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Dos Poderes do Conselho Gestor

Chega-se aqui à segunda e mais importante lacuna deixada pelo SNUC e pelo seu Decreto regulamentar para o disciplinamento dos conselhos gestores das unidades de conservação. Trata-se de saber, afinal, quais são os poderes do conselho, quais são os poderes da chefia da unidade de conservação e quais são os poderes do órgão ambiental competente ou órgão executor, na gestão de uma unidade de conservação.

Primeiramente, importante recapitular a posição orgânica de cada um desses elementos estatais. Ambos são órgãos da Administração Pública e parte do Poder Executivo, seja Federal, Estadual, Municipal ou Distrital. O órgão ambiental competente responsável pela gestão das unidades de conservação será sempre um órgão executor do SISNAMA. De acordo

com a Lei nº 6.938/81, que instituiu a Política Nacional de Meio Ambiente, compete ao órgão executor de meio ambiente os papéis de fiscal, licenciador e gestor dos recursos naturais, seja pela administração de recursos naturais de domínio público, seja pelo controle da função social de recursos naturais sob o domínio privado (vegetação, por exemplo), cabendo-lhe ainda a regulamentação de determinadas matérias, por meio de instruções normativas e portarias, de conteúdo mais técnico, específico e procedimental.

Dentre esses bens ambientais de responsabilidade do órgão ambiental estão as unidades de conservação. Poderá existir mais de um órgão executor da política ambiental na estrutura administrativa dos entes federativos. A União, por exemplo, optou por separar as funções de fiscalização e licenciamento ambiental, que hoje cabem ao IBAMA, da função de gestão de unidades de conservação, que passaram ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Qual, então, é o poder do órgão ambiental competente na gestão das unidades de conservação? É seu poder, e também dever, exercer o suporte administrativo, logístico e financeiro das unidades de conservação e regulamentar e decidir sobre as matérias que não invadam as competências dos conselhos gestores definidas no artigo 20 do Decreto nº 4.340/0000.

E Quais são os poderes da chefia da unidade de conservação? As unidades de conservação, administrativamente, são partes, órgãos dentro do órgão ambiental competente. Cada unidade de conservação, a seu tempo, deve possuir uma estrutura administrativa mínima para a sua gestão, ou seja, seus próprios departamentos administrativos. Dentre esses departamentos administrativos estão a chefia da unidade, que faz a ponte dos interesses e obrigações do órgão executor e do Poder Executivo dentro da unidade de conservação e dos interesses do conselho gestor e da sociedade civil frente ao órgão ambiental e o Poder Executivo. Poderão ainda integrar a administração da unidade outros órgãos necessários para a sua boa gestão, como setores próprios para educação ambiental, fiscalização, acompanhamento de licenciamentos, brigadas de prevenção e combate a queimadas e incêndios florestais.

Cabe também à chefia da unidade de conservação presidir o conselho gestor da unidade. Mas em que exatamente consiste o verbo “presidir”? É antes de tudo uma função burocrática. Trata-se do elemento neutro que deverá conduzir os trabalhos do conselho, administrar o uso da palavra pelos conselheiros e convidados, registrar as deliberações do conselho de modo a dar publicidade a sua atuação, secretariar as reuniões, lembrar limitações legais, providenciar o esclarecimento de questões técnicas e científicas, representar oficialmente o conselho e a unidade de conservação, etc. Todavia, há funções políticas exercidas pela presidência como o voto de desempate e a execução das políticas definidas para a conservação da natureza em âmbito federal, estadual, distrital e municipal.

O conselho gestor da unidade é outro departamento ou órgão administrativo da unidade. É um órgão público de co-gestão, como já foi demonstrado. Sua função, ao contrário da presidência do conselho, é prioritariamente política. Suas decisões, dentro das competências que lhe forem garantidas por lei ou regulamento, são soberanas, não cabendo qualquer tipo de recurso para o seu presidente ou para o órgão ambiental competente. Mas quais são exatamente os limites e possibilidade de um conselho gestor, considerando a atual disciplina do tema prevista no artigo 20 do Decreto nº 4.340/2002?

Hoje, pela atual disciplina do referido Decreto, o papel dos conselhos gestores nas unidades de conservação federais é meramente consultivo, sejam esses classificados como conselhos consultivos ou deliberativos. O Decreto firmou-se como um engodo à efetiva participação popular nos processos de decisão relacionados ao acesso e uso de recursos naturais dentro da unidade, bem como ao efetivo controle pela sociedade da inércia ou da ação deletéria dos órgãos ambientais sobre o território das unidades de conservação. De acordo com o art. 20 do Decreto nº 4.340/2002, compete aos conselhos gestores de unidades de conservação federais:

[...]

I - elaborar o seu regimento interno, no prazo de noventa dias, contados da sua instalação;

II - acompanhar a elaboração, implementação e revisão do Plano de Manejo da unidade de conservação, quando couber, garantindo o seu caráter participativo; III - buscar a integração da unidade de conservação com as demais unidades e espaços territoriais especialmente protegidos e com o seu entorno;

IV - esforçar-se para compatibilizar os interesses dos diversos segmentos sociais relacionados com a unidade;

V - avaliar o orçamento da unidade e o relatório financeiro anual elaborado pelo órgão executor em relação aos objetivos da unidade de conservação;

VI - opinar, no caso de conselho consultivo, ou ratificar, no caso de conselho deliberativo, a contratação e os dispositivos do termo de parceria com OSCIP, na hipótese de gestão compartilhada da unidade;

VII - acompanhar a gestão por OSCIP e recomendar a rescisão do termo de parceria, quando constatada irregularidade;

VIII - manifestar-se sobre obra ou atividade potencialmente causadora de impacto na unidade de conservação, em sua zona de amortecimento, mosaicos ou corredores ecológicos; e

IX - propor diretrizes e ações para compatibilizar, integrar e otimizar a relação com a população do entorno ou do interior da unidade, conforme o caso”. (grifo nosso).

Pode-se verificar dos verbos destacados no artigo que os poderes conferidos para os conselhos gestores das unidades de conservação federais em momento nenhum possibilita que ele defina, aprove, dê a última palavra na gestão da unidade de conservação. Sequer o texto da lei faz distinção significativa entre os poderes dos conselhos deliberativos e dos consultivos. Só se fez uma distinção em relação ao poder que teria o conselho “deliberativo” de, no caso de que seja cogitada a gestão da unidade por uma OSCIP, de ratificar a contratação e os dispositivos do termo de parceria com esse tipo de instituição.

Outra exceção foi a inserida pelo art. 17, IV, da IN nº 2/2007 do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade que concedeu aos conselhos deliberativos de RESEX e RDS a possibilidade de decidir sobre propostas de pesquisa e projetos de intervenções nessas categorias de unidades e adotar medidas para que os conhecimentos e benefícios gerados sejam repartidos com as populações tradicionais ocupantes dessas unidades de conservação.

No mais, ambos os conselhos, consultivos ou deliberativos, pelo artigo 20 do Decreto 4.340/2002, só teriam direito de acompanhar a administração da unidade, que se dará pela chefia da unidade de conservação, com o apoio do órgão executor de meio ambiente, de opinar nessa administração nos casos previsto no artigo 20 é de propor algumas medidas para a unidade de conservação. O único poder efetivo comum entre os dois tipos de conselho é o poder de elaborar o seu regimento interno, mas o artigo 20 sequer utilizou a expressão

“aprovar”, o que dá entender que nem sobre o seu próprio regimento interno o conselho estaria autorizado a decidir.

Em verdade, o Poder Executivo Federal foi econômico com o direito de participação social direta na administração das unidades de conservação. Ele poderia, regulamentando o que a Lei do SNUC já estabeleceu, conferir maiores poderes de gestão ao conselho, tornando- o mais atraente à participação popular e legítimo perante a comunidade. E essa participação, por óbvio, se restringiria a regulamentar a lei, e não a criar direitos e obrigações.

Mas o que, em termos de unidades de conservação poderia ser regulamentado pelo conselho, do qual participa o próprio Estado com 50% de suas cadeiras? Ao conselho caberia regulamentar todas as questões que especificamente dissessem respeito à unidade de conservação. Seria justo e incentivador com a democracia participativa em unidades de conservação que o conselho gestor pudesse, no mínimo, decidir sobre as questões relevantes para gestão da unidade.

A primeira delas seria aprovar de forma independente seu regimento interno. Ao conselho deve caber escolher as regras que melhor atendam ao seu funcionamento legítimo e participativo. Hoje, embora o artigo 20, I, do Decreto tenha utilizado apenas a expressão elaborar, e não a expressão aprovar, há o entendimento unânime entre os órgãos ambientais e representantes da sociedade (MMA, 2004) de que o regimento interno do conselho deve ser aprovado e revisado pelo próprio conselho.

A segunda seria a elaboração e aprovação do seu plano de trabalho anual. Não faz sentido que a comunidade que viva dentro ou no entorno de uma comunidade de conservação seja autorizada a participar do conselho e não ter a palavra final quanto ao que quer ver prioritariamente enfrentado no contexto de sua comunidade e ecossistema. Deve caber a um conselho que se pretende realmente deliberativo que ele possa estabelecer definitivamente as prioridades de ação do Estado para sua realidade ecológica e cultural.

A terceira competência que deveria caber ao conselho gestor é a aprovação de seu plano de manejo e, portanto, do zoneamento ambiental da unidade e não simplesmente o seu acompanhamento. Todavia, esse entendimento não é pacífico. Os que são contrários a essa possibilidade, como é caso do IBAMA e do MMA, defendem que como o plano de manejo e o zoneamento da unidade poderão estabelecer limitações de direito administrativo a propriedades públicas e privadas, bem como a atividades econômicas, não seria legítimo ao conselho, que não foi eleito pela via da democracia representativa, aprovar tais limitações, sob pena de ferimento ao princípio da legalidade (art. 5º, II, CF53).

Todavia o argumento não procede por duas razões. A primeira é a de que foi o próprio SNUC (art. 15, §2º, art. 16, §2º, art. 18, §5º, art. 20, § 6º, art. 27 e art. 28) que conferiu à administração da unidade de conservação a possibilidade de se estabelecer tais limitações, autorizando o Poder Executivo por meio de seus órgãos ambientais a fazê-lo. O conselho é um órgão do Poder Executivo que possui 50% das cadeiras do conselho e mais o voto de minerva da sua presidência. Portanto não haveria que se falar em quebra do princípio da legalidade.

Em segundo lugar, porque as limitações administrativas que por ventura sejam estabelecidas no plano de manejo da unidade não poderão extrapolar os limites de gestão da unidade de conservação, isto é, não poderão tratar de questões que sejam estranhas à gestão do acesso e uso de recursos naturais e da proteção da biodiversidade do território abarcado pela unidade. Para tanto, deverá sempre se valer do apoio técnico e jurídico da administração da unidade de conservação que também se responsabilizam por informações erradas ou de má fé que venham a orientar mal o conselho. Não é possível se fazer uma interpretação restritiva das possibilidades de ação do conselho, considerando que é um princípio basilar do SNUC o incentivo a participação direta da sociedade nos processos de gestão da unidade de conservação.

Outro poder que deve ser exercido pelo conselho é o de definir a aplicação dos recursos por cada plano de ação anual e aprovar as contas do plano de ação do ano anterior.

Essa é uma das mais importantes funções que pode ser exercida pelo conselho, pois implica no controle dos gastos públicos com a unidade de conservação.

Deve caber também ao conselho, em homenagem ao princípio da precaução, como última voz, a desaprovação de licenças ambientais para empreendimentos potencialmente degradadores do meio ambiente que possam afetar a unidade, sua zona de amortecimento e corredores ecológicos. O art. 20, VIII, do SNUC previu apenas a possibilidade de o conselho “manifestar-se”, ou seja, emitir parecer sobre o empreendimento durante o processo de licenciamento ambiental, desde que após a conclusão do EIA/RIMA. Caso o conselho aprove o empreendimento, mesmo com condicionantes, aí sim caberia ao órgão ambiental competente pelo licenciamento aprovar ou não o empreendimento.

Em verdade, sobre o que decide um conselho deliberativo, de acordo com o Dec. nº 4.340/2002. Só sobre se aceitar ou não a gestão compartilhada com OSCIP (art. 20, VI). Tanto conselho consultivo, quanto o deliberativo, para o Decreto são a mesma coisa. E as competências consultivas se restringem aos incisos I (regimento interno), II (acompanhar os planos de manejo), V (avaliar o orçamento e o relatório financeiro anual da unidade), VII, (acompanhar a gestão de OSCIPs e recomendar a rescisão do seu termo de parceria), VIII (manifestar-se sobre licenciamentos ambientais) e IX (propor diretrizes e ações específicas). Os incisos III e IV sequer constituem poderes de consulta, mas apenas diretrizes de ação e boa conduta para os conselhos.

Todavia, isso não significa dizer que, no caso das unidades de conservação estaduais, distritais e municipais, os poderes de seus conselhos gestores, consultivos ou deliberativos, devam ficar restritos ao que determina o Decreto nº 4.340/2002. Isso porque tanto a competência para legislar sobre direito ambiental (art. 24, CF –MEDAUAR, 2008), como para executar a política ambiental (art. 23, CF-MEDAUAR, 2008), é concorrente entre União e Estado e DF.

Aos Municípios cabe legislar sobre assuntos de interesse local e ainda suplementar as normas estaduais e federais (art. 30, I e II, da CF-MEDAUAR, 2008). Isso significa

reconhecer que os demais entes da federação poderão estabelecer maiores garantias de participação, mas nunca restringir essa participação para além do que já restringiu a União. Foi o que ocorreu com os decretos de criação dos conselhos gestores das APAs Gama e Cabeça de Veado e Paranoá que, com fulcro nos respectivos decretos de criação e na Lei da Política Distrital de Meio Ambiente (Lei Distrital nº 41/89), ampliaram os poderes desses conselhos para permitir, dentre outras coisas, que elaborassem e aprovassem seu plano de manejo.

De qualquer sorte, os conselhos consultivos ainda possuem um papel importante na gestão da unidade, pois servem ao acompanhamento pela sociedade civil da gestão financeira e territorial dos órgãos ambientais competentes e demais órgãos e entidades da Administração Pública que participam do conselho. Mesmos os conselheiros de um conselho consultivo têm o direito subjetivo público de denunciar irregularidades, propor ações e soluções e resolver dúvidas que venham a ter de enfrentar durante o acompanhamento da gestão da unidade de conservação.

Desse modo, constatamos que a chefia da unidade de conservação, pelo menos em âmbito federal, é ainda soberana na tomada de todas as decisões relativas à gestão da unidade, a exceção da prevista no art. 20, inciso VI, quando o conselho da unidade for deliberativo. Aos conselhos, porém, cabe apenas o papel de acompanhar e opinar sobre a gestão da unidade de conservação.

Contudo, é possível que tal distribuição de poderes seja revista pelos demais entes federativos, principalmente pelos estados e Distrito Federal, de modo a garantir uma maior participação e legitimidade do conselho e da administração da unidade perante a comunidade da área. Foi o que aconteceu com os conselhos gestores da APA Gama e Cabeça de Veado e APA do Paranoá, cujos conselhos são deliberativos.

Enfim, como meio de mensuração, podemos considerar como poderes necessários do conselho gestor para o melhor atingimento dos objetivos da unidade de conservação é que seja deliberativo e que possa decidir sobre o seu regimento interno, sobre o seu plano de ação anual, sobre seu plano de manejo, sobre a proposta e aprovação de seu orçamento e sobre a

concessão ou não de licenças e autorizações para atividades potencialmente degradadoras do meio ambiente, conforme definição da legislação ambiental vigente.