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2. PROCESSO DE ELABORAÇÃO E DE TRAMITAÇÃO DE TRATADOS

2.4. DENÚNCIA

A denúncia de tratado internacional é o ato unilateral, pelo qual o Estado se desobriga em relação ao instrumento. Conforme disposição do art. 56, CVDT, não é possível a um país denunciar ou retirar-se de tratado que não preveja procedimento para isso, a não ser que as partes assim o estabeleçam, ou seja possível deduzir direito à renúncia ou à retirada da natureza do tratado.

Existe significativa discussão no Brasil a respeito da necessidade de o Executivo consultar o Legislativo quando tiver intenção de denunciar tratado. Apesar do silêncio constitucional acerca da matéria, esta foi apreciada em parecer da década de 1920, elaborado por Clóvis Bevilaqua, consultor jurídico do Itamaraty. O parecer tem como questão de fundo a intenção do governo brasileiro retirar-se da Liga das Nações, e Bevilaqua opinou pela desnecessidade de o Presidente da República obter autorização do Poder legislativo para retirar-se de tratado que, no caso concreto, estabelecia o próprio procedimento de denúncia. Precisamente por ter consultado o Legislativo para inserir o tratado na ordem interna, essa ação pressuporia um direito a efetuar todas as ações possíveis em relação a determinado tratado, o que incluiria desobrigar-se em relação a ele.

A posição de Bevilaqua é refutada, em parte, pelo consultor legislativo Tarciso dal Maso Jardim. Para este,

“Guardadas as realidades institucionais e constitucionais dos anos trinta e os atuais, o ônus e o impacto legislativo da decisão do Executivo de deixar de ser parte de um organismo internacional, já seriam motivos suficientes para submeter o caso ao Legislativo. Principalmente se contrariassem princípios constitucionais, como os de incentivo à integração regional, de defesa da paz e de promover os direitos humanos”. 77

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Rezek, por sua vez, acredita que, por ser a internalização de tratados um procedimento complexo, conjugando as vontades dos Poderes Executivo e Legislativo, em caso de retirada de uma das vontades, o instrumento internacional não pode ser sustentado no âmbito interno, devendo, assim, ser denunciado.78

Em parecer, Antônio Augusto Cançado Trindade lembra que a aprovação legislativa de tratado ocorre por Decreto Legislativo, que possui hierarquia de lei; e a denúncia é feita por Decreto Presidencial, ato administrativo hierarquicamente inferior a lei. Esse ato administrativo não poderia invalidar a aprovação parlamentar, apenas a vigência subjetiva do tratado.79 A denúncia faria cessar, apenas, os efeitos da ratificação, pois ambos são atos

privativos do Poder Executivo. A aprovação legislativa, aliás, não cria compromisso de ratificação, sendo, tão somente, condição necessária para ela. O resultado disso é a existência de acordos aprovados pelo Poder Legislativo, mas não ratificados – como é o caso de alguns dos tratados analisados nesta tese; e que, por isso, não geram obrigação no direito nacional.80

Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros, ao tratar em parecer do reconhecimento da competência do Comitê Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial, opção voluntária dos signatários da Convenção com o mesmo tema, explicita que, no momento em que o Poder Legislativo brasileiro concordou em aprovar a Convenção, conferiu ao Poder Executivo a prerrogativa de reconhecer a competência obrigatória do Comitê a qualquer momento. Segundo o consultor, portanto, seria faculdade do Presidente da República dar execução à Convenção, tratado aprovado pelo Congresso Nacional. Destaca, porém, que em caso análogo,81 apesar de ter sido exarado parecer semelhante, opinando pela desnecessidade

da submissão do ato de reconhecimento ao Congresso, o governo da época pediu a autorização do Legislativo. 82

Existe discussão a respeito da denúncia de tratados nos âmbitos Legislativo e, inclusive, Judiciário brasileiros. Na ADI 1.625, de 1997, ajuizada pela Confederação

78 GABSCH, 2010, p. 60 e 61.

79 Trindade diferencia a vigência objetiva, ou internacional, da vigência subjetiva, que seria a vigência no

Estado e para o Estado.

80 TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Parecer do Consultor Jurídico do Ministério das Relações

Exteriores, de 24.11.1987. In: Pareceres dos consultores jurídicos do Itamaraty, v. VIII (1985-1990), pp. 416- 423. Trata-se de parecer a respeito da Convenção n. 81 da OIT.

81 Parecer sobre o reconhecimento da competência obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos,

conforme disposição do art. 62 do Pacto de São José da Costa Rica.

82 Parecer n. 45, de 04.09.2000, solicitado ao consultor jurídico do Itamaraty, Antônio Paulo Cachapuz de

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Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), as autoras contestam o Decreto Federal 2.100/1996, que informa a retirada do Brasil de tratado relativo ao término da relação de trabalho por iniciativa do empregador. As entidades argumentam que ato unilateral do Presidente da República (à época, Fernando Henrique Cardoso) relativo a acordo internacional fere o art. 49, I, CF, que trata das competências do Congresso Nacional. Em voto-vista, de 11.04.2015, a Ministra Rosa Weber entendeu que o Decreto seria inconstitucional, partindo da premissa que, nos termos da Constituição, leis ordinárias não poderiam ser revogadas pelo Presidente da República, e que o Decreto responsável por formalizar a adesão do Brasil a um tratado internacional, aprovado pelo Congresso, equivaleria a lei ordinária.83 O julgamento da Ação não foi

finalizado até o depósito desta tese, mas ressalto a importância da discussão a respeito da necessidade de autorização prévia do Congresso em caso de denúncia de tratado, discussão igualmente travada na literatura.84

A prática brasileira consagrou, até o presente momento, o Presidente como titular do poder de denúncia dos tratados.85 Apresentarei, a seguir, propostas legislativas que têm como

objetivo esclarecer o procedimento de denúncia de tratados internacionais, não abordado pela legislação pátria.

83 Informação obtida em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=303837.

Acesso: 21.09.2016.

84 Tramitação da ADI 1.625 disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?

numero=1625&classe=ADI&codigoClasse=0&origem=JUR&recurso=0&tipoJulgamento=M. Acesso: 21.09.2016.

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