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CAPÍTULO 2 ÁREAS PROTEGIDAS E PRODUÇÃO CIENTÍFICA

2.2 ÁREAS PROTEGIDAS NO BRASIL

Segundo estimativas, 9,5% da riqueza biológica já conhecida pela ciência estão no Brasil, cerca de 1,8 milhões de espécies. Esse montante torna o Brasil um país “megadiverso” 4

, categoria que compõe um bloco de países estrategicamente importantes nos fóruns internacionais de discussão sobre meio ambiente, incluindo Índia, China, EUA, entre outros.

A produção científica brasileira atual sobre a biodiversidade do país conhece apenas entre 170 e 210 mil espécies (Lewinsohn & Prado, 2005). A responsabilidade brasileira, como estes números indicam, é grande, tanto no aumento do conhecimento sobre essa riqueza que abrigamos como na sua conservação. Diminuir a velocidade de crescimento das taxas de extinção pode não ser prioridade para um país em desenvolvimento, e pode não ser um problema realmente global (Yearley, 2005), mas inventariar sua biodiversidade continua sendo um objetivo importante desde o século XIX. Países desenvolvidos têm listas muito mais completas (mesmo considerando que climas temperados abrigam uma biodiversidade infinitamente menor que os trópicos) há pelo menos um século. O mais completo levantamento já realizado até hoje sobre a flora brasileira, por exemplo, foi realizado há dois séculos, pelo naturalista alemão Carl

Friedrich Philipp von Martius (1794-1868). Sua obra, Flora brasilienses, lançada há

mais de 170 anos, contém textos que descrevem quase 23 mil espécies vegetais, fruto de suas expedições pelo Brasil entre 1817 e 1820

(http://florabrasiliensis.cria.org.br).

Segundo Assad,

(...), é de extrema importância para os países detentores de biodiversidade conhecer o potencial existente em diversidade biológica, sua concentração geográfica e o valor desse recurso natural. Esses conhecimentos servem de subsídios para elaboração de políticas de

4 O termo “megadiverso” foi criado durante a Smithsonian´s Biodiversity Conference, em 1988,

para referir-se ao conjunto de países que possuem, independentemente de sua extensão, cerca de 60 a 70% da diversidade biológica mundial. São eles Brasil, Colômbia, Venezuela, Equador, México, Peru, Indonésia, Índia, Austrália, China, Madagascar, Filipinas, Papua Nova Guiné, Malásia, África do Sul, República Popular do Congo e EUA (Assad, 2000).

conservação e uso sustentável desses recursos naturais, que orientam, dentre outras ações, as necessidades de investimentos em infraestrutura, a criação e demarcação de reservas naturais e as prioridades a serem dadas no campo da ciência e tecnologia (Assad, 2000:7).

Nesse sentido, nossas atuais APs desempenham papel fundamental nas pesquisas sobre biodiversidade no Brasil de hoje, tendo em vista o fato de abrigarem os últimos refúgios de espécies e interações que ainda desconhecemos. A pesquisa brasileira nas áreas ligadas à biodiversidade aumentou exponencialmente nas últimas décadas, pois, segundo Liu et al, 2011, estamos entre os dez países que mais publicam sobre o tema no mundo, hoje listados nesta ordem: EUA, Reino Unido, França, Austrália, Canadá, Alemanha, China, Espanha, Brasil e Itália.

No Brasil, o tema da biodiversidade encontra-se entre os dez mais publicados (Scarano, 2007). Cabe ressaltar que boa parte das publicações dos países desenvolvidos tem como base pesquisas de campo realizadas por seus pesquisadores em biomas tropicais. Por outro lado, Scarano (2007) aponta a contínua e progressiva perda de espécies e de habitats, verificados tanto em escala global como nacional, apesar dos recordes de publicações sobre temas relacionados à conservação ambiental, entre eles a biodiversidade.

As APs, ou unidades de conservação (UCs) no Brasil, são as últimas áreas onde uma série de novos conhecimentos, desde o desenvolvimento de novas teorias ecológicas até a descoberta de novos compostos enzimáticos, ainda pode ser testada ou experimentada, pois tendem a ter uma longa existência sem sofrer grandes alterações, permitindo a realização de estudos de longa duração, e até por esse mesmo motivo, preferidas pelas agências de fomento à pesquisa. As Unidades de Conservação (UCs) foram organizadas no Brasil pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) (Lei federal n°9985/00), definidas como espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção.

Sustentável. O objetivo das UCs de Proteção Integral é preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais. O objetivo das Unidades de Uso Sustentável é compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais (Brasil, 2004).

Na publicação Applied Ecology and Human Dimensions in Biological

Conservation (Verdade et al, 2014), são levantadas questões epistemológicas

sobre a conservação da biodiversidade altamente relevantes para a pesquisa em APs, apontando, inclusive, a necessidade de ampliação de sua base conceitual. Segundo os editores, o próprio conceito de diversidade biológica deveria ser revisto, pois ao tratar as espécies como unidades da biodiversidade, corre-se o risco de subestimar o valor de linhagens mais antigas, em termos evolutivos, que tiveram menos especiação do que grupos mais recentes. Outro fator que deve ser considerado é a influência de intervenções humanas milenares na distribuição das espécies em áreas hoje consideradas ainda intocadas (muitas dentro de UCs), mas que provavelmente foram manejadas no passado. E o principal ponto levantado pelos editores como limitante para a tomada de decisão em conservação é a falta de uma política de monitoramento que permita a detecção de alterações na biodiversidade dos biomas a tempo de serem solucionados

(Verdade et al, 2014), onde a pesquisa em APs exerceria papel central.

O Brasil possui hoje o maior sistema de APs do mundo, totalizando cerca de 220 milhões de hectares ou 12,4% das APs do planeta (WDPA, 2012), oferecendo, portanto, grande oportunidade para o desenvolvimento científico. Ao pesquisar sobre a relação entre a comunidade científica da Região Norte do Brasil e APs localizadas nesta porção do território brasileiro, por exemplo, Nonato

(2012) constatou que 67% dos cientistas entrevistados nessa região

(correspondendo a 212 pesquisadores) atuam em APs. Destes, 76% indicaram que a importância dessas áreas é alta e/ou indispensável para suas pesquisas.

Em suas categorias de APs, o Brasil possui, inclusive, alguns tipos de UC dedicados principalmente à preservação e à pesquisa científica, como as Resevas Biológicas, as Áreas de Relevante Interesse Ecológico e as Estações

Ecológicas, todas elas sob o regime de proteção integral, lembrando que a pesquisa é permitida em todas as outras categorias de manejo estabelecidas para UCs. Idealizadas pelo pesquisador e primeiro Secretário de Meio Ambiente da esfera federal, o Professor Dr. Paulo Nogueira Neto, as Estações Ecológicas, como apontado no Capítulo 2, foram uma estratégia importante para expandir o número de APs no país no início da década de 1980, quando tínhamos apenas quatro parques nacionais (Castro & Pisciotta, 2012).

Ainda segundo Castro & Pisciotta (2012), foi no Código Florestal brasileiro de 1965 que apareceu, pela primeira vez, a promoção de atividades científicas como uma das finalidades dos Parques Nacionais, além das educacionais, recreativas e de proteção de belezas naturais. Mas foi na década de 1970, quando se iniciou a criação de um grande número de APs na Amazônia, que o critério científico passou a ser considerado relevante para a delimitação de novas áreas.

(...), o IBDF5 considerou de alta prioridade aquelas indicadas com base na análise de trabalhos científicos que reforçavam a “Teoria dos Refúgios”. Embora esta teoria seja atualmente contestada (pois não explica a distribuição de uma gama ampla de espécies e exclui o elemento humano de suas análises, extremamente importante para esta região) ela serviu como embasamento científico para delimitar áreas naturais protegidas naquele momento (Castro & Pisciotta, 2012:195). O aumento da criação de APs foi a principal resposta de muitos países que ratificaram a CDB, frente ao desafio de reduzir a crescente perda de espécies e a degradação dos principais biomas do planeta. O Brasil foi responsável por 74% do aumento na área global protegida desde 2003, graças à criação de grandes UCs localizadas principalmente no bioma amazônico (Jenkins & Joppa,

2009). Bernard et al (2014) afirmam que entre meados da década de 1990 e

meados dos anos 2000, o Brasil expandiu fortemente suas APs, criando reservas enormes, como o Mosaico Terra do Meio (5 milhões ha), a Estação Ecológica Grão-Pará (4,2 milhões ha) e a Floresta Estadual do Paru (3,6 milhões ha), todas

na região amazônica. Atualmente, o Estado do Amapá, por exemplo, que pertence à região da Amazônia Legal, possui 70% de seu território dentro de APs.

A criação de UCs de uso sustentável nessa região do país abriu espaço para pesquisa de outras áreas de conhecimento para além das Ciências Biológicas, pois essas áreas demandam estudos também relacionados à sustentabilidade das populações que vivem em seu interior, proibidas de explorar os recursos naturais livremente. Segundo depoimento de pesquisadora da região, “na Região Norte, os pesquisadores precisam das Unidades de Conservação e as Unidades precisam dos pesquisadores” (Nonato, 2012).

Hoje o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) conta com cerca de 1.600 UCs distribuídas por nossos biomas, abrangendo uma área de 1,5 milhão Km² (Castro & Pisciotta, 2012). Contudo, Bernard et al (2014), que analisaram processos de redução, eliminação, diminuição do grau de proteção e de reclassificação de APs brasileiras entre Janeiro de 1981 e Dezembro de 2012, afirmam que, desde 2007, aumentou a frequência desses quatro tipos de alterações, e desde 2009, a criação de novas APs sofreu uma estagnação. Ainda segundo Bernard et al (2014), com relação às UCs federais, até o momento, o governo não eliminou nenhuma AP, contudo, vem acelerando o número de alterações relacionadas à diminuição de área e de grau de proteção, indicando uma recente mudança nos rumos das políticas de APs no país.

Estudos do próprio Ministério do Meio Ambiente (MMA) mostram que apenas as fontes de financiamento atuais não serão suficientes para manter a viabilidade dessas UCs em longo prazo (MMA, 2007). No período entre Agosto de 2011 e Julho de 2012, por exemplo, as terras indígenas e UCs já somaram 11% das áreas sob risco de desmatamento, na região da Amazônia Legal (Imazon,

2012). Essa região detém hoje a maior área protegida do país, cobrindo 16% de

sua área total dentro de UCs, das quais 8% são de proteção integral, abrangendo também as maiores UCs em extensão. Na maior parte dos outros biomas brasileiros, porém, a área protegida é relativamente pequena e muito fragmentada, ficando abaixo da média mundial, que hoje é de 5% por bioma (IBGE, 2012).

Rylands& Brandon (2005) lembram que entre os desafios de gerir esse grande

número de APs estão também as ambições de programas de desenvolvimento governamentais, voltados principalmente para as áreas de energia, infraestrutura, indústria e agricultura. Cabe ainda lembrar que nenhum país signatário da CDB, apesar do esforço para criação de novas APs, atingiu qualquer meta de redução nas taxas de extinção de espécies estabelecidas para o ano de 2010.