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As Áreas de Proteção Ambiental (APAs)

No final dos anos 70, o Estado, incentivado pelas novas estratégias de conservação da UICN, pela concepção das reservas de biosfera e por vários setores conservacionistas do Brasil, notadamente as instituições de pesquisa brasileiras, começou a buscar alternativas para a conservação da vida e de paisagens em ambientes antropizados. O objetivo era buscar a proteção de ecossistemas e da biodiversidade no entorno de unidades de proteção integral e viabilizar a pesquisa científica sem que fosse preciso desapropriar terras privadas, desafetar39 terras públicas e, que, principalmente, pudesse levar a conservação, e estratégias de melhoramento da qualidade de vida, para comunidades urbanas e rurais (IBAMA, 2001). Desse modo, com a Lei nº 6.902, de 07 de abril de 1981, surgiram as Áreas de Proteção Ambiental, bem mais tarde regulamentadas pela Resolução CONAMA nº 010/88. As APAs são, no Brasil, o marco de consolidação de um modelo de conservação in situ e de gestão

territorial em espaços já antropizados, que já havia se consolidado em vários países como Inglaterra, Japão, Espanha e Portugal (IBAMA, 2001; BRITO, 2000).

As APAs são o elo de ligação entre as unidade de conservação e as reservas de biosfera. Em verdade, pouco pode diferenciar as duas categorias de espaços especialmente protegidos: ambas são instrumentos de conservação in situ e de gestão territorial voltados para espaços antropizados. A diferença é que a APA é uma unidade de conservação e, portanto, submetida ao regime jurídico do SNUC. De outra sorte, a Reserva de Biosfera, não obstante seja um espaço espacialmente protegido com previsão no próprio SNUC (art. 42), não é uma unidade de conservação, mas um modelo de gestão territorial que poderá ou não assumir uma forma normativa40. Como o presente trabalho pretende avaliar os processos de formação e funcionamento dos conselhos gestores de unidades de conservação a partir da experiência das APAs no Distrito Federal, nos deteremos mais aprofundadamente no conceito e características dessa modalidade de unidade de conservação.

As APAs são, como visto, unidades de conservação de uso sustentável, cujo objetivo básico é proteger a biodiversidade e as paisagens em ambientes antropizados, bem como buscar a recuperação desses atributos nesses mesmos ambientes alterados pela ocupação e usos humanos, mais ou menos impactantes, sejam urbanos, sejam rurais. Sua principal função é articular a gestão do território, sendo o mecanismo mais indicado, considerando sua disciplina, para se definir zonas de amortecimento e corredores ecológicos de unidades de proteção integral.

Por essa razão as APAs não possuem zona de amortecimento, pois elas mesmas são zonas de amortecimento (art. 25 do SNUC). É ainda ferramenta fundamental no apoio à gestão territorial, constituindo-se em norma especial em relação aos planos diretores dos municípios, aos zoneamentos agrícolas e aos planos de bacia hidrográficas. Consoante o artigo 15 do SNUC:

A Área de Proteção Ambiental é uma área em geral extensa, com um certo grau de ocupação humana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas, e tem como objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais. (MEDAUAR, 2008).

O conselho gestor de uma APA, portanto, passa a ter as prerrogativas de um órgão público de gestão territorial compartilhada com a sociedade civil, com a possibilidade (poder) de definir ou participar da definição de regras para o uso e ocupação do espaço por ela delimitado. Discutir-se-á adiante a questão de serem ou não os conselhos gestores de APA consultivos ou deliberativos. Por agora, o trabalho se detém nos demais aspectos técnicos e normativos, pois esses aspectos também são necessariamente incorporados aos poderes e limitações dos conselhos gestores das APAs.

A APA é constituída por terras públicas ou privadas. Isso significa dizer que não é necessário, para a sua criação nem desafetar terras públicas (mudar sua destinação de uso), nem desapropriar terras particulares. Enquanto instrumento jurídico pode estabelecer limites (limitações administrativas) ao uso e ocupação das propriedades e posses privadas, rurais ou urbanas, respeitados os limites legais e constitucionais.

Esses limites, ou limitações administrativas como são conhecidos dentro do Direito Administrativo (PIETRO, 2004; CARVALHO FILHO, 2007), consistem em condicionar o uso da propriedade, respeitando três dos seus atributos básicos: a) a limitação não pode alterar o caráter exclusivo de uso da propriedade; b) não pode alterar o caráter de uso perpétuo da propriedade e c) não pode inviabilizar o uso a que naturalmente está destinado a propriedade. Caso algumas dessas hipóteses ocorra, ou o Estado terá de desapropriar a área, ou terá de abrir mão dela (PIETRO, 2004).

As APAs, assim como todas as unidades de conservação, são disciplinadas e geridas a partir de três instrumentos básicos: o seu ato de criação, o seu plano de manejo (que abarca o zoneamento, a zona de amortecimento e seus corredores ecológicos) e o seu conselho gestor. O ato de criação de uma unidade de conservação poderá ser uma lei, um decreto ou mesmo outros atos normativos como portarias (no caso das RPPNs). Até mesmo o Ministério Público

ou o Poder Judiciário poderão criar unidades de conservação, em parceria com o Legislativo ou o Executivo, através de Acordos Judiciais, Termos de Compromisso ou Termos de Ajustamento de Conduta (TACs).

A administração de uma APA cabe ao órgão ambiental competente que, em âmbito federal, hoje, é a autarquia federal denominada Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Todavia, essa administração não deve se dar isoladamente, mas em estreita parceria com seu conselho gestor, o qual é presidido pelo órgão ambiental competente e constituído por representantes dos órgãos públicos, de organizações da sociedade civil e da população residente, composto por, no mínimo, as representações de que trata o art. 17 do Decreto nº 4.340/2002. Sobre as questões relacionadas à representação dos conselhos gestores das unidades de conservação e, portanto, das APAs, tratar-se-á em tópico a seguir.

Desse modo, todo ato regulamentar ou normativo praticado pelo órgão ambiental competente (chefe administrativo da unidade) que esteja voltado para uma unidade de conservação deverá ter a participação (conselho consultivo) ou a aprovação (conselho deliberativo) de seu conselho. Caso contrário o ato é ilegal e, portanto, passível de anulação tanto pelo conselho gestor da unidade (que também é representado pela Administração Pública), quanto pelo Poder Judiciário, uma vez acionado pelo Ministério Público ou pela sociedade.

O não cumprimento das normas ambientais referentes às APAs, as quais devem estar estabelecidas em lei e no seu zoneamento e plano de manejo, sujeitará aos infratores, pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, embargos das iniciativas irregulares que pretendam realizar na área, sendo passíveis de medidas como apreensão dos material utilizados na ação irregular, obrigação de recuperar ou compesar, quando a recuperação não for tecnicamente possível, os danos causados, e imposição de multas nos termos da lei de crimes ambientais (Lei nº 9.605/98) e do Decreto nº 6.514/2008 que a regulamenta.

As condições para visitação pública e para a pesquisa científica nas áreas de APA sob domínio público serão estabelecidas pela instituição de pesquisa ou órgão público responsável

e pelo seu conselho gestor, via plano de manejo. Nas áreas sob propriedade privada, cabe ao proprietário estabelecer as condições para pesquisa e visitação pelo público, observadas as exigências e restrições legais (Art. 15 do SNUC – MEDAUAR, 2008).

Ao contrário do que foi recentemente feito com as RESEXs e RDSs que, através das Instruções Normativas nº 1, 2, 3 e 4 do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, ganharam uma disciplina objetiva de como devem ser criadas e geridas essas unidades de conservação, as APAs ainda não possuem normas institucionalizadas que lhe estabeleçam essa disciplina, afora o Roteiro Metodológico publicado pelo IBAMA em 2001 (IBAMA, 2001). De qualquer sorte, mesmo as citadas Instruções Normativas remetem várias questões para serem respondidas no caso concreto de cada plano de elaboração e implementação dos conselhos gestores e dos planos de manejo das RDSs e RESEXs.

A APA é um instrumento de gestão ambiental e territorial que incorpora poderes significativos em termos de condicionar a ocupação e o uso de recursos naturais por particulares e pelo próprio Estado. As APAs, consoante o SNUC, são formadas por territórios extensos, que muitas vezes podem abarcar municípios inteiros ou mesmo mais de um ente federativo. Esses territórios, por definição, estão ocupados, com maior ou menor grau de antropização41, podendo ser constituídos por cidades inteiras, desde que, por óbvio, seja no campo, seja na cidade, existam atributos ambientais e culturais que justifiquem a sua gestão por meio de uma unidade de conservação e não simplesmente por meio de um plano diretor municipal, zoneamento agrícola ou plano de bacia hidrográfica.

Vê-se, portanto, que as APAs podem, pelo SNUC, interferir significativamente na esfera privada, condicionando o uso da propriedade, seja da terra, seja de outros bens, bem como condicionando a adoção de iniciativas econômicas, que muitas vezes poderão ser proibidas pela APA, ou no seu ato de criação, ou no seu plano de manejo, o que deverá se dar com a participação do conselho gestor.

6 - O DIREITO AMBIENTAL E A GESTÃO DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO.