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A ética como pressuposto da cidadania

A expressão ética tem origem no grego, ethos, que significa morada, casa. E o ato de morar pressupõe logicamente um mínimo de ordem e uma relação social de respeito entre os que compartilham da morada. Ainda, “Morar exige que organizemos o entorno da casa, o jardim, a relação com os vizinhos para que seja pacífica e amical” (BOFF, 2003, p. 12). Claro que morar pressupõe uma relação de solidariedade, como sustenta Boff (2003), mas

preferimos a expressão fraternidade a solidariedade, por entender a primeira mais abrangente do que esta, mais apropriada, portanto, para designar a relação dos seres humanos dentro da grande casa planetária. Se tomarmos emprestado do Direito o significado de solidariedade, fica fácil perceber que se trata de relação à qual os indivíduos inicialmente aderem de forma mais voluntária do que obrigatória. Outro aspecto relevante quando interpretamos solidariedade à luz do Direito consiste no fato de que, uma vez caracterizada a solidariedade em determinada relação contratual, o credor poderá exigir a totalidade da prestação obrigacional de um só dos coobrigados, isentando os demais devedores solidários de qualquer ônus em relação ao débito. No campo moral, solidariedade tem a ver unicamente com caridade ou amor ao próximo, ou seja, trata-se de algo a que ninguém está obrigado por alguma imposição externa, mas pratica determinadas ações em favor do semelhante apenas por um desejo pessoal e aleatório de ajudar, ou até mesmo para que os outros o imaginem bom - o que dá à boa ação uma finalidade interesseira e, portanto, antiética.

Fraternidade é diferente; é relação de irmandade típica do que acontece no seio de uma família. Ora, uma relação fraterna baseada em laços afetivos de sangue – ou mesmo sem consanguinidade, uma irmandade adotiva, por exemplo - jamais se extingue. Ou seja, uma vez irmãos, sempre irmãos. E mesmo que haja uma ruptura relacional entre irmãos, a regra é a subsequente reaproximação sempre que apareça uma grande dificuldade na vida de um ou de outro. Os irmãos tendem a unir-se quando se trata de lutar contra inimigo comum, ou até mesmo contra algo que afete apenas um deles, pois o que está em jogo é uma causa maior: a família, a irmandade, a relação afetiva dos moradores da mesma casa. Mas o que mais importa é o que isso revela: há uma espécie de obrigação universal e objetiva que compromete naturalmente um irmão a lutar pela causa do outro. Na solidariedade isso não acontece; sempre que ocorre uma quebra de relacionamento entre as partes, ela tende a desaparecer pura e simplesmente, sem a tendência de que se restabeleça em algum momento futuro. A solidariedade se extingue facilmente; a fraternidade permanece mesmo em períodos de crise.

Por isso defendemos que a ética como pressuposto da cidadania universal e cosmopolita está fundada na fraternidade, que se apresenta como relação de afeto e de solidariedade, também, mas sobretudo como uma relação de respeito pelo próximo e comprometimento com suas causas, que são sempre causas comuns dos irmãos planetários. É importante frisar bem: na fraternidade, mesmo havendo uma ruptura de afeto ou amor, sempre sobra o respeito e o comprometimento natural derivado dos laços fraternos que envolvem

todos os integrantes da família, da morada, da casa. É nisso que pretendemos fundamentar uma compreensão do que seja ética enquanto pressuposto da cidadania.

Outro ponto que deve ser enfrentado sempre que se fala de ética é a costumeira confusão que se faz de seu significado com o sentido de amor. Ética nada tem a ver com o surrado e inútil mandamento de amor ao próximo. Primeiro, porque ninguém pode ser obrigado a amar a outrem e, de fato, não se encontra uma só pessoa no mundo que consiga amar por uma imposição externa, amar a quem na verdade não ama, mesmo que a pessoa que deva ser amada seja querida, de seu círculo afetivo. Imagine-se, então, quando a questão disser respeito a amar o inimigo! Mas mesmo numa situação em que exista de fato amor, em que uma pessoa sinta amor verdadeiro por outra, não estamos diante de uma hipótese parecida com ética, uma vez que o amor jamais apresentará traços característicos de universalidade.

O amor é uma coisa pessoal e se alimenta do respeito mútuo. Mas isso não se manifesta no coletivo. Já estamos a dois mil anos nos dizendo essa história de nos amar uns aos outros. Adiantou alguma coisa? Poderíamos mudar para respeitar uns aos outros, e ver se assim tem maior eficácia. Porque o amor não é suficiente (SARAMAGO, 2010, p. 114).

A relação da ética com a moral também é algo que suscita dúvidas e por vezes se torna objeto de grande confusão em termos de compreensão teórica. Mas, é bom deixar logo claro, são coisas diferentes. “Ética, existe uma só para todos. Moral, existem muitas, de acordo com as maneiras diferentes como os seres humanos organizam a vida. Vamos dar um exemplo. Importante é ter uma casa (ética). O estilo e a maneira de construí-la podem variar (moral)” (BOFF, 2003, p. 13). Ética, como já se apontou anteriormente, guarda relação direta com a universalidade, com o coletivo; moral é algo que se liga a manifestações e condutas pessoais no sentido de optar por praticar ações boas ou ruins segundo um código de valores típico do meio em que vive determinada pessoa, embora os fins dessas suas ações também devam relacionar-se à satisfação de interesses coletivos, universais, e não particulares. Assim, não podem

ser consideradas moralmente legítimas aquelas ações em que o agente visa a determinados benefícios, pois as ações morais não perquirem das consequências. Não que Kant ignore que o agir traz consequências e se apresente com suas contingências; mas elas, todavia, na proposição kantiana, não podem, contudo, servir para fundamentar moralmente a conduta.

Logo, com base no dever, para o filósofo, uma ação é moral quando praticada por nenhuma outra inclinação ou interesse, a não ser obedecer somente à lei do dever; a ação moral tem seu valor não no propósito que com ela se quer atingir, mas na

máxima que a determina. Ainda, dever é a necessidade de uma ação por exclusivo respeito à lei (que o sujeito dá a si próprio), no que Kant vai afirmar que somente o impulso subjetivo que for compatível com a moralidade diz respeito à lei. Por isso, para Kant, somente quando os homens faz\em algo por considerarem seu dever, sua obrigação de seguir a lei moral, é que se pode falar em uma ação moral (MACEDO, 2012, p. 116-117).

Portanto, não há dúvida de que moral e ética são coisas distintas. A primeira brota da razão do indivíduo e reflete os padrões valorativos do meio onde vive, ou seja, apesar de a ação do indivíduo se achar divorciada do interesse particular, não deixa de ser algo subjetivo, pessoal. Já a ética não se liga a padrões de valor, é universal, isto é, ultrapassa fronteiras culturais, de nacionalidade, religiosas ou filosóficas, ao contrário da moral, que pode ser conceituada, enfim, como “o conjunto concreto de preceitos e normas que organizam a vida das pessoas, das comunidades, da sociedade” (BOFF, 2003, p. 13).

Já referimos que a ética que pressupõe uma cidadania universal, planetária e plena, há de estar firmemente fundamentada numa relação de fraternidade efetiva entre todos os membros da comunidade humana – os moradores da grande casa (ethos) a que chamamos planeta Terra. Logo, essa forma de conceber a ética está intrinsecamente ligada à maneira como compreendemos o exercício dos direitos humanos enquanto expressão autêntica e concreta da cidadania. Para justificar o que acabamos de afirmar, tomemos como referência o direito humano à igualdade. Esse direito, por si só, pode solucionar quase todos os problemas de injustiça social, se for aplicado e obedecido de forma plena, respeitando-se as condições multiculturais da comunidade humana (o direito a ser, viver e pensar diferente). É verdade que nunca se falou tanto em direitos humanos como atualmente, e nunca existiram, em qualquer ordenamento jurídico mundo afora, tantas normas legais e constitucionais objetivando assegurar direitos humanos às pessoas. Ao mesmo tempo, nunca se presenciou tanta violação a esses direitos supremos do ser humano como modernamente. Por que? Porque a cidadania de que hoje tanto se fala existe apenas no plano jurídico; a cidadania se acha materializada apenas em sua dimensão jurídica, sendo de se concluir que sua base de sustentação filosófico-moral consiste em uma ética meramente formal e, portanto, falsa, fictícia, pois não se pode conceber ética que não tenha praticidade, que não mude as coisas no mundo da realidade. Hoje, todas as pessoas, nos Estados Democráticos de Direito, gozam do direito à igualdade. Todos são iguais, mas só perante a lei; não perante as outras pessoas. Isso é cidadania, mas também uma cidadania formal, inútil e falsa, alimentada por uma ética sem praticidade. É lógico que a condição de igualdade entre os indivíduos, que representa um dos

principais pilares do Estado Democrático de Direito, é algo realmente decisivo para tornar a sociedade melhor. Só que, para que isso aconteça na prática, o princípio da igualdade não pode consistir apenas em norma escrita, sem possibilidade de aplicação no plano da realidade; o direito à igualdade deve operar na sua dimensão política, já que cidadania deve ser entendida como um “processo de construção de um espaço público que ofereça a possibilidade concreta de realização de cada ser humano, em efetiva igualdade básica” (CORRÊA, 2010, p. 26). E só essa dimensão política é que permite ao indivíduo a construção do espaço de realização efetiva dos direitos humanos garantidos na dimensão jurídica.

Dentro de uma visão ética que sustente a implantação de uma cidadania sem fronteiras – nos sentidos territorial e cultural -, o direito à igualdade se mostra tão completo, que seria possível até mesmo dizer que nele estão contidos todos os outros direitos constantes no rol dos direitos humanos. Façamos o seguinte raciocínio: se numa determinada comunidade há uma só pessoa gozando dos direitos à vida, à liberdade, à propriedade, à segurança etc., basta que se conceda às outras pessoas (que não gozam de direito algum) apenas o direito à igualdade, que passarão, automaticamente, a gozar de todos os direitos daquela pessoa privilegiada. Entretanto, esse ato de estender o direito à igualdade ao grupo de excluídos deve acontecer no plano político, na prática, não bastando apenas a edição de uma lei ou a promulgação de uma Constituição para que isso ocorra.

Para quem pretender argumentar em contrário, basta atentar para a história recente do Paraguai. Trata-se de Estado Democrático de Direito, ou seja, sua estrutura político- administrativa se sustenta na democracia, apresentando no seu ordenamento jurídico, de forma bem clara, um invejável rol de direitos humanos, dentre os quais, logicamente, o direito à igualdade. No entanto, apesar desse bem sedimentado arcabouço constitucional que garante direitos que, uma vez exercidos de fato, tornam a vida digna e a sociedade mais justa e solidária, apenas 2% dos proprietários de terras rurais possuem cerca 70% de todas as terras do País, destacando-se que pouco mais de 300 fazendeiros (dentre eles muitos políticos e burocratas do Estado) são proprietários de uma porção de terras que equivale ao território do Estado de Santa Catarina (Brasil). Não é de se estranhar, portanto, que o presidente Lugo tenha sido deposto do cargo exatamente em razão da questão agrária, vencido pelas oligarquias que se opõem com veemência a qualquer gesto que possa implicar uma tentativa de implementar a reforma agrária, trazendo justiça social ao campo. E a deposição do

presidente, paradoxalmente, se deu através do mecanismo tipicamente democrático do

impeachment.

O episódio paraguaio permite concluir de forma segura duas situações que indicam e ao mesmo tempo representam fator de injustiça social: a) os Estados nacionais modernos vivem a cidadania apenas em sua dimensão jurídica. Ou seja, tudo se mostra perfeito, justo e bem organizado em termos de ordenamento jurídico e burocracia administrativa, mas quase nada se faz pelos direitos humanos no campo prático quando os titulares desses direitos são categorias ou classes sociais que não detêm poder econômico. Ora, se apenas o princípio da igualdade da Constituição do Paraguai fosse minimamente aplicado, não haveria uma situação de tamanha injustiça social no campo e, consequentemente, não teria havido o massacre que vitimou duas dezenas de trabalhadores Sem-Terra dias antes da queda do Presidente Lugo. Mas também não haveria fome no campo e na cidade, baixa qualidade da educação (pois a concentração de renda e o modelo exportador de produção retira verbas dos setores sociais), problemas de qualidade de vida dos cidadãos (carência habitacional, falta de hospitais, medicamentos, falta de tratamento de esgotos etc.); b) a democracia e o Estado de Direito funcionam de forma extremamente eficiente quando se trata de defender os interesses econômicos de setores políticos conservadores, logicamente ligados a oligarquias rurais – que ainda existem - e empresas transnacionais. Para depor o presidente cuja corrente ideológica se afina com a contra-hegemonia emancipatória em relação ao poder oligárquico e ao grande capital transnacional globalizado, utilizou-se do parlamento, o que indica, também, que até mesmo a soberania popular (a vontade do povo expressa através do voto direto) se manifestou, indiretamente, a favor da hegemonia do capital e em detrimento dos interesses populares reais e do antigo anseio de justiça social do povo. O que é mais grave e inaceitável a partir de uma ética prática que reclama uma cidadania plena, é o fato de esse verdadeiro “golpe democrático” do parlamento paraguaio ter-se utilizado exatamente do discurso dos direitos humanos para levar a efeito a ideia do impeachment e assim romper com as esperanças de reforma agrária, primeiro passo para a instauração de justiça social no campo. Sem dúvida que o direito de propriedade deve ser defendido como direito humano – até porque a proposta de cidadania calcada em uma ética da vida, universal e prática não pretende abolir o capitalismo, mas humanizá-lo. Entretanto, o direito de propriedade deve coexistir em condição de absoluta dependência com o direito à igualdade, ou seja, trata-se de um direito a ser aplicado de forma justa e isonômica, não devendo funcionar apenas em relação a uma parcela da sociedade.

Mas, para que a cidadania seja possível também em sua dimensão política, necessário se faz que o mundo viva uma verdadeira revolução ética, a começar pela retomada e intensificação da luta política dos excluídos, já que não há mudança substancial por concessão das classes hegemônicas ou por qualquer outro motivo.

É preciso, pois, tomar consciência de que, sem a unidade orgânica das diversas iniciativas populares emancipatórias, os minoritários grupos hegemônicos do capital ditarão as regras de construção do espaço público-estatal em seu favor. Nesse caso, tanto o discurso dos direitos humanos quanto o da cidadania se caracterizarão como retórico-ideológicos, postos como ideal de humanismo, mas ao mesmo tempo sonegados para as maiorias populares pela índole excludente do sistema [...] Do exposto decorre que os excluídos, os oprimidos e os discriminados de qualquer espécie são os sujeitos políticos fundamentais de cuja conscientização e organização articulada dependerá a reconstrução do espaço público fora da lógica do lucro e da acumulação [... Eis o grande desafio para os que acreditam ser possível a construção de uma cidadania capaz de oportunizar a todos o acesso a um espaço público norteado pela dignidade da vida, a ser coletiva e solidariamente efetivado (CORRÊA, 2010, p. 55-56).

Essa luta dos excluídos – que é a luta da grande maioria da população mundial -, no entanto, não pode mais significar o velho modelo revolucionário que consistia em sonhar com a substituição radical e abrupta de um regime econômico por outro, basicamente levada a efeito pela ação armada. Não podemos esquecer que vivemos em outro mundo, globalizado, em que, é verdade, existe uma espécie de “indiferença e apatia políticas dos cidadãos e a renúncia do Estado a sua obrigação de promover o bem comum” (BAUMAN, 2000, p. 159). Mas também não podemos esquecer que, exatamente em razão da globalização, a luta contra- hegemônica não mais se acha limitada às fronteiras territoriais dos Estados nacionais, ou seja, há a possibilidade de se estabelecer uma luta muito mais forte e organizada, não só pelo fato de os fatores de exclusão sociocultural se mostrarem iguais no mundo inteiro (a base dos problemas sociais é idêntica em todo o Planeta), mas também porque hoje a informação deixou de ser monopólio do poder hegemônico estatal ou econômico. Ou seja, as ações inerentes à globalização contra-hegemônica podem contar com o que muitos ainda chamam de “tirania da informação”. A luta dos excluídos pala implantação de uma nova ética no mundo pode contar com o poder da informação em igualdade de condições com o poder hegemônico, não havendo mais nada no mundo que possa permanecer escondido, nem mesmo documentos políticos considerados de segurança nacional; tudo vaza para a mídia, que se tornou importante aliado da luta por cidadania plena e planetária.

É claro que essa redução extrema do tempo e do espaço patrocinado pela nova ordem da informação permite o aprofundamento das desigualdades e uma homogeneização cultural “ao serviço dos setores hegemônicos” (SANTOS, 2008, p. 19). E isso, para alguns, “faz com que o mundo se torne menos unido, tornando mais distante o sonho de uma cidadania verdadeiramente universal” (SANTOS, 2008, p. 19). Mas o contrário disso também pode acontecer – é o que estamos pretendendo demonstrar –, ou seja, é inteiramente plausível e possível esperar que os oprimidos se apoderem das mesmas forças globalizantes que tornaram possível a implantação definitiva dos processos de globalização hegemônica no mundo, bastando para isso que haja uma consciência pela construção de uma nova ética, que permita “a busca de caminhos que invertam a hierarquia do lucro, das atividades econômicas, dos jogos de poderes em favor dos valores humanos imprescindíveis a uma vida social mais justa” (MARTINS, 2006, p. 89).

As perguntas que fazem os pensadores que não conseguem enxergar uma saída para a crise global de cidadania provocada pela globalização hegemônica são: Como os excluídos triunfarão, se a própria sociedade está em vias de se dissolver, trazendo “a destruição dos laços sociais, a solidão e a crise de identidade” (TOURAINE, 2006, p. 93)? Se os Estados nacionais estão em crise, “dado que o capital financeiro transnacionalizado não respeita fronteiras para se reproduzir” (CORRÊA, 2010, p. 15), como acreditar que as maiorias oprimidas terão êxito numa empreitada em busca de espaços públicos para construção da tão sonhada cidadania, se a própria identidade dos indivíduos vive uma crise sem precedentes?

Entretanto, o que os adeptos das profecias do caos não levam em conta é que, na verdade, tudo está em crise; o período atual é de verdadeira transição, e transição é sempre algo que indica instabilidade. Sem dúvida, a globalização se caracteriza por um “período de grande abertura e indefinição, um período de bifurcação, cujas transformações futuras são imperscrutáveis” (SANTOS, 2011, p. 89). Basta voltar a atenção para o que ocorreu na economia da Europa, especialmente, onde tudo parecia absolutamente sob controle, quando, num curto espaço de tempo, uma crise que começou pequena na Grécia tomou corpo e afetou de forma intensa vários países cujas economias eram tidas como sólidas e confiáveis. É verdade que a era da globalização representa um período novo, bem definido – quanto ao aspecto de caracterizar-se como um período - e, para muitos, irreversível, ou seja, sem possibilidade alguma de o mundo retornar às condições socioeconômicas e culturais de antes. Mas também é verdade que esse período novo se caracteriza como uma crise, “uma crise

global, cuja evidência tanto se faz por meio de fenômenos globais, como de manifestações particulares, neste ou naquele país, neste ou naquele momento, mas para produzir o novo estágio de crise. Nada é duradouro” (SANTOS, 2008, p. 35).

Então, se tudo está em crise, inclusive, em muitos aspectos, o próprio processo de globalização - principalmente porque já se faz notório que, além de não ter solucionado os problemas humanos mais urgentes, ainda intensificou e acelerou o processo de exclusão social -, por que não acreditar no triunfo da cidadania a partir de uma ética que priorize os valores da vida sobre o capital?

Claro que qualquer ação contra-hegemônica baseada numa consciência ético-prática que inclui a luta pela vivência efetiva dos direitos humanos, visando a inaugurar um processo mundial de reconstrução dos espaços públicos rumo a uma cidadania plena e cosmopolita,