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CAPÍTULO 2 ÁREAS PROTEGIDAS E PRODUÇÃO CIENTÍFICA

2.3 PESQUISA EM AREAS PROTEGIDAS DE MATA ATLÂNTICA

A Mata Atlântica é hoje o bioma mais ameaçado do país, tendo restado somente 7,9% de remanescentes florestais em fragmentos acima de 100 hectares (representativos para a conservação da biodiversidade) em todo o território nacional (INPE/Fundação SOS Mata Atlântica, 2012), impossibilitando, em curto prazo, o alcance da meta adotada pelo MMA de proteger 10% de cada bioma brasileiro dentro de APs6 (Figura 4).

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Meta estabelecida durante o III Congresso Mundial de Parques Nacionais e outras Áreas Protegidas, realizado em Bali, em 1982, definindo que cada província biogeográfica deveria ter

Fonte: JOPPA et al, 2008

Figura 4 – Comparação do grau de fragmentação entre duas áreas protegidas do bioma Mata Atlântica (A) e (B), além de sua localização (C); espectro de fragmentação possível para paisagens desmatadas (D); grau de fragmentação e desmatamento em quatro biomas analisados (Floresta Amazônica, Floresta do Congo, Mata Atlântica e Florestas do Oeste Africano) onde se destaca a Mata Atlântica (em vermelho) como a mais fragmentada (E). Círculos pretos nas linhas correspondem à distância no interior (valores negativos) ou no entorno (valores positivos) dos limites das áreas protegidas. Valores de distância (em quilômetros) estão localizados sobre cada círculo. Todas as categorias de áreas protegidas foram combinadas para a análise. Os resultados de desmatamento e fragmentação das áreas mostradas em A e B estão destacadas com as letras

A e B.

No plano federal, o MMA, desde a década de 1990, desenvolve o chamado Programa Nacional da Diversidade Biológica (PRONABIO), cujos objetivos estão relacionados com os princípios da CDB e da Agenda 21. Esse programa possui dois instrumentos financeiros, o Projeto de Conservação e Utilização Sustentável da Diversidade Biológica Brasileira (PROBIO), que opera no plano governamental, e o Fundo Brasileiro para Biodiversidade (FUNBIO), que

opera com fundos de uma parceria entre o governo federal e o Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF), do Banco Mundial. Uma das principais iniciativas do PROBIO foi a identificação de áreas prioritárias para a conservação dos biomas brasileiros, incluindo a Mata Atlântica, realizada através de consulta a diversos pesquisadores especialistas (Carvalho in Galindo-Leal & Câmara, 2005).

Os recursos de criação do FUNBIO (cerca de US$ 30 milhões) possibilitaram a execução do Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil (PPG7), coordenado pelo Banco Mundial e que tem como foco de atuação a Floresta Amazônica e a Mata Atlântica. Segundo Carvalho in

Galindo-Leal & Câmara (2005), dois projetos se destacam pela importância para

a Mata Atlântica: o de Corredores Ecológicos das Florestas Neotropicais e os Projetos Demonstrativos (PDA/PPG7). Há também um subprojeto específico para a Mata Atlântica que tem como um dos objetivos aumentar a quantidade de hectares de APs na Mata Atlântica, além de apoiar a integração do manejo com a ocupação urbana nas áreas de amortecimento de UCs do bioma

(http://www.mma.gov.br/port/sca/ppg7/mataatla/index.html).

No Estado de São Paulo, existem atualmente 88 UCs estaduais, sendo 40 de uso sustentável e 48 de proteção integral, totalizando uma área de 3.883.619 hectares, correspondentes a 15,6% do território paulista. Essa área abrange três tipos de biomas, a Zona Marinha Costeira, o Cerrado e a Mata Atlântica (SÃO PAULO, 2011). Em todo o Estado, 67,4% de sua área eram ocupados pelo chamado Domínio Atlântico, que inclui todas as fitofisionomias da Mata Atlântica (Joly et al., 1999), correspondendo hoje a área de abrangência de 554 municípios e de uma população de 36.040.824 habitantes. Porém, atualmente, restam apenas cerca de 23,35%, dos quais 8,03% estão em UCs, federais ou estaduais (MMA, 2010). Segundo Kronka et al., (2003), menos de 5% desses remanescentes são efetivamente de florestas que não sofreram alterações causadas pela ação humana. Segundo Souza (2008),

Os fragmentos florestais remanescentes apresentam diversos tamanhos, formas, estágios de sucessão e situação de conservação. Cerca de

protegidos na forma de Unidades de Conservação. Nos 500 anos de fragmentação e degradação das formações naturais, restaram apenas as regiões serranas por serem impróprias para práticas agrícolas (Souza,

2008:7).

Para o MMA (2010), cerca de 80% dos remanescentes de Mata Atlântica paulistas correspondem justamente às matas úmidas de encosta, à floresta ombrófila densa, onde o desenvolvimento de atividades econômicas ou de ocupação humana é geograficamente bem mais complicado. Ainda segundo o

MMA (2010), os atuais fragmentos de Mata Atlântica de São Paulo são

considerados insuficientes para a manutenção da sua biodiversidade e, dependendo do grau de fragmentação, os ecossistemas nativos podem ser conduzidos a situações limite, dados o isolamento das últimas populações de fauna e flora, o empobrecimento genético e o crescente efeito de borda sobre os remanescentes. O desmatamento, os incêndios, a caça e o tráfico de espécies são as principais ameaças ao bioma em São Paulo, que implicam na redução direta de sua biodiversidade atualmente.

Institucionalmente, a Mata Atlântica paulista tem recebido apoio através de projetos e recursos. Atualmente, o governo estadual desenvolve alguns programas como o Ecoturismo na Mata Atlântica e o Programa de Restauração Florestal, que representa o principal programa piloto do Pacto de Restauração da Mata Atlântica, movimento que envolve mais de 150 entidades e que tem como meta restaurar 15 milhões de hectares do bioma até 2050. A Mata Atlântica também foi escolhida para receber o maior programa socioambiental com financiamento internacional do Estado de São Paulo, o Programa de Recuperação

Socioambiental da Serra do Mar e Mosaicos de Mata Atlântica (Decreto 55.408 de 09/02/10). Com financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)

e contrapartida do Governo do Estado de São Paulo, o programa abrange a maior UC do Estado, o Parque Estadual da Serra do Mar (PESM), o Mosaico de Unidades de Conservação Marinhas e a Estação Ecológica de Juréia-Itatins. Com um orçamento da ordem de R$ 818,64 milhões, o programa prevê realocação de moradores de UCs e áreas vulneráveis da Serra do Mar, recuperação ambiental de áreas degradadas, regularização fundiária, implantação de infraestrutura de

serviços de proteção e fiscalização, uso público, educação ambiental e fomento a atividades sustentáveis (SÃO PAULO, 2011).

Se no plano institucional a Mata Atlântica tem sido contemplada por alguns programas, no plano acadêmico, de maneira geral, as UCs paulistas inclusive as do bioma Mata Atlântica, não receberam a devida contrapartida das instituições de pesquisa ou de seus pesquisadores, que poderiam contribuir para o aumento da difusão do conhecimento sobre os biomas e sua conservação, a despeito do investimento realizado em pesquisas na área de conservação na última década. As pesquisas ligadas a temas ambientais, muitas delas realizadas, em parte, no interior de UCs, receberam grande aporte de recursos nos últimos anos. Somente o Programa BIOTA/FAPESP recebeu da agência de fomento, no período entre 1998 e 2009, o equivalente a R$ 89.260.949,577 em forma de auxílios pesquisa e bolsas para os pesquisadores vinculados (Castro, 2011). Segundo Castro& Pisciotta (2012),

(...), embora existam muitos estudos realizados sobre a Mata Atlântica e a maior parte dos pesquisadores esteja situada na área do Domínio Mata Atlântica, grande parte da informação está dispersa ou inacessível. Além disso, não há um comprometimento geral por parte das universidades e centros de pesquisa em divulgar os resultados das suas pesquisas para a “sociedade extra-acadêmica” (LINO & BECHARA, 2002). Há uma dificuldade de interação entre a ciência e a tomada de decisão para a conservação (Castro & Pisciotta, 2012:200).

Castro (2004), ao estudar a relação entre pesquisadores e gestores no

Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (PETAR), importante UC de Mata Atlântica em São Paulo, mostra que a agenda de pesquisa é sempre adequada pelas universidades e nunca discutida com a gerência da unidade, além dos resultados serem publicados em linguagens muito específicas, que dificultam sua aplicação direta. Segundo Castro & Pisciotta, 2012,

As instituições de pesquisa são as principais realizadoras de pesquisas nas UCs, ao lado de um tímido aporte de investimento em pesquisa dos órgãos gestores. O que, por um lado, significa para o órgão gestor uma economia de recursos financeiros e humanos, por outro, significa uma conformidade a agenda de pesquisas das instituições de pesquisa que

não necessariamente coincide com as necessidades de gestão da UC

(Castro & Pisciotta, 2012:206).

Matsubara (2012) fez um levantamento das publicações científicas

nascidas de pesquisas desenvolvidas em todos os parques estaduais das regiões Sul e Sudeste do Brasil, publicados entre 2005 e 2012, encontrando um total de 2.081 registros. Esse número sugere o potencial, em dados e informações gerados através de pesquisas, as quais, talvez, possam ajudar na gestão e até na sobrevivência dessas APs a médio e longo prazo.

Através de um estudo, Carneiro et al (2009) descobriram que a produção científica para as áreas de Mata Atlântica, no período entre 1940 e 2008, é encontrada em 510 periódicos e 2.894 artigos, registrando um incremento a partir da década de 1990, sendo aproximadamente 75% publicados em periódicos nacionais. O primeiro estudo registrado no país foi de Davis (1945), que teve como área de estudo a floresta atlântica da Serra dos Órgãos, no Estado do Rio de Janeiro, indicando que há tempos há registro de dados e informações sobre esse bioma. (Figura 5)

Fonte: Carneiro et al (2009)

Figura 5 – Produção bibliográfica em biodiversidade e ecologia de Floresta Atlântica de autores

brasileiros no período de 1945 a 2008.

A Mata Atlântica paulista é fonte expressiva de produção científica, uma vez que as áreas de ocorrência do bioma coincidem com as áreas onde estão instalados os campi de algumas das principais universidades do país no Estado de

São Paulo (Universidade de São Paulo – USP, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP e Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP), ou em áreas próximas a estes centros de pesquisa. Todos eles possuem cursos de pós-graduação nas áreas de ciências ligadas a temas ambientais, como Botânica ou Ecologia, desde a década de 19708. Em uma busca rápida através dos sistemas de bibliotecas digitais das três universidades e analisando apenas as teses e dissertações, encontramos 474 registros para a expressão “mata atlântica” nas produções da USP, 438 nas produções da UNESP e 109 registros nas teses da UNICAMP9.

O conhecimento científico sobre a Mata Atlântica paulista se acumula em relatórios, periódicos, artigos, livros e teses, guardados em arquivos, bibliotecas ou computadores pessoais, sem que os órgãos gestores das UCs do bioma tenham acesso.

Há um órgão que cuida do cadastro e da concessão das autorizações para pesquisas nas UCs paulistas, a Comissão Técnico Científica (COTEC), ligada ao Instituto Florestal (IF), um dos órgãos que administra as UCs em São Paulo, junto à Secretaria do Meio Ambiente (SMA). Desde 1988, quando a COTEC iniciou o registro de pesquisas, até 2012, havia 2.368 projetos de pesquisa cadastrados, com destaque para os Parques Estaduais e Estações Ecológicas (CASTRO & PISCIOTTA, 2012). Porém, não há disponibilização dos resultados nem acompanhamento das pesquisas desenvolvidas. Segundo as autoras, há também uma predileção por parte dos pesquisadores, em relação à realização de pesquisas em UCs específicas, por conta do oferecimento de uma infraestrutura mais adequada, em detrimento de outras APs que oferecem menos facilidades para os pesquisadores (alojamentos, estradas de acesso, guias de campo, entre outros). Portanto, os estudos científicos estão, de certa forma, espacialmente concentrados.

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A USP oferece mestrado em Botânica desde 1970. A UNESP oferece mestrado em Biologia Vegetal desde 1981. A UNICAMP oferece mestrado em Ecologia desde 1976.

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Segundo a lei federal que regulamenta o funcionamento das UCs (SNUC, lei n°9985/00) é necessário que cada unidade tenha um documento contendo as principais diretrizes de planejamento e gestão da área, denominado Plano de Manejo, que deve ser revisto a cada cinco anos. A elaboração desses documentos é uma ótima oportunidade de estimular a participação direta de pesquisadores neste processo, porém, os órgãos gestores não o fazem. Quando da necessidade de elaboração ou revisão destes planos para as UCs, pelo menos no Estado de São Paulo, o procedimento padrão é a contratação, via processo licitatório, de empresas de consultoria ambiental, que ficam então responsáveis por elaborar um diagnóstico expedito, que irá embasar desde o zoneamento da UC até o manejo de espécies invasoras, por exemplo.

Portanto, um dos desafios que, se superado, talvez diminua a velocidade de degradação generalizada dos ecossistemas e biomas, é conseguir atrelar informações e resultados de pesquisas à prática real da conservação ambiental, aproximando pesquisadores do exercício da política pública de conservação. Na escala das APs, esse diálogo pode se dar basicamente entre os pesquisadores que trabalham nessas áreas e aqueles diretamente responsáveis pela sua gestão.