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3. RELAÇÃO ENTRE O EXECUTIVO E O LEGISLATIVO NA INTERNALIZAÇÃO DE

3.2. A INFLUÊNCIA DO DIREITO INTERNACIONAL NAS LEIS BRASILEIRAS E SUA

BRASILEIRAS E SUA RELAÇÃO COM TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS

As leis são uma das maneiras, encontrada pelo Legislativo nacional, de atuar em temas afetos às relações internacionais, dando maior respaldo jurídico às demandas entendidas pela comunidade internacional como relevantes, e, por isso, contempladas em tratados. Este item tem como objetivo tratar da prática legislativa que se tem estabelecido no Brasil a respeito do Direito Internacional e de sua relação com o Direito interno, além de demonstrar, de maneira não exaustiva, a relação temporal e temática entre as leis brasileiras e os tratados internacionais de Direitos Humanos analisados.

Em relação à prática legislativa brasileira, a análise dos tratados e das leis a eles relacionadas possibilitou observar algumas condutas que se tornaram um padrão na atividade parlamentar. Para evitar a exacerbação da faculdade dos integrantes do Executivo de não submeter determinados acordos à apreciação do Parlamento, estabeleceu-se a prática de inserir, nos decretos legislativos de aprovação desses acordos, a chamada cláusula de reserva de competência congressual sobre certos atos internacionais. Exemplo disso é a inserção de frase que condiciona à aprovação do Congresso os ajustes derivados de tratados por ele previamente aprovados, e que, novamente, acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional, conforme inscrito na Constituição pátria. A frase, que se tornou a regra da prática legislativa para projetos de decreto legislativo, tem redação similar à que segue:

Ficam sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer atos que possam resultar em revisão do referido tratado, bem como quaisquer ajustes complementares que, nos termos do inciso I do art. 49 da Constituição Federal, acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional.

A cláusula destacada acima, segundo Jardim, “(...) denota a maior participação do Legislativo nas questões internacionais e reforça a necessidade constitucional de o Executivo submeter os tratados ao Congresso Nacional, e de lhe informar sobre os acordos a ele não remetidos.”212 Para o consultor, ademais, as denúncias aos tratados aprovados pelo

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Congresso deveriam, igualmente, ser submetidas à sua apreciação. O referendo congressual, ao autorizar a ratificação de um tratado, não obriga o Executivo a fazê-lo. Do mesmo modo, se o Congresso não autoriza a ratificação, fica o Executivo impossibilitado de ratificar o instrumento. Se o instrumento de aprovação congressual de tratado exigir que a denúncia lhe seja submetida, o Executivo, no momento em que aceita ratificar o tratado, deve assimilar essa condição. Apesar de não estar expressa a necessidade de submeter ao Congresso a denúncia dos tratados nos tratados aqui analisados, apresento, a seguir, qual a praxe legislativa que se tem consolidado no caso de tratados de Direitos Humanos no Brasil.

Jardim afirma que, graças à recepção constitucional dos direitos e das garantias previstos nos tratados de Direitos Humanos previstos (art. 5º, §2º, CF), sejam ou não aprovados pela regra do art. 5º, §3º, CF, sua eventual denúncia está, necessariamente, condicionada à apreciação prévia do Congresso Nacional.213 Os congressistas precisariam,

porém, tornar clara a necessidade de submeter denúncias de tratados à sua apreciação, incluindo essa condição nos decretos legislativos que aprovem tratados.

A praxe legislativa de internalização de tratados de Direitos Humanos consolidou, a partir da década de 1990,214 a inserção, com ínfima variação, da cláusula similar à exposta

acima, que indica a necessidade de aprovação do Congresso Nacional de quaisquer atos que possam resultar em revisão ou em ajustes complementares do instrumento internacional aprovado, com menção expressa às modificações que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional, nos termos do art. 49, I, CF. Dos 85 (oitenta e cinco) instrumentos que constam no processo de internalização dos tratados analisados nessa tese, quarenta e dois continham disposição similar, o que significa que 49% do total dos instrumentos analisados continham tal disposição. Considerados apenas os 67 (sessenta e sete) instrumentos posteriores a 1988, essa proporção sobe para 63%.

Os 85 decretos analisados são compostos por 44 (quarenta e quatro) Decretos Legislativos e 41 (quarenta e um) Decretos Executivos. Desses, 25 (vinte e cinco) Decretos Legislativos (56%); e 17 (dezessete) Decretos Executivos (41%), continham disposição

213 JARDIM, 2011, p. 285.

214 O primeiro caso encontrado dentre os instrumentos normativos analisados foi o Decreto Legislativo

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semelhante.215 Apenas dois instrumentos, ambos referentes à Convenção Americana sobre

Direitos Humanos, não mencionam, expressamente, o art. 49, I, CF.216

A discrepância entre o número de Decretos Executivos e Legislativos que têm essa cláusula pode ser, em parte, explicada pela existência de decretos legislativos que aprovam mais de um tratado ou Protocolo, sendo que cada protocolo é publicado, posteriormente, por um Decreto Presidencial distinto. Existem alguns casos, porém, nos quais apenas os Decretos

215 Os tratados e instrumentos nacionais que contêm a referida disposição são os seguintes: (i) Convenção sobre

o Estatuto dos Apátridas, Decreto Legislativo 38/1995 e Decreto Presidencial 4.246/2002; (ii) Convenção para a Redução dos Casos de Apatridia, Decreto Legislativo 274/2007 e Decreto Presidencial 8.501/2015; (iii) Declaração facultativa da Convenção internacional sobre a eliminação de todas as formas de Discriminação Racial, Decreto Legislativo 57/2002; (iv) Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, Decreto Legislativo 311/2009; (v) Retirada das reservas à Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher, Decreto Presidencial 4.377/2002 e Decreto Legislativo 26/1994; (vi) Protocolo facultativo à Convenção sobre eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher, Decreto Legislativo 107/2002 e Decreto Presidencial 4.316/2002; (vii) Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, Decreto Legislativo 483/2006 e Decreto Presidencial 6.085/2007; (viii) Declaração que reconhece a competência do Comitê previsto na Convenção, Decreto Legislativo 57/2006; (ix) Convenção 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais, Decreto Legislativo 143/2002 e Decreto Presidencial 5.051/2004; (x) Convenção sobre os Direitos da Criança, Decreto Legislativo 28/1990; (xi) Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança referentes à venda de criança, à prostituição infantil e à pornografia infantil, Decreto Legislativo 230/2003 e Decreto Presidencial 5.007/2004; (xii) Protocolo facultativo à Convenção sobre os direitos da criança relativos ao envolvimento de crianças em conflitos armados, Decreto Presidencial 5.006/2004; (xiii) Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, Decreto Legislativo 112/2002 e Decreto Presidencial 4.388/2002; (xiv) Acordo sobre Privilégios e Imunidades do Tribunal Penal Internacional, Decreto Legislativo 291/2011 e Decreto Presidencial 8.604/2015; (xv) Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (“Convenção de Palermo”), Decreto Legislativo 231/2003 e Decreto Presidencial 5.015/2004; (xvi) Protocolo adicional para o Combate ao tráfico de Migrantes por via terrestre, marítima e aérea, Decreto Presidencial 5016/2004; (xvii) Protocolo para a Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em especial Mulheres e Crianças, Decreto Presidencial 5017/2004; (xviii) Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e Protocolo Facultativo, Decreto Legislativo 186/2008 e Decreto Presidencial 6.949/2009; (xix) Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas Contra o Desaparecimento Forçado, Decreto Legislativo 661/2010 e Decreto Presidencial 8.767/2016; (xx) Convenção Americana sobre Direitos Humanos, Decreto Legislativo 27/1992; (xxi) Protocolo adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em matéria de direitos econômicos, sociais e culturais e Protocolo referente à abolição da pena de morte, Decreto Legislativo 56/1995 e reconhecimento da competência obrigatória da corte interamericana de direitos humanos, Decreto Legislativo 89/1998; (xxii) Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, Decreto Legislativo 107/1995; (xxiii) Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas Decreto Legislativo 127/2011 e Decreto Presidencial 8.766/2016; (xxiv) Convenção Interamericana sobre tráfico internacional de menores Decreto Legislativo 105/1996; (xxv) Convenção Interamericana para a eliminação de todas as formas de discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência, Decreto Legislativo 198/2001 e Decreto Presidencial 3.956/2001; (xxvi) Protocolo de Assunção sobre Compromisso com a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos do Mercosul, Decreto Legislativo 592/2009 e Decreto Presidencial 7.225/2010; e (xxvii) Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, Decreto Legislativo 496/2009 e Decreto Presidencial 7.030/2009.

216 Decreto Legislativo 27/1992 e Decreto Legislativo 89/1998, este referente à solicitação de reconhecimento

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Legislativos contêm o dispositivo, não sendo seguidos pelos Decretos Executivos. Como o Decreto Presidencial aprova o Legislativo, porém, a inserção da cláusula no último é suficiente para que qualquer alteração seja submetida ao Poder Legislativo.

Nesses casos, apesar de não mencionada expressamente nos tratados de direitos Humanos analisados, os parlamentares condicionaram, expressamente, em outros decretos legislativos, a denúncia dos tratados à prévia apreciação congressual, algo que pode tornar- se praxe no país, com a consolidação de prática nesse sentido.

Segundo Peter Häberle, o Poder Constituinte originário, responsável por elaborar a Constituição de um Estado, não seria ilimitado, como era antigamente. O jus cogens, ou direito cogente, conjunto de normas imperativas respeitadas pela comunidade internacional, serviria como balizador para as normas internas.217 Segundo o art. 53, CVDT, seriam as

normas reconhecidas pela comunidade internacional das quais não se permite qualquer derrogação, e que apenas poderiam ser modificadas por norma posterior de Direito Internacional da mesma natureza. Não existe rol exaustivo de normas de jus cogens, mas algumas normas são de tal maneira aceitas internacionalmente que se tornaram diretrizes normativas para a maioria dos legisladores nacionais. É possível mencionar, nesse sentido, o repúdio à escravidão e à tortura, veemente condenadas pela sociedade internacional. Isso demonstra a patente influência do Direito Internacional no Direito interno. Quanto ao tema, para Antonio Augusto Cançado Trindade:

Com o passar dos anos, houve um avanço, no sentido de, ao menos, distinguir entre os países em que certas normas dos instrumentos internacionais de direitos humanos passaram a ter aplicabilidade direta, e os países em que necessitavam elas ser "transformadas" em leis ou disposições de direito interno para ser aplicadas pelos tribunais e autoridades administrativas.218

Os Direitos Humanos receberam atenção especial do legislador pátrio, seja no âmbito constitucional, que prevê a inserção de tratados internacionais que tratem do tema como equivalentes a emendas constitucionais, seja no âmbito infraconstitucional. Exemplo disso é a Lei 12.986, de 2014, que transforma o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana em Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), cujo artigo 2º, §1o, reza:

217 Peter Häberle adota essa teoria na obra “Teoria do Estado Constitucional Cooperativo”.

218 TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Direito Internacional e Direito Interno: sua interação na proteção

dos Direitos Humanos Informação obtida em: http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/ instrumentos/introd.htm. Acesso: 15.06.2016.

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Art. 2o. O CNDH tem por finalidade a promoção e a defesa dos direitos humanos,

mediante ações preventivas, protetivas, reparadoras e sancionadoras das condutas e situações de ameaça ou violação desses direitos.

§ 1o. Constituem direitos humanos sob a proteção do CNDH os direitos e

garantias fundamentais, individuais, coletivos ou sociais previstos na Constituição Federal ou nos tratados e atos internacionais celebrados pela República Federativa do Brasil. (grifo nosso).

Segundo Jorge Miranda, entre as tendências evolutivas do Direito Internacional, encontra-se a integração sistemática com o Direito interno, que culmina em relações mais cooperativas entre esses ordenamentos.219 Isso poderia ser observado não apenas na

inovação constitucional do art. 4º, que trata das relações internacionais do Brasil, e parágrafos 3º e 4º do art. 5º; mas no Recurso Extraordinário (RE) 466.343, julgado pelo STF em 2008. Nesse RE, o Supremo, ao julgar diversas ações que envolviam a prisão civil do depositário infiel, alterou seu entendimento a respeito da hierarquia de tratados internacionais de Direitos Humanos no ordenamento brasileiro, e passou a adotar a tese da supralegalidade do Pacto de São José da Costa Rica. Por ser norma supralegal, o Pacto teria o condão de se sobrepor a lei anterior incompatível. A ementa do RE aponta:

EMENTA: PRISÃO CIVIL. Depósito. Depositário infiel. Alienação fiduciária. Decretação da medida coercitiva. Inadmissibilidade absoluta. Insubsistência da previsão constitucional e das normas subalternas. Interpretação do art. 5º, inc. LXVII e §§ 1º, 2º e 3º, da CF, à luz do art. 7º, § 7, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). Recurso improvido. Julgamento conjunto do RE nº 349.703 e dos HCs nº 87.585 e nº 92.566. E ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito.220

(grifo nosso).

A dicotomia entre as doutrinas monista e dualista permeou as discussões a respeito dos Direitos Interno e Internacional por muito tempo. Segundo os dualistas, tratar-se-iam de dois campos separados, e que não se relacionariam. Nesse sentido, o Direito Internacional teria que ser transformado em direito interno, para ter validade em determinado país. Para os monistas, integrariam uma só ordem: o Direito, portanto, seria uno. Para Antonio Augusto Cançado Trindade, no âmbito da proteção dos Direitos Humanos, o Direito Internacional e o Direito interno formariam um todo indivisível, apontando na mesma direção, com o

219 MIRANDA, Jorge. Curso de Direito Internacional Público, 2009.

220 Informação obtida em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=595444.

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objetivo comum de proteção da pessoa humana. Estariam, portanto, em constante interação, em benefício dos indivíduos que almejam proteger. Segundo o autor, essa diferenciação entre monistas e dualistas, que enfatiza as distinções das situações reguladas pelos dois ordenamentos, não auxilia a efetiva proteção internacional dos Direitos Humanos.221

É possível afirmar, a título de argumento, que o Brasil adota sistema dualista em relação à incorporação de tratados, pois os tratados precisam ser incorporados à ordem interna para poderem ser aplicados no país, e isso envolve, inclusive, um processo complexo, com a atuação de dois Poderes. É possível argumentar, também, pelo sistema dualista moderado. Isso ocorre pois, apesar da necessidade de os instrumentos internacionais serem incorporados ao ordenamento pátrio, eles o são mediante Decreto Presidencial. Estes, por sua vez, são atos administrativos, inferiores, portanto, às leis. Apesar disso, os tratados vigoram no país com hierarquia de lei. Poder-se-ia, ainda, argumentar, utilizando os mesmos fatos, que o Brasil é monista, pois, ao incorporar um tratado na ordem jurídica interna, apenas dá publicidade ao mesmo: o que seria incorporado, portanto, é o próprio tratado, anexo ao Decreto. Percebe-se, considerando todas as possibilidades de argumentação acima descritas, a constante e a crescente superação da discussão entre monismo e dualismo, debate que não traz, na opinião da autora, inovações significativas à ordem jurídica, tampouco à efetiva implementação de tratados.

Ainda no que se refere à influência do Direito Internacional nas leis internas, existem guias legislativos para a implementação de convenções internacionais. Esses guias são, via de regra, resultado de estudos elaborados por especialistas de diversos países, que representam tradições jurídicas diferentes, relacionados à temática do tratado. O objetivo é auxiliar os Estados em via de ratificar e de implementar os tratados, identificando requisitos legislativos e possíveis conflitos que podem surgir durante o processo de internalização. Esses guias apresentam alternativas aos Estados que se preparam para adotar legislação mais coerente com o objetivo do tratado.222 Um exemplo disso é o Guia Legislativo para a

221 TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Direito Internacional e Direito Interno: sua interação na proteção

dos Direitos Humanos Informação obtida em: http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/ instrumentos/introd.htm. Acesso: 15.06.2016.

222 Legislative Guide for the Implementation of the United Nations Convention against Corruption. Informação

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Implementação do Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o crime organizado transnacional.223

Existem, ademais, “leis-modelo” (ou “Model Laws”), como a Model Law against Trafficking in Persons.224 O objetivo dessa lei-modelo é responder à demanda da AGNU de

promover e de auxiliar nos esforços dos Estados que desejavam integrar ou implementar em seus territórios a Convenção da ONU contra o Crime Organizado Transnacional. Foi elaborada particularmente para assistir aqueles países que tinham a intenção de implementar as provisões do Protocolo dessa Convenção (Protocolo para prevenir e punir o tráfico de pessoas, particularmente mulheres e crianças). O intuito, conforme a própria lei-modelo, é facilitar a sistematização da assistência legislativa pelos órgãos responsáveis da ONU, bem como facilitar a alteração da legislação nacional e a implementação de novas leis pelos Estados. A ideia é que seja possível adaptar as disposições do modelo a qualquer tradição legal e a quaisquer condições econômica, cultural e geográfica.225

Existe influência crescente do Direito Internacional no Direito interno. Alguns tratados, inclusive, determinam que os Estados deveriam adotar legislações a respeito do tema regulado. Exemplo disso são as Convenções Interamericanas sobre o Desaparecimento Forçado e para Eliminação de todas as formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência. A primeira determina:

Artigo I. Os Estados Partes nesta Convenção comprometem-se a: (...)

d. Tomar as medidas de caráter legislativo, administrativo, judicial ou de qualquer outra natureza que sejam necessárias para cumprir os compromissos assumidos nesta Convenção”

A segunda, por sua vez, reza:

Artigo III. Para alcançar os objetivos desta Convenção, os Estados Partes comprometem-se a:

1. Tomar as medidas de caráter legislativo, social, educacional, trabalhista, ou de qualquer outra natureza, que sejam necessárias para eliminar a discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência e proporcionar a sua plena

223 Informação obtida em: https://www.unodc.org/unodc/en/treaties/CTOC/legislative-guide.html. Acesso:

08.06.2016.

224 Model Law against Trafficking in Persons. Informação obtida em: https://www.unodc.org/documents/

human-trafficking/UNODC_Model_Law_on_ Trafficking_in_Persons.pdf. Acesso: 08.06.2016.

225Model Law against Trafficking in Persons. Informação obtida em: https://www.unodc.org/documents/

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integração à sociedade, entre as quais as medidas abaixo enumeradas, que não devem ser consideradas exclusivas: (...). (grifo nosso).

Até o depósito desta tese, o único tratado internalizado conforme o rito equivalente a emenda constitucional, foi a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que possui, assim, status constitucional.

A influência do Direito Internacional no ordenamento brasileiro pode ser percebida em dois modelos principais. Existem leis internas que mencionam expressamente os tratados, sejam ou não temporalmente próximas à elaboração ou à internalização deles. Entre as leis que não mencionam expressamente um tratado internacional como motivação, existem aquelas que são temporalmente próximas à assinatura e/ou à internalização de determinado tratado; e aquelas que, apesar da distância temporal, tratam de temática idêntica à de instrumento internacional assinado pelo Brasil. A menção dos temas tratados por instrumentos internacionais, em alguns casos, é reservada à mais alta lei do ordenamento brasileiro, a Constituição Federal, como se verá adiante.

Algumas leis mencionam tratados internacionais como motivação para sua elaboração, como é o caso da Lei 11.340, de 2006, popularmente conhecida como “Lei Maria da Penha”, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Essa Lei menciona, expressamente, o art. 226, §8º, CF, que determina que o Estado deve assegurar a assistência à família e de cada um de seus integrantes, “(...) criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”; além de mencionar a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher.

A lei brasileira que define mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados, por sua vez, foi promulgada apenas na década de 1990 (Lei 9.474/1997), enquanto a Convenção que trata do tema é da década de 1950. Apesar dessa diferença temporal, a Lei menciona a Convenção expressamente, ao determinar que:

Art. 5º O refugiado gozará de direitos e estará sujeito aos deveres dos estrangeiros no Brasil, ao disposto nesta Lei, na Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951 e no Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados de 1967, cabendo-lhe a obrigação de acatar as leis, regulamentos e providências destinados à manutenção da ordem pública. (grifo nosso).

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A Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as formas de Discriminação Racial, de 1965, por sua vez, é mencionada expressamente pelo art. 38, II da Lei 12.288/2010, que institui o Estatuto da Igualdade Racial, e reza:

Art. 38, II. A implementação de políticas voltadas para a inclusão da população negra no mercado de trabalho será de responsabilidade do poder público, observando-se: (...)

II - os compromissos assumidos pelo Brasil ao ratificar a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, de 1965” (grifo nosso)

Essa Lei cita, ainda, a Convenção 111, de 1958, da OIT, sobre a discriminação no emprego e na profissão, não analisada nesta tese. O Decreto 8.136/2013, que aprova o regulamento do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (SINAPIR), instituído pela Lei 12.288, elenca a mesma Convenção entre seus fundamentos.226

A Lei 6.001/1973, que dispõe sobre o Estatuto do Índio,é anterior à Convenção 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais, mas posterior à Convenção 107 da OIT, sobre a proteção e integração das populações tribais e semitribais de países independentes, diretamente ligada à Convenção 169. Esta, afinal, foi o resultado de uma revisão da Convenção 107, o que está inscrito em seu preâmbulo:

“A Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho, (...) Após ter decidido adotar diversas propostas sobre a revisão parcial da Convenção sobre populações Indígenas e Tribais, 1957 (n. 107), Após ter decidido que essas propostas deveriam tomar a forma de uma Convenção Internacional que revise a Convenção Sobre Populações Indígenas e Tribais, 1957, adota, (...), a seguinte Convenção, (...)”.

O Estatuto do Índio, em seu art. 66, afirma que “O órgão de proteção ao silvícola fará

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