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Sobre a globalização política

2.1 Globalização hegemônica e consequências humanas

2.1.1 Sobre a globalização política

Em sua dimensão política, a globalização pressupõe três elementos essenciais, derivados do Consenso de Washington: “o consenso do Estado fraco; o consenso da democracia liberal; o consenso do primado do direito e do sistema judicial” (SANTOS, 2011, p. 41), que a seguir passamos a examinar de forma mais detalhada.

2.1.1.1 O consenso do Estado fraco

A base da teoria que defende o enfraquecimento do Estado como pressuposto e condição do surgimento de uma sociedade civil forte, desenvolvida e independente, repousa na ideia neoliberal segundo a qual Estado e sociedade civil são coisas por natureza opostas. Conforme essa visão,

A economia neoliberal necessita de uma sociedade civil forte e para que ela exista é necessário que o Estado seja fraco. O Estado é inerentemente opressivo e limitativo da sociedade civil, pelo que só reduzindo o seu tamanho é possível reduzir o seu dano e fortalecer a sociedade civil (SANTOS, 2011, p. 41).

Está plantada, portanto, a ideia do Estado mínimo, ou seja, de um Estado que muito pouco interfere na economia, um Estado que não pode mais cuidar da regulação do comportamento do mercado financeiro, nem ser proprietário de bens ou meios de produção com características de propriedade privada, tais como fábricas, comércios ou imóveis. Daí as ondas de privatizações, acompanhadas de drástica redução dos serviços por parte do Estado, serviços estes que antes eram considerados públicos e alguns deles até mesmo de segurança

nacional (como é o caso das telecomunicações e da energia), mas agora são entregues nas mãos das empresas privadas multinacionais.

2.1.1.2 O consenso da democracia liberal

Ao lado do consenso do Estado fraco, esse é outro elemento essencial de sustentação e efetividade do consenso de Washington, traduzindo-se como uma nova roupagem assumida pelos Estados subalternos (subdesenvolvidos ou em desenvolvimento) a partir da intensificação do processo de globalização. No entanto, no caso dos países periféricos e semiperiféricos, é necessário observar que as características de democracia liberal que ostentam, raramente representa a expressão de suas realidades política e socioeconômica internas; na verdade, apresentar-se ao mundo como um país democrático liberal representa o atendimento de uma imposição da globalização hegemônica para que esses Estados fracos possam continuar recebendo ajuda financeira internacional. Assim é que tais Estados, localizados principalmente no Terceiro Mundo, embora não vivam internamente uma autêntica democracia liberal, são descritos e organizados, no seu arcabouço jurídico- administrativo, com todos os traços característicos de uma democracia liberal, à medida que asseguram formalmente em seus ordenamentos jurídicos a possibilidade de exercício pleno da soberania popular através de eleições livres e justas de seus governantes, liberdade de expressão e de associação etc. Enfim, os Estados política e economicamente mais fracos são compelidos a praticar uma espécie de imitação da democracia liberal dos países hegemônicos, em que se busca

a convergência necessária entre liberdade política e liberdade econômica, as eleições livres e os mercados livres como os dois lados da mesma moeda: o bem comum obtível através das ações de indivíduos utilitaristas envolvidos em trocas competitivas com o mínimo de interferência estatal (SANTOS, 2011, p. 42).

2.1.1.3 O consenso sobre o primado do direito e do sistema judicial

Não podemos esquecer que, quando falamos em globalização hegemônica, estamos tratando de transformações políticas, culturais e socioeconômicas ocorridas dentro de um contexto de democracia. Logo, não há como pensar outra maneira de se garantir a possibilidade prática dessa nova forma política (globalizada) de Estado que não seja pela

obediência a um conjunto de normas legitimado pelo povo e aplicado coercitivamente por instituições e órgãos integrantes de um sistema de Justiça, pois,

num modelo assente nas privatizações, na iniciativa privada e na primazia dos mercados o princípio da ordem, da previsibilidade da confiança não pode vir do comando do Estado. Só pode vir do direito e do sistema judicial, um conjunto de instituições independentes e universais que criam expectativas normativamente fundadas e resolvem litígios em função de quadros legais presumivelmente conhecidos de todos. A proeminência da propriedade individual e dos contratos reforça ainda mais o primado do direito. Por outro lado, a expansão do consumo, que é o motor da globalização econômica, não é possível sem a institucionalização e popularização do crédito ao consumo, e este não é possível sem a ameaça credível de que quem não pagar será sancionado por isso, o que, por sua vez, só é possível na medida que existir um sistema judicial eficaz (SANTOS, 2011, 43).

Portanto, não é desarrazoado afirmar que o aparato institucional da justiça, compreendendo o Poder Judiciário e órgãos auxiliares (Polícias, Ministérios Públicos, Procuradorias e Departamentos de Fiscalização etc.), mesmo nos países periféricos ou subalternos em relação aos países centrais (hegemônicos), funcionam a serviço de uma globalização hegemônica, quando entram em ação para solucionar conflitos resultantes das relações entre cidadãos, agentes econômicos e o próprio Estado.

Os Estados periféricos e semiperiféricos, portanto, a partir desse novo cenário político mundial inaugurado pelo consenso de Washington e seus desdobramentos, resultaram de tal forma encurralados pela globalização hegemônica, instrumentalizada e levada a efeito principalmente pelo Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional - instituições internacionais controladas pelos países hegemônicos -, que perderam a sua posição de protagonista enquanto ente político capaz de tomar iniciativas para regular ou reorganizar a economia. “A intensificação de interações que atravessam fronteiras e as práticas transnacionais corroem a capacidade do Estado-nação para conduzir ou controlar fluxos de pessoas, bens, capital ou ideias, como o fez no passado” (SANTOS, 2011, p. 36).

Mais do que isso: se a soberania dos Estados-nação mais fracos já sofria uma mitigação – necessária e positiva - em razão do modelo democrático de direito que consagra os direitos humanos como referência da atuação estatal, agora se encontra literalmente ameaçada, violada, não em função da causa da cidadania, também não só por imposições injustas de países hegemônicos,

como costumava ocorrer, mas sobretudo por agências financeiras internacionais e outros atores transnacionais privados, tais como as empresas multinacionais. A pressão é, assim, apoiada por uma coligação transnacional relativamente coesa, utilizando recursos poderosos e mundiais (SANTOS, 2011, p. 370).

Portanto, substancialmente enfraquecidos, os Estados que já figuravam em posição subalterna em relação aos Estados centrais - política e economicamente hegemônicos -, vivendo internamente uma democracia liberal imposta (e, por isso, mais fictícia do que real), com seus aparatos de justiça a serviço dos interesses do grande capital neoliberal agora corporificado nessa “coligação transnacional” imbatível, nada podem fazer no sentido de enfrentar o furor e a onipotência do processo globalizante hegemônico, pois “Os Estados não têm recursos suficientes, nem liberdade de manobra para suportar a pressão” (BAUMAN, 1999, p. 73).