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4.2.7

Um dos primeiros game designers na Atari, Rubin, por ter trabalhado por 8 anos na Atari viveu desde os momentos em que os jogos eram produzidos puramente por hardware (bem no final dessa fase, que fiquei claro) até a onda de especialização. Isto fica claro quando ele comenta sobre os cargos ocupados na empresa:

Eu acho que não haviam cargos quando entrei, então eu era apenas um game designer e pro- gramador.

[...]

Quando saí era designer sênior.20

Como já comentado nos tópicos anteriores, ele entrou em uma época que sequer haviam cargos na Atari (apesar de ser contradito por Allan Alcorn), porém quando saiu já havia uma cultura de especialização que fica patente ao colcocá-lo como “designer sênior”.

O jogo usado como foco na entrevista, Major Havoc (Atari, 1983), foi pioneiro em alguns as- pectos interessantes e bem ousado para sua época. O foco claro em uma narrativa profunda

e envolvente mesmo que em um jogo para arcade21. Ao analisarmos o desenvolvimento do

jogo, porém, vemos que há um misto de métodos, ferramentas e práticas, porém a percepção da criação dos jogos por Rubin é ainda aquela ligada à experimentação e à tentativa e erro.

Meu último jogo na Atari, Major Havoc, começou com a ideia de se fazer um jogo a partir de um episódio da série original de Star Trek chamado Tholian Web. Essa ideia permaneceu como parte da primeira onda [fase] no jogo, mas o jogo evoluiu com o tempo. Eu quis criar um jogo a partir de muitos tipos diferentes de jogos, e tirei daí.

95% dos videogames naquela época começavam como uma coisa, e através da tentativa e erro e experimentação e teste, e testes de campo, evoluíam para o jogo final. Era como pintar ou dese- nhar ou fazer música, você vai apenas experimentando coisas até algo funcionar.20

No discurso de Rubin fica claro que mesmo nesse jogo, a ideia de experiência de usuário e/ ou conceito de criação são secundárias em relação a uma ideia de que gostassem ou uma mecânica que parecesse interessante e iam implementando elementos até que “funcionas- se” enquanto jogo.

[...] muitos jogos naquela época não terminavam da mesma maneira que começavam. Assim, por exemplo, Tempest. Você se lembra de Tempest?

[...]

Tempest começou como um Space Invaders em primeira pessoa. E não funcionou. E começamos a modificá-lo.20

O próprio Major Havoc começou a partir da ideia de um dos episódios da série original de Stark Trek, que sugeriu uma mecânica de gameplay que o próprio Rubin diz que “não fun- cionou bem” e tornou essa ideia inicial em apenas uma das fases (que ele chama de ondas) do jogo.

Esse era o jogo original, chamado “Thollian Web”. E nós o olhamos isso e dissemos “ok, é uma ideia interessantes, mas não é um jogo inteiro”. Eu comecei a duvidar das pessoas. Mas eu gostei da ideia do labirinto. E como eu já havia feito o código para fazer o labirinto, eu decidi construir um labirinto como o que o cara percorre na estação espacial, que é o da imagem da direita. Então eu fiz isso que desenhava os labirintos, e então disse “bem, eu preciso de um personagem para correr nele”. Então eu fui até Lyle Rains que era o vice presidente, e disse, você sabe, eu estou com algumas ideias, e ele foi quem teve a ideia de desenhar um personagem. Então ele fez a animação

20.

Entrevista cedida por email em 13/05/2017 e 31/05/2017. A íntegra segue nos apêndices deste trabalho.

21.

Temos de lembrar que a lógica dos jogos arcade sempre foi voltada ao gameplay rápido e com dificuldade elevada, para que isso gerasse poucos minutos de diversão, fazendo com que o jogador inserisse moedas a cada poucos minutos. Os consoles domésticos seguiam essa lógica, copiando o gameplay dos arcades, e essa lógica começou a se diferenciar a partir da metade dos anos 1980, com jogos como Super Mario Bros, The Legend of Zelda e outros que privilegiavam a exploração e várias horas de gameplay.

do personagem. E quando ele desenhou as primeiras duas imagens eu inventei um método de animação para mudança suave de animação de um personagem correndo.20

Ou seja, o jogo evolui de uma mecânica de captura e fuga de uma teia espacial para um jogo com múltiplos gameplays baseado em exploração e com forte apelo na parte de plataforma. e dessa forma Rubin e seu posterior ajudante, Mark Cerny, iam adicionando elementos ao gameplay e mais referências à cultura pop e de informática da época: o lançamento da nave vem da série de ficção científica para televisão da década de 1970 BattleStar Galactica (ABC, 1978), com o desenho das naves baseado nos caças Viper da série. O vilões do jogo eram o Vaxxians, um trocadilho a partir de um computador mainframe da Digital Equipment Cor- poration (DEC) chamado Vax e amplamente usado no mundo corporativo, que assim como os Vaxxians, “escravizava as pessoas”. Há um robô gigante imóvel em uma das salas cujo desenho foi baseado no robô do filme Black Hole (Disney, 1979).

A criação livre exposta por Rubin para seu jogo dificilmente se encaixaria em alguma meto- dologia de design, tanto pelo aspecto do método quanto do foco na solução, porém é um modo sintético de desenvolvimento que talvez pudesse ser comparado à maneira sintética com a qual os designers encaram os problemas. Se considerarmos que o problema de design aqui surge nas reuniões de brainstorming que aconteciam na Atari, e que briefavam os pro- gramadores para a criação dos jogos, temos um processo de design menos sistematizado, porém ainda assim um processo reconhecível de design. As iterações geradas pela adição de gameplay e os testes internos que geravam o feedback também reiteram a prática. Mas a experimentação tira o aspecto de design de uma criação? Segundo as metodologias clássicas ela é parte do processo. Desde LAWSON (2011, p.42) que em sua análise dos mé- todos do RIBA diz que o desenvolvimento muitas vezes nos leva a reavaliar as informações e o estudo do projeto, o que torna o processo de design menos linear, como Rubin cita em Major Havoc. Como já explicado no capítulo 2, Lawson critica a linearidade de alguns mé- todos por dizer que a realidade é muito confusa para não se retornar ao desenvolvimento (LAWSON, 2011, p.43).

Nosso macro-esquema ´análise-síntese-avaliação´ está presente no discurso de Rubin, po- rém em ciclos menores, onde eles resolviam os pequenos aspectos do gameplay elemento a elemento, para ter um todo (o jogo) coerente. A avaliação de “confrontação com o contexto” como proposto desde ALEXANDER (1973), os fazia questionar as variáveis do sistema e rever o desenvolvimento, em pequenos ciclos da tríade.

Também JONES (1992) deixa claro que a variedade de técnicas (como a experimentação livre de Rubin) pode parecer ruim mas a diversidade pode revelar princípios de design mais úteis do que os próprios métodos. “os novos métodos não estão preocupados com a prática do design como conhecemos mas com o pensamento que precede a criação” (JONES, 1992,

p. 45). Os processos citados por Rubin poderiam se encaixar no método de design em três estágios do próprio JONES, inclusive.

O método de Rubin também encontra eco no trabalho de Archer, no que diz respeito a arti- culação entre a função de uso, comercialização e a fabricação. Além disso, os três elementos que definem o que é o design e o projeto para Archer (um modelo; a intenção de realização e o posicionamento criativo) também estão no discurso de Rubin.

E apesar da experiência de usuário não estar presente no momento de criação dos projetos de Rubin, ele tem postura reflexiva sobre a mudança de repertório desse público que permi- tia então novas experiências.

Como todos jogos na Atari, ele [Major Havoc] evoluiu. Veja você, se você pensar em Battlezone, feito pelo Ed Rotberg, que começou como um jogo de guerra espacial em visão de primeira pessoa. E as pessoas não conseguiam jogar. Nós vimos a evolução dos jogaodres com o tempo. Mesmo pensando nisso, se voltarmos para o design original, o primeiro jogo chamado Computer Space. Você conhece Computer Space? Ele foi o primeiro jogo. Era muito confuso. Sabe, esquerda, direita, esquerda, direita, hiperespaço, empuxo, fogo, você sabe, o botão de disparo, era tipo, as pessoas não o entendiam. E é por isso que Pong se tornou tão fácil. E então Asteroids, que era o Computer Space, feito em um hardware mais novo, as pessoas entenderam completamente. Então houve uma evolução do game design e da aceitação nesse campo.20

E além de tudo isso tinha a preocupação da narrativa, pois assim que começou a evoluir enquanto jogo, Rubin fez questão de contar uma história. Assim que o jogo deixou o caráter de jogo de pura habilidade, ele fez questão de deixá-lo mais profundo.

[...] algumas pessoas acharam Major Havoc bem confuso. [...]

Era profundo; tinha profundidade. O que eu realmente queria era contar uma história.

Essa preocupação narrativa foi levada a cabo a despeito da possível não preparação do público para o jogo, Rubin acreditava que havia espaço para jogos mais expressivos. Tanto isso é verdade que um dos aspectos pioneiros do jogo foi justamente sua expressividade. O personagem principal do jogo, caso você deixe de mexer os controles e o deixe estático por alguns segundos, cruza os braços e começa a bater o pé, mostrando impaciência e atitude. Ele não era apenas um outro avatar de games, mas tinha personalidade e carisma. Tinha vida. Esse aspecto foi pioneiro e copiado anos depois por jogos como Sonic The Hedgehog (Sega, 1991) e Crash Bandicoot (Sony, 1996), com o mesmo intuito de mostrar como o per- sonagem tinha personalidade própria independente do jogador.