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1. INTRODUÇÃO

1.1. JUSTIFICATIVA DA ESCOLHA E DA RELEVÂNCIA DO TEMA

A importância da análise do processo legislativo para a internalização de tratados é manifesta. Pesquisadores têm estudado essa questão em distintas áreas do conhecimento. A compreensão da internalização de tratados no Brasil pode auxiliar a elaboração de diretrizes mais pragmáticas a respeito de sua apreciação por parte do Poder Legislativo.

Foram realizados diversos estudos a respeito do papel do Legislativo na apreciação de tratados no Brasil.42 Destaca-se a necessidade de esclarecer o processo de internalização de

tratados no Brasil, que, embora estudado em sua forma, não foi, até o momento, analisado no mérito como se pretende. Os estudos realizados, nas áreas de Ciência Política, Ciências Sociais, Direito, História e Relações Internacionais, fizeram recortes temporais por legislatura, por período histórico ou por tema. Foram, igualmente, encontradas análises quantitativas da internalização de tratados no país que, apesar de viabilizarem estudos mais

41 Em contraposição, nos sistemas parlamentares, não existe separação tão clara entre esses Poderes, o que

culmina em uma dinâmica menos segregada. HATHAWAY, 2007, p. 596 e 616.

42 Para uma análise detalhada a respeito desta literatura, remeto ao item 3.1. LITERATURA NACIONAL E

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aprofundados, não se ativeram à descrição do mérito das discussões na Câmara dos Deputados (CD) ou no Senado Federal (SF). Os autores desses trabalhos fizeram análises quantitativas ou procedimentais, e outros delimitaram o escopo a períodos curtos. A intenção da presente tese é verificar se as razões apontadas pelo Legislativo no processo de internalização de certos tratados relacionam-se com os motivos pelos quais o tratado foi assinado, encontrados nas manifestações oficiais do Executivo. Foram separados os momentos históricos entre período democrático e regime militar para verificar se há diferenças no relacionamento entre os Poderes nesses momentos. Em caso negativo, demonstrar-se-ia que a internalização de tratados de Direitos Humanos ocorre independentemente do contexto político e da situação fática dos Direitos Humanos no país. O tema da internalização de tratados ao ordenamento brasileiro e da relação, nesse âmbito, entre o Poder Executivo e o Legislativo, não é propriamente novo. Apesar disso, o que aqui se pretende é fundamentar a relação entre a apreciação executiva e legislativa de tratados de maneira diferente, considerando a condução da política externa brasileira e os motivos de política interna apontados pelo Legislativo para aprovar integralmente ou para apor ressalvas a tratados.

A interação entre o Congresso Nacional e o Poder Executivo no processo de internalização de tratados, especificamente na figura do Ministério das Relações Exteriores (MRE), principal formulador da política externa brasileira, não é clara. Identificar a relação entre esses atores, e propor alternativas para abreviar o trâmite prolongado de tratados internacionais, especificamente aqueles de Direitos Humanos, ajudará a compreender e a sanar os problemas provenientes da não ratificação de determinados tratados pelo Brasil.

No caso de tratados internacionais, o Legislativo pode aprovar, rejeitar ou apor ressalvas aos tratados. É importante verificar se o Legislativo realiza discussão séria a respeito do tema do tratado em pauta e entender como esse Poder auxilia a consecução dos objetivos da política externa do país, uma vez que seus membros podem discutir a temática do tratado, o âmbito jurídico, e as questões de política externa que levaram o Executivo a assinar o tratado. Para isso, serão analisados os instrumentos de Direitos Humanos indicados no item 1.2. METODOLOGIA E ESTRUTURA DA TESE.

O tema dos Direitos Humanos foi escolhido pois a política externa do Brasil para a matéria é de extrema relevância para as relações do país com a comunidade internacional. A Constituição Federal, no art. 4º, estabelece os princípios que regem as relações internacionais

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do Brasil, e entre eles (inciso II) está “a prevalência dos direitos humanos”.43 O tema recebe,

inclusive, tratamento especial na Constituição Federal, que protege especificamente as obrigações decorrentes de tratados de Direitos Humanos dos quais o Brasil é parte integrante. O art. 109, §5º, CF, determina a possibilidade de o Procurador Geral da República suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, o deslocamento de caso da justiça comum para a Justiça Federal, a chamada Federalização de graves violações aos Direitos Humanos.44

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: (...)

III - as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional; (...)

V - os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente; (...)

§ 5º Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

(grifo nosso).

A importância do tema dos Direitos Humanos na política externa brasileira resultou em mudança de paradigmas quanto ao grau de responsabilidade dos Estados em sua proteção. O discurso da Presidenta Dilma Rousseff, na 67ª AGNU, em 2011, ressaltou a importância da responsabilidade ao proteger, em acréscimo à responsabilidade de proteger. Este conceito, mencionado pelo relatório intitulado “A responsabilidade de proteger”,45 foi

estabelecido no sexagésimo aniversário de criação da ONU, e incorporado aos parágrafos 138 e 139 da resolução 60/1 da Assembleia Geral.46 Conforme a “responsabilidade de

43 Art. 4º: A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

I. independência nacional; II. prevalência dos direitos humanos; III. autodeterminação dos povos; IV. não- intervenção; V. igualdade entre os Estados; VI. defesa da paz; VII. solução pacífica dos conflitos; VIII. repúdio ao terrorismo e ao racismo; IX. cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; X. concessão de asilo político.

Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.

44 Para maiores informações a respeito do tema: Estudo sobre a federalização de graves violações aos direitos

humanos / coordenação, Olívia Alves Gomes, Guilherme de Assis Almeida; [autores] Roberta Corradi Astolfi, Pedro Lagatta, Amanda Hildebrand Oi. – Brasília : Ministério da Justiça, Secretaria de Reforma do Judiciário, 2014. Disponível em: http://www.andhep.org.br/arquivos/Federalizacao_boneco_ final_09012014.pdf. Acesso: 10.02.2016.

45 Relatório elaborado pela Comissão Internacional de Intervenção e Soberania Estatal (2001).

46 Disponível em: http://daccess-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N05/487/60/PDF/N0548760.pdf?Open

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proteger”, os Estados devem, individualmente, proteger sua população contra o genocídio, os crimes de guerra, a limpeza étnica e os crimes contra a humanidade. A soberania estatal não é ilimitada, e pressupõe a responsabilidade de garantir os direitos dos cidadãos. A comunidade internacional deve, conforme apropriado, e sempre respeitando a soberania estatal, encorajar e auxiliar Estados a exercer essa responsabilidade. Caso não sejam capazes de exercê-la, a comunidade internacional, conforme a responsabilidade de proteger, deveria utilizar os meios diplomáticos e humanitários apropriados para proteger as populações daqueles crimes.

O conceito de responsabilidade de proteger está estruturado, portanto, em três pilares. O primeiro identifica o Estado como o principal responsável por proteger sua população. O segundo destaca o papel da comunidade internacional na cooperação que permita ao Estado exercer suas responsabilidades. O terceiro aplica-se a circunstâncias excepcionais, quando as medidas dos dois primeiros pilares falham, e permite à comunidade internacional recorrer a ações coletivas para assegurar a proteção da população de determinado Estado. A responsabilidade de proteger pressupõe três responsabilidades centrais: a de prevenir violações aos Direitos Humanos, a de reagir frente a elas e a de reconstruir, após a necessidade de intervenção. Não se trata de direito de ingerência, mas de responsabilidade compartilhada entre os Estados, que devem envidar esforços para impedir violações aos Direitos Humanos.

A responsabilidade ao proteger, conceito suplementar, e não concorrente, à responsabilidade de proteger, surgiu de um esforço da diplomacia brasileira ao perceber que esta última poderia ser utilizada como pretexto para alcançar propósitos distintos ao de resguardar a integridade de civis, como a modificação do regime de governo em determinado país. Nesse sentido, o Ministro das Relações Exteriores, Antônio de Aguiar Patriota, apontou que, enquanto exerce a responsabilidade de proteger, a comunidade internacional deve demonstrar a responsabilidade ao proteger, trabalhando interdisciplinarmente em prol das populações locais, para a melhoria nas condições de vida, com a intervenção de profissionais das áreas de medicina, de engenharia, de segurança, de direito, entre outras.47 É necessário

47 Discurso proferido pela Embaixadora Maria Luiza Ribeiro Viotti, representante permanente do Brasil na

Organização das Nações Unidas, na 66ª Sessão da AGNU, elaborado pelo Ministro das Relações Exteriores, Antônio Patriota, intitulado “Representative Responsibility while protecting: elements for the development and promotion of a concept”. Disponível em: http://responsibilitytoprotect.org/concept-paper-_rwp(1).pdf. Acesso: 12.09.2016.

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ter como foco a diplomacia preventiva, exaurindo, previamente, os meios pacíficos de solução de controvérsias antes de iniciar ação militar, uma vez que o uso de força pode causar instabilidade.

O Ministério das Relações Exteriores brasileiro (MRE) entende ser necessário manter relações diplomáticas com Estados violadores dos direitos de sua população. Retirar um país dos fóruns internacionais não traria melhorias para a população, e, portanto, seria preferível manter um governo, mesmo violador dos Direitos Humanos, como participante dos órgãos multilaterais. Desse entendimento decorre a defesa, no Resumo Executivo do Balanço de Política Externa brasileira (2003-2010) de “(...) que a paz sustentável e duradoura é função não somente de solução de problemas de Segurança, mas também da superação de desafios nas áreas de Direitos Humanos e de Desenvolvimento Econômico e Social.”48

O regime político geralmente está atrelado à restrição de Direitos Humanos dos cidadãos de um país, e, portanto, é interessante verificar se a positivação desses direitos, com a incorporação de tratados internacionais ao ordenamento jurídico, ocorre independentemente do regime político do país.

Finalmente, a dicotomia entre ditadura e democracia precisa ser mais explorada nas pesquisas no campo das Relações Internacionais. Conforme James Vreeland, “The field of international relations needs to take variations among dictatorships seriously and consider the importance of domestic institutions under authoritarian regimes.”.49 O presente trabalho,

ao considerar os diferentes regimes na apreciação do processo de tramitação de tratados, demonstra que existe discussão parlamentar na ditadura, e que a democracia no Brasil pode ser, ao menos no que se refere ao tempo de tramitação de tratados, menos eficiente.

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