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CONSTRUINDO A CARREIRA COMO DOCENTE

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A segunda parte desta tese tem como objetivo discorrer sobre as motivações empreendidas pelos bacharéis no processo de definição profissional desde a escolha pelo curso de graduação aos movimentos de construção das trajetórias que os conduziram à docência universitária, partindo de duas questões centrais: 1. O que motiva um bacharel a tornar-se professor universitário? 2. Quais foram os percursos que os conduziram ao exercício da docência?

Na busca por responder a elas, fez-se necessário considerar que as escolhas profissionais são motivadas por fatores diversos, nas quais as redes de interdependências em que estamos envolvidos contribuem significativamente nesse processo. Partindo disso, os cenários e as experiências de vida constituem-se como um dos primeiros passos para que se possa compreender o que conduz uma pessoa ao exercício de uma profissão.

Em toda esta parte é possível perceber que, no que se refere à escolha do curso de graduação, alguns sentidos são comuns aos professores entrevistados. O primeiro deles foi o desejo pelo sucesso e prosperidade financeira que o curso poderia possibilitar, incentivados, sobretudo, pela imaturidade da juventude e pelos discursos reproduzidos socialmente sobre as carreiras promissoras da estabilidade profissional.

Apesar dessa motivação, os professores afirmam que desconheciam de fato os objetivos de formação do curso e suas características, já que tinham em vista apenas as boas referências profissionais de quem já estava formado e trabalhando. Algumas marcas de diferenças surgem nas falas: professores que mudaram de curso durante a graduação pelo convite de realização de um curso superior e, ainda, decisões baseadas por situações familiares ocorridas em um determinado contexto histórico-social que influenciaram as decisões sobre novas escolhas profissionais a serem seguidas.

Diante das experiências profissionais no decorrer do curso, e após a conclusão destes, os entrevistados passaram por diferentes experiências profissionais extracurriculares, assim como buscaram a Pós-graduação como meio de se qualificar e de mudar suas trajetórias profissionais. Nos percursos vividos podem ser percebidas tanto a presença do interesse quanto da frustração pela profissão escolhida, e isso passa a demarcar outras trajetórias a

serem seguidas. As trajetórias bem sucedidas são respaldadas pelo discurso da vocação ou destinação que os conduziram ao curso. No que se refere à frustração, estratégias de superação são explicitadas pelos professores, e nesse processo, a docência surge como mais uma profissão.

De acordo com os professores a docência surge quase como um acaso, o que concebemos como algo que não estava previsto nos planos profissionais iniciais. O acaso, a vocação e o destino novamente aparecem posteriormente como um meio de tentar explicar os percursos que fizeram. O insucesso profissional conduz à docência universitária, sendo ela percebida como uma opção bem sucedida da profissão. Se para alguns a docência é uma superação da falta de dificuldades em exercer a profissão de formação, para outros, significa o respaldo de que são profissionais bem sucedidos. Alguns professores iniciaram na profissão docente por convites institucionais que os consideravam referências de competências profissionais em uma determinada área. Pode ser percebido ainda, que alguns professores, incentivados pelo desejo de serem pesquisadores e de continuarem ampliando seus estudos, tornam-se professores por reconhecer a docência como uma das poucas atividades que permite ao profissional, recursos para pesquisas, ainda que a docência não seja a atividade que mais gostem de exercer.

Diante desse cenário em que se passam as trajetórias profissionais dos bacharéis, busco, na terceira parte desta tese, conhecer os sentidos de docência universitária para eles, assim como discutir sobre as relações que eles estabelecem entre o bacharelado e a docência no Ensino Superior.

PARTE III

É fato que cada ser humano adquire conhecimento de outro ser humano por meio do aprendizado. Cada pessoa durante anos e mesmo toda a vida depende de outras para adquirir conhecimentos e certamente não só para isso. Não temos como falar no individuo independente, em apenas um “eu”, cada individuo é composto de um “você”, de um “nós” (ELIAS, 1998, p.27.)

Essa epígrafe auxilia a compreensão de como aprendemos nas relações com os outros por meio da experiência, considerada como mediadora da formação. Ao discutir sobre a experiência como legitimadora da docência, procuro explicitar nesta parte os sentidos atribuídos pelos bacharéis à docência universitária, as relações por eles estabelecidas entre as suas formações profissionais e a ação como professores universitários, reconhecendo que o sentido atribuído à docência influencia nas formas de ser e agir como professor.

Os sentidos de docência universitária são construídos pelos bacharéis nas redes de interdependências ao longo de suas trajetórias de vida, na medida em que nossa existência está atrelada pelas relações que nos une enquanto seres sociais. Dessa forma, nossos sentidos estão implicados em um eu plural, relacional e, por isso, relativo (AUGÉ, 1997).

Busco analisar esses sentidos considerando as explicações plurais que eles atribuem à sua realidade e, nelas, as experiências vividas tornam-se fundamentais na medida em que muitas vezes permite ao professor reconhecer, ainda que de forma retrospectiva, sua relação com a docência, com a coletividade que o envolve e ainda com a história.

Augé (1999), explica que as experiências vividas no passado criam identidade, com aqueles que a compartilham. Assim, criam a diferença, com as gerações mais recentes, em que as experiências já são históricas. Partindo dessa compreensão, o sentido de ser docente para os bacharéis, perpassa pela relação entre o vivido no passado (as imagens de docência do passado, quando ainda não eram professores) e as experiências mais atuais (como professor), e nessa relação pode ser percebido o entrecruzamento de um conjunto de relações presentes no sentido de ser professor.

Por isso, reafirmo a importância das experiências formativas por ser um processo que permite continuidades, descontinuidades, rupturas e reelaborações do conhecimento. Por isso, são englobantes e estão vinculadas a todas as dimensões da pessoa.

Ao iniciar essa parte, ressalto que a docência para os bacharéis entrevistados é uma atividade que tem como princípio o fazer. É nesse fazer que se aprender a ser; é no agir cotidiano que um bacharel se torna um professor, por isso a experiência é legitimadora da docência: “é no cotidiano com os alunos que me faço professora, procuro todos os dias aprender a como me fazer entender para que eles aprendam”, como explica Lia.

Essa fala é um exemplo, dentre outras que me conduziu à discussão dessa parte, a partir do qual busco enfatizar a experiência profissional na área de formação do bacharel, assim como sua experiência docente como um meio de formação de professores. Confesso que essa é uma discussão complexa, todavia, não tenho como perspectiva defender os modelos do professor artesão, como aquele que constrói suas regras próprias de trabalho, seus métodos de ação e estratégias que são compartilhadas entre seus pares, conforme apresenta Ramalho, Nuñez e Gauthier (2003). Também não pretendo me amparar no modelo do professor técnico apresentado por esses autores, como aquele que apenas ensina a fazer sem considerar a reflexividade e a criticidade tão importantes no processo de ensino- aprendizagem.

Considero a experiência como legitimadora da docência, na medida em que a ação docente permite cotidianamente situações problema nas quais os professores buscam soluções que permitam superar as dificuldades de aprendizagens apresentadas pelos alunos. Essas dificuldades se revelam de formas diferenciadas tanto nas formas como em suas complexidades, fazendo com que ensinar seja, como afirma Perrenoud (2003), agir na urgência, decidir na incerteza, e isto é muito marcante nas falas dos professores. Como afirma Henrique: “nenhuma aula é igual à outra. Existem similaridades, mas os alunos são surpreendentes e não nos deixam cair no ativismo”.

Todavia, reconheço que os cursos de bacharelado não têm como finalidade a formação de professores, mas acredito que a prática cotidiana de uma atividade profissional pode nos favorecer quanto ao desenvolvimento de saberes. Estes saberes permitem a

realização de uma autoavaliação constante do que temos internalizado e dos saberes que são necessários para a superação das dificuldades oriundas no dia-a-dia.

Os bacharéis participantes desta pesquisa passaram por todo um processo de formação ao longo de suas vidas, assim como possuem uma extensa experiência profissional que possibilitaram, de um lado, o conhecimento do que é ser profissional em uma área específica. Por outro lado, construíram nesse processo experiencial saberes sobre ser professor da área em que atuam e embora eles não sejam suficientes, são imprescindíveis à sua atuação.

O vivido no passado e as experiências do presente constituem-se, dessa forma, como fonte de aprendizagem, um meio de associação de saberes, de valores e crenças sobre o que é ser professor.

Como exemplo, Isadora, filha de professora, afirma que durante toda sua infância e juventude participou da vida profissional da mãe, ajudando-a e vendo o trabalho que ela desenvolvia: “Como eu tinha acabado de vivenciar minha alfabetização, ajudava, e os alunos gostavam mais da minha forma de ensinar do que a de minha mãe.”. Esse é um exemplo que me conduz à compreensão de que a formação docente não começa apenas nos cursos de licenciatura, mas os precede, pois nossas experiências de vida são essenciais nas formas como construímos nossas identidades profissionais.

No decorrer desta parte, poderá ser percebido como a relação entre os bacharéis e os alunos, e com professores enquanto seus pares, em diferentes instâncias sociais na instituição universitária, possibilitará que se compreendam os sentidos de ser professor, as relações entre a formação (específica) e a docência universitária, assim como suas percepções sobre o que envolve a ação docente.

Essa ação docente pode ser considerada diferente da prática, se considerar que a ação “refere-se aos sujeitos, seus modos de agir e pensar, seus valores, seus compromissos, suas opções, seus desejos e vontade, seu conhecimento, seus esquemas teóricos e leitura do mundo” (PIMENTA; ANASTASIOU, 2002, p.178). Essa ação se realiza em relação às práticas institucionais, por isso estão imbricadas. A prática, por sua vez, pode ser entendida como formas de educar institucionalizadas, que podem ocorrer em diferentes contextos

Assim, na busca de compreender os sentidos que os bacharéis atribuem à docência universitária e as relações entre a formação profissional e a ação como docente, apresentamos como questões que norteiam as discussões dos capítulos: 1. Quais os sentidos da docência para bacharéis que atuam como docentes na universidade? 2. Que saberes eles mobilizam para o exercício da docência universitária? 3. Existe relação entre a atividade de formação do bacharel e sua atuação como docente?

Essas questões que apresento são coerentes com minha questão central e conduzirão as discussões a seguir, pois respondo ao longo de dois capítulos sobre os sentidos, os saberes e as relações estabelecidas entre o bacharelado e a docência universitária. Uma vez que não tenho como escrever essa parte sem estabelecer relações com a parte anterior, enfatizo que conhecer os caminhos dos bacharéis rumo à docência universitária me auxiliou a compreender os sentidos que se atribuem à docência e a forma como os bacharéis se identificam profissionalmente.

CAPÍTULO 5