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Capítulo 1 – Comunidades de prática online sustentáveis

1.1. Desenvolvimento de comunidades de prática online

Os problemas e desafios do mundo moderno apresentam tais dimensões e complexidade que a sua resolução exige cada vez mais um trabalho em equipa, no qual os participantes assumam princípios de solidariedade, empatia e trabalho colaborativo. Colocar um grupo de indivíduos a tentar resolver um determinado problema revela-se, normalmente, mais eficaz do que colocar apenas uma pessoa a procurar solucioná-lo. Acresce que trabalhar em grupo, de um modo geral, favorece a criatividade (Chagas, 2001; Primo, 2007a; Miranda-Pinto, 2009; Pozzi & Persico, 2011). Por outro lado, a Internet permite o estabelecimento de uma conexão praticamente instantânea entre milhões de utilizadores, fomentando o fluir da informação. No fundo, as características da Internet traduzem-se num acesso fácil e generalizado à informação (Jacko, 2012; Müller, 2013; Sears & Jacko, 2014; Busarello et al., 2015). Não surpreende, portanto, que, nos últimos anos, se venham desenvolvendo esforços no sentido de se definirem estratégias que permitam a colaboração por meio do estabelecimento de CoP online. A criação de inúmeras CoP online constitui mesmo um dos fenómenos mais interessantes que resultaram do incremento da Comunicação Mediada por Computador (CMC) e pela Internet (Wenger, 1998; Wenger et al., 2002; Saint-Onge & Wallace, 2003; McSporran, 2004; Andrade, 2005; Santos, 2012; Tsai, 2012; Rummel et al., 2013).

O facto de um grupo de indivíduos se juntar num ambiente virtual, no qual decorrem diversas interações, não se pode considerar sinónimo de existência de uma CoP online, nem que nesse ambiente ocorre necessariamente colaboração e aprendizagem. A concretização de CoP online efetivas e de práticas colaborativas constitui um processo envolto em dificuldades e que está dependente do empenho dos membros da comunidade (McSporran, 2004; Anderson & Elloumi, 2004; Moore & Kesrley, 2007; Miranda-Pinto, 2012; Rummel et al., 2013; Sears & Jacko, 2014; Busarello et al., 2015). O conceito de CoP foi explorado por Etienne Wenger, em 1998, no seu livro “Communities of Practice: learning, meaning and identity”. Segundo o autor, uma CoP

envolve a articulação entre três componentes fulcrais (Wenger, 1998; Wenger et al., 2002) (Figura 1.1):

um domínio de conhecimento. As interações entre os membros da CoP desenvolvem- se em torno desse domínio de conhecimento, sendo ele a determinar as ações a desenvolver pela comunidade, as questões a debater e qual o conhecimento que realmente interessa partilhar e desenvolver. Sem o compromisso com um domínio, uma comunidade poderá não ser mais do que um simples grupo de amigos. O domínio deve emergir de um processo de negociação entre os elementos da CoP e constituir uma área de grande interesse para os participantes, potenciando, desse modo, a identidade da CoP. O domínio da CoP pode ter uma natureza evolutiva, uma vez que, à medida que os problemas vão sendo resolvidos, são definidas novas problemáticas e vão surgindo novas perspectivas e novas tecnologias a dominar;

uma comunidade de indivíduos com interesse por esse domínio de conhecimento. Este elemento (comunidade) pressupõe que os membros comuniquem regularmente, centrando essas interacções em torno do domínio, por forma a desenvolver uma história e uma identidade comuns e a produzir conhecimento. Ao longo do tempo, cria- se, por um lado, uma certa homogeneidade alicerçada num sentimento de história e identidade comuns e, por outro lado, quando os membros desempenham papéis específicos no seio da comunidade, está-se também a potenciar a diversidade e o processo de diferenciação de identidades individuais em relação à CoP;

a prática colaborativa que essa comunidade desenvolve para ser eficiente no domínio definido. Este elemento (prática) envolve um conjunto de formas de ação, socialmente definidas, num domínio específico e corresponde ao conhecimento que a comunidade desenvolve e partilha. Através de uma prática partilhada, os membros da CoP podem combinar o corpo comum de conhecimentos com os conhecimentos individuais que cada um possui nas áreas em que é mais especializado e com os mais recentes avanços nesse domínio. Desse modo, aumenta o corpo de conhecimento comum da própria CoP. Assim, a prática tende a evoluir como um produto coletivo integrado no trabalho dos membros da CoP, organizando o conhecimento em formas que o tornam útil para eles próprios, na medida em que reflete a sua perspetiva. Em suma, a prática corresponde a uma mini-cultura, em que os membros da CoP desenvolvem um repertório de recursos partilhado, experiências, histórias, ferramentas, um estilo de pensamento e até um posicionamento ético comum.

Figura 1.1 – Elementos estruturantes de uma comunidade de prática (adaptado de Wenger et al., 2002).

Uma CoP corresponde, portanto, a um grupo de indivíduos, envolvidos numa mesma prática, que interagem e colaboram regularmente entre si a propósito dessa sua prática (Wenger et al., 2002; Saint-Onge & Wallace, 2003).

O facto de as CoP partilharem uma estrutura/base comum não significa que exista uma similitude absoluta e que todas elas sejam iguais ou sequer idênticas. Pelo contrário, as CoP podem ser significativamente diferentes e assumir configurações bastante distintas: podem ser pequenas ou muito grandes, integrando milhares de membros, podem ter uma existência breve ou muito longa, podem ser locais (existir numa determinada zona geográfica) ou distribuídas (formadas por elementos que se encontram geograficamente dispersos e que interagem por intermédio das tecnologias) (Wenger et al., 2002). Ainda assim, apesar da diversidade de configurações possíveis, as CoP são diferentes de outras estruturas e, como já se referiu, nem todas as comunidades são CoP. O ciclo de vida de uma CoP implica, segundo Wenger e colaboradores (2002), a passagem por cinco fases: potencial, coalescente, em maturação, hospedagem e transformação (Figura 1.2), que se descrevem nos parágrafos seguintes.

Domínio

Comunidade Prática

Figura 1.2 – Fases de desenvolvimento de uma comunidade de prática, segundo Wenger et al. (2002).

Na fase potencial, a CoP é oficialmente criada, o que, à partida, levará a que novos membros se juntem ao grupo nuclear responsável pela criação da CoP. Nesta fase inicial, procura-se definir, tendo em conta os interesses das pessoas envolvidas, o domínio da CoP. É também muito provável que comecem a surgir as primeiras tensões entre a necessidade de gerar valor rapidamente e a de deixar que a CoP se assuma como um projeto de longo prazo e que, portanto, se alavanque em processos mais ponderados, mais seguros, mais consistentes e, muitas vezes, mais lentos e morosos. Nesta fase inicial e confrontados com essas tensões, muitos elementos acabam por desistir da CoP. Resolvidas as primeiras tensões, a CoP evolui para a fase coalescente, na qual os seus membros descobrem o valor da participação e, progressivamente, vão adquirindo um conhecimento profundo da prática individual uns dos outros, das reações e dos estilos de pensamento dos outros e um conhecimento coletivo da prática como um todo.

A CoP continua a evoluir, organizando-se e desenvolvendo e solidificando padrões de boas práticas, até atingir um estádio de amadurecimento, término da fase de maturação. Ao atingi-lo, novas tensões surgem, sobretudo relacionadas com o seu domínio ou com a própria expansão e crescimento da CoP. A produção de valor intelectual atrai novos membros, desencadeia o aparecimento de novos interesses e necessidades e possibilita a formação de novas relações. Este constitui outro ponto crucial para as CoP, uma vez que a necessidade de clarificar o seu foco, o seu papel e as suas relações com outros

domínios, pode conduzir a que muitas desapareçam repentinamente. Superada esta fase, as CoP evidenciam uma organização mais sólida e, continuando a evoluir, atingem um estádio em que gerem as suas atividades.

Na fase de hospedagem, os membros da CoP desenvolvem um sentimento de orgulho no trabalho desenvolvido e um forte sentimento de posse do seu domínio. Nesta fase, o grande desafio reside em conseguir manter o ritmo alcançado, fazendo face às inevitáveis mudanças que se vão verificando ao nível dos membros constituintes, das tecnologias e das relações com as organizações. Finalmente, com o decorrer do tempo, a CoP acabará forçosamente por se deparar com uma nova tensão: evoluir para outros domínios de conhecimento ou deixar que caminhe naturalmente para o seu término. A fase de transformação pode ser desencadeada por um fluxo súbito de novos membros, transportando renovados interesses para o interior da CoP, ou por uma queda acentuada no nível de energia, originada pelo progressivo desinteresse dos seus membros por um domínio que se tornou irrelevante. Assim, a CoP passa, então, pelo grande dilema: reinventar-se ou desaparecer. Caso opte por reinventar-se, inicia-se um novo ciclo de vida para a “nova” CoP (Wenger et al., 2002).

Os membros de uma CoP podem interagir presencialmente, em ambientes online ou num regime que combine encontros presenciais e online. Em qualquer dos casos, o estabelecimento dessas interações decorre do facto dos elementos da CoP considerarem que daí resultam mais-valias, como sejam o desenvolvimento de competências e o aprofundamento do seu conhecimento em determinada(s) área(s), através da construção, da troca e da partilha de um reportório comum de recursos (Wenger, 1998; Wenger et al., 2002; Santos, 2012; Tsai et al., 2010; Tsai, 2012; Müller, 2013; Rummel et al., 2013). As CoP podem ser espontâneas ou intencionais consoante a sua génese tenha sido, respetivamente, informal ou formal, mas requerem, em todo o caso, que se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos (Wenger et al., 2002):

as interações devem processar-se horizontalmente, uma vez que ocorrem entre pares que pretendem aprofundar o seu conhecimento relativo a uma determinada prática; é imprescindível que se crie um clima de confiança mútua, já que só desse modo é

que será possível debater, sem melindre, as questões e situações problemáticas que inquietam os seus membros;

os seus membros têm que se encontrar regularmente (presencialmente e/ou online), como forma de garantir a existência de interação e colaboração.

Wenger e colaboradores (2002) reconhecem nas CoP um potencial que transcende o gerar, o “hospedar” e o gerir conhecimento. Estasestão efetivamente relacionadas com o conhecimento mas não se pode negligenciar que, independentemente de se alicerçarem em encontros presenciais, em encontros em contexto online ou numa combinação dessas duas componentes, envolvem igualmente um caráter social, o estar em conjunto, o desenvolvimento de uma identidade e o estabelecimento de relações de confiança, isto é, todo um conjunto de aspetos inerentes à condição humana e à vida em sociedade. Em suma, comparativamente com os demais tipos de comunidades, as CoP normalmente exigem, além do envolvimento mais direto com a prática trabalhada, um maior esforço nas interações sociais e um maior acompanhamento da efetividade das mesmas (Andrade, 2005; Tsai, 2012; Rummel et al., 2013).

As tecnologias permitiram o desenvolvimento de CoP online e, hoje em dia, verifica-se que este tipo de CoP não é uma excepção, é antes a regra (Rizopoulos & McCarthy, 2009; Rummel et al., 2013).No que concerne especificamente às CoP online, Busarelloe colaboradores (2015) referem que a colaboração que se estabelece entre os elementos que as integram, sustentada na existência de um objetivo comum, ajuda a edificar vínculos fortes, o que, de algum modo, compensa o distanciamento e a impessoalidade inerentes à interação através da Internet. Para que se verifique a criação de uma CoP online consistente é necessário que se proporcione um ambiente que não seja inibidor e que não afaste os menos dotados sob o ponto de vista técnico/tecnológico. Este ambiente deverá ter algumas semelhanças com aspetos observados na formação presencial, como sejam a possibilidade de “ver” quem está presente na “sala” ou a disponibilidade de fazer um intervalo num “bar virtual”. Ainda assim, a tecnologia por si só não garante o sucesso de uma CoP online; Kim (2000), (Filho, 2004), Chagas (2006) e Tsai (2012) entre outros autores, apontam outros aspetos que devem ser tidos em conta aquando da criação deste tipo de comunidades, conforme se detalhará na secção 1.2.