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Instrumentos de Gestão das Unidades de Conservação

5.3. As Unidades de Conservação

5.3.3. Instrumentos de Gestão das Unidades de Conservação

Juntamente com o conceito de unidades de conservação, evoluíram as formas de administração desses espaços. Originalmente, esses espaços eram administrados unicamente pelo Estado, ou sendo espaços privados, pelos seus proprietários (IBAMA, 2001). Como originalmente a idéia da unidade e conservação estava exclusivamente vinculada à idéia de monumento ou “museu de fósseis vivos”, como se o ecossistema mais do que algo a ser protegido ou integrado à vida humana, fosse algo a ser apenas visitado ou lembrado, era compreensivo que não houvesse a necessidade de uma gestão compartilhada entre os gestores públicos ou privados e as comunidades locais.

Todavia, com a evolução da preocupação em efetivamente conservar ecossistemas e seus componentes, acabou se constatando que não se consegue proteger processos ecológicos e espécies em fragmentos isolados, tendo de se enfrentar problemas de conservação no entorno das unidades e na rota de migração e dos ciclos ecológicos que vão além dos parcos territórios das unidades de proteção integral. Assim, a Biologia da Conservação vai trabalhar nas comunidades lindeiras às unidades de conservação, criar o conceito de corredores ecológicos e zonas de amortecimento e mais; transformar as cidades e o campo em unidades de

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Recentemente, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade de Conservação da Biodiversidade, por intermédio das Instruções Normativas nº 1, 2 e 3, de 18 de setembro de 2007, estabeleceu, respectivamente, a disciplina própria das diretrizes, normas e procedimentos para elaboração de Planos de Manejo Participativos, para a criação e funcionamento de Conselhos Deliberativos de RESEXs e RDSs e para a criação de RESEXs e RDSs. Em 4 de abril de 2008, saiu a Instrução Normativa nº 4, disciplinando os

conservação de uso sustentável, levando a conservação da biodiversidade aos territórios antropizados das cidades e do campo.

Levar a conservação aos espaços antropizados, significa, porém, questionar modos de vida, estruturas políticas e opções econômicas baseadas na lógica da acumulação e do “desenvolvimentismo” e enfrentar tabus culturais já dissociados de sua origem e necessidades históricas. Para tanto dois grandes trabalhos passaram a fazer parte do dia-a-dia do manejo das unidades de conservação, seja de proteção integral, seja de uso sustentável: a educação ambiental e a gestão participativa e compartilhada das unidades de conservação e outros espaços, público ou privados, seja com os moradores lindeiros, seja com habitantes postados dentro das unidades de conservação (BRITO, 2000; SÁNCHEZ, 2000; SANTOS, 2003).

A estratégia de gestão compartilhada das unidades de conservação, surgida basicamente com a criação das unidades de uso sustentável, tendo como clímax de sua representação as APAs e as Reservas de Biosfera, pela admissão da presença de comunidades em determinados espaços especialmente protegidos, acabou se estendendo para as unidades de proteção integral, no que tange especificamente à gestão do seu entorno e dos seus corredores ecológicos.

No Brasil, já no final do regime militar (início da década de 80), os instrumentos de gestão compartilhada começaram como meras consultas públicas e restringiam-se a parcerias tópicas, principalmente entre órgãos e entidades do próprio Estado, no desenvolvimento de alguns projetos (SANCHÉZ, 2000). Hoje, as unidades de conservação brasileiras possuem uma natureza complexa. Elas são, além de uma estratégia de conservação in situ e, portanto, ferramenta de proteção da biodiversidade, patrimônio público, instrumento de gestão territorial e de recursos e atributos ambientais e espaço de consubstanciação da democracia participativa ou direta. Tal essência marcará os seus conselhos gestores com características e objetivos indeléveis.

Com o advento do SNUC (Lei nº 9.985/2000), a gestão compartilhada entre Estado e sociedade civil das unidades de conservação passou a ter fórum qualificado e institucionalizado. Surgem aí os conselhos gestores das unidades de conservação, primeiros

instrumentos de administração de uma unidade de conservação, cujos mecanismos de formação e funcionamento, e os limites e potencialidades de atuação analisa-se em capítulo próprio. Todavia, juntamente com o conselho, outros dois instrumentos se destacam na gestão das unidades de conservação, quais sejam, o plano de manejo36 e o zoneamento ambiental nele contido (arts. 27 e 28 da Lei nº 9.985/2000). O zoneamento é a parte normativa mais inflexível da gestão, o plano de manejo é a parte programática mais flexível da gestão e o conselho gestor é parte negocial, propositiva e política da gestão, cabendo a ele participar da elaboração, implantação, monitoramento e revisão do zoneamento e do plano de manejo, promovendo pactos sociais para a superação de conflitos (IBAMA, 2001). Integram ainda o plano de manejo da unidade, como elementos de seu zoneamento territorial e, portanto, instrumento de gestão das unidades de conservação, a zona de amortecimento da unidade e seus corredores ecológicos (art. 27, §1º, da Lei nº 9.985/2000)37.

A zona de amortecimento da unidade, do ponto de vista jurídico, impõe aos proprietários e posseiros dos imóveis nela localizados obrigações de não promover atividades e obras que possam vir a prejudicar o manejo da unidade e seus objetivos de conservação. A exemplo do que ocorre com o tombamento, não dão ensejo à indenização, uma vez que não suprimem qualquer das faculdades da propriedade, mas tão somente lhe afeta o modo de as exercitar. As restrições estabelecidas pelas zonas de amortecimento aos imóveis servientes têm por desiderato a contenção dos efeitos de borda sobre a unidade de conservação (SOULÉ, 1986), em especial dos provenientes da ocupação irregular do solo, das práticas agrícolas não sustentáveis e que desconsideram a manutenção da biodiversidade e das atividades econômicas e sociais em geral que possam causar danos diretos e indiretos incompatíveis com os objetivos da unidade (VIO, 2001). Procuram também estabelecer padrões de adensamento populacional nas áreas de entorno como forma de garantir mais espaços para acomodação de

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Consoante o SNUC, zoneamento é a “(...) definição de setores ou zonas em uma unidade de conservação com objetivos de manejo e normas específicos, com o propósito de proporcionar os meio e as condições para que todos os objetivos da unidade possam ser alcançados de forma harmônica e eficaz” e plano de manejo é o “(...) documento técnico mediante o qual, com fundamento nos objetivos gerais de uma unidade de conservação, se estabelece o seu zoneamento e as normas que devem presidir o uso da área e o manejo dos recursos naturais, inclusive a implantação das estruturas físicas necessárias à gestão da unidade” (art. 2º, XVI e XVII, da Lei nº 9.985/2000).

37 Para o SNUC zona de amortecimento é o “(...) entorno de uma unidade de conservação, onde as atividades

corredores ecológicos. Caberá ao plano de manejo da unidade definir que imóveis e que atividades deverão se submeter ao controle especial da administração da unidade de conservação.

Outro instrumento de gestão contido no plano de manejo da unidade de conservação e que merece ser aqui apresentado, para dar as dimensões da tarefa e dos poderes a serem desempenhados por um conselho gestor são os corredores ecológicos38. Como ensina a Biologia da Conservação, os problemas que determinam a necessidade da criação de corredores ecológicos são a interrupção do fluxo gênico por conta da fragmentação de ecossistemas, a extinção de uma ou mais espécies por falta de espaço que possa comportar mais de uma dessas espécies, a quebra dos ciclos de energia e matéria no ambiente, como por exemplo o ciclo das águas que depende, além do clima, do relevo e da vegetação para a formação de nascentes, cursos d’água e reservatórios superficiais e subterrâneos e a degradação da fertilidade do solo e os processos erosivos (VIO, 2001; MEFFE et al, 2005; GUAPYASSU, 2006).

As unidades de conservação, as cidades e o campo são ecossistemas em si mesmos, mas estão intimamente conectados por processos ecológicos como o ciclo das águas, o regime dos ventos, a manejo do solo, o fluxo de plantas e animais. Por isso a legislação que disciplina o acesso e o uso desses territórios deve buscar a integração, de modo a tratar o meio ambiente integralmente e garantir tanto à fauna e à flora, quanto aos seres humanos que habitam, quer na cidade, quer no campo, um meio ambiente ecologicamente equilibrado e sadio.

Daí a necessidade de uma unidade de conservação integrar sua gestão territorial ao seu entorno, por intermédio das zonas de amortecimento e corredores ecológicos, a fim de evitar os efeitos de borda dos ambientes urbanos e rurais próximos (SOULÉ, 1986). O ideal seria que, num futuro próximo, todo o planeta fosse uma unidade de conservação onde o homem vivesse em harmonia com o meio natural. No entanto, estima-se que menos de 10% do

38 O SNUC define corredor ecológico como sendo as “(...) porções de ecossistemas naturais ou seminaturais,

ligando unidades de conservação, que possibilitam entre elas o fluxo de genes e o movimento da biota, facilitando a dispersão de espécies e a recolonização de áreas degradadas, bem como a manutenção de populações que detenham para a sua sobrevivência áreas com extensão maior do que aquela das unidades

território planetário está protegido na forma de unidades de conservação de proteção integral (PRIMACK ; RODRIGUES, 2001). Muitas espécies raras ou ameaçadas de extinção e muitos dos processos ecológicos básicos, como o ciclo da água, dependerão de terras particulares e terras públicas não destinadas à conservação da natureza, localizadas em áreas urbanas e rurais (PRIMACK; RODRIGUES, 2001).

Em resumo, os instrumentos de gestão das unidades de conservação são, basicamente o conselho gestor, que pode ser consultivo ou deliberativo, e o plano de manejo, dentro do qual constam o zoneamento, os corredores ecológicos e a zona de amortecimento da unidade de conservação. Verifica-se, portanto, que o poder de ação que possui um conselho gestor, mesmo sendo consultivo, é bastante significativo. Isso porque um dos principais papéis desempenhados pelos conselhos gestores é participar, seja opinando, seja deliberando, na regulamentação de direitos e obrigações sobre o acesso e o uso do território e dos recursos naturais não apenas da unidade de conservação, mas também de seus corredores ecológicos e de suas zonas de amortecimento, o que se dá pelo instrumento formal do plano de manejo e de seu zoneamento ambiental ou ecológico-econômico.