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CAPÍTULO 2 ÁREAS PROTEGIDAS E PRODUÇÃO CIENTÍFICA

2.1 ÁREAS PROTEGIDAS NO MUNDO

Frente ao desafio de reduzir a degradação dos principais biomas do planeta e a crescente perda de espécies, muitos países, signatários da Convenção da Diversidade Biológica (CDB) (http://www.cdb.gov.br/CDB), aprovada durante a Conferência Rio 92, encontraram como principal resposta o aumento da criação de APs. Somadas as atuais 158 mil APs espalhadas pelo mundo, estas cobrem hoje cerca de 13% da superfície terrestre (WDPA, 2012), e há a intenção, estabelecida durante a décima Conferência das Partes (COP-10) da CDB, realizada em Nagoya, Japão, em 2010, de chegar aos 17%

(http://www.cbd.int/doc/decisions/COP-10/cop-10-dec-02-en.pdf).

Devido as suas extensões territoriais e a sua diversidade, as APs são essenciais para a manutenção da biodiversidade e de serviços ecossistêmicos, incluindo estocagem e sequestro de carbono (Bernard et al, 2014). No entanto, há quem questione a efetividade das APs na manutenção das espécies em tempos de mudanças climáticas e outros vetores de mudanças ambientais, pois estas estão fazendo com que espécies mudem seus locais de ocorrência, segundo Thomas et al (2012). O argumento, de maneira geral, é de que as APs são estáticas, enquanto a colonização de novas áreas por espécies que procuram novos refúgios é dinâmica (Araujo et al, 2004). Esse impasse pode ter implicações legais, uma vez que muitas APs foram criadas justamente para

proteger determinadas espécies que, em se mudando o clima, podem não mais viver nestas áreas previamente designadas (Cliquet et al, 2009).

These observations, combined with predicted future changes to the composition of biological communities inside Protected Areas (PAs), call into question the long-term protection provided to species by PAs, because species may shift out of the sites where they were previously considered to be protected, and the legislative basis for protection in situations where legal PA designation stems from the occurrences of particular species or biological communities that may not remain within the PAs in the future (Thomas et al, 14063:2012).

Apesar desta controvérsia sobre a efetividade das APs, Thomas et

al (2012) descobriram, analisando a nova distribuição de algumas espécies de

pássaros e borboletas, ocorrida devido às mudanças climáticas sofridas na Grã Bretanha, que há sim, pelo menos entre as espécies consideradas especialistas, um alto grau de dependência de outras APs para habitarem. Espécies que habitavam APs na região sul da ilha agora ocupam outras mais ao norte, devido às alterações climáticas.

Além disso, Thomas et al (2012) concluíram que a importância das APs se mantêm, pois ainda oferecem condições favoráveis para que espécies colonizem até o limite de suas fronteiras, possibilitando a dispersão para novas regiões. Suas pesquisas envolvendo sete espécies britânicas, entre pássaros e borboletas, indicam que estas colonizaram novas APs cerca de 4,2 vezes mais frequentemente (em média) do que o esperado, dada a viabilidade oferecida pelas novas áreas colonizadas. Em outro levantamento, envolvendo apenas invertebrados (256 espécies), os autores concluíram que 98% das espécies estão associadas à colonização de novas APs. Eles também afirmam que apesar da colonização favorecer APs em geral, nem todas as espécies respondem favoravelmente a essa mudança, evidenciando as particularidades relacionadas ao habitat ou outras condições que só estavam disponíveis nas APs originalmente habitadas. Essas descobertas reafirmam a importância das APs, facilitando, inclusive, essa mudança geográfica das espécies, além de mostrar a relevância dos pequenos fragmentos para novas colonizações, afirmam os autores.

As APs localizadas em biomas tropicais, em sua maioria, portanto, situadas em países em desenvolvimento, segundo Laurance et al (2012), são as mais ameaçadas pelo aumento das pressões causadas, principalmente, pela expansão do crescimento urbano atual. Segundo Cincotta et al (2000), que desenvolveram um estudo populacional humano em 24 áreas consideradas prioritárias para conservação da biodiversidade no planeta (os chamados

Hotspots1), as taxas de crescimento populacional, na maioria delas, estão acima da média mundial, indicando aumento das ameaças a essas áreas, incluindo os biomas Mata Atlântica e Cerrado, no Brasil .

Segundo Joppa et al (2008), as florestas tropicais abrigam a maioria das espécies terrestres do planeta, e a cada década, ações humanas (como exploração de produtos florestais e cultivos) destroem entre 1 e 2 milhões de Km² dessas áreas, combinadas à emissão de carbono para atmosfera. As APs nestes biomas são, portanto, a principal defesa contra a perda de florestas e a extinção de espécies.

Ao analisarem o grau de desmatamento e de fragmentação dentro e no entorno das principais APs em quatro grandes biomas tropicais úmidos do planeta (Floresta Amazônica, Floresta do Congo, Mata Atlântica e Florestas do Oeste Africano), Joppa et al (2008) mostram como o nível de isolamento é gritante naqueles biomas considerados “Hotspots”, como a Mata Atlântica, quando comparados a biomas considerados “Wilderness Areas”2

, como a Floresta Amazônica, por exemplo (Figura 3).

1 O termo “Hotspot” (Myers et al, 1988) designa áreas extremamente ricas em biodiversidade,

definidas com base em dois critérios principais: número de espécies endêmicas existentes em seus ecossistemas e o alto grau de ameaça a essas espécies. Atualmente são 24 áreas em todo o planeta, muito fragmentadas, que correspondem a cerca de 2% da superfície do globo e que contêm, de maneira desproporcional, grande parte da biodiversidade terrestre. O Brasil possui atualmente dois Hotspots, a Mata Atlântica e o Cerrado.

2 O termo “Wilderness Areas” (Mittermeier et al, 1998) designa biomas cuja extensão territorial

ainda é grande, possuindo pelo menos 75% de sua vegetação original ainda intacta e apresentando baixa densidade populacional (>5 habitantes/Km²), sendo considerados menos ameaçados.

Fonte: JOPPA et al, 2008

Figura 3 – Porcentagem de vegetação natural dentro e no entorno de áreas protegidas em quatro

áreas geográficas analisadas: Floresta Amazônica (A), Mata Atlântica (B), Floresta do Congo

(C) e Florestas do Oeste Africano (D). Categorias da IUCN3 estão organizadas em ordem decrescente de grau de proteção de I a VI. Categorias de I a IV são voltadas para a proteção da biodiversidade, enquanto as categorias V e VI estão sujeitas a múltiplos usos. Distâncias negativas estão no interior de áreas protegidas; distâncias positivas estão no seu entorno.

Além da intensa fragmentação sofrida pelos biomas tropicais, resultando no crescente isolamento das APs, há também perda da qualidade ambiental desses fragmentos, pois o declínio populacional ou mesmo a extinção de espécies, decorrentes do isolamento, levam ao empobrecimento da biodiversidade local e, muitas vezes, compromete funções importantes como reprodução ou controle populacional, podendo levar o fragmento ao colapso.

3

Laurance et al (2012) elaboraram um diagnóstico da “saúde” de 60

APs em 36 países localizados nas regiões tropicais do planeta. Neste estudo, os autores chamaram a atenção para a ausência de dados organizados sobre os principais grupos de seres vivos presentes em boa parte dessas áreas. Com as poucas informações disponíveis, esses pesquisadores elaboraram um panorama das principais alterações ocorridas em um período entre 20 e 30 anos, para 31 grupos diferentes de espécies-chave, considerando 21 vetores de mudanças ambientais ocorridas no interior e no entorno imediato das APs avaliadas, como abertura de estradas e áreas de cultivo agrícola, por exemplo (Tabela 1).

Tabela 1 – Lista das 31 guildas de plantas e animais, além dos 21 vetores de mudanças ambientais, avaliados tanto no interior das 60 áreas protegidas quanto em seu entorno imediato

Guildas Potenciais Vetores de Mudanças Ambientais Guildas amplamente dependentes de floresta

Predadores de topo de cadeia Mudanças na cobertura vegetal Grandes espécies não predadoras Corte seletivo de madeira Primatas Incêndios

Mamíferos onívoros oportunistas Caça

Roedores Retirada de produtos florestais não madeireiros Morcegos Mineração ilegal

Aves insetívoras de sub-bosque Rodovias

Aves de rapina Tráfego de automóveis Grandes aves frugívoras Cultivo de espécies exóticas Grandes aves predadoras Densidade populacional humana Lagartos e grandes répteis Pastagens

Serpentes venenosas Poluição atmosférica Serpentes não venenosas Poluição hídrica Anfíbios terrestres Assoreamento Anfíbios de água corrente Erosão do solo

Peixes de água doce Alterações de corrente de rios e córregos Escaravelhos Alteração da temperatura ambiente Formigas Alteração nas chuvas anuais Invertebrados aquáticos Secas severas ou intensas Grandes árvores fanerógamas de crescimento lento Enchentes

Epífitas Vendavais

Outros grupos funcionais

Especialistas ecológicos

Espécies dependentes de cavidades em troncos Espécies migratórias

Guildas Favorecidas por distúrbios

Lianas e cipós

Árvores pioneiras e generalistas Espécies exóticas

Invertebrados vetores de doenças Mariposas

Doenças humanas

Fonte: Laurence et al, 2012 (tradução nossa)

Os autores analisaram áreas que tinham, em média, quase cem mil hectares, além de estarem classificadas em diferentes categorias de proteção, desde a mais restritiva até a de múltiplos usos, além de possuírem grau de isolamento semelhante entre si. Segundo o diagnóstico elaborado, aproximadamente metade das áreas estudadas estão conseguindo manter suas

funções ecológicas em bom funcionamento, embora apresentem algum distúrbio, como presença de espécies invasoras, por exemplo. Esse resultado é atribuído à melhora na proteção dada a essas áreas, capaz de inibir atividades como caça ou desmatamento. Mas a outra parte apresenta acentuada erosão de biodiversidade, com perdas expressivas tanto funcionais quanto taxonômicas. Cerca de quatro quintos das áreas analisadas obtiveram algum valor negativo, indicando declínio em sua saúde.

Destruição de habitats, caça predatória e exploração de produtos florestais são os principais vetores de degradação dessas áreas, mas as atividades realizadas no entorno imediato delas são tão determinantes para seus destinos quanto aquelas realizadas em seu interior. Em 85% das reservas foi detectado o declínio de áreas florestadas ao redor, indicando uma ameaça eminente.

Para realizar esse grande diagnóstico Laurance et al (2012) reuniram dados dos 10 grupos de seres vivos (animais e vegetais) mais estudados, que estavam disponíveis em cerca de 80% das reservas analisadas. Esse diagnóstico poderia ser ainda mais preciso se houvesse acesso às pesquisas e dados levantados nessas APs sobre os outros 11 grupos analisados. Porém, essas informações devem estar dispersas em diferentes publicações, sem que os órgãos gestores dessas áreas tenham acesso ou mesmo conhecimento dos estudos ali realizados. Segundo Drucker (2012),

Ainda que muitos esforços estejam sendo empenhados para se preservarem dados de biodiversidade, a maior parte dos dados já coletados e que continuam sendo gerados por projetos de levantamento de campo provavelmente será guardada em gavetas e computadores pessoais e não será disponibilizada (Drucker, 2012:70).

Portanto, outra ameaça à longevidade das APs, para além do

desmatamento e da caça predatória, é o mau gerenciamento das informações originadas pelas pesquisas conduzidas em seu interior. Dados que poderiam ser aproveitados no manejo dessas áreas são comumente negligenciados, tanto por gestores quanto por pesquisadores, desperdiçando recursos e oportunidades de