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Entrevista

David Crane

David Crane foi game designer na Atari e um dos fundadores da Activision (o primeiro desenvolvedor third party para cartuchos de Atari 2600), que mudou todo o cenário de desenvolvimento e distribuição no início dos anos 1980 (LUZ, 2010).

É o criador do jogo Pitfall (fig. 65), lançado em 1982 e considerado um dos grandes títulos para o Atari 2600, tanto do ponto de vista do visual gráfico (é só compará-lo aos títulos de Atari 2600 de épocas anteriores) quanto do ponto de vista do gameplay e entretenimento proporcionado. É um dos primeiros jogos de plataforma e deu início a uma franquia que estendeu com sucesso por toda a década de 1980.

A entrevista tenta buscar a trajetória de sua carreira enquanto game designer na Activi- sion, sem se esquecer de seu período na Atari. O entrevistado participou de inúmeros pro- jetos nas duas empresas e alguns pontos chave em seus games como o cuidado no visual gráfico e, no caso de Pitfall, o estabelecimento de um mote narrativo rudimentar torna seu depoimento importante para entendermos melhor o contexto de desenvolvimento à época. Entrevista cedida por email em 25/07/2016.

Fig. 64.

David Crane nos dias de hoje. Fonte: foto cedida pelo entrevistado.

Figs. 65 e 66.

Telas de Pitfall (1982) e Combat (1977). Na comparação fica evidente a sofisticação gráfica do primeiro em relação ao segundo. Fonte: captura de tela do autor através de software de emulação.

Qual era sua formação quando começou a trabalhar na Atari?

No seu processo criativo na Activision e na Atari, você recebia briefings ou tinha autonomia criativa?

Qual era sua fonte de inspiração?

Como seu processo criativo se iniciava? Qual era o gatilho?

A Atari criou o 2600 para fazer versões domésticas de seus sucessos nos arcades. A Atari tinha muitos sucessos nos arcades, então se esperava que os games designers fizessem portes dos games dos arcades ao invés de criar games originais. A Activision não possuia qualquer franquia de games de arcade, então nós tínhamos de fazer games originais. E as pessoas mais experientes em games eram os designers, então não havia ninguém para nos dizer o que fazer.

Minha inspiração vinha de muitos lugares. Às vezes eu chegava em uma maneira de fazer o hardware do 2600 performar de uma maneira diferente, e aquilo me sugeriria um novo jogo. Outras vezes, eu tirava minha inspiração do mundo real. [O jogo] Freeway foi um desses jogos literalmente inspirados por eventos do mundo real.

Enquanto estava no ônibus da convenção do meu hotel para a convenção CES em Chicago, eu vi um cara que estacionou no lado errado da Estrada Lake Shore de 10 pistas (para econimizar 10 dólares) e que estava desviando através do tráfego para chegar à convenção. Eu me lembro claramente de comentar com alguém que estava ao meu lado que “há um boa ideia para um videogame”. Eu fui para casa após a convenção, terminei o jogo em que estava trabalhando, e comecei direto no Freeway.

Uma semana antes do jogo ser apresentado publicamente na CES em Las Vegas, o personagem que você controlava era tipo um homem visto de cima. (Havia também uma versão “do mal” que eu fiz apenas por diversão onde o home era reduzido a uma meleca vermelha na rodovia quando atingido por um carro.) Enquanto pensávamos como promover o jogo na CES, o CEO da Activision, Jim Levy, me sugeriu que se

transformássemos o cara em uma galinha, nós poderíamos fazer a velha piada “por que a galinha atravessou a rua”, e mesmo fazer alguém circular na convenção vestido de galinha. Eu gostei da ideia, e, de fato, era mais fácil fazer uma galinha parecer umga galinha em 8 bits do que era fazer um homem visto de cima. Era uma ideia boba, mas ela melhorou o jogo. (Eu inclusive acrescentei um som de “pio” quando a galinha era atingida por um carro).

O final de um projeto era exaustivo. Nós muitas vezes virávamos noites para nos livrar ods últimos bugs do jogo para que ficasse pronto para o Natal. Então no final de um projeto nós muitas vezes iniciávamos outro jogo na sequência. (Nós fazíamos piada chamando isso de “Depressão Pós-Cartucho”). Por 2 a 3 semanas nós vínhamos ao laboratório e apenas jogávamos jogos - jogos de concorrentes, jogos tradicionais, jogos de palavras ou jogos de outros designers.

Formação

Sobre o processo criativo

Na Activision

Me formei como Engenheiro Elétrico. Quando graduei em 1975, a eletrônica digital era um campo bem joveme os microprocessadores estavam começando a ganhar aceitação. (Eles não eram rápidos o bastante para fazer muita coisa). Entre meus estudos e meus próprios projetos de design de circuitos paralelos eu tive um amplo treinamento em eletrônica. Na faculdade, por exemplo, eu desenvolvi um computador que jogava Jogo da Velha feito com 72 circuitos discretos.

Enquanto trabalhava na Atari você teve algum tipo de formação complementar?

Quando você começou e quando saiu da Atari?

Qual era o seu cargo quando entrou na Activision? Qual era o seu cargo quando saiu da Activision?

Você poderia listar alguns dos projetos nos quais você participou enquanto trabalhou na Activision?

Antes de iniciar na Activision você conhecia esse tipo de projetos?

Não na Activision, mas antes da Atari e da Activision eu tinha um conjunto de objetivos muito específico. Eu queria ter experiência prática em cada campo da eletrônica. Eu tinha o que chamamos de “aprendizado teórico”, mas aprendizado teórico não é muita coisa sem experiência prática.

Eu tinha demonstrado na faculdade que dominava a eletrônica digital, então todos ficaram chocados quando o emprego que aceitei fora da faculdade foi na National Superconductor no Linear Design Lab. (Eletrônica digital trabalha com zeros e uns, e oferece lógica e controle. Eletrônica linear nos dá amplificadores, reguladores de energia, comparadores de voltagem etc. Sem mencionar o lado analógico dos conversores analógico/digital.) Dois anos na National Semiconductor me ensinou projeto de circuitos integrados e me deu conhecimento prático em eletrônica linear para reforçar minha compreensão em eletrônica digital. Nesse ponto fui contratado pela Atari para fazer jogos.

Eu fundei a Actvision com três outros game creators da Atari e um rapaz de negócios em outubro de 1979. Eu deixei a empresa em 1987 após uma mudança de gestão a qual eu não concordava.

Desde de meu primeiro dia meu interesse primário era fazer games. Meu cargo era Senior Game Designer e fundador da empresa.

Não havia posição mais alta em game design na empresa, então meu cargo era o mesmo quando a deixei em 1987.

Eu desenvolvi para o Atari 2600: Dragster, Fishing Derby, Laser Blast, Freeway, Grand Prix, Pitfall, The Activision Decathlon e Pitfall II antes de deixar o Atari 2600.

Pelo caminho eu desenvolvi Pitfall para o Intellivision. Depois de ir para o Commodore 64, eu desenvolvi Ghostbusters, Transformers e Little Computer People.

Meu objetivo de vida era fazer dispositivos eletrônicos que poupassem trabalho. Eu reconheci que os videogames estavam meio que na mesma categoria - e certamente em dispositivos eletrônicos. Eu desmontei uma TV com 12 anos, e enquanto ainda era um adolescente eu desmontei o Odyssey PONG da família para ver como funcionava. Eu também participei em uma convenção (Game Tronics 1976) antes de pegar o emprego na Atari. Então eu tinha um bom conhecimento prático sobre sistemas de games por dentro e por fora antes de começar a fazer games.

Você trabalhava sozinho ou tinha assistência?

Nesse processo você estava envolvido nos aspectos operacionais do projeto ou apenas na parte criativa?

No início, os jogos eram feitos por uma pessoa. Nós tínhamos a ideia, esboçavamos o conceito, escrevíamos cada linha de código, criávamos cada pixel da arte e criávamos cada efeitos sonoro. Conforme o [desenvolvimento do] jogo chegava perto do fim, nós testávamos e debugávamos nossos próprios jogos. (Aqui era onde as habilidade de lado direito e lado esquerdo do cérebro eram tão importantes).

Conforme a indústria evoluiu, nasceram os artistas de games. Eu posso desenhar pixels, mas um artista que fosse especializado em pintura de pixels poderia fazer uma arte muito melhor para o jogo. O mesmo aconteceu com os compositores musicais e designers de efeitos sonoros. No final, haviam até mesmo level designers especializados que não tinham nenhuma experiência de programação. Os projetos de jogos foram de uma pessoa para mais de 100 pessoas.

Eu evolui com isso. Conhecer cada disciplina torna fácil gerenciar cada disciplina. Nos últimos anos eu gerenciar alguns grandes projetos. Mas meu primeiro amor sempre foi o game pequeno. Eu achei fazer games para [dispositivos] mobile divertido justamente por essa razão.

O CEO da Activision era inteligente o bastante para reconhecer o grupo de conselheiros que ele tinha com esse grupo de design. Eu não me lembro de nenhuma grande decisão em que não fomos consultados. Dito isso, a bola parava com ele e ele que tomava a decisão final (como deveria ser). Mas entre isso e o que encontrei em outros distribuidores pequenos ao longo dos anos, eu sempre tive minha porção em lidar com as operações de negócios.

Mas fazer games é, e sempre será meu primeiro amor.

Você poderia nos contar (de forma narrativa) como foi o desenvolvimento de Pitfall, desde sua ideia inicial até a sua finalização? Conte-nos desde seu princípio, listando os eventos um após o outro, até o produto final. Você pode incluir quaisquer detalhes que achar relevantes (inclusive contextuais). Tudo que foi importante nos interessa.

Eu ja vinha tentando por anos fazer a figura de um homem caminhando realista no Atari 2600. Tive várias tentativas que falharam e que pus na prateleira enquanto faziam um jogo diferente. Então eu tinha o “homenzinho correndo” na prateleira por um tempo já. Finalmente, enqunto decidia que jogo faria depois, me lembro de sentar no laboratório com uma folha branca de papel, e dizendo para mim mesmo, “eu vou pensar em um uso para o homenzinho correndo senão ele me mata”. Eu desenhei o homenzinho no papel e me perguntei, “No que ele está correndo? -- Um caminho”. “Onde é este caminho? -- Uma floresta”. “Por que ele está correndo? -- Para coletar tesouros”. Eu desenhei o homenzinho, o caminho, algumas árvores, e uma barra de ouro. Eu adicionei um cipó para balançar, e o velho efeito de desenho animado de correr por sobre cabeças de crodocilos, e o jogo esta praticamente projetado. Esse processo não levou mais do que 10 minutos, apesar de que a implementação subsequente levou aproximadamente 1000 horas de desenho, programação, teste e debug.

Se você está interessado em pequenos detalhes técnicos, o mundo de Pitfall Harry é um caminho circular de 254 telas em circunferência. Não havia memória suficiente na ROM do jogo para guardar os quadros de animação gráfica de Harrye as definições para 254 telas. (Tenha em mente que a maior ROM [para Atari 2600] em 1982 era de 4096 bytes. Naqueles dias as 254 telas poderiam usar mais de meio milhão de bytes). Este é o tipo de desafio que eu sempre gostei. Eu resolvi esse problema no Pitfall® criando um algoritmo que definia cada tela matematicamente. A definição do mundo inteiro gasta menos do que 50 bytes da ROM.

Uma explicação de como isto foi conseguido é muito técnico. No fundo é um contador polinomial; um contador binário especial que conta em uma sequência pseudo-randômica. Nós usávamos esses polinômios para gerar aleatoriedade em muitos de nossos jogos, mas para definição de telas eu fiz um contador especial que poderia criar uma sequência para frente e para trás. Se eu chamasse o algoritmo ele me daria o próximo número na sequência; com outro eu teria o número anterior. Assim, se Pitfall Harry corresse para a borda direita da tela eu chamaria o próximo número da sequência; se ele voltasse e corresse de volta para a borda esquerda eu chamaria o número anterior. Se esse número é usado para definir cada tela, uma única cena pode ser definida como a mesma cada vez que o jogador a visita.

Essa foi a parte complicada. Agora, se nós selecionarmos elementos de tela baseados nesse número nós podemos definir cada tela individualmente. Por exmeplo, nós definimos o padrão de árvores do fundo baseados em 3 bits de um número de 8 bits; [Se era] tipo lagoa ou poço usavam mais 3 bits etc. Os tesouros e perigos podiam ser especificados do mesmo modo. Desde que cada detalhe da tela seja baseado naquele número, o mundo inteiro pode ser computado algoritmicamente com muito pouca memória. Depois disso você só precisa entronrar um ponto interesante na sequência para iniciar o jogo. Até onde sei essa foi a única vez em que esta técnica foi usada dessa maneira.

Sobre o jogo Pitfall

Que materiais de referência você usava nesse processo?

Nós jogávamos jogos. Nós jogávamos jogos arcade, jogos de tabuleiro etc. Nós resolvíamos cada puzzle da revista GAMES. Nós discutíamos o que fazia um jogo mais cativante do que outro. Nós estávamos imersos em jogos. Nós também estávamos na ponta. Nós estávamos criando tendências, não as seguindo. Por sorte nós éramos um grupo muito criativo, com interesses diversos.

É notável que não éramos apenas nerds. Sim, nós podíamos falar de computadores como qualquer nerd. Mas nós tínhamos outros interesses, incluindo esportes. Eu jogava tênis no que se poderia chamar nível semiprofissional. Alan Miller jogava tênis e basquetebol. Com uma grande base de interesses, nós podíamos nos relacionar com o jogador médio muito melhor do que, por exemplo, um grupo de nerds introvertidos.

Em algum momento nesse tempo, uma ideia apareceria seja para um jogo ou para uma nova técnica de programação. Nesse momento nós íamos de jogando jogos languidamente a foco de laser na prózima grande ideia. A pessoa tem de ser extremamente automotivada para trabalhar naquele ambiente. Ninguém te incentivar mais do que você mesmo.

Bushnell ´foi fundador da Atari e com ela de toda a indústria dos videogames (LUZ, 2010). A importância de sua entrevista se dá como contraponto à entrevista dada por Allan Alcorn, e sua relação muito proxima na criação do arcade Pong.

Entrevista cedida por email em 29/07/2016. A mediação da entrevista se deu pela assessora de imprensa de Nolan Bushnell, Nancy Nino.

Você poderia fazer considerações sobre outros projetos da mesma época (mesmo que de outros autores)? Aqueles que ache relevantes, que trouxeram inovação ao campo de alguma forma ou aqueles que foram marcantes de alguma maneira para você?

Eu abordava o design de videogames tanto do ponto de vista técnico quando da direção artística (o que os cientistas se referem como habilidades de lado esquerdo e lado direito do cérebro). Cada um dos designers de games da Activision era muito técnico, mas haviam muitos níveis de habilidade artística. Às vezes eu passaria para ajudar em um jogo que precisasse de ajuda artística. Um exemplo é o [jogo] Kaboom, projetado por Larry Kaplan, e um dos maiores jogos de ação rápida já feitos para o [Atari] 2600. Mas quando Larry o terminou, ele era meramente um jogo de bola e raquete. Eu lhe dei o bombardeador maluco, a bomba com o pavio piscante (com efeito sonoro), e o balde de pegar. Kaboom ganhou sucesso de crítica, ganhando prêmios tanto pelo jogo quanto pelos efeitos visuais. River Raid foi outro exemplo. Carol Shaw já tinha o jogo jogável, mas estava atrás de um objetivo. Eu adicionei as pontes que serviam como marcos. (Se você morresse após passa por uma ponte, o jogo reiniciaria a partir daquele ponto e não te mandava para o início.) Eu ahidei com outros gráficos e efeitos sonoros, e o jogo ficou muito melhor após nossa colaboração.

Muitos jogos da Activision eram colaborações em algum nível. Se nós gostávamos (ou desgostávamos) de uma característica feita por um de nossos colegas, nós sempre lhe diríamos. Isto ajudava todos os jogos a ir de bom a ótimo.

Entrevista