monitoramento (Seguimento) Avaliac¸˜ao por medic¸˜ao

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25 A primeira forma é a da avaliação por percepção. Entre os exemplos de avaliação fundada em percepções pessoais no caso desta pesquisa, estão as avaliações de satisfação dos usuários

(cus-tomer satisfaction — CS). Nelas, os usuários dos serviços são convidados a expor suas percepções

individuais a respeito da qualidade de um serviço recebido. Autores como Vigoda-Gadot (2007) e James (2009), por exemplo, expõem o quanto os resultados das avaliações de CS são influenciadas por características demográficas dos respondentes.

De forma similar, nas avaliações por percepção realizadas pelo Estado, os fiscais são insta-dos a expor seu apreço acerca da qualidade insta-dos serviços públicos prestainsta-dos pelo particular. Nesse caso, o julgamento ou valor que atribuem a esses serviços se sustenta majoritariamente em percep-ções pessoais ou subjetivas do agente público acerca da qualidade do serviço.

Passando para a leitura do quadrante inferior esquerdo da Figura 2, tem-se a avaliação por monitoramento. A avaliação por monitoramento é uma atividade contínua e periódica, com o pro-pósito de registrar e assegurar o cumprimento dos objetivos ou metas da política (Aguilar, Ande-rEgg, & Clasen, 1995). A diferença primordial entre uma avaliação por monitoramento e uma ava-liação por percepção reside na variável objetivos esperados para a política operando na atividade de avaliação por monitoramento, quando na avaliação por percepção isso não importa. Além disso, a variável tempo também é relevante na avaliação por monitoramento, que deve ocorrer de forma rotineira e periódica, assim, séries históricas sobre o curso da política são viabilizadas durante a realização desse tipo de avaliação.

Seguindo a leitura da Figura 2, tem-se, ainda no quadrante inferior, à sua direita, a avaliação por medição. Nela, os fiscais receberiam, formalmente, inputs objetivos acerca dos parâmetros a serem verificados na avaliação da qualidade com base em uma métrica pré-definida. A deliberação, seja em norma, seja em outros documentos escritos, sobre quais parâmetros devem ser verificados pelo fiscal quando da avaliação da qualidade do serviço, reduzem ao máximo o espaço interpreta-tivo do fiscal, tornando-o, de fato um implementador da política. Os fiscais deixariam de ter papel ativo na escolha dos parâmetros, para se tornarem registradores, compiladores, medidores, proces-sadores e analiproces-sadores de séries de informações, com base em documentos escritos que guiam ob-jetivamente a atividade fiscalizatória de apreciação da qualidade dos serviços.

Por fim, tem-se a avaliação strictu-sensu ou avaliação sistemática. Também se trata de uma forma de avaliação que se vale de parâmetros objetivos de aferição, porém difere-se das anterior-mente apresentadas na medida em que a origem dos parâmetros, neste caso, é prioritariaanterior-mente externa à organização. Nesse sentido, os parâmetros objetivos de avaliação são majoritariamente

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26 oriundos de organismos externos, como a academia ou os institutos de pesquisa, para se evitar a “calibragem” dos parâmetros para favorecer determinados grupos sendo avaliados. Além disso, observa-se a possibilidade de inclusão de inputs de outros entes externos na realização de avalia-ções strictu-sensu, como os usuários do serviço, a mídia ou do próprio mercado regulado. O posi-cionamento da avaliação strictu-sensu no quadrante superior da Figura 2, que é destinado aos mo-delos fundados em parâmetros oriundos de fora da organização, reside na utilização de métodos e técnicas de pesquisa social (Aguilar et al., 1995; Weiss, 1991).

Além disso, reitera-se que a avaliação strictu-sensu é uma avaliação sistemática, planejada e dirigida, para apoiar o juízo sobre o mérito e o valor de um programa público, neste caso, da execução da política de transportes aquaviários pelos operadores do setor privado. Na avaliação

strictu-sensu, a qualidade fática da prestação desse serviço é avaliada sob o prisma da produção de

efeitos e resultados concretos em comparação com os efeitos e resultados esperados. Percebe-se, portanto, uma conjugação das funções fiscalizatórias com a função de planejamento das expectati-vas de curto, médio e longo prazo para o setor. Também, a avaliação strictu-sensu poderia servir como guia para a tomada de decisões dos gestores ou para melhor compreensão dos fatores de sucesso e fracasso da política.

Adicionalmente à averiguação do nível de convergências na agenda dos gestores e fiscais quanto aos itens que devem ser observados durante as fiscalizações, esta tese se dispõe a identificar qual ou quais entre as quatro formas avaliação são praticadas pela Antaq durante a supervisão da qualidade dos serviços de transporte aquaviário de passageiros na Região Amazônica.

1.4 Pergunta de pesquisa

A heterogeneidade e a pluralidade dos agentes implementadores de políticas apresentam-se ao mesmo tempo como oportunidade e desafio. A oportunidade reside na condição de se utilizar os conhecimentos, capacidades e outras singularidades de cada agente público a favor da atividade estatal. Aliás, a Administração Pública utiliza-se dos vários conhecimentos, experiências e sujeitos para conseguir captar toda a complexidade de um problema público. Já o desafio reside em se coordenar essas heterogeneidades, principalmente da burocracia de nível de rua (Lipsky, 1980, 2010), para evitar a emanação de políticas erráticas, superpostas ou contraditórias (Abrucio & Fran-zese, 2007; H. F. Martins, 2003).

Nesse contexto, apontam-se as seguintes perguntas de pesquisa: Quais as formas de ava-liação do serviço adequado praticadas pelos fiscais da Antaq? Existem instrumentos de

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coordena-27 ção (governança) dos fiscais instaurados pelos gestores em relação à avaliação do serviço ade-quado? A coordenação tem sido efetiva?

1.5 Objetivos da pesquisa

O objetivo geral dessa pesquisa é investigar em que medida as regras formais e informais de orientação dos fiscais têm influenciado na aferição da qualidade dos serviços públicos de trans-porte interestadual aquaviário de passageiros na Região Amazônica, de 2015 a 2018. Para atingir esse objetivo geral, foram elencados os seguintes objetivos específicos.

Objetivo 1. Identificar o perfil dos fiscais e gestores de médio escalão da Antaq

relaciona-dos ao caso em estudo;

Objetivo 2. Descrever os mecanismos de coordenação previstos para orientar os fiscais em

relação às atividades de aferição da qualidade do serviço de transportes aquaviários;

Objetivo 3. Averiguar a eficácia dos mecanismos de coordenação entre os gestores de

mé-dio escalão da Antaq e os fiscais para as atividades de fiscalização do serviço adequado.

Portanto, busca-se entender o papel das instituições, formais e informais, bem como das crenças compartilhadas pelos fiscais, nos processos de aferição da qualidade dos serviços públicos de transportes prestados pelo setor privado. Para atingir esse objetivo, realizar-se-á um estudo de caso sobre a agência reguladora federal de serviço de transportes aquaviários interestaduais — a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq).

1.6 Justificativas

A natureza heterogênea e plural dos agentes públicos implementadores das políticas, bem como a essência multidimensional das avaliações, revelam quão sensível é a avaliação, pelos agen-tes estatais, da qualidade de um serviço público de transporagen-tes. Do mesmo modo, Zahariadis (2014) apresentou que as ambiguidades, ao lado das incertezas, são típicas dos ambientes das organizações públicas.

A justificativa prática desta pesquisa reside no fato de que a coordenação dos agentes é uma necessidade. As diversas formas possíveis de se observar um mesmo fenômeno público, quando não conciliadas, podem gerar indefinição, confusão e estresse (Zahariadis, 2014). Em contextos como esse, torna-se relevante a coordenação dos atores envolvidos na emanação das políticas

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pú-28 blicas fiscalizatórias. H. F. Martins (2003) defende que a fragmentação das políticas no nível bu-rocrático acontece porque as ações são executadas de modo separado e descoordenado. Assim, Abrucio e Franzese (2007) e H. F. Martins (2003) defendem que a coordenação é uma das chaves para políticas mais consistentes e coerentes entre si.

Além disso, também como justificativa de ordem prática, tem-se que o pesquisador é ser-vidor da Antaq, atualmente lotado em Brasília, porém, em atividades não diretamente relacionadas a fiscalização ou avaliação de serviço adequado. No entanto, sua experiência profissional como servidor da agência indicam que há uma iminente reforma Resolução nº 912-ANTAQ de 2007 (que atualmente trata do serviço de transporte de passageiros e misto na navegação interior de percurso longitudinal interestadual e internacional) e que mecanismos mais efetivos de coordenação dos fiscais em relação aos limites do que se deva considerar um serviço adequado estão sendo consi-derados na produção dessa nova norma vindoura. Inclusive, em função da pretensão de que esta pesquisa tenha utilidade prática para a Antaq é que se realizou a escolha metodológica por explorar, em detalhes, os possíveis itens de observação empírica pelo fiscal em relação ao que é um serviço adequado e, por consequência, o detalhamento dos itens na discussão dos resultados da pesquisa.

A primeira justificativa teórica reside na escolha do tipo de política a ser estudada. O traba-lho contribui para o campo de administração pública na compreensão do fenômeno da coordenação executiva de políticas em campo não muito recorrente na literatura brasileira. Ora, as pesquisas nacionais mais recorrentes sobre coordenação executiva tratam das relações intergovernamentais (entre entes federados).

Esta tese trata de coordenação intragovernamental, que também pode ser subdividida em dois tipos. Há a coordenação intragovernamental intra-setorial, que, nos termos de Martins (2003), trata dos mecanismos de coordenação entre organizações públicas distintas atuantes em um mesmo setor, como ocorre no setor de transportes aquaviários. Como no caso da atuação do Ministério responsável pela pasta de transportes e da Antaq, respectivamente, o ente formulador de políticas de transporte e o ente implementador das políticas regulatórias e fiscalizatórias para o setor. Outro exemplo reside nas questões de segurança das embarcações, que é matéria de competência tanto da Antaq quanto da Marinha do Brasil, sendo, portanto, objeto das fiscalizações dos dois órgãos. Destaca-se que segurança é um dos atributos do serviço adequado, nos termos da Lei nº 8.987/1995, cuja tutela cabe à Antaq.

Pode-se, ainda, levantar uma outra forma de coordenação intragovernamental — a coorde-nação dos agentes públicos implementadores das políticas. Este será o tipo de coordecoorde-nação tratado

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29 nesta pesquisa e que ainda carece de estudos teóricos e empíricos. Entende-se que, na operaciona-lização das fiscalizações da qualidade do serviço, o Estado regulador deve se assegurar de que os julgamentos da performance das autorizatárias em relação à qualidade dos outputs não sejam fun-dados apenas nas percepções pessoais dos agentes públicos, uma vez que, nessas condições, uma miríade de julgamentos a respeito desses outputs seriam igualmente válidos, como ocorre nas pes-quisas de satisfação dos usuários.

Além disso, ainda na justificativa de natureza teórica, este trabalho pretende apresentar as características estruturais do relacionamento de agência entre os gestores (burocratas de médio es-calão) e os fiscais (burocratas de nível de rua) de uma agência reguladora, preenchendo, assim, as seguintes lacunas derivadas da literatura: a) o nível de acordo entre o agente e o principal em rela-ção aos atos do agente (se existe um contrato formal ou informal ajustando o comportamento fis-calizatório); b) o nível de discricionariedade possuído pelo agente e c) a fonte de especificação dos atos do agente (pelo principal ou pelos agentes entre si) (B. Mitnick, 1973; B. M. Mitnick, 1982). Essas lacunas foram identificadas a partir de revisão bibliométrica da literatura sobre teoria agente-principal publicada em periódicos nacionais de primeira linha (≥ Qualis Capes B1). Os re-sultados completos dessa revisão encontram-se na seção desta pesquisa que trata sobre método.

Assim, a pesquisa insere-se na literatura sobre os estudos das práticas organizacionais de coordenação executiva para a implementação de políticas públicas. Considerando todos esses as-pectos, esta pesquisa busca investigar a relação entre os instrumentos de coordenação intragover-namental e comportamento fiscalizatório do agente público. Pretende-se tentar cobrir as lacunas teóricas e práticas mencionadas com dados empíricos coletados neste estudo de caso, que se insere no contexto da administração pública brasileira.

2 Referencial Teórico

O marco teórico desta pesquisa é a Teoria Agente-Principal, que trata de problemas de agência comuns nas relações em que um ente (o agente) é responsável contratualmente por executar os interesses de outro ente (o principal). Ocorrem nesse vínculo problemas decorrentes de interes-ses conflitantes entre eles, da ação oculta do agente e dos custos decorrentes da necessidade de monitoramento do agente. Essa teoria foi bem resumida por Donaldson (1990, p. 371, tradução nossa) "a teoria da agência é uma teoria sobre interesse, motivação e conformidade". Ainda se-gundo Donaldson (1990, p. 371, tradução nossa), "a teoria da agência faz parte de um movimento mais amplo da sociologia e ciência política e insere o confronto entre indivíduos na agenda crítica para a ciência social, em contraste com a tradição funcional-estruturalista das análises sistêmicas".

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30 Sendo assim, os estudos de governança corporativa, sob a ótica dessa teoria, assumem uma lógica humanista radical, nos termos de Burrell e Morgan (1979), uma vez que se busca compreender a realidade a partir do indivíduo, mas, ao mesmo tempo, tem-se a intenção de alterá-la.

Eisenhardt (1989) expôs que, em estudos calçados na teoria da agência, os autores comu-mente utilizam complementarcomu-mente outros arcabouços teóricos como a teoria institucional, a teoria dos custos de transação, a teoria dos stakeholders, a teoria do controle etc. Seguindo a proposição de Eisenhardt (1989), utilizaram-se, nesta pesquisa, subsidiariamente à teria da agência, conceitos provenientes da literatura sobre coordenação intragovernamental em organizações públicas, mor-mente acerca do papel da burocracia de médio escalão (mid-level bureaucrats) e da burocracia de nível de rua (street-level bureaucracy) na produção de políticas públicas.

2.1 Teoria Agente-Principal

A Teoria da Agência foi proposta na década de 1970 e, desde então, vem sendo aplicada em estudos contábeis, econômicos, financeiros e também na ciência política e nos estudos organi-zacionais. Encontram-se entre os artigos medulares dessa teoria os textos de Ross (1973, 1974), Fama (1980), Fama e Jensen (1983a) e Jensen e Meckling (1976).

O objeto de análise dos estudos com base nessa teoria são as relações de agência, assim entendidas como relações em que uma parte (o principal) delega um trabalho, serviço ou atividade a outra parte (o agente), que realiza essa atividade em nome ou para atender os objetivos do prin-cipal (Ross, 1973). Permeiam esses estudos a tomada de decisão em contexto de incerteza e os mecanismos de conjugação dos interesses do principal e do agente. Essas relações envolvem tam-bém a delegação de alguma autoridade ou poder de tomada de decisões ao agente (Jensen & Mec-kling, 1976). A literatura revela os diversos problemas de agência (agency problems) que sobrevêm desses vínculos e tem como unidade de análise básica o contrato que governa essas relações.

Podem-se elencar dois focos da literatura sobre Teoria da Agência: determinar os contratos mais eficientes para governar relações desse gênero e solucionar os problemas de agência que emergem nesses ambientes em que há divisão do trabalho e as partes contratantes têm diferentes objetivos (Eisenhardt, 1989).

Nos termos de Eisenhardt (1989, p. 63, tradução nossa) "o coração da teoria da teoria da agência é o inerente conflito de objetivos quando os indivíduos com preferências distintas se com-prometem em esforços cooperativos. A metáfora essencial é a de um contrato". O alcance do termo contrato merece ser revelado. Na perspectiva de Berhold (1971), o termo contrato não deve ser

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Figura 2. Quatro formas de avaliação conforme origens dos parâmetros
Tabela 1: Artigos mais citados nos 83 periódicos nacionais e internacionais pesquisados
Tabela 2: Livros mais citados nos 83 periódicos nacionais e internacionais pesquisados
Figura 3. Descentralização de entidades do setor e poder normativo da Agência
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Referências

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