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Em relação ao tema fraternidade

2.3 Temas globais, responsabilidades globais

2.3.2 Em relação ao tema fraternidade

Conforme Dias (1993, p. 351-352),

Na Índia, o grave acidente industrial de Bhopal é difícil de esquecer. Numa trágica noite de dezembro de 1984, um reservatório da fábrica de pesticidas da empresa americana Union Carbide explodiu, deixando escapar quarenta toneladas de um gás, o isocianeto de metilo (MIC), que iria semear a morte à sua volta. Em 48 horas, mais de 3 mil pessoas perderam a vida e a região ficou infestada de cadáveres de animais. Mais tarde, o número de mortos duplicou, enquanto meio milhão de pessoas foram afetadas de invalidez permanente em diversos graus. Em 1992, ainda as vítimas continuavam a morrer à razão de dez por semana.

[...] A indústria química conta com algumas das mais poderosas e mais irresponsáveis multinacionais do mundo [...]. Nos Estados Unidos, a administração Reagan incentivou os fabricantes de produtos industriais perigosos a instalarem-se em países com normas de segurança mais frouxas. Ora, é evidente que a transferência de fábricas de alto risco para locais muito povoados, normalmente em vias de desenvolvimento, a fim de se beneficiarem de uma mão de obra barata e pouco especializada, contribui para aumentar a gravidade das consequências nefastas para o homem.

Santos (2011, p. 33-34) destaca que:

É hoje evidente que a iniquidade da distribuição da riqueza mundial se agravou nas duas últimas décadas [...]. As 200 pessoas mais ricas do mundo aumentaram para mais do dobro a sua riqueza entre 1994 e 1998. Os valores dos três mais ricos bilionários do mundo excedem a soma do produto interno bruto de todos os países menos desenvolvidos do mundo onde vivem 600 milhões de pessoas.

Para complementar, Edwards (2001, p. 555) ressalta:

O crescimento econômico não basta para o desenvolvimento, mas o desenvolvimento precisa de crescimento, o crescimento precisa de mercados, e os mercados sempre imporão custos e desigualdades. Será, porém, que isso significa que o jogador de basquete Michael Jordan tem de ganhar 31 mil vezes mais por anunciar os tênis da Nike do que os trabalhadores que os produzem, a despeito de que, se os salários fossem dobrados, o custo de produção ainda ficaria abaixo de um dólar o par?.

É importante lembrar que, quando falamos de pobreza e fome, corremos o risco de reduzir uma verdadeira tragédia a meros números estatísticos, números estes inclusive manipulados pelos governos e sistemas de comunicação comprometidos com ideologias ou projetos neoliberais, que divulgam notícias nas quais

a verdadeira escala da pobreza é omitida. [...] Cerca de 4 bilhões – dois terços da população mundial – vivem na pobreza. [...]. Mas, como assinala Kapuscinski, essa apresentação do problema da pobreza (como exemplifica uma edição recente do The Economist, que analisa a pobreza mundial sob o título “Como alimentar o mundo”) “degrada terrivelmente e praticamente nega a condição humana plena das pessoas a quem supostamente queremos ajudar”. O que a equação “pobreza = fome” esconde são muitos outros aspectos complexos da pobreza – “horríveis condições de vida e moradia, doença, analfabetismo, agressão, famílias destruídas, enfraquecimento dos laços sociais, ausência de futuro e de produtividade” -; aflições que não podem ser curadas com biscoitos superproteicos e leite em pó (BAUMAN, 1999, p. 81-82).

Como já dissemos anteriormente, esses dois temas (natureza e fraternidade) apresentam-se interligados, o que se comprova a partir de uma simples comparação entre ambos. E os problemas a eles relacionados, conforme os exemplos citados, são inegavelmente globais, reclamando soluções globais a partir de responsabilizações igualmente globais. Mas em que consistiriam tais soluções? E quais seriam os atores sociais a serem responsabilizados para encontrá-las? Eis as duas questões cruciais com as quais o mundo inteiro se preocupa desde a Conferência Rio 92 e o primeiro Fórum Social Mundial de Porto Alegre. Questões cujas respostas o mundo há muito já sabe, e que se resumem a isto: em relação ao tema do meio ambiente, praticar a sustentabilidade a qualquer custo (mesmo que isso importe,

temporariamente, em estagnação do crescimento econômico); em relação à fraternidade, praticar uma cidadania dentro de uma nova ética planetária. Isso implicaria, sem dúvida, tanto a solução para a degradação ambiental, como para a redução sensível das desigualdades sociais, uma vez que instaura os processos de desenvolvimento sustentável e de redistribuição das riquezas, que trazem a reboque a tão sonhada garantia de vida digna.

Mas quais seriam os atores a protagonizar tais mudanças? Para a solução dos graves problemas ambientais presentes em todo o Planeta, a primeira impressão que se tem é que basta, para a reversão desse quadro de desesperança em relação ao futuro, aplicar-se com rigor o princípio do poluidor pagador, pelo qual então as empresas transnacionais e os países ricos seriam responsabilizados e obrigados a reparar os danos que causaram, estando assim solucionados os problemas ambientais mais graves. Depois, é só seguir as regras do desenvolvimento sustentável, e pronto, instaurou-se o Éden na terra. No entanto, isso não basta. Jamais haverá solução para problemas globais sem a participação da totalidade dos atores sociais globais. Devem, sim, os grandes poluidores (empresas multinacionais e países ricos) ser responsabilizados pelo passivo ambiental a que deram causa; devem, sim, os mais ricos – sejam empresas, cidadãos ou Estados – abrir mão de uma parte de suas fortunas em prol dos famintos; deve o sistema financeiro global (Banco Mundial e FMI, principalmente) participar de forma direta, financiando pesadamente o desenvolvimento sustentável e a cidadania planetária; devem os Estados nacionais priorizar essas questões em seus orçamentos. Tudo isso está fora de dúvida. Mas é preciso algo mais: que todos esses atores sociais mais a totalidade dos cidadãos do mundo estejam unidos num só propósito. Para que haja uma mudança no sentido de reverter o atual quadro socioambiental do Planeta, garantindo-se a continuidade da vida,

a humanidade tem de aprender, em conjunto, a tomar nas mãos o seu desenvolvimento. Tem que ser capaz de reduzir a excessiva desigualdade, poderoso fermento da discórdia. Tem que inventar os caminhos e as maneiras de desenvolver a solidariedade a uma escala planetária. Tem de reatar laços com os antepassados, ao mesmo tempo que se responsabiliza pelo mundo que vai legar às gerações vindouras (BLEUD; BOUGUERRA, 1993, p. 415).

A responsabilidade é de todos, portanto. E o pensamento global em torno desses dois temas, que envolvem nossos problemas globais mais urgentes e de maior expressão, deve convergir no propósito de inaugurar de fato uma sociedade sustentável, justa e solidária, que

consiste também em desenvolvimento econômico, sim, mas desde este esteja rigorosamente condicionado ao respeito ao meio ambiente e à progressiva inclusão social.