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Capítulo 3 – Metodologia da investigação

3.5. Ética na investigação em educação

A investigação educacional deve ser desenvolvida com absoluto respeito ético pelos participantes, pelo conhecimento, pela qualidade da investigação e pela liberdade académica (AERA, 2000; Debert, 2003; BERA, 2004; Almeida & Freire, 2008; Nunes, 2009; Cavalcante et al., 2015). As questões de aprovação ética e de consentimento informado assumem uma grande relevância para os investigadores. A título de exemplo, existem relatos de situações em que a autorização e o financiamento inicialmente aprovados para determinados estudos foram posteriormente retirados devido à relutância de um único indivíduo em permitir que investigadores externos pudessem rever o conteúdo dos documentos em análise (Rourke et al., 2001c).

Sob o ponto de vista ético e deontológico, os investigadores encontram-se vinculados a um mesmo conjunto de princípios, diretrizes e jurisdições gerais. Ainda assim, cada investigador ou equipa de investigação deve sempre informar-se sobre a eventual existência de políticas e práticas adicionais que se apliquem às suas circunstâncias específicas. O estabelecimento de diretrizes de natureza ética e deontológica visa, essencialmente, proteger os indivíduos que se dispõem a participar na investigação de eventuais danos decorrentes dessa sua participação (Rourke et al., 2001c; Almeida & Freire, 2008 ; Nunes, 2009).

Uma das principais regras de conduta ética do investigador consiste em acautelar e evitar danos, riscos, dificuldades ou constrangimentos nos participantes como consequência da investigação e dos procedimentos adotados durante a mesma. Há que ter especial atenção aos riscos envolvidos na publicação dos resultados, já que as conclusões não podem constranger ou trazer prejuízos para os grupos estudados (AERA, 2000; Debert, 2003). Quando, em alguma circunstância, os procedimentos de uma investigação causarem consequências indesejáveis para qualquer participante, o investigador tem a responsabilidade de as detetar e corrigir/remover, incluindo os seus efeitos a longo prazo (AERA, 2000; Almeida & Freire, 2008; Nunes, 2009). Neste âmbito, existem quatro princípios que devem nortear a ação dos investigadores na construção e avaliação dos seus protocolos de investigação: 1) o respeito pelas pessoas, 2) a não-maleficência, 3) a beneficência e 4) a justiça (Rourke et al., 2001c).

A designação atribuída a cada um dos quatro princípios é absolutamente reveladora do seu significado. Ainda assim, o princípio relativo ao respeito ético pelos intervenientes na investigação assume uma especial relevância e baseia-se no direito dos participantes

fazerem escolhas informadas e de poderem decidir, se for o caso, qual o seu grau de participação no estudo (Rourke et al., 2001c). Por outro lado, qualquer investigação em educação deve revestir-se de todos os cuidados inerentes às relações humanas, pelo que todas as situações relacionais que se estabelecem durante os trabalhos de investigação se devem pautar pela cortesia, pela deferência e pelo máximo respeito (AERA, 2000; Debert, 2003; BERA, 2004; Nunes, 2009).

Para além dos quatro princípios apontados por Rourke e colaboradores (2001c) relativamente à prevenção de danos e constrangimentos para os intervenientes no estudo, vários autores e instituições, nomeadamente a “American Educational Research Association” (AERA) e a “British Educational Research Association” (BERA), têm apontado uma série de outros princípios de conduta ética que devem ser aplicados na investigação em educação. Explicitam-se em seguida alguns dos que foram considerados mais relevantes e que se procuraram aplicar na presente investigação:

1) Responsabilidade do investigador – é ao investigador que compete a responsabilidade de assegurar a ética dos procedimentos da sua investigação, bem como de tomar todas as precauções para que as ilações a que chegar não sejam indevidamente utilizadas por terceiros. A intenção final do investigador deve ser sempre a de ajudar pessoas e nunca a de as prejudicar (AERA, 2000; Debert, 2003).

2) Os fins não justificam os meios – na planificação de um estudo, o investigador tem o dever de avaliar criteriosamente a sua aceitabilidade sob o ponto de vista ético. A importância científica da pesquisa não o desresponsabiliza da sua obrigação de respeitar escrupulosamente os direitos dos participantes (anonimato, confidencialidade, …), que devem estar acima dos interesses da pesquisa (Debert, 2003; Almeida & Freire, 2008; Nunes, 2009).

3) Confidencialidade – todas as informações recolhidas sobre os participantes durante o decurso de uma investigação são estritamente confidenciais, exceto nos casos em que se tenha previamente obtido acordo contrário (AERA, 2000; BERA, 2004).

4) Coerência e objetividade – o investigador deve ser coerente e objetivo em todos os passos da investigação (BERA, 2004; Almeida & Freire, 2008; Nunes, 2009).

5) Liberdade, verdade e isenção – o investigador não pode exercer qualquer tipo de coação sobre os participantes nem influenciar, por qualquer meio, os resultados obtidos (AERA; 2000; Debert, 2003; Almeida & Freire, 2008; Nunes, 2009).

6) Correção das ilações – o investigador deve proceder a uma análise cuidada dos dados e ter o cuidado de não generalizar ilações que não possam ser generalizadas (BERA, 2004).

7) Referências bibliográficas e respeito pelos direitos de autor – o investigador deve respeitar escrupulosamente os direitos de autor de todo o material utilizado e seguir as normas científicas estabelecidas para as referências bibliográficas (BERA, 2004).

O comportamento ético está intimamente relacionado com a atitude adotada ao longo de todas as fases do processo investigativo, incluindo as de interpretação dos dados e de publicação dos resultados (Debert, 2003; Lessard-Hébert et al., 2005; Nunes, 2009). Assim, os procedimentos inerentes à análise de conteúdo de documentos/transcrições obtidos através de ferramentas síncronas ou assíncronas envolvem, também eles, questões de natureza ética e deontológica, algumas delas bastante específicas (Rourke et al., 2001c; Cavalcante et al., 2015). Neste domínio, há que fazer a destrinça entre investigação-ação ativa, em que o investigador é um dos elementos integrantes do grupo em que se alicerça o estudo, e projetos de investigação em que o investigador analisa os documentos/dados decorrentes da interação. O investigador que vai somente analisar os documentos/dados decorrentes da interação, não tendo feito parte do grupo em investigação e não tendo, desse ponto de vista, intervindo no processo, não pode ser considerado um investigador participante; neste quadro há que dispensar uma especial atenção às situações em que os documentos contêm "informações privadas". Perante este cenário existem duas soluções possíveis (Rourke et al., 2001c), que se apresentam seguidamente.

Uma primeira possibilidade consiste em o investigador solicitar a cada participante que assine um formulário de consentimento informado, no qual lhes é fornecido um conjunto de informação padrão: a natureza da investigação, a forma de obtenção da informação e o modo como esta será utilizada, os potenciais benefícios e danos/constrangimentos e a forma como os participantes podem entrar em contato com os investigadores para esclarecerem dúvidas ou para debaterem quaisquer preocupações que lhes possam surgir. A aplicação deste processo padrão de consentimento informado pode revelar-se complicada, sobretudo em contextos de educação formal em que a política de proteção da privacidade pode impedir o investigador de aceder aos contatos dos alunos. Alguns estudos demonstram que o envio desses formulários por e-mail ou, no caso de se tratar de uma CoP online, colocando-os numa área do site que serve de suporte à comunidade,

permite que a maioria dos participantes respondam positivamente ao pedido, sem colocarem qualquer objeção (Rourke et al., 2001c).

A existência de respostas negativas ou a falta de resposta obriga os investigadores a renunciarem à análise dos dados relativos ao grupo em que esses indivíduos estiveram integrados, salvo se removerem das transcrições, antes de iniciarem a análise, as mensagens publicadas por esses indivíduos que não tenham dado permissão, bem como todos os dados a eles referentes. A remoção de mensagens individuais é facilmente executável recorrendo a técnicas de pesquisa e exclusão proporcionadas pelo software de análise, mas na prática torna-se problemática, uma vez que muitas vezes as mensagens contêm excertos e citações de mensagens anteriores, sendo que nenhum deles pode ser integrado no material a analisar se tiver sido feito por indivíduos que não deram o seu consentimento. Além disso, é bastante comum a utilização de nomes pessoais aquando do estabelecimento das interações e a erradicação de todas essas referências relativas aos participantes que não deram a sua anuência pode ser muito trabalhosa e morosa. Acresce que a própria remoção de mensagens pertencentes a elementos que não deram o seu consentimento para o seu envolvimento no estudo corresponde, em si mesma, a um processo de análise, pelo que requer a permissão dos restantes participantes. Finalmente, a remoção de mensagens de uma ou mais pessoas pode tornar bastante difícil a compreensão do texto e descontextualizar as mensagens subsequentes (Rourke et al., 2001c ; Debert, 2003).

A segunda solução, mais abrangente, é anular a exigência do consentimento informado, assumindo que os indivíduos sobre os quais impende a investigação não são, por definição, participantes na investigação. Contudo, neste caso, o investigador não pode utilizar, de forma alguma, "informações pessoais identificáveis". A utilização da função "localizar e substituir" proporcionada pela generalidade dos softwares de análise permite mudar todos os nomes de pessoas ou de login nos cabeçalhos das mensagens e no seio das próprias mensagens, substituindo-os por designações como "Indivíduo 1”, “Professor A", etc. (Rourke et al., 2001c).

Em suma, a revisão da literatura efetuada relativamente a esta temática permitiu-nos seguir um padrão ético/deontológico que deve sempre presidir a qualquer estudo investigativo: evitar a criação de quaisquer danos e/ou constrangimentos para os intervenientes no estudo. No caso concreto desta investigação, a não realização de comparações despropositadas relativamente ao desempenho dos vários participantes e a apresentação dos dados de forma a manter o anonimato dos intervenientes (Capítulo 4), contribuíram para evitar esses danos e/ou constrangimentos.