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2. O IHGRGS e suas relações com o espaço de poder

2.1. As relações entre a esfera intelectual e a política em meio à crise política dos

2.1.2. Contexto da Aliança Liberal: alinhamentos e tensões

2.1.2.4. Alocação de intelectuais em instituições culturais públicas: Alcides Maia

Alcides Maia atuou como jornalista militante, tendo iniciado sua carreira nas fileiras federalistas, escrevendo para o jornal da oposição A Reforma. Mas depois integraria a redação do jornal dos republicanos dissidentes A República. Fez sua estreia com o livro Pelo Futuro (1896). Dois anos depois, lançou o folheto anti-separatista O

Rio Grande Independente (1898). O terceiro livro foi Através da Imprensa (1900), que

reunia artigos publicados em jornais. Em 1903, Alcides Maia mudou-se pela primeira vez para o Rio de Janeiro, atuando no jornalismo da capital federal. Em 1908, já de volta a Porto Alegre, fundou o matutino Jornal da Manhã, que manteve atividade por apenas um ano.

Em 1910, mais uma vez de volta ao Rio de Janeiro, lançou o primeiro romance,

Ruínas Vivas, firmando-se a partir daí como intelectual gaúcho de maior prestígio

nacional. Em 1913, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, principal instituição literária do país, tendo sido o primeiro rio-grandense a alcançar este feito. Foi a consagração do escritor. Quando retornava ao Rio Grande do Sul, era saudado com elogios pela imprensa local e com recepções em sua homenagem.

Alcides Maia foi deputado federal pelo Rio Grande do Sul de 1918 a 1921. Quando retornou ao Rio Grande, foi alocado na direção do Museu Júlio de Castilhos, cargo que ocupou de 1925 até se aposentar em 1938.

A posição central de Alcides Maia no cenário intelectual rio-grandense permaneceu inquestionada até 1925, quando estabeleceu-se uma polêmica suscitada por Moysés Vellinho nas páginas do Correio do Povo, utilizando o pseudônimo Paulo

Arinos. Moysés Vellinho acusava o renomado escritor de escrever com o olhar voltado para o passado e de ressaltar em suas obras literárias a “decadência”, a “ruína” de uma civilização, portanto uma visão pessimista da sociedade gaúcha. Para Vellinho, a “nova geração” de intelectuais deveria olhar para o futuro de forma otimista. Por trás da crítica

literária, se escondia a luta por posições no meio intelectual rio-grandense. Moysés Vellinho, então com 25 anos de idade, recém formado pela Faculdade de Direito de Porto Alegre, fazia sua estreia na crítica literária, mirando sua pena no escritor que ocupava a posição mais consolidada e prestigiada no meio literário local. Os ataques do novato ganharam destaque na imprensa, e dividiram as opiniões e posições entre intelectuais de Porto Alegre. Rubem de Barcellos tomou a frente pela defesa de Alcides

gaúcho, não mais abandonando a posição de liderança na defesa de um novo comportamento para os rio-grandenses” (GUTFREIND, 1998, p. 38).

Como foi dito, Alcides Maia retornou a Porto Alegre sendo nomeado Diretor do Museu Júlio de Castilhos em 1925. Antes da nomeação, entretanto, Maia expressou sua ansiedade e pediu para receber alguma notícia sobre o fato ao, então, secretário pessoal de Borges de Medeiros, Othelo Rosa: “se pensares um minuto, compreenderás como eu esteja inquieto. Não é natural, à vista dos fatos? Falaste com o dr. Borges de Medeiros? Se eu tivesse fortuna de alguma palavra a respeito, palavra tua, ficaria tranquilo”. Mas antes disso, Alcides já havia pedido a intervenção de Borges de Medeiros em favor de seu irmão Djalma de Castilho Maia, através de Othelo Rosa. Assim dizia ao secretário de Borges:

Pequena indisposição de saúde (um resfriamento: estou desabituado do nosso clima...) impede-me de levar pessoalmente ao Palácio o meu irmão dr. Djalma de Castilho Maya. Espero da gentileza própria que te destaca receberes bem o rapaz, encaminhando-o aí.

Conheces o assunto e deveras grato ficarei por motivo das providencias que deres.137

Apenas 5 dias depois, outro bilhete dirigido a Othelo Rosa indica o deferimento ao pedido do escritor, e revela o peso relativo do prestígio pessoal de Alcides Maia, que sequer foi pessoalmente fazer o pedido ao líder republicano em favor do irmão. Mas por meio de um simples bilhete dirigido ao seu secretário pessoal teve o pedido acatado. Assim, novamente escusando-se de ir pessoalmente, pedia que Othelo Rosa transmitisse sua gratidão ao presidente do estado:

A gripe de que convalesço impede-me de ter a honra e o vivo prazer de levar pessoalmente à presença do nosso preclaro amº e Chefe, dr. Borges de Medeiros, a meu irmão Djalma, portador dos meus e dos agradecimentos dele, por causa da nomeação que obteve. Se lhe fosse possível Othelo, eu lhe pediria que, por mim, fizesse ao sr. dr. Borges de Medeiros a referida apresentação pessoal. Tenho certeza de meu irmão será um firme e leal defensor da nossa causa política, além de também, saber que ele honrará o cargo.138

Essas concessões do presidente do estado – a nomeação do irmão e a própria nomeação como diretor do MJC – eram parte do jogo clientelístico de troca de favores políticos. Um exemplo da contrapartida que Alcides Maia deveria dar ao líder

137 Carta de Alcides Maia a Othelo Rosa. Porto Alegre, 14 de maio de 1924. Fundo Othelo Rosa, Arquivo

do IHGRGS.

138 Carta de Alcides Maia a Othelo Rosa. Porto Alegre, 19 de maio de 1924. Fundo Othelo Rosa, Arquivo

republicano, fica expresso na seguinte resposta, sempre endereçada a Othelo que fazia o elo com Borges:

Othelo – Contesto tua carta. Darei o meu voto com simpatia ao senador Azeredo, que virá a Academia, com o seu prestígio pessoal e social, de tanta distinção e de tamanho prestígio.

Podes, pois, contar comigo.

Esta me dispensará de, pessoalmente, afirmar isso ao nosso insigne Chefe e presado amigo dr. Borges de Medeiros (grifo meu).139

Em 8 de setembro de 1925, faleceu no Rio de Janeiro o escritor Alberto Faria, ocupante da cadeira número 18. Por aquilo que indica o bilhete de Maia, este se comprometera em votar no senador Antônio Francisco Azeredo, do Mato Grosso, senador da República de 1897 a 1930.140

No mesmo ano em que Alcides Maia foi nomeado diretor do Museu Júlio de Castilhos, o Desembargador Florêncio Abreu deixou a direção do Arquivo Público, e a Seção de História desta repartição foi transferida o Museu do Estado. Iniciou aí a

“xipofagia” entre o Instituto Histórico e o Museu Júlio de Castilhos, que durou até

1943, quando o Instituto recebeu do estado o prédio da rua Riachuelo, a título de empréstimo. Essa reorganização foi um passo importante na formação de uma rede institucional de sustentação das atividades ligadas à pesquisa e escrita histórica no Rio Grande do Sul, unindo o Museu, o Arquivo Histórico e o Instituto Histórico, assim como reforçava os laços entre seus diretores: Alcides Maia, Eduardo Duarte e Florêncio Abreu. Essa união do prestígio intelectual do escritor de Ruínas Vivas, do capital social de Eduardo Duarte e do prestígio político de Florêncio Abreu, fortaleceu o processo de institucionalização do saber histórico no estado.

Do ponto de vista prático, recaiu sobre Eduardo Duarte a responsabilidade de levar a cabo o trabalho pesado das três instituições. Como secretário do Instituto, diretor do arquivo e segundo homem dentro do Museu, era Duarte quem desempenhava, na prática, a função de redator da Revista do Instituto Histórico, da Revista do Arquivo e

Museu Júlio de Castilhos, além de, com frequência, substituir Alcides Maia em suas

ausências. Em 1926, Duarte comentaria por carta a Souza Docca em julho: “Alcides ausente”.141 Em agosto: “Alcides continua ausente”.142 Em 10 de setembro: “Alcides

139 Carta de Alcides Maia a Othelo Rosa. Porto Alegre, 30 de setembro de 1925. Fundo Othelo Rosa,

Arquivo do IHGRGS.

140 O sucessor de Alberto Faria na Academia Brasileira foi Luís Carlos da Fonseca Monteiro de Barros. 141 Carta de Eduardo Duarte a Souza Docca. Porto Alegre, 23 de julho de 1926. Fundo Souza Docca,

continua lá por Santa Vitória, onde acaba de receber significativas manifestações. A licença termina no dia 5 e eu sem esperanças da sua volta. Faz falta, pois eu tenho muito em que cuidar”.143 Assim, para Duarte ficavam acumuladas as atribuições práticas nas três entidades: Museu, Arquivo e Instituto. De forma espirituosa, informava o progresso dos trabalhos:

A Revista do Arquivo, já foi resolvido, será nossa. A verba já está assentada. Tenho organizado o trabalho de 5 ou 6 números – pronto. Estou contente; pena é que os dias para nós não sejam de 48 horas. Sim, porque, imagina, eu estupidamente perco 8 horas em cada 24 – dormindo como um gato.144

Em dezembro do mesmo ano, a ausência do Diretor persistia: “Alcides continua

ausente e a necessidade das minhas férias, o descanso anual, vai se manifestando. Será em fevereiro como disse”.145 No ano de 1930, Alcides Maia ainda se ausentaria do

estado durante a “Revolução”, quando fez uma incursão ao Rio de Janeiro, acompanhando Getúlio Vargas, na “Legião Bento Gonçalves”, formada por intelectuais

rio-grandenses.146

Todas essas ausências da parte de Alcides Maia e a sobrecarga de Eduardo Duarte mostram a assimetria das relações dos intelectuais lotados em instituições culturais do estado com o poder político. Assim, por um lado, dependendo do volume total de capitais de um determinado agente, ele pode se dar ao luxo de ficar meses ausente da repartição sob sua direção, assim como fazer pedidos por bilhete ao secretário do presidente do estado e ser atendido. Enquanto, de outro lado, a um intelectual atuante como Eduardo Duarte sobra pouco espaço para negociar a respeito de direitos legítimos como se verá mais adiante neste capítulo.

Desta forma, pode-se dizer que as instituições culturais eram locais privilegiados para a alocação de intelectuais que tinham ligações pessoais e políticas com os agentes políticos. Entretanto, o tipo de relação estabelecida entre os indivíduos das diferentes esferas dependia do conjunto de capitais intelectuais, políticos, sociais e simbólicos de

142 Carta de Eduardo Duarte a Souza Docca. Porto Alegre, 27 de agosto de 1926. Fundo Souza Docca,

Arquivo do IHGRGS.

143 Carta de Eduardo Duarte a Souza Docca. Porto Alegre, 10 de setembro de 1926. Fundo Souza Docca,

Arquivo do IHGRGS.

144 Carta de Eduardo Duarte a Souza Docca. Porto Alegre, 27 de agosto de 1926. Fundo Souza Docca,

Arquivo do IHGRGS.

145 Carta de Eduardo Duarte a Souza Docca. Porto Alegre, 2 de dezembro de 1926. Fundo Souza Docca,

Arquivo do IHGRGS.

146 Em 1928, Alcides Maia também solicitou a Eduardo Duarte que providenciasse outra licença junto ao

cada um. A um cabia uma espécie de sinecura, emprego rendoso e de pouco trabalho, um posto simbólico, em virtude do prestígio; a outro, restava, como disse Othelo Rosa

sobre Duarte, a “fecunda, incansável atividade, no Instituto e no Museu”.147 Por outro lado, observa-se em alguns momentos a reivindicação da intelectualidade ao acesso a certos espaços privativos e sobre os quais ela possuísse algum poder de escolha ou indicação, como foi o caso da nomeação de Manoelito de Ornellas para o cargo de diretor da Biblioteca pública do Estado em substituição a Augusto Meyer, em 1937,

“por pedido da intelectualidade gaúcha”.148 Ou ainda, da intervenção da direção do IHGRGS em favor da lotação de Walter Spalding em algum posto no setor público do Estado.149

Agente Instituição Cargo

Alcides Maia Museu Júlio de Castilhos Diretor

Eduardo Duarte Museu Júlio de Castilhos Diretor do Arquivo Histórico Dante de Laytano Museu Júlio de Castilhos Funcionário e Diretor Aurélio Porto Museu Júlio de Castilhos Arquivista

Florêncio Abreu Arquivo Histórico do RS Diretor Rodolfo Simch Arquivo Histórico do RS Diretor

Augusto Meyer Biblioteca do Estado Diretor

Manoelito de Ornellas Biblioteca do Estado Diretor

Walter Spalding Arquivo Municipal Diretor

Quadro 5 – Alocação de intelectuais em instituições culturais públicas

2.2. O Centenário da Revolução Farroupilha: trabalhos preliminares