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3 PRÁTICAS EUGENÉSICAS NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO

3.1.3 Árvore Genealógica

Uma vez que os ditames da Eugamia desprezavam os resultados obtidos através de apreciações subjetivas das qualidades inerentes a determinado casal, seus adeptos passaram a adotar parâmetros que propiciassem uma seleção científica utilizando-se de critérios objetivos, que permitiriam que se alcançassem conclusões definitivamente acertadas, ou pelos menos aproximadas no que dizia respeito à obtenção de maiores probabilidades de acerto na consecução de seus objetivos, evitando assim que as escolhas amorosas se efetivassem baseando-se apenas nos sentimentos e nos instintos. Esta diferença, segundo a teoria eugâmica, consistiria em acertar na escolha de um objeto com os olhos vendados ou localizá- los mediante a iluminação com potentes refletores.447

Sendo assim, um dos mais importantes instrumentos para efetivar os juízos objetivos a respeito da ancestralidade de um indivíduo seria a árvore genealógica dos candidatos à reprodução. Para este fim aboliam-se as nobres linhagens e

445 NÁGERA, A. Vallejo. Eugamia: Seleção de Novios. San Sebastian: Española, 1938, p. 103. 446 Ibid., p. 104 – 105.

valorizavam-se as características biopsíquicas e as taras patológicas transmissíveis hereditariamente através das gerações.448

As informações acerca dos membros sadios das famílias eram consideradas tão importantes como os dados a respeito dos enfermos, sendo que os antecedentes eram registrados em forma de genealogia ou história familiar. Estas “árvores”, utilizadas até hoje em genética clínica permite observar como s eproduziu e foi transmitida uma enfermidade de origem genética.449

A obtenção de dados para a elaboração da árvore genealógica esbarrava, entretanto, em várias dificuldades, dentre as quais o caráter vergonhoso adquirido por algumas patologias como as mentais e as infectocontagiosas, e o progressivo desaparecimento do médico de família, a melhor fonte informativa a respeito das enfermidades familiares transmissíveis hereditariamente.450

Por outro lado, acreditava-se naquela época451 que o melhor índice de idoneidade eugenésica seria representado pela real capacidade de prosperar na vida, pressupondo-se que aqueles indivíduos que haviam triunfado seriam os melhores dotados qualitativa e quantitativamente no que dizia respeito às habilidades, atitudes, inteligência e caráter, e que aqueles que fracassaram o fizeram porque eram, na melhor das hipóteses, medianamente dotados destas mesmas características.452

Considerava Nágera que o triunfo na vida seria sempre a representação de um conjunto de dotes e habilidades positivas, qualidades estas que, a partir de cruzamentos convenientes poderiam conservar-se e até serem exaltados, além de se tornarem passíveis da transmissão através das gerações, levando ao mesmo tempo, a uma inevitável modificação do meio ambiente subjacente.453

Considerava o autor, que a sociabilidade ou associabilidade seria um dos dados mais importantes da árvore genealógica, de forma que comportamentos sociopáticos, detectados reiteradamente no tronco e nos ramos colaterais desse gráfico seriam suficientes para considerar os indivíduos dessa família como indesejáveis ou sem qualidades convenientes aos casamentos seletos. A

448 NÁGERA, A. Vallejo. Eugamia: Seleção de Novios. San Sebastian: Española, 1938, p. 107 - 108 . 449 MÍNGUEZ, Maria Isabel Tejada, Genética Médica e Eugenesia. In: CASABONA, Carlos Maria

Romeo (Ed.). La eugenesia hoy, Bilbao: Comares, 1999, p. 159.

450 NÁGERA, op. cit., p. 108. 451 Ibid., loc. cit.

452 Ibid., p. 108 - 109. 453 Ibid., p. 110.

moralidade de um grupo também estaria intrinsecamente ligada à sociabilidade ou associabilidade familiar.454

A árvore genealógica era elaborada a partir das características colhidas dos quatro avós do indivíduo, seus pais, irmãos e do maior número possível de colaterais, se estruturando a partir de cinco troncos que corresponderiam respectivamente à saúde hereditária (ramo onde eram catalogadas as enfermidades hereditárias familiares, as doenças infectocontagiosas, e a propensão a patologias como o reumatismo, gota, e diabetes mellitus), as aptidões intelectuais, a conduta sócio-familiar, o tipo de ambiente familiar e a prosperidade econômica.455

Dentre as enfermidades hereditárias e familiares mais valorizadas encontravam-se o albinismo, a catarata congênita, o daltonismo, pênfigo hereditário, ictioses, hipertricoses, polidactilia, microcefalia, pés tortos, diabetes insípida, distrofia muscular progressiva, corea de Huntington, enfermidades psíquicas endógenas (esquizofrenia, ciclofrenia, paranoia), psicopatias graves, epilepsia, alcoolismo, toxicomanias, oligofrenia e outras. As doenças infectocontagiosas eram representadas principalmente pela tuberculose, sífilis e outras doenças venéreas.456

As habilidades intelectuais eram representadas pelas profissões dos ascendentes diretos, dos colaterais de primeiro grau, pelos talentos dominantes, pelos dotes literários e artísticos no tronco familiar, levando-se em conta a percentagem de indivíduos pertencentes àquela família que se destacaram intelectual ou artisticamente.457

A conduta social familiar era representada pela origem urbana ou rural do tronco familiar, pela existência de migração, pelas ideias políticas dominantes (inclusive da existência de revolucionários), pela frequência de divórcios e separações legais, pela existência de filhos ilegítimos, e pelo índice de suicídios.458

O meio ambiente familiar poderia ser caracterizado como aristocrático, industrial, comercial, universitário, artístico, artesão, obreiro ou literário, de acordo com o tipo de atividade que nele preponderasse. Eram também levadas em contas as habilidades estéticas e científicas, e os costumes existentes na família e nos seus

454 NÁGERA, A. Vallejo. Eugamia: Seleção de Novios. San Sebastian: Española, 1938, p. 110 – 111,

passim.

455 Ibid., p. 111 -113. 456 Ibid., loc. cit., passim 457 Ibid., p.112.

ramos colaterais, a religiosidade, a moralidade, e o grau de união entre os membros da família.459

A prosperidade era medida pela pujança econômica, quer seja com referência aos casos de enriquecimento ou ruína, prodigalidade ou tendência à poupança, e na ordem ou desordem na condução dos negócios familiares.460