• Nenhum resultado encontrado

2. PROCESSO DE ELABORAÇÃO E DE TRAMITAÇÃO DE TRATADOS

2.1. ÂMBITO INTERNACIONAL

O processo que se desenvolve desde a elaboração de um tratado internacional até sua internalização no ordenamento jurídico de um país envolve o interesse de diversos atores, nos âmbitos nacional e internacional. Internacionalmente, encontramos práticas com consequências diretas nesse âmbito, como os atos de negociação, adoção, autenticação, assinatura e ratificação do tratado internacional. No contexto nacional, ocorre a aprovação parlamentar, a promulgação (após a ratificação, que se opera internacionalmente) e a publicação interna de legislação referente ao ato. O quadro abaixo separa os atos internacionais dos atos internos:

Figura 1: Processo de elaboração e de internalização de tratados

Fonte: Quadro elaborado conforme aula de Direito Internacional Público do professor de Direito Internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Pedro Muniz Pinto Sloboda.

50 Informação obtida em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso:

48

No âmbito internacional, o processo de elaboração de tratados começa com uma negociação, bilateral ou multilateral, sem forma específica. Atingido o texto com o qual os atores envolvidos estão de acordo, o tratado é adotado. Nesse momento, a redação definitiva do acordo é chancelada, o que culmina no término do processo de negociação. A adoção de tratado está prevista no art. 9 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados:

Art. 9: Adoção do Texto

1. A adoção do texto do tratado efetua-se pelo consentimento de todos os Estados que participam da sua elaboração, exceto quando se aplica o disposto no parágrafo 2.

2. A adoção do texto de um tratado numa conferência internacional efetua-se pela maioria de dois terços dos Estados presentes e votantes, salvo se esses Estados, pela mesma maioria, decidirem aplicar uma regra diversa.

A adoção do texto, conforme a própria CVDT, tem como efeito jurídico a aplicabilidade imediata das cláusulas finais.

Art. 24.4: Aplicam-se desde o momento da adoção do texto de um tratado as disposições relativas à autenticação de seu texto, à manifestação do consentimento dos Estados em obrigarem-se pelo tratado, à maneira ou à data de sua entrada em vigor, às reservas, às funções de depositário e aos outros assuntos que surjam necessariamente antes da entrada em vigor do tratado.

Após a adoção do texto do acordo, ocorre sua autenticação, formalidade que legitima o texto anteriormente adotado, prevista no art. 10, CVDT:

Art. 10: Autenticação do Texto

O texto de um tratado é considerado autêntico e definitivo:

a) mediante o processo previsto no texto ou acordado pelos Estados que participam da sua elaboração; ou

b) na ausência de tal processo, pela assinatura, assinatura ad referendum ou rubrica, pelos representantes desses Estados, do texto do tratado ou da Ata Final da Conferência que incorporar o referido texto.

Uma vez determinada a redação definitiva do acordo, ocorre sua assinatura, que, via de regra, configura a aceitação do tratado. Trata-se, porém, de aceite precário, que gera para o Estado a obrigação de não frustrar o objeto e a finalidade do tratado antes de sua entrada em vigor, conforme o art. 18, CVDT:

49

Art. 18: Obrigação de Não Frustrar o Objeto e Finalidade de um Tratado antes de sua Entrada em Vigor

Um Estado é obrigado a abster-se da prática de atos que frustrariam o objeto e a finalidade de um tratado, quando:

a) tiver assinado ou trocado instrumentos constitutivos do tratado, sob reserva de ratificação, aceitação ou aprovação, enquanto não tiver manifestado sua intenção de não se tornar parte no tratado; ou

b) tiver expressado seu consentimento em obrigar-se pelo tratado no período que precede a entrada em vigor do tratado e com a condição de esta não ser indevidamente retardada.

Finalmente, temos, como derradeiro ato internacional de comprometimento de Estado a um instrumento, a ratificação, aceitação ou aprovação do tratado, previstas no art. 14, CVDT.

Art. 14: Consentimento em Obrigar-se por um Tratado Manifestado pela Ratificação, Aceitação ou Aprovação

1. O consentimento de um Estado em obrigar-se por um tratado manifesta-se pela ratificação:

a) quando o tratado disponha que esse consentimento se manifeste pela ratificação;

b) quando, por outra forma, se estabeleça que os Estados negociadores acordaram em que a ratificação seja exigida;

c) quando o representante do Estado tenha assinado o tratado sujeito a ratificação; ou

d) quando a intenção do Estado de assinar o tratado sob reserva de ratificação decorra dos plenos poderes de seu representante ou tenha sido manifestada durante a negociação.

2. O consentimento de um Estado em obrigar-se por um tratado manifesta-se pela aceitação ou aprovação em condições análogas às aplicáveis à ratificação. A ratificação é a manifestação definitiva de vontade de um Estado, realizada por seu plenipotenciário. Mediante a troca ou o depósito do instrumento de ratificação, o Estado passa a obrigar-se internacionalmente pelos dispositivos do tratado, desde que este esteja em vigor internacionalmente. A ratificação é ato irretroativo, passando a valer a partir da data do ato de ratificação; e irretratável, pois o Estado apenas poderá se desvincular do tratado mediante sua denúncia. Inexiste ratificação condicional, o que demonstra a importância desse ato para a segurança jurídica dos Estados.

São legitimados para adotar ou autenticar o texto de um tratado aqueles indivíduos indicados pela CVDT, em seu art. 7:

50

1. Uma pessoa é considerada representante de um Estado para a adoção ou autenticação do texto de um tratado ou para expressar o consentimento do Estado em obrigar-se por um tratado se:

a) apresentar plenos poderes apropriados; ou (...)

2. Em virtude de suas funções e independentemente da apresentação de plenos poderes, são considerados representantes do seu Estado:

a) os Chefes de Estado, os Chefes de Governo e os Ministros das Relações Exteriores, para a realização de todos os atos relativos à conclusão de um tratado;

b) os Chefes de missão diplomática, para a adoção do texto de um tratado entre o Estado acreditante e o Estado junto ao qual estão acreditados;

c) os representantes acreditados pelos Estados perante uma conferência ou organização internacional ou um de seus órgãos, para a adoção do texto de um tratado em tal conferência, organização ou órgão.

A adesão é o ingresso ao tratado ex post facto, seja porque o representante do Estado não tenha participado das negociações, seja porque terminou o prazo para sua ratificação, seja porque o Estado renunciou ao tratado, mas deseja voltar a integrá-lo. A adesão não pressupõe que o tratado esteja em vigor, e pode ser feita sob reserva de ratificação.

Ressalto aqui aspecto extremamente relevante para a aplicação de tratados internacionais, que, apesar de não se relacionar com a sua elaboração, está intimamente ligado à sua aplicação: a necessidade de interpretação. As regras internacionais de interpretação de tratados relacionam-se, na doutrina internacionalista, com a necessidade de evolução dos tratados, produtos de processos extensos e formais de negociação entre Estados. Justamente porque envolvem Estados como autores, o que dificulta o processo de negociação e, consequentemente, de adaptação às novas realidades, tratados dependem de processos menos formais para que possam se adaptar às constantes mudanças no cenário internacional e, por que não, nacional de cada um de seus signatários. A CVDT apresenta regras expressas para a interpretação de tratados:

Interpretação de Tratados

Art. 31: Regra Geral de Interpretação

1. Um tratado deve ser interpretado de boa-fé segundo o sentido comum atribuível aos termos do tratado em seu contexto e à luz de seu objetivo e finalidade. (...) 3. Serão levados em consideração, juntamente com o contexto: (...)

b) qualquer prática seguida posteriormente na aplicação do tratado, pela qual se estabeleça o acordo das partes relativo à sua interpretação;

c) quaisquer regras pertinentes de Direito Internacional aplicáveis às relações entre as partes.

4. Um termo será entendido em sentido especial se estiver estabelecido que essa era a intenção das partes.

51

Quais seriam, entretanto, os limites para a interpretação? Existe uma linha tênue entre a interpretação de cláusula e a modificação parcial ou completa de seu significado. A boa-fé é, igualmente, discricionária. Para interpretar tratados, Estados utilizam o que se convencionou chamar de cláusulas ou declarações interpretativas. São manifestações, por parte de signatário de acordo internacional, com o objetivo de esclarecer a interpretação de determinada cláusula por parte de um Estado. Ressalto, entretanto, que deve haver limite, nem sempre claro, entre o que pode ser considerado uma cláusula interpretativa e uma reserva a tratado.51

Para Tarciso dal Maso Jardim, consultor legislativo do Senado Federal na área de Relações Exteriores e Defesa Nacional, ressalvas, reservas e declarações interpretativas teriam em comum o fato de serem procedimentos usados para facilitar a adesão a tratados. Entretanto, as consequências desses institutos são distintas. Em primeiro lugar, as reservas nem sempre são permitidas (conforme o art. 19, CVDT). Ademais, os Estados signatários de um tratado podem impor objeções a reservas, principalmente se a considerarem incompatíveis com o objetivo do tratado.52 Apesar das discussões a respeito das ressalvas, a

prática legislativa demonstra que elas têm sido propostas pelos integrantes do Poder Legislativo, e aceitas pelos membros do Executivo, conforme será possível perceber no item 5.3. TRATADOS INTERNALIZADOS COM RESERVAS desta tese.

Por motivos de desconhecimento, de erros de interpretação ou, inclusive, de má-fé, os Estados podem valer-se de cláusulas interpretativas que são verdadeiras reservas, limitando a aplicação de dispositivo do tratado sem o ônus que pode advir da imposição de reserva a seu texto. Esse ônus não existe, apenas, no âmbito internacional, mas no nacional, uma vez que, no Brasil, as reservas precisam da conjunção de vontades dos dois Poderes, enquanto não existe disposição nesse sentido com relação às declarações interpretativas. Em alguns tratados analisados nesta tese, inclusive, não há menção à inserção de cláusulas

51 Discussão inspirada em série de palestras ministrada pelo professor Roger O’Keefe, professor da

Universidade de Cambridge e Diretor do Centro Lauterpacht de Direito Internacional, sobre a interpretação e a aplicação de tratados, ministrada em dezembro de 2014, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Para aprofundar os conhecimentos a respeito do tema, segue o material recomendado pelo professor: GARDINER, “The Vienna Convention Rules on Treaty Interpretation” e ULFSTEIN, “Treaty Bodies and Regimes”, ambos em Hollis (ed), The Oxford Guide to Treaties (2012). O programa do curso está disponível na íntegra em: http://www.iri.usp.br/documentos/DIN5905.pdf. Acesso: 21.09.2016.

52 JARDIM, Tarciso Dal Maso. Condicionantes impostas pelo Congresso Nacional ao Executivo Federal em

matéria de celebração de tratados, 2011, p. 292. Disponível em: http://www2.senado.leg.br/ bdsf/item/id/243243. Acesso: 21.09.2016.

52

interpretativas em relação ao tratado durante a sua tramitação e, mesmo assim, é possível encontrar manifestação desse tipo no endereço eletrônico da organização internacional depositária do acordo. As cláusulas interpretativas são, portanto, instrumento poderoso, previsto no rol normativo de Direito Internacional, e explorado pelos integrantes dos Poderes Executivo e Legislativo brasileiros, na sua atuação em temas afetos às relações do Brasil com seus pares.

Documentos relacionados