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2. O IHGRGS e suas relações com o espaço de poder

2.2. O Centenário da Revolução Farroupilha: trabalhos preliminares em meio ao

2.2.4. Árbitro do passado: julgando nomes de ruas, escolas e cidades

Veja-se, agora, sobre o poder do IHGRGS de arbitrar sobre nomes de ruas, escolas e mesmo cidades. Em 1949, quando o Titular da 8ª Delegacia de Ensino, com sede no município de Santa Maria, propôs à Secretaria de Educação e Cultura que o padre Antônio Sepp (1655-1733) fosse homenageado, dando nome a uma escola naquele município.187 O IHGRGS, através do parecer de Othelo Rosa, manifestou-se contra a pretendida homenagem, sob o argumento de que:

a ação do Padre Sepp nunca se exerceu, nem poderia ter se exercido, em benefício e serviço do Rio Grande do Sul, como se diz na proposta. Antes, em sentido contrário à nossa civilização e ao nosso destino histórico. E não sabemos como se poderia ensinar as crianças a honrar os seus antepassados, os seus feitos e sacrifícios, e, ao mesmo tempo, explicar-lhes que o seu patrono fora um adversário desses antepassados.188

Othelo Rosa mantinha-se fiel ao modelo de interpretação histórica da tendência historiográfica que consagrou-se no estado nos anos 1920 e 1930, e, que não admitia a participação da experiência missioneira na formação rio-grandense.

Em 1946, pela indicação de Luiz Carlos Moraes, o Instituto Histórico fez proposta à bancada gaúcha na Assembleia Constituinte no sentido da inclusão na Constituição Federal, que estava em estudo, da restauração dos símbolos, hinos e

186 Bom Jesus ou Aparados da Serra. O município de Bom Jesus, criado em 1913, teve o nome alterado

para “Aparados da Serra”, em 1937. Entretanto, os vereadores daquela localidade resolveram restaurar a velha denominação em 1953. O Departamento de Polícia de Polícia Civil do Estado consultou o Instituto Histórico qual o nome exato do Município de Aparados da Serra. Pelo parecer de Othelo Rosa e Adroaldo Mesquita da Costa, aprovado pelo IHGRGS, foi indicado o caminho para o restabelecimento da antiga denominação daquele município, cuja competência caberia à Assembleia Legislativa, e não à Câmara de Vereadores. Arquivo Othelo Rosa, IHGRGS.

187 O caso Antônio Sepp, segundo Letícia Nedel (2005), inaugurou uma série de contendas entre os

estudiosos e os praticantes do folclore no estado, cujo ápice foi a discussão sobre “Sepé Tiarajú”, motivada pela consulta que o governo do estado fez ao IHGRGS sobre a oportunidade de se construir ou não uma estátua em homenagem ao líder indígena (NEDEL, 2005, p. 380, 381).

188As Missões Jesuíticas e a Consciência Cívica da Juventude”. Província de São Pedro, Porto Alegre, v.

bandeiras estaduais, que haviam sido proibidos durante o Estado Novo.189 Adroaldo Mesquita da Costa, deputado à Assembleia Constituinte pelo Rio Grande do Sul, ficou encarregado de apresentar a proposta naquela Assembleia, que tendo recebido emendas de diversas bancadas, foi aprovada.190 Depois disso, o Instituto propôs a “entronização” da bandeira rio-grandense, a qual foi aprovada pelos Constituintes da Terceira Constituinte Estadual.191

Em 25 de agosto de 1946, o Instituto Histórico fazia a sugestão ao Secretário da Educação e Cultura, Francisco Brochado da Rocha, de que em comemoração ao

aniversário da Revolução Farroupilha desse os nomes de “General João Antônio da

Silveira”, “General David Canabarro” e “Luís Barreto” a grupos escolares localizados no interior do estado. Além disso, também propôs, na mesma ocasião, os nomes de

“Brigadeiro José da Silva Paes”, “Aurélio Porto” e “Desembargador André da Rocha”

para outros grupos escolares.192

Estas (e outras) intervenções do IHGRGS no campo estatal e governamental apontam para o grau de reconhecimento e prestígio institucional alcançado pelo Instituto diante das distintas esferas estatais, e tornam implícitos dois aspectos do IHGRGS: primeiro, em 1935, o processo de valorização da instituição atingiu o seu auge como instância intelectual no estado193; e, segundo, esta instituição estabeleceu-se como espaço legítimo de institucionalização do saber histórico e produção da fala

autorizada sobre o passado sul-rio-grandense, e especialmente com prerrogativas de

atuar sobre a gestão pública da cultura, sendo procurado com relativa assiduidade por departamentos e secretarias do estado, municípios e assembleia legislativa para fornecer

pareceres sobre questões de pertinência histórica. Deve-se destacar que a fala autorizada baseada em uma autoridade e competência social legítima foi construída e perseguida ativamente pela instituição e não resultado “natural” da atividade da

instituição.

Sobre o atributo de definir os critérios de validação daquilo que é autêntico em termos de cultura e identidade regional, deve-se fazer a seguinte pergunta: como se sabe

189 Sugestões e Pareceres: símbolos locais e a tradição brasileira. Revista do IHGRGS. III trimestre de

1946, n. 103, p. 322-327.

190 Ata de reuniões do IHGRGS, de 3 de julho de 1946 191 Ata de reuniões do IHGRGS, de março de 1947, p. 130

192 Sugestões e Pareceres: patronos de grupos escolares. Revista do IHGRGS. III trimestre de 1946, n.

103, p. 333-334.

193 Em meados da década seguinte, se instauraria o processo de crise institucional e declínio da autoridade

intelectual do IHGRGS, pelo acirramento das disputas internas em meio à revisão historiográfica, que será estudada no capítulo 3.

que um agente ou grupo de agentes detém o domínio de um determinado espaço social? Segundo Bourdieu, é quando essa dominação é tida como natural, até invisível. Isso equivale dizer: quando não há contestações dos critérios ditados pelos agentes

dominantes para o funcionamento do “campo”. Essa característica do Instituto está na raiz do seu papel de “juiz” dos assuntos relativos à História do Rio Grande do Sul, emitindo “pareceres” reconhecidos pelo Estado. Somente a partir do final do Estado

Novo, o revisionismo historiográfico toma conta da agenda intelectual gaúcha, e novas formas de interpretar o passado surgem na esteira do deslocamento da análise mais

estrita da “formação histórica” para as análises mais amplas da “cultura” rio-grandense,

que abarcariam outros grupos e expressões culturais que não estavam incluídos no arcabouço histórico tradicional militar, político, luso e, na maioria das vezes, nobiliárquico. Esse revisionismo (dos anos 1940) ensejava contestações às posições historiográficas defendidas pelo IHGRGS centradas numa apreensão histórica balizada pelo Estado e suas elites políticas e militares.

2.3. Ambivalências do métier intelectual: na antessala do poder, mas